Os impactos da violência entre mulheres em relação íntima: uma revisão integrativa da literatura

Fabiana Lobo Mota Margareth Aparecida Santini de Almeida Dinair Ferreira Machado Sobre os autores

Resumo

O objetivo é identificar impactos culturais, sociais e de saúde causadas pela violência na parceria íntima (VPI) em mulheres homoafetivas (MOH) e biafetivas (MOB). Estudo de revisão integrativa da literatura que buscou e analisou estudos indexados nas bases de dados PubMed e Lilacs, sendo considerados os idiomas: inglês, português e espanhol. O estudo buscou responder a seguinte pergunta de pesquisa: “Quais impactos a VPI traz para as MOB e MOH?”. Foram encontrados 42 estudos e após aplicado os critérios de exclusão, 19 compuseram a amostra final. Os dados foram analisados a partir da metodologia de análise de conteúdo, modalidade análise temática de Bardin (2009). A análise na íntegra dos artigos revelou duas categorias: 1) A violência na parceria íntima e os impactos socioculturais; e 2) A violência na parceira íntima e os impactos na saúde. A vivência de situações de violência na parceria íntima entre mulheres homo e/ou biafetivas afeta suas dimensões socioculturais e de saúde, já que elas estão sob o viés da dupla vulnerabilidade: mulher em relações homo/biafetivas. Existe também invisibilidade do fenômeno nos serviços de saúde já que os profissionais não são formados para abordar as diferentes orientações sexuais entre mulheres e menos ainda as situações de violência advindas dessas relações.

Palavras-chave:
Violência contra a mulher; Minorias sexuais e de gênero; VPI; Homossexuais femininas

Introdução

Apesar de ser um fenômeno que ainda requer enfrentamento e estratégias de prevenção, a violência contra a mulher por parceiro íntimo em relações heteroafetivas tem sido explicitada, denunciada e enfrentada cotidianamente por meio da literatura científica, pela implementação de políticas públicas de enfrentamento e de proteção. Não obstante, as mulheres em relações homossexuais e bissexuais também vivenciam situações de violência na parceria íntima que geralmente são silenciadas e estão ocultas na sociedade, necessitando serem visibilizadas11 Machado DF, Castanheira ERL, Almeida MAS. Interseções entre socialização de gênero e violência contra a mulher por parceiro íntimo. Cien Saude Colet 2021; 26(Supl. 3):5003-5012..

Sob a lógica da heteronormatividade, as mulheres que já são consideradas inferiores, segundo a ordem hierárquica imposta pelo patriarcado, passam a compor grupo sexual minoritário ao serem excluídas, discriminadas e estigmatizadas por não se enquadrarem na norma socialmente aceita, ou seja, a heterossexual. O processo de autoaceitação da sexualidade já é dificultoso para o grupo, que na maioria das vezes por conta do desconforto em se assumirem frente a uma sociedade normativa e cruel com os diferentes, silenciam as situações de violências sofridas22 Meyer I. Minority stress and mental health in gay men. J Health Soc Behav 1995; 36(1):38-56..

A estrutura patriarcal que opera e molda comportamentos e costumes por meio das relações hierarquizadas de homens e mulheres e das assimetrias de gênero, ao pensar os âmbitos da produção e da reprodução social influencia e causa as expressões de violências nas relações íntimas33 Saffioti HIB. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2004.. A sexualidade que destoa da heteronormatividade é encarada como tabu e, com isso, as mulheres são vistas com preconceitos e rejeição pela sociedade. As mulheres ao se relacionarem com mulheres podem experimentar duplamente o sofrimento: uma vez pela discriminação de sua homossexualidade e, outra, por carregar em segredo as agressões que sofrem22 Meyer I. Minority stress and mental health in gay men. J Health Soc Behav 1995; 36(1):38-56..

Independente da orientação sexual, desde o nascimento, as mulheres são socializadas para desempenhar funções moldadas e estruturadas socialmente a partir do sexo biológico, que seriam cuidar da casa, arrumar marido, ter filhos e constituir família nuclear homem/mulher, além de serem educadas para a passividade e o não protagonismo devendo inclusive controlar a sexualidade, mesmo que seja heteronormativa, já que essas não são características desejáveis em uma mulher. Nesse sentido, ao longo da vida as mulheres têm dificuldade de buscar seus direitos e se posicionar diante das normas e costumes, ainda mais, quando se trata de sua orientação sexual11 Machado DF, Castanheira ERL, Almeida MAS. Interseções entre socialização de gênero e violência contra a mulher por parceiro íntimo. Cien Saude Colet 2021; 26(Supl. 3):5003-5012.,22 Meyer I. Minority stress and mental health in gay men. J Health Soc Behav 1995; 36(1):38-56..

E nessa predominância do heterossexismo e heteronormatividade, as pessoas que são enquadradas pela sociedade ao status de grupo sexual minoritário passam a sentirem desconfortos, não por causa da sua orientação sexual, mas sim pela consciência de que são partes constituintes de uma minoria sexual profundamente discriminada e estigmatizada - ou seja passam pelo chamado stress das minorias22 Meyer I. Minority stress and mental health in gay men. J Health Soc Behav 1995; 36(1):38-56..

Deste modo, se faz necessário desconstruir definições de papéis ao masculino e ao feminino como sendo determinismo biológico e ir inserindo compreensões mais dinâmicas, numa construção social das identidades e com isso incorporando gênero nas análises de violência contra as mulheres44 Scott J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educ Realid 1995; 20(2):71-99.

5 Saffiotti HIB. Primórdios do conceito de gênero. Cad Pagu 1999; 12:157-163.

6 Conceição ACL. Teorias feministas: da "questão da mulher" ao enfoque de gênero. Rev Bras Sociol Emocao 2009; 8(24):738-757.

7 Segato RL. Género y colonialidad: en busca de claves de lectura y de um vocabulario estratégico descolonial. In: Bidaseca K, Laba VV, editores. Feminisimos y Poscolonialidad. Descolonizando el feminismo desde y en América Latina. Buenos Aires: Godot; 2011. p. 17-48.
-88 Guimarães MC, Pedroza RLS. Violência contra a mulher: problematizando definições teóricas, filosóficas e jurídicas. Psicol Soc 2015; 27(2):256-266.. Gênero passa a ser compreendido como uma categoria de análise que possibilita complexificar novas possibilidades de ser, agir e empreender mudanças55 Saffiotti HIB. Primórdios do conceito de gênero. Cad Pagu 1999; 12:157-163.,77 Segato RL. Género y colonialidad: en busca de claves de lectura y de um vocabulario estratégico descolonial. In: Bidaseca K, Laba VV, editores. Feminisimos y Poscolonialidad. Descolonizando el feminismo desde y en América Latina. Buenos Aires: Godot; 2011. p. 17-48.. Cabe ressaltar que este estudo demarca como categorias de análise as mulheres homossexuais e bissexuais, respectivamente como aquelas que se sentem atraídas afetiva e/ou sexualmente somente por mulheres, e aquelas atraídas tanto por homens quanto por mulheres.

Diante desse contexto, cada vez mais se tornam indispensáveis estudos que publicizem os impactos decorrentes da violência na parceria íntima para esse grupo. Deste modo, este estudo objetivou identificar os impactos sociais, culturais e de saúde causadas pela violência na parceria íntima (VPI) nas mulheres biafetivas (MOB) e homoafetivas (MOH).

Métodos

Trata-se de um estudo de revisão integrativa que incorpora uma diversidade de perspectivas metodológicas. Combinou-se assim a soma de dados teóricos e empíricos, propiciando uma compreensão abrangente do objeto de estudo99 Knafl K, Whittemore R. The integrative review: updated methodology. J Adv Nurs 2005; 52(5):546-553.,1010 Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão Integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm 2008; 17(4):758-764..

Os passos metodológicos da revisão foram: 1) Identificação do tema e da questão norteadora; 2) Estabelecimento das estratégias de busca e definição dos critérios de inclusão e exclusão; 3) Definição e categorização das informações de interesse a serem extraídas dos estudos; 4) Avaliação, interpretação e síntese dos estudos, contendo uma análise descritiva e crítica das principais contribuições e lacunas identificadas na literatura1010 Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão Integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm 2008; 17(4):758-764.. A questão norteadora da pesquisa foi: “Quais impactos a violência na parceria íntima traz para as mulheres biafetivas e homoafetivas?”. A coleta de dados incluiu periódicos indexados nas bases de dados PubMed e Lilacs. As buscas foram direcionadas por descritores controlados combinados com operadores booleanos: mulheres OR womam OR abused women OR chicas OR mujeres violadas AND Minorias Sexuais de Gênero OR bissexual OR homossexuais femininas OR lésbicas OR mulheres que fazem sexo com mulheres OR LGTQ OR minorities gender women who have sex with women OR minorías sexuales y de género OR mujer lesbiana OR mujeres que hacen sexo con mujeres OR bisexuales OR bisexuals dissidente AND violência contra as mulheres OR violência doméstica e sexual contra a mulher OR violence against women OR offenses against women OR domestic and sexual violence against women OR intimate partner violence OR violência por parceiro íntimo.

Os critérios de inclusão de artigos foram estudos compostos por periódicos com texto completo nos idiomas português, inglês e espanhol; estudos com resultados empíricos e que tivessem sido publicados entre janeiro de 2011 e dezembro de 2021 na base PubMed e sem recorte temporal na base Lilacs. A busca na base de dados PubMed foi realizada em outubro de 2021 e em julho de 2022 se deu a busca na base Lilacs.

Já os critérios de exclusão foram: dissertações de mestrado, teses de doutorado, capítulos de livros, livro, manuais, monografias, editorial, resenha, carta ao editor, comentários/críticas, multimídias, artigos repetidos e estudos que não incluíssem o objeto de pesquisa.

Conforme os critérios indicados, inicialmente foram encontradas 42 publicações sendo 35 na base de dados PubMed; e 07 na base de dados Lilacs. Desses estudos, 19 formaram o conjunto final conforme apresentado na Figura 1. A análise de dados se deu segundo a análise de conteúdo, modalidade temática de Bardin1111 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009..

Figura 1
Diagrama do fluxo do processo de busca e seleção dos artigos da revisão integrativa de acordo com as diretrizes PRISMA.

Resultados

Dos 19 estudos analisados na íntegra observou-se que 2020, 2017 e 2015 foram os anos que tiveram maior número de publicações, com quatro no ano de 2017, representando 21,05%; e três artigos nos anos de 2017 e 2015, representando 15,79% em cada ano. Nos anos de 2021, 2018, 2016 e 2014 houve uma apresentação de dois artigos, em cada ano, representando 10,52%, e uma publicação no ano de 2022, representando 5,26%. Não tiveram publicações entre os anos de 2011 e 2013, mesmo esse período tendo sido incluso no método de busca (Quadro 1).

Quadro 1
Publicações analisadas, segundo implicações codificadas em ordem decrescente por ano de publicação.

Quanto ao idioma, a maioria dos estudos na língua inglesa n=15 (93,75%) e apenas quatro estudos na língua portuguesa (21,05%). Quanto ao país de origem do primeiro autor, estão em maior número provenientes dos Estados Unidos (n=15), representando 93,75%, apenas quatro estudos do Brasil. Há uma predominância de autores originários de países desenvolvidos da América do Norte. Nenhum estudo do idioma espanhol, ou proveniente de países cuja língua é o espanhol, foram encontrados, mesmo havendo descritores na língua espanhola inseridos no método, o que sugere a existência de lacuna do conhecimento, requerendo investimentos em pesquisa.

Os estudos foram publicados em periódicos de caráter multidisciplinar, contemplando para aprofundamentos significativos na compreensão do fenômeno, que é complexo e envolve a intersecção da violência na parceria íntima e orientação sexual.

Quanto a metodologia empregada nas publicações a predominância de métodos quantitativos, buscando a priorização da identificação e análise da prevalência da violência, os tipos mais comuns das violências e os desfechos das exposições ao fenômeno da violência na parceria íntima, bem como os fatores que a impactam. Necessário aumentar esforços e investimentos em pesquisas qualitativas.

O método qualitativo está em menor quantidade, demonstrando uma lacuna, uma vez que o fenômeno da violência é melhor compreendido quando se dá voz aos interlocutores envolvidos, e o método qualitativo é o que melhor dá luz a esse cenário. Bosi3131 Bosi ML. Pesquisa qualitativa em saúde coletiva: panorama e desafios. Cien Saude Colet 2012; 17(3):575-586. discorre que a violência, transita em variados cenários e, para um melhor aprofundamento é necessário diálogos entre pesquisadores e contextos vivenciados, além das percepções que os interlocutores possuem sobre suas vidas.

Conforme demonstrado no Quadro 1, para melhor visualização e análise, os artigos foram agrupados segundo os objetivos alcançados e, receberam a seguinte codificação: IMPACSo; IMPACult e IMPACSau. Deste modo, após leitura na íntegra dos artigos, foram reveladas duas categorias de análise: 1) A violência na parceria íntima e os impactos socioculturais, e 2) A violência na parceria íntima e os impactos na saúde.

A violência na parceria íntima e os impactos socioculturais

O fenômeno da violência na parceria íntima é complexo e seus contextos invisibilizados, tornando-o não reconhecido como problema a ser enfrentado sendo assim repleto de efeitos e impactos (IMPACult4; IMPACult1). A sociedade traz a validação sociocultural para a monossexualidade, ou seja, a aprovação das relações advindas de atrações sexuais exclusivamente para um único gênero ou sexo.

As mulheres bissexuais por apresentarem atrações sexuais não monossexuais, estariam menos protegidas e sob maiores riscos tanto de vitimização, quanto de perpetração da violência por parceria íntima quando comparadas às mulheres heterossexuais e homossexuais. Uma das hipóteses levantadas foram que, além delas sofrerem estigmas e discriminações vivenciadas externamente aos seus relacionamentos, estariam recebendo menos proteção advinda de afiliações à grupos LGBT ideológicos. Em geral, a filiação em grupos de gays costuma ser pela identidade sexual e não pela atração sexual, conferindo às bissexuais rejeições nos grupos, por apresentarem senso distinto. Os movimentos sociais LGBT ao não reconhecerem esse grupo não conferem proteção e as sujeitam a mais atos violentos, proferidas pelas próprias lésbicas afiliadas (IMPACSo2; IMPACSau2; IMPACSau6; IMPACSau8).

No campo da sexualidade há também o aspecto cultural relacionado a flutuação das orientações sexuais, ou seja, a sociedade tende a validar orientações sexuais cujas dimensões são estáveis ao longo da vida. Nesse sentido, mulheres que expressam flexibilidade, alterando ao longo da vida suas atrações/práticas, comportamentos e identidade sexuais, estão suscetíveis a rejeição e repúdio, tornando-se vulneráveis à violência na parceria íntima (IMPACSau6; IMPACult1).

Além disso, existe a crença cultural de desconfiança em relação à bissexualidade, inferindo que são pessoas incapazes de estarem em relacionamentos monogâmicos, caso os pares românticos assim o desejarem. A tão propagada monogamia passa então a ser o viés negativo para as mulheres com identidade bissexuais, pois, ao terem interesses em manter práticas sexuais com homens e/ou com mulheres, acredita-se que não são capazes de estabelecerem relações afetivas fiéis e monogâmicas (IMPACSo2; IMPACSo1; IMPACSau1; IMPACSau2).

Outros impactos socioculturais decorrentes da violência na parceria íntima de mulheres homo/bissexuais foram os publicizados pelos estudos, um deles está relacionado ao ônus socioeconômico já que milhões de mulheres, podem ao longo de suas vidas, perderem dias remunerados de trabalho. Perdas dessa magnitude impactam, sobretudo, países com alta prevalência da violência contra a mulher (IMPACSo1 e IMPACult4, IMPACSau1).

O status de minoria sexual, as condições socio-histórico-culturais, as rejeições das sexualidades, são trazidos como fatores que se interligam e conferem às mulheres percepções permissivas à violência na parceria íntima, vulnerabilizando-as e conduzindo-as para um estado de insegurança e de não reconhecimento das violências experimentadas (IMPACult1; IMPACSau6; IMPACSau8; IMPACSau4; IMPACSo2). Deste modo, ao ameaçar revelar aos outros que a mulher é gay ou lésbica, passa a ser uma tática para controlar suas parcerias; evidenciando a violência na parceria íntima ao heterossexismo. Nesse cenário, a mulher que já recebe externamente influências estigmatizantes permanece na relação abusiva por medo das respostas negativas das pessoas, instituições e ambiente de trabalho (IMPACSau2; IMPACSau6).

Circunstâncias de vida recheadas por discórdia e hostilidade, incutem sobre as mulheres sentimentos internalizados de homofobia e bifobia (IMPACSau6; IMPACult1; IMPACSau8). Esse contexto pode contribuir para que elas se tornem menos perspicazes em identificarem a violência, pois já entram em relacionamentos íntimos repletas de experiências de rejeições como assédios e discriminações e, portanto, fragilizadas (IMPACult1; IMPACSau6; IMPACSau8).

Além disso, pode haver uma disparidade da violência por parceria íntima em mulheres que são consideradas do grupo social minoritário em relação às mulheres heterossexuais, utilizando-se do modelo de estresse das minorias. Sob essa lógica, nem todas as mulheres experimentariam os mesmos tipos de violências e nem de maneira igual, à medida que as mulheres homo/bissexuais estariam do ponto de vista hierárquico ainda mais predispostas a situações de violências na parceria íntima, com poucas ou nenhuma condição de enfrentar e/ou romper com as agressões (IMPACSo2; IMPACSo1; IMPACSau1; IMPACSau2).

Além do modelo de estresse das minorias, há outros como o modelo socioecológico e visão sindêmica, que interseccionam cultura e ambiente como influenciadores ao fenômeno da violência (IMPACSau9; IMPACSau10; IMPACult1). Há um cruzamento de fatores como a estrutura heteronormativa, o estigma, experiências de violência por parceria íntima, que pressionam mulheres homo e biafetivas e moldam suas vidas de maneira diferente das mulheres heterossexuais (IMPACSau2; IMPACSau6; IMPACult1).

O status das minorias sexuais, possibilitam o chamado “triplo risco”: situações de sofrimento como resultados da exposição ao racismo, sexismo e heterossexismo (IMPACSau2; IMPACSau6, IMPACult1; IMPACSo5). Os estudos indicaram ainda a necessidade de que os países adotem leis e políticas robustas, proteção e inibitória a violência contra a mulher com envolvimento às mulheres biafetivas e homoafetivas (IMPACult4; IMPACSol; IMPACSau1).

A violência na parceria íntima e os impactos na saúde

As mensagens negativas sobre sexualidade e/ou conflitos pela orientação sexual não-heteronormativa, muitas vezes em condições econômicas desfavoráveis, inseridas em contextos sociais estigmatizados tanto na sociedade em geral, quanto na comunidade LGBTQI+, resultam em estresse e podem levar a graves consequências para a saúde dessa população, tais como, depressão, tristeza, ansiedade, insônia, entre outros (IMPACSau4; IMPACSo3; IMPACult1; IMPACSau6).

O estresse de minorias sexuais envolve experiências fora das relações íntimas afetivas como situações de violência, assédios e discriminações; e dentro das relações íntimas como ocultação da identidade e/ou práticas sexuais; homonegatividade internalizada, e sentimentos negativos sobre si mesmo a partir de experiências estigmatizantes (IMPACSo2; IMPACSau10; IMPACSau3; IMPACSo3; IMPACSau6).

As mulheres temem “sair do armário” por medo de sofrerem reações preconceituosas em seus ambientes, e por recearem a desaprovação pelas famílias, amigos e profissionais que as acolhem em diversos equipamentos de proteção e cuidado (IMPACSau4). Experiências estressantes podem exacerbar a violência na parceria íntima, tanto na vitimização, quanto na perpetração. Há o incremento das vulnerabilidades, propiciando risco aumentado à saúde física e mental dessas mulheres, desregulando suas emoções, possibilitando menor agência, silenciamentos, traumas e baixo empoderamento (IMPACSau1; IMPACSau10; IMPACSau9).

Vivências negativas que envolvem dimensões socioculturais como homonegatividade, heterossexismo, monossexismo, desigualdades de poder, estigmatizações, marginalizações, abuso físicos e sexuais na infância e violências estruturais, entre outros são variáveis na grande maioria inalteráveis e/ou de difíceis interferências. Entretanto, há contextos com altos níveis de impactos à saúde e que são com riscos modificáveis, quando envolvem variáveis de relacionamentos como manejo de conflitos, satisfação pessoal e relacional, comunicabilidade, habilidades de resoluções de conflitos e que quando interferidos podem mitigar o fenômeno da violência na parceria íntima (IMPACSau9; IMPACSo3; IMPACSau3).

Essas dimensões interferem diretamente na ampliação de sofrimentos emocionais das mulheres, levando-as à irritabilidade e hostilidade. Os estudos revelaram que em relação às mulheres heterossexuais, as lésbicas são mais propensas a se socializarem em locais como bares e clubes que promovem o uso abusivo de álcool e outras drogas (IMPACSau7; IMPACSo3; IMPACSau7). Os sentimentos negativos e o uso abusivo de álcool por esse grupo geralmente estão relacionadas às agressões físicas e verbais, aumentando os riscos para violência na parceria íntima (IMPACSau7; IMPACSo3; IMPACSo1).

Frequentemente as perpetrações de agressões psicológicas e verbais, dominâncias e isolamentos nos relacionamentos dessas mulheres, impactam negativamente na saúde delas, com aparecimentos de transtornos mentais comuns como a depressão e a ansiedade, além de dependência química pelo uso abusivo de álcool e outras drogas. Além da instabilidade em saúde mental, surgem também os sintomas físicos como: traumas; lesões agudas; distúrbios neurológicos; transtornos gastrointestinais; problemas físicos como dores de cabeça, vertigens, desmaios, irritabilidade, abuso de álcool e outras drogas; fadiga crônica, problemas cardíacos, transtornos alimentares como obesidade (IMPACSo3; IMPACSau7; IMPACSo1).

Os comportamentos coercitivos e sexuais de risco também foram apontados pelos estudos como variáveis que condicionam a exposições de sexo vaginal reduzindo a frequência do uso de preservativo e aumentando os índices de doenças sexualmente transmissíveis (IMPACSo3; IMPACSau7; IMPACSo1; IMPACSau6).

As mulheres bissexuais estão em maiores riscos de gravidez indesejada porque a adesão aos comportamentos contraceptivos pode mudar dependendo do sexo de suas parcerias durante determinado período de tempo (IMPACSau6). Contudo, tanto as mulheres homossexuais quanto as bissexuais passam por sofrimentos psicológicos por conta da saúde reprodutiva e sexual, pois enfrentam pressões sociais para se alinharem às expectativas heterossexistas de relacionamentos e se veem muitas vezes envolvidas em gravidezes indesejadas (IMPACSo3; IMPACSau7; IMPACSo1).

Tais condições impactam em problemas relativos à saúde reprodutiva e sexual, Aids/HIV, DSTs, gravidez, depressões durante e pós-parto, partos prematuros, baixo peso ao nascer, morte neonatal, prejuízo na saúde mental infantil, problemas comportamentais de delinquência e uso abusivo de substâncias (IMPACSo3; IMPACSau7; IMPACSo1).

A cultura hegemônica acaba impactando negativamente na saúde sexual dessas mulheres que ao ocultarem suas orientações sexuais acabam não revelando seus comportamentos e práticas sexuais aos profissionais de saúde, prejudicando as diferentes estratégias de prevenção de doenças e do cuidado (IMPACSau6). Em contrapartida, os casais homoafetivos que se relacionam em uniões legais civis, costumam já “terem saído do armário” e, por terem revelado suas orientações sexuais aos seus empregadores/patrões, favorece a inclusão de suas parcerias em programas de saúde segurados pelos empregadores, conferindo-lhes melhor alcance na saúde (IMPACSau3; IMPACSau4; IMPACSau5).

A promoção de instituições inclusivas, profissionais sensíveis às condições de saúde das mulheres homo e biafetivas; serviços preventivos com triagens, avaliações de riscos, planejamento, serviços de apoio transversais, vínculos comunitários integrados e uma ampla gama de programas de saúde incentivam a adoção de práticas de rastreamento da violência na parceria íntima entre mulheres homo/bissexuais (IMPACSau1; IMPACSau3; IMPACSau5).

Desta forma, os defensores da saúde pública devem estar atentos ao monitoramento e ao fortalecimento de toda a máquina institucional para o enfrentamento da violência contra a mulher na parceria íntima dado os impactos causados na saúde delas (IMPACSau1; IMPACSau3; IMPACSau5). E por fim, os estudos indicaram que devido aos elevados índices da desigualdade de gênero, da violência contra a mulher, homo-lesbo-transfobia na América Latina, há necessidade de realizar mais estudos críticos a respeito de masculinidades e gênero, no sentido de proporcionar transformações profundas em níveis políticos e socioculturais que questionem o patriarcado, o machismo e à heteronormatividade (IMPACSo5; IMPACSau1; IMPACSau3; IMPACSau5).

Discussão

Contemporaneamente a literatura indica que a mulher deve ser concebida como uma construção sociocultural ideológica com liberdade para exercer sua sexualidade, entretanto, a condição de mulher com orientação sexual que não se encaixe na heteronormatividade predispõe o grupo a situações de violência na parceria íntima, justamente, por estarem aquém das políticas de enfrentamento e proteção das mulheres heterossexuais, compondo um grupo minoritário2626 Alexander KA, Volpe EM, Abboud S, Campbell JC. Reproductive coercion, sexual risk behaviours and mental health symptoms among young low-income behaviourally bisexual women: implications for nursing practice. J Clin Nurs 2016; 25(23-24):3533-3544.,3232 Crenshaw K. Mapping the Margins Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color. Stanford Law Rev 1991; 43:1241-1299.

33 Schraiber L, d'Oliveira AF, Hanada H, Figueiredo W, Couto M, Kiss L, Durand J, Pinho A. Violência vivida: a dor que não tem nome. Interface (Botucatu) 2003; 7(12):41-54.
-3434 Meyer IH. Prejudice, social stress, and mental health in lesbian, gay, and bisexual populations: Conceptual issues and research evidence. Psychol Bull 2003; 129:674-697..

Assim como o patriarcado impõe hierarquias de gênero em que a mulher é subjugada e inferiorizada frente ao homem, as normas heterosexistas também hierarquizam e subordinam as práticas sexuais, favorecendo o surgimento das minorias sexuais, composta por grupos que em razão de sua orientação sexual, identidade de gênero, práticas sexuais e comportamentos, contrariam as normas heterossexistas e passam a serem subjugados e inferiorizados pela sociedade patriarcal heteronormativa.

A ordem societária patriarcal também se faz presente nas relações homo/biafetivas, tendo em vista que na tentativa de manter o poder e controle sobre a parceira, muitas vezes a agressora acaba assumindo um comportamento coercitivo e violento próprio e determinado por quem se designa o “homem da relação”, portanto, a cultura do patriarcado que estabeleceu os papéis sociais de gênero passa a orientar as relações de mulheres homo/biafetivas2626 Alexander KA, Volpe EM, Abboud S, Campbell JC. Reproductive coercion, sexual risk behaviours and mental health symptoms among young low-income behaviourally bisexual women: implications for nursing practice. J Clin Nurs 2016; 25(23-24):3533-3544.,3232 Crenshaw K. Mapping the Margins Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color. Stanford Law Rev 1991; 43:1241-1299.

33 Schraiber L, d'Oliveira AF, Hanada H, Figueiredo W, Couto M, Kiss L, Durand J, Pinho A. Violência vivida: a dor que não tem nome. Interface (Botucatu) 2003; 7(12):41-54.

34 Meyer IH. Prejudice, social stress, and mental health in lesbian, gay, and bisexual populations: Conceptual issues and research evidence. Psychol Bull 2003; 129:674-697.
-3535 Arendt H. Sobre a Violência. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2013..

Sob essa lógica, as experiências da desigualdade de gênero culturalmente naturalizadas, levam as mulheres a situações em que, um sujeