Mortalidade materna no Brasil: análise de tendências temporais e agrupamentos espaciais

Ianne Vitória Gomes Oliveira Thatiana Araújo Maranhão Maria Madalena Cardoso da Frota Thalis Kennedy Azevedo de Araujo Samir da Rocha Fernandes Torres Maria Izabel Félix Rocha Maria Eduarda da Silva Xavier George Jó Bezerra Sousa Sobre os autores

Resumo

O objetivo do artigo é analisar o padrão espacial e temporal e identificar indicadores socioeconômicos relacionados à razão de mortalidade materna (RMM) no Brasil de 2010 a 2020. Estudo ecológico que analisou a RMM nos municípios do Brasil, utilizando dados secundários. Para análise temporal, utilizou-se o método joinpoint. Para a identificação de aglomerados espaciais, utilizou-se estatística bayesiana, autocorrelação espacial, a técnica Getis Ord Gi* e a varredura scan. Para a identificação dos fatores associados à RMM, foram adotados modelos múltiplos de regressão não espacial e espacial. Observou-se aumento da RMM de 2019 para 2020. Houve crescimento de óbitos nas regiões Norte e Sudeste. Os clusters foram encontrados no Amazonas, Tocantins, Piauí, Maranhão, Bahia e Mato Grosso do Sul. Estão negativamente relacionados à RMM os seguintes indicadores: taxa de parto cesáreo, índice de desenvolvimento humano municipal e renda domiciliar per capita dos vulneráveis à pobreza. Embora a tendência temporal tenha se mostrado constante até 2019, a RMM apresentou crescimento no ano de início da pandemia de COVID-19 no país. A redução da MM no Brasil vai além da promoção de melhorias na assistência gravídico-puerperal, sendo fundamental focar também nos determinantes sociais do problema.

Palavras-chave:
Mortalidade materna; Epidemiologia; Análise espacial

Introdução

A mortalidade materna (MM) consiste no óbito de uma mulher durante o período gestacional, o parto ou até 42 dias após o término da gravidez, causado por qualquer fator associado ou intensificado pela gestação ou por medidas tomadas em relação a ela, excluindo-se, portanto, causas acidentais ou incidentais11 World Health Organization (WHO). Trends in maternal mortality 2000 to 2020: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group and UNDESA/Population Division [Internet]. 2023. [cited 2023 jun 21]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/978924008759
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Globalmente, cerca de 99% dos óbitos maternos ocorrem em países em desenvolvimento. O risco de uma mulher em um país de baixa renda morrer por causas relacionadas à maternidade é cerca de 120 vezes maior em comparação ao de mulheres que vivem em países de alta renda11 World Health Organization (WHO). Trends in maternal mortality 2000 to 2020: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group and UNDESA/Population Division [Internet]. 2023. [cited 2023 jun 21]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/978924008759
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. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), finalizados em 2015, tiveram como uma de suas metas a redução em 70% da razão de mortalidade materna (RMM), que consiste em indicador de saúde utilizado para caracterizar as mortes maternas independentemente da duração ou localização da gravidez. Contudo, parcela importante dos países não conseguiu cumprir a meta estabelecida, incluindo o Brasil, que reduziu a RMM apenas em torno de 50,0%11 World Health Organization (WHO). Trends in maternal mortality 2000 to 2020: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group and UNDESA/Population Division [Internet]. 2023. [cited 2023 jun 21]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/978924008759
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,22 Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Folha informativa - mortalidade materna [Internet]. 2018. [acessado 2022 jul 19]. Disponível em:.

No Brasil, comparado ao ano de 2019, foi observado aumento expressivo da RMM em todas as regiões brasileiras a partir de 2020, ano em que foram registrados 2.039 óbitos maternos. Em estados como Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Maranhão e Piauí foram notificados mais de 100 óbitos por 100.000 nascidos vivos em 2020. Destaca-se que 9,17% desses óbitos tinham associação com a COVID-19, e isso pode estar relacionado ao receio que algumas gestantes infectadas com o vírus SARS-CoV-2 apresentaram em buscar assistência em meio a uma pandemia. Tal fato acabava por prejudicar o quadro de saúde da mulher e influenciava seu agravamento com o desenvolvimento de pneumonia, insuficiência respiratória, sepse, choque séptico e, por fim, o óbito por COVID-1933 Karimi L, Makvandi S, Vahedian-Azimi A, Sathyapalan T, Sahebkar A. Effect of COVID-19 on mortality of pregnant and postpartum women: a systematic review and meta-analysis. J Pregnancy 2021; 2021:8870129.. Da mesma forma, estudo realizado na Suécia revelou que, em comparação com as outras mulheres, as gestantes com COVID-19 apresentaram maior risco de necessitar de uma unidade de terapia intensiva (UTI) devido ao agravamento dos sintomas da doença44 Collin J, Byström E, Carnahan A, Ahrne M. Public Health Agency of Sweden's brief report: pregnant and postpartum women with severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 infection in intensive care in Sweden. Acta Obstet Gynecol Scand 2020; 99(7):819-822..

Em face ao exposto, a avaliação dos óbitos no período gravídico-puerperal se revela um importante indicador das desigualdades sociais e regionais no Brasil e no mundo55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Boletim Epidemiológico [Internet]. 2022. [acessado em 2022 Jul 16]; Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/edicoes/2022/boletim-epidemiologico-vol-53-no20
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6 Miranda DM, Neto CPS, Alcântara DS, Melo MP. Mortalidade materna: perfil dos óbitos maternos ocorridos no estado do Tocantins no período de 2008 a 2017. Rev Cereus 2020; 12(2):2-14.
-77 Motta CT, Moreira MR. O Brasil cumprirá o ODS 3.1 da Agenda 2030? Uma análise sobre a mortalidade materna, de 1996 a 2018. Cien Saude Colet 2021; 26(10):4397-4409.. Assim, nesse contexto de crescimento da RMM, tornam-se necessários estudos de tendência temporal e espacial, a fim de identificar aglomerados de mortalidade materna e os indicadores socioeconômicos a ela relacionados, de modo a possibilitar o planejamento de políticas públicas específicas e direcionadas aos locais onde o problema se mostra mais grave. Além disso, destaca-se o ineditismo desta pesquisa, já que não foram encontradas na literatura pesquisas que utilizaram técnicas de geoprocessamento para estudar a mortalidade materna tendo como área de interesse todos os 5.570 municípios brasileiros. Desse modo, o presente estudo é inédito e objetiva analisar o padrão espacial e temporal e identificar indicadores socioeconômicos relacionados à mortalidade materna no Brasil no período 2010-2020.

Materiais e métodos

Trata-se de estudo ecológico que tem como unidade de análise os municípios brasileiros. O Brasil tem em torno de 8,5 milhões de km2 de área territorial, 5.570 municípios e população estimada de pouco mais de 215 milhões de habitantes. Além disso, é dividido em 27 unidades federativas (UF) e em cinco macrorregiões: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul88 Instituto Brasileiro de Geográfia e Estatística (IBGE). Estatísticas populacionais e geográficas [Internet] 2022. [acessado 2022 maio 18]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/pt/inicio.html/
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Esta investigação utilizou dados secundários oriundos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC), compilados no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). As informações coletadas se referem às mortes maternas ocorridas de 2010 a 2020. Para a análise temporal, utilizou-se dados agregados por região, desse modo, foi utilizado o software Joinpoint Regression Program, versão 4.6.0.0, para calcular a variação percentual anual (annual percentage change - APC), considerando-se intervalo de confiança de 95% (IC95%).

O programa realiza análise linear segmentada, com transformação logarítmica dos valores, testando se um ou mais pontos de inflexão devem ser adicionados ao modelo linear pela técnica estatística de permutação de Monte Carlo. Devido a isso, a análise também é conhecida por regressão por pontos de inflexão, em que cada ponto adicionado ao modelo representa uma mudança da tendência linear. Definiu-se como variável independente o ano da ocorrência do óbito materno, e como variável dependente, a RMM em cada ano. Quando o valor da APC é negativo, significa tendência decrescente, e quando positivo, tendência crescente, desde que haja significância estatística (p < 0,05). Quando não há significância estatística (p > 0,05), diz-se que a tendência é estacionária99 Liu B, Kim HJ, Feuer EJ, Graubard BI. Joinpoint regression methods of aggregate outcomes for complex survey data. J Survey Stat Methodol 2022; 11(4):967-989..

Para a análise espacial das taxas brutas, inicialmente foi feito o cálculo da RMM média dos municípios brasileiros utilizando-se a padronização pelo método indireto. Como numerador da fórmula foi utilizado o número total de óbitos maternos dividido pelo total de anos estudados (11 anos), e como denominador foi usada a população de nascidos vivos (NV) de 2015, que é o ano central do período estudado multiplicado por 100.000 NV. Para minimizar a instabilidade das taxas brutas, estas foram posteriormente suavizadas por meio do método bayesiano empírico local para corrigir flutuações aleatórias casuais1010 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Abordagens Espaciais na Saúde Pública [Internet]. 2006. [acessado 2022 ago 11]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/serie_geoproc_vol_1.pdf
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A fim de identificar aglomerados espaciais, foram utilizados os métodos de autocorrelação espacial, varredura scan e a técnica Getis-Ord Gi*, considerando-se significância de 5%. Empregou-se o índice de Moran global para testar a hipótese de dependência espacial em toda a área estudada. Uma vez identificada autocorrelação global, utilizou-se o índice de Moran local (local index spatial analysis - LISA) para verificar agregados espaciais em cada município brasileiro, sendo seus resultados representados pelo Moran map. Padrões alto/alto e baixo/baixo indicam pontos de associação espacial positiva, no sentido de que uma localização apresenta vizinhos com valores semelhantes. Já os padrões alto/baixo e baixo/alto indicam pontos de associação espacial negativa, demonstrando que uma localização apresenta vizinhos com valores diferentes1111 Arcênio RA, Berra TZ, Terena NFM, Rocha MP, Alecrim TFA, Kihara FMS, Mascarello KC, Sales CMM, Maciel ELN. Spatial clustering and temporal trend analysis of international migrants diagnosed with tuberculosis in Brazil. PLoS One 2021; 16(6):e0252712.

RMM=Nototaldeóbitosmaternos/Nodeanosestudados(11anos)PopulaçãodeNVdoanocentral(2015)×100.000NV

A técnica Getis-Ord Gi* cria escores-z que permitem identificar aglomerados. Valores elevados de escores-z mostram áreas de altas taxas aglomeradas com áreas de taxas semelhantes (áreas quentes - hotspots); baixos escores-z mostram áreas de baixas taxas de mortalidade rodeados de áreas semelhantes (áreas frias - coldspots)1111 Arcênio RA, Berra TZ, Terena NFM, Rocha MP, Alecrim TFA, Kihara FMS, Mascarello KC, Sales CMM, Maciel ELN. Spatial clustering and temporal trend analysis of international migrants diagnosed with tuberculosis in Brazil. PLoS One 2021; 16(6):e0252712. Por fim, na estatística scan puramente espacial, a janela de varredura envolveu 50% da população sob risco e o modelo probabilístico utilizado foi o de Poisson. A estatística scan possibilitou o cálculo do risco relativo (RR), no qual municípios com RR > 1 têm risco de óbitos superior ao observado em todo o país1010 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Abordagens Espaciais na Saúde Pública [Internet]. 2006. [acessado 2022 ago 11]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/serie_geoproc_vol_1.pdf
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Para identificar a influência de indicadores socioeconômicos na RMM, foi utilizado inicialmente o método de regressão clássico ordinary least squares (OLS) univariado. Para tanto, adotou-se o critério epidemiológico, isto é, após vasta revisão da literatura sobre o tema, foram escolhidos para compor o modelo OLS apenas indicadores que possam potencialmente estar relacionados à RMM. Como fonte para os indicadores, buscou-se o sítio eletrônico da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), que mensura o desenvolvimento socioeconômico local1212 Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN). Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM) [Internet]. 2018. [acessado 2022 jun 29]. Disponível em: https://www.firjan.com.br/data/files/46/21/E2/BD/DF834610C4FC8246F8A809C2/Metodologia%20IFDM%20-%20Final.pdf
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, bem como o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, com dados sobre natalidade1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) [Internet]. 2022. [acessado 2022 jun 30]. Disponível em: https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/
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. Além disso, buscou-se o Atlas da Vulnerabilidade Social do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que possibilita analisar desigualdades por meio da identificação de vulnerabilidades sociais1414 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Atlas da Vulnerabilidade Social [Internet]. 2017. [acessado 2022 jun 29]. Disponível em: http://ivs.ipea.gov.br/index.php/pt/
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. Das fontes mencionadas, retiraram-se os seguintes indicadores: índice de Gini, renda domiciliar per capita, índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM), índice de vulnerabilidade social, índice FIRJAN de desenvolvimento municipal (IFDM), cobertura da atenção básica e taxa de cesariana.

No modelo de regressão OLS, as variáveis explicativas foram selecionadas utilizando-se a técnica backward selection, enquanto a presença de multicolinearidade foi avaliada por meio do fator de inflação da variância (variance inflation fator - VIF). Aquelas que permaneceram no modelo múltiplo final da regressão OLS com p < 0,10 também foram inseridas, a princípio, em modelos geográficos globais (spatial lag e spatial error). O modelo spacial lag atribui autocorrelação espacial à variável dependente. Já o modelo spacial error pressupõe que a dependência espacial observada se deve à influência de variáveis não incluídas no modelo1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) [Internet]. 2022. [acessado 2022 jun 30]. Disponível em: https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/
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Em seguida, procedeu-se também ao ajuste do modelo de regressão espacial geographically weighted regression (GWR) das variáveis explicativas que apresentaram p < 0,10 no modelo OLS, uma vez que os modelos espaciais globais utilizados anteriormente não possibilitam o mapeamento do fenômeno. O resultado da regressão GWR é apresentado em dois mapas temáticos para cada indicador socioeconômico: um para o valor do coeficiente de regressão, outro para representar a significância estatística de cada município, desta vez considerando-se p < 0,05. Os quatro métodos de regressão foram comparados, sendo selecionados aqueles que apresentaram melhor ajuste por meio do maior valor do coeficiente de determinação (R²) ajustado e do menor valor do Akaike information criterion (AIC).

Para a varredura scan foi empregado o software SatScan v.9.6. A regressão OLS foi calculada pelo software Stata v.12. Para a estatística bayesiana, a técnica Gertis-Ord Gi* e as regressões spatial lag e spatial error, utilizou-se o programa GeoDa 1.6.7. A regressão GWR foi feita no software GWR v.4.0.9. Os mapas foram elaborados no software QuantumGis v.2.14.17.

Foram respeitados todos os aspectos éticos e legais preconizados pela Resolução nº 510/16 do Conselho Nacional de Saúde. Por se tratar de estudo com dados secundários de domínio público, não se fez necessário submissão deste estudo à apreciação por um comitê de ética.

Resultados

No período de 2010 a 2020, foram registrados 18.662 óbitos maternos no Brasil. Houve maior frequência de óbitos entre mulheres de 30 a 39 anos (n = 7.391; 39,6%) e de 20 a 29 anos (n = 7.295; 39,1%). Parcela expressiva dos óbitos era de mulheres de cor parda (n = 9.729; 54,0%), solteiras (n = 9.128; 53,0%) e com escolaridade de 8 a 11 anos de estudo (n = 6.746; 43,2%). A maioria dos óbitos ocorreu no hospital (n = 16.963; 90,9%).

A razão de mortalidade materna média do Brasil no período estudado foi de 58,6 óbitos maternos por 100.000 NV. Houve tendência relativamente constante da RMM no período de 2010 a 2019, contudo, observa-se aumento abrupto da mortalidade de 2019 (55,31 óbitos/100.000 NV) para 2020 (71,97 óbitos/100.000 NV), se comparado aos anos anteriores investigados. Entre as regiões brasileiras, a Norte apresentou a média de mortalidade materna mais elevada (72,47 óbitos/100.000 NV), seguida da Nordeste (69,27 óbitos/100.000 NV). As demais regiões apresentaram RMM média acima de 40 óbitos por 100.000 NV (Figura 1).

Figura 1
Razão de mortalidade materna por região, 2010-2020.

A análise temporal pelo método joinpoint mostrou que de 2010 a 2020 houve crescimento significativo da mortalidade materna de 3,0% (IC95%: 1,1-4,9; p = 0,006) ao ano no Norte do país e de 2,0% (IC95%: 0,5-3,7; p = 0,017) ao ano no Sudeste. Vale destacar que a Sul foi a única região que apresentou valor da APC negativa, no entanto, sem significância estatística. As demais regiões, assim como o país em sua totalidade, apresentaram tendência estacionária (Tabela 1).

Tabela 1
Variação percentual anual da mortalidade materna no Brasil, 2010-2020.

Na Figura 2 são apresentados os resultados das técnicas de detecção de aglomerados espaciais. Observou-se que as RMM brutas (mapa A) apresentam distribuição irregular no território nacional. Contudo, após a suavização delas, pode-se obter uma distribuição mais estável das taxas (mapa B), com a maioria dos municípios brasileiros apresentando RMM que variou de 0,01 a 100,00 óbitos por 100.000 NV. Observam-se aglomerados de óbitos abrangendo especialmente municípios dos estados do Amazonas, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia e Mato Grosso do Sul.

Figura 2
Razão da mortalidade materna bruta (A), razão suavizada pelo método bayesiano empírico local (B), Moran map (C), hotspots e coldspots (d), aglomerados de mortalidade materna (E) e risco relativoᵃ segundo a varredura scan (F). Brasil, 2010-2020.

O índice de Moran global, calculado a partir das taxas brutas, demonstrou autocorrelação espacial positiva significativa (I = 0,0682; p = 0,001). Com isso, procedeu-se ao cálculo do índice de Moran local. No mapa C, as áreas em cinza escuro indicam municípios com padrão alto/alto localizados, principalmente, no Tocantins, Norte do Mato Grosso do Sul e nos estados nordestinos, exceto Pernambuco e Alagoas. Em contrapartida, municípios com padrão baixo/baixo encontram-se prioritariamente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil.

De maneira semelhante, a técnica Getis-Ord Gi* também evidenciou praticamente o mesmo padrão espacial já visualizado no Moran map, ao ressaltar as áreas quentes (hotspots) em quase todos os estados da região Nordeste, exceto Pernambuco e Alagoas, bem como nos estados do Tocantins, Roraima, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais (mapa D). Ressalta-se especial ênfase ao Piauí, estado cuja parcela expressiva de seus municípios mostraram padrão alto/alto de óbitos (mapa C) e hotspots (mapa D). Além disso, também são apontadas como áreas frias (coldspots) os estados das regiões Sul e Sudeste.

Os mapas E e F representam os clusters e risco relativo (RR) calculados pela varredura scan puramente espacial. Foram identificados 11 clusters, entretanto, apenas cinco foram significantes (p < 0,05). O cluster primário, obtido a partir da distribuição de um evento no espaço geográfico sem um padrão definido, incluiu 1.150 municípios, localizados principalmente nos estados do Amapá, Roraima, Pará, Tocantins e Goiás. Os clusters secundários, que também apresentam significância estatística, encontram-se em quase todos os estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (mapa E). No mapa F, observa-se que a maioria dos municípios brasileiros apresenta de um a três vezes mais risco de mortalidade materna em comparação à totalidade do território brasileiro.

Para avaliar a influência de indicadores socioeconômicos na RMM dos municípios brasileiros, compararam-se os parâmetros das análises dos modelos de regressão OLS (R² = 0,041; AIC = 63705,7), spatial lag (R² = 0,042; AIC = 64960,2), spatial error (R² = 0,041; AIC = 64962,2) e GWR (R² = 0,068; AIC = 64896,7). Assim, identificou-se que os modelos OLS e GWR se mostraram mais bem ajustados, uma vez que o OLS apresentou o menor AIC e o GWR possuiu o maior R².

A Tabela 2 apresenta os indicadores que influenciam a mortalidade materna no Brasil. No modelo final OLS, as variáveis independentes que apresentaram associação negativa com a variável desfecho foram: taxa de parto cesáreo (β = -0,14; p = 0,08), o índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM) (β = -151,87; p < 0,001) e a renda domiciliar per capita média dos vulneráveis à pobreza (β = -0,17; p = 0,03). Assim, quando um indicador diminui, os óbitos maternos aumentam.

Tabela 2
Modelos de regressão OLS, spatial lag, spatial error e GWR dos indicadores socioeconômicos que influenciam a razão da mortalidade materna no Brasil, 2010-2020.

A Figura 3 evidencia a distribuição espacial dos coeficientes estimados e da significância estatística das variáveis independentes associadas à RMM no modelo de regressão espacial GWR. Os mapas A e B mostram que em estados da região Norte (Amazonas, Acre, Rondônia), além de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, houve associação negativa entre a taxa de parto cesáreo e a variável dependente.

Figura 3
Distribuição espacial dos coeficientes estimados e da significância estatística das variáveis independentes associadas à mortalidade materna no modelo de regressão espacial GWR no Brasil, 2010-2020ª.

Verificou-se ainda que, quanto menor o desenvolvimento humano (IDHM), maior é a RMM em parcela expressiva do Tocantins, Goiás e Paraná (Mapas C e D). Já em municípios do Sul do Tocantins e Oeste do Paraná, foi verificada associação positiva entre o indicador renda per capita dos vulneráveis à pobreza e a RMM (mapas E e F).

Os resultados completos estão disponíveis em: https://doi.org/10.48331/scielodata.ACINRO.

Discussão

Os resultados da evolução temporal da RMM no país apontaram tendência estacionária na última década. Todavia, embora se observe estagnação da RMM nos últimos anos, em 2020 foi evidenciado aumento significativo da taxa de óbitos maternos, fenômeno que coincidiu com o início da pandemia de COVID-191515 Soeiro VMS, Vasconcelos VV, Caldas AJM. A comorbidade tuberculose-diabetes no Brasil, 2012-2018: análise espacial exploratória e modelagem estatística. Rev Panam Salud Publica 2022; 46:e51.

16 Tan WJ, Zhao X, Ma X, Wang W, Niu P, Xu, Gao GF, Wu G. A novel coronavirus genome identified in a cluster of pneumonia cases - Wuhan, China 2019-2020. China CDC Weekly 2020; 2(4):61-62.
-1717 World Health Organization (WHO). Director-General's Opening Remarks at the Media Briefing on Covid-19 [Internet]. 2020. [cited 2022 ago 7]. Disponível em: https://reliefweb.int/report/world/who-director- generals-opening-remarks-media-briefing-covid-19- 11-march-2020?gclid=CjwKCAiA8OmdBhAgEiw AShr40-qKn_v1Zyx-nlrX7_ HChx08bN 6 gF6cDwtoRUkl7hqWEMXGSAADMChoCNKIQAvD_BwE
https://reliefweb.int/report/world/who-d...
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Em 2020, a letalidade em gestantes internadas por COVID-19 foi de 5,5%, e a de puérperas 12,9%. Já em 2021, passou a 11,5% entre gestantes e a 22,3% entre puérperas. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) publicou, em maio de 2021, estudo que verificou que, de janeiro a abril desse mesmo ano, houve aumento de casos de COVID-19 entre gestantes e puérperas, bem como aumento significativo de óbitos maternos pela doença em 12 países das Américas1818 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Boletim Observatório Covid-19 semanas 20 e 21 [Internet]. 2021. [acessado 2022 jun 25]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/documento/boletim-do-observatorio-covid-19-semanas-epidemiologicas-20-e-21-de-2021
https://portal.fiocruz.br/documento/bole...
,1919 Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). COVID-19 tem impactos "devastadores" sobre as mulheres, afirma diretora da OPAS [Internet]. 2021. [acessado 2022 ago 10]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/26-5-2021-covid-19-tem-impactos-devastadores-sobre-mulheres-afirma-diretora-da-opas
https://www.paho.org/pt/noticias/26-5-20...
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No período de 2010 a 2020, a região Norte do Brasil foi a que registrou a RMM média mais elevada do país, seguida da Nordeste. É importante mencionar que as questões socioeconômicas se mantêm como fator determinante ao se comparar a RMM entre os estados brasileiros. De acordo com a literatura, a região Norte apresenta as maiores taxas de óbitos maternos, o que demonstra a discrepância existente em relação às demais regiões no que respeita ao acesso à saúde, à educação e a baixas condições socioeconômicas2020 Carvalho PI, Frias PG, Lemos MLC, Frutuoso LALM, Figueirôa BQ, Pereira CCB, Barreto IC, Vidal SA. Perfil sociodemográfico e assistencial da morte materna em Recife, 2006-2017: estudo descritivo. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(1):e2019185.,2121 Jesus LM, Silva RS, Barros FD. Investigação espaço-temporal relacionada à mortalidade materna no Brasil. Cad Grad Cienc Biol Saude 2022; 7(2):33..

Entre as regiões brasileiras, a Sudeste apresenta os maiores percentuais de hospitais de alta complexidade que prezam pela qualidade da assistência materna e neonatal. Apesar disso, a região também apresentou crescente RMM no período observado, no entanto, isso provavelmente se deve ao fato de que regiões com melhores indicadores de saúde e maior qualidade no atendimento à gestante e a suas complicações se tornam referência e recebem os casos mais graves, que porventura podem ter o óbito como desfecho final2222 Silva JP, Kale LP, Fonseca SC. Aplicação de metodologia da Organização Mundial de Saúde para causas de óbitos perinatais em um hospital de alto risco no Sudeste do Brasil [Internet]. 2018. [acessado 2022 ago 3]. Disponível em: http://www.convencionsalud2018.sld.cu/index.php/connvencionsalud/2018/paper/view/793
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,2323 Leal MC, Pereira APE, Viellas EF, Domingues RMSM, Gama SGN. Assistência pré-natal na rede pública do Brasil. Rev Saude Publica 2020; 54:8..

Além disso, a Sul foi a única região que apresentou tendência temporal decrescente na análise pelo método joinpoint. Estudo brasileiro explica que essa redução se deve ao fato de esta região apresentar maior desenvolvimento socioeconômico, o que favorece o direcionamento de recursos destinados à melhoria da qualidade da assistência. Além disso, com a implementação da Rede Cegonha, instituída no âmbito do Sistema Único de Saúde, houve avanços na assistência prestada durante o pré-natal, parto e puerpério, o que, por conseguinte, teve como resultado a redução de desfechos maternos e neonatais adversos, principalmente nessa região2424 Souza DRS, Silva SBL, Duarte IAA, Fernandes AKDMP, Barreto FAMO, Andrade FB. Associação da adesão das regiões do brasil à rede cegonha com a mortalidade materna e outros indicadores de saúde. Rev Cienc Plural 2022; 8(2):1-16..

Em comparação com o Brasil, o Chile apresenta baixas taxas de mortalidade materna, correspondendo a 15 óbitos maternos por 100.000 nascidos vivos em 2020. Tal situação pode estar associada à implementação de novas estratégias que visam garantir a qualidade na assistência e ajudam a minimizar a mortalidade materna. Essas estratégias envolvem a realização de quatro ou mais consultas pré-natal, assistência ao parto qualificada e a adoção de cuidados com a puérpera e o recém-nascido até dois dias após o nascimento2525 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Mortalidade materna [Internet]. 2023. [acessado 2023 jul 23]. Disponível em: https://data.unicef.org/topic/maternal-health/maternal-mortality/
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Neste estudo foi possível identificar a distribuição espacial da mortalidade materna no Brasil. A análise bayesiana empírica local apresentada evidencia que os estados do Amazonas (região Norte), Piauí e Maranhão (região Nordeste) e o Mato Grosso do Sul (região Centro-Oeste), apresentaram municípios com as maiores taxas suavizadas de mortalidade materna no período analisado. Estados da região Nordeste e o Mato Grosso do Sul apresentaram um padrão alto/alto de distribuição no teste de autocorrelação espacial dos óbitos, resultado também confirmado pelo método Getis-Ord Gi*, que apontou hotspots (áreas quentes) no Nordeste, especialmente no Piauí, e no Norte do Mato Grosso do Sul.

A pobreza e a desigualdade de renda na região Nordeste do Brasil têm diminuído nas últimas décadas, porém ainda apresentam indicadores que traduzem iniquidades, se comparados aos das demais regiões do país, além de apresentar padrões de heterogeneidade na própria região2626 Freitas-Júnior RAO. Avoidable maternal mortality as social injustice. Rev Bras Saude Mater Infant 2020; 20(2):607-614.. Ressalta-se que os municípios nordestinos apresentam baixa adesão ao uso de guias de estratificação de risco no pré-natal pelos profissionais nos atendimentos e dificuldade de acesso e monitoramento das gestantes, sobretudo daquelas de alto risco. Além disso, destaca-se ainda a carência de capacitação dos profissionais da atenção primária à saúde (APS) voltada para o desenvolvimento de habilidades e competências no cuidado com as gestantes2727 Hissa-Teixeira K. Uma análise da estrutura espacial dos indicadores socioeconômicos do nordeste brasileiro (2000-2010). EURE 2018; 44(131):101-124.,2828 Governo do Estado do Ceará. Secretaria de Saúde. Boletim epidemiológico: mortalidade materna [Internet]. 2020. [acessado 2022 ago 14]. Disponível em: https://www.saude.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/9/2018/06/boletim_epidemiologico_mortalidade_materna_n1_25112020.pdf
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Este estudo evidenciou também clusters de mortalidade materna em municípios localizados no Mato Grosso do Sul, mais especificamente na fronteira Brasil/Bolívia, refletindo a fragilidade da atenção ao pré-natal, parto e puerpério, aliada à vulnerabilidade social vivenciada por mulheres que residem nesses locais. É importante destacar que, mesmo com escassos recursos humanos e financeiros, esses municípios têm grande circulação transfronteiriça de bolivianos que buscam por assistência à saúde gratuita no país. Embora a saúde seja um direito de todos que estejam em território brasileiro e não apenas para os cidadãos brasileiros (Lei nº 13.684), nesses territórios pode estar havendo a diminuição da qualidade dos serviços ofertados devido à alta demanda desencadeada pelo fluxo imigratório, que gera aumento das despesas do setor saúde sem a contrapartida do governo boliviano2929 Zaslavsky R, Goulart BNG. Migração pendular e atenção à saúde na região de fronteira. Cien Saude Colet 2017; 22(12):3981-3986.

30 Aikes S, Rizzotto MLF. Integração regional em cidades gêmeas do Paraná, Brasil, no âmbito da saúde. Cad Saude Publica 2018; 34(8):.
-3131 Silva RF, Cazola LHO, Tamaki EM Pícoli RP. Mortalidade Materna nas Fronteiras Brasil/Paraguai e Brasil/Bolívia em Mato Grosso do Sul, 2012-2018. Braz J Dev 2020; 6(9):65210-65220..

O indicador taxa de parto cesáreo apresentou associação negativa com a RMM em estados da região Norte (Amazonas, Acre e Rondônia), além de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Nesses territórios, quanto menor é a taxa de cesarianas, maior é a mortalidade materna. Em um primeiro momento o resultado pode parecer paradoxal, no entanto, especialmente na região Norte, as limitações no acesso aos cuidados de saúde de maior complexidade devido à geografia local e às grandes distâncias podem resultar em óbitos maternos e neonatais como desfecho, uma vez que partos vaginais podem progredir de maneira desfavorável e demandar a realização de cesarianas de urgência. Além disso, convém considerar a existência de déficits no acesso e na qualidade do pré-natal na atenção primária, que aumentam a possibilidade de erros na indicação do parto vaginal3232 Medeiros LT, Sousa AM, Arinana LO, Inácio AS, Prata MLC, Vasconcelos MNG. Mortalidade materna no estado do Amazonas: estudo epidemiológico. Rev Baiana Enferm 2018; 38. DOI: https://doi.org/10.18471/rbe.v32.26623.
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No estado do Amazonas, por exemplo, comunidades isoladas são encontradas em regiões rurais, às margens de rios e distantes dos centros urbanos. As populações ribeirinhas da Amazônia não dispõem de serviços públicos essenciais regulares e o deslocamento para acessar os serviços de saúde, centralizados nas sedes municipais, pode durar dias ou semanas, sendo realizado somente por via fluvial3333 Gama ASM, Fernandes TG, Parente RCP, Secoli SR. Inquérito de saúde em comunidades ribeirinhas do Amazonas, Brasil. Cad Saude Publica 2018; 34(2):e00002817.,3434 Cabral I, Cella W, Freitas SR. Comportamento reprodutivo em mulheres ribeirinhas: inquérito de saúde em uma comunidade isolada do Médio Solimões, Amazonas, Brasil. Saude Debate 2020; 44(127):1066-1078.. Assim, devido à fragilidade dos serviços públicos de saúde nessas comunidades, torna-se fundamental que os municípios amazônicos concretizem ações que objetivem a capacitação dos profissionais, para que estejam aptos a identificar precocemente situações de risco que requeiram o encaminhamento da mulher em tempo hábil para serviços de alta complexidade3535 Azevedo ALX. Medeiros MBM, Rodrigues MLAC, Cardozo MMS, Frias PG. Near miss materno nos municípios brasileiros e iniquidades em saúde: uma revisão sistemática [Internet]. 2021. [acessado 2022 ago 20]. Disponível em: http://higia.imip.org.br/bitstream/123456789/791/1/Artigo_PIBIC%202020%202021_Arthur%20Lima%20Xavier%20de%20Azevedo.pdf
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Na mesma perspectiva do estado do Amazonas, tem-se o Moçambique, onde se observam baixas taxas de parto cesáreo, principalmente nas áreas mais pobres e rurais. Além disso, constata-se nesse país africano o elevado risco de morbimortalidade materna, associado à fragilidade da saúde pública, que por sua vez favorece a ocorrência de abortos clandestinos e problemas como hemorragias, anemia, eclampsia e infecções puerperais, que podem ter como desfecho final o óbito3636 Inácio RS, Corradi-Perini C, Gomes M. Saúde materna em Moçambique: as taxas de parto cesárea podem ser um indicador de saúde em populações vulneráveis? RIB 2021; 15:1-10..

Verificou-se que, quanto menor é o índice de desenvolvimento humano, maior é a mortalidade materna em municípios do Paraná, Tocantins e Goiás. Resultado semelhante foi demonstrado em pesquisa sobre os preditores da mortalidade materna no Brasil, em que a morbidade materna grave foi negativamente correlacionada com o IDH3737 Costa MSC, Figueiredo FWS. Relationship between income inequality, socioeconomic development, vulnerability index, and maternal mortality in Brazil, 2017. BMC Public Health 2021; 21(1):1842..

Nesta investigação observou-se associação positiva entre a renda domiciliar per capita dos vulneráveis à pobreza e a RMM em municípios localizados no Sul do Tocantins e no Oeste do Paraná. Achados contrários foram observados em análise que mostram um cenário no qual a RMM no país foi influenciada principalmente pela baixa renda per capita nos diferentes estados do Brasil3838 Yusuf KA. Caldarelli CE. Pobreza monetária no Brasil, urbana e rural, de 2012 a 2018. Desenv Reg Deb 2020; 10:810-832.. Portanto, embora a proporção de pessoas abaixo da linha de pobreza tenha diminuído no Brasil nas últimas décadas, um dos grandes desafios nacionais tem sido reduzir a pobreza frente à desigualdade social na distribuição de renda, sobretudo frente às diferenças existentes entre zonas urbana e rural3939 Girum T, Wasie A. Correlates of maternal mortality in developing countries: an ecological study in 82 countries. Matern Health Neonatol Perinatol 2017; 3:19..

Estudo sobre a correlação entre indicadores socioeconômicos, indicadores de saúde, indicadores de carga de doenças e RMM em 82 países em desenvolvimento observou que os indicadores socioeconômicos têm correlação significativa com a RMM. Existem grandes variações nos níveis de mortalidade materna entre os diferentes grupos de renda, o que incita os países a projetar uma intervenção abrangente que reconheça o efeito potencial do poder aquisitivo das pessoas na redução da mortalidade materna4040 Silva RF, Cazola LHO, Tamaki EM Pícoli RP. Mortalidade Materna nas Fronteiras Brasil/Paraguai e Brasil/Bolívia em Mato Grosso do Sul, 2012-2018. Braz J Dev 2020; 6(9):65210-65220..

Esta pesquisa apresenta limitações, pois faz uso de dados secundários, sujeitos a inconsistências na sua quantidade e qualidade devido a subnotificações e preenchimentos inadequados. Além disso, os resultados da análise múltipla devem ser interpretados com cautela, pois os indicadores taxa de parto cesáreo e renda per capita dos vulneráveis à pobreza apresentaram coeficientes muito próximos a zero. Todavia, essas limitações não inviabilizam o estudo e não diminuem a sua importância.

Conclusão

Observou-se que, embora constante até 2019, a RMM a partir de 2020 apresentou alarmante crescimento, que coincidiu com o ano de início da pandemia da COVID-19 no país. Entre as regiões brasileiras, Norte e Nordeste apresentaram RMM média mais elevada. A análise temporal pelo método joinpoint apontou tendência significativa de aumento da mortalidade nas regiões Norte e Sudeste no período investigado. Por sua vez, as análises estatísticas espaciais demonstraram aglomerados de óbitos abrangendo especialmente estados das regiões Norte (Amazonas e Tocantins), Nordeste (Piauí, Maranhão e Bahia) e Centro-Oeste (Mato Grosso do Sul). Os indicadores taxa de parto cesáreo e índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM) revelaram associação negativa com a RMM. Já o indicador renda domiciliar per capita dos vulneráveis à pobreza apresentou associação positiva com o desfecho no país.

Os achados do presente trabalho apresentam informações importantes sobre o cenário da saúde materna no Brasil. Para que as estratégias de redução e prevenção dos agravos no período gravídico-puerperal se tornem eficazes, faz-se necessária a intensificação das políticas públicas já vigentes para que melhorias nas condições de vida das mulheres nas regiões de maior ocorrência de óbitos possam ser consideradas efetivas. Contudo, as intervenções para prevenção e redução do número de óbitos maternos no país não constitui responsabilidade exclusiva do setor saúde, pois a promoção da saúde materna vai muito além dos aspectos básicos da assistência à gravidez, ao parto e ao puerpério, sendo necessário focar também nos determinantes sociais do problema.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Out 2024

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2023
  • Aceito
    18 Set 2023
  • Publicado
    20 Set 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br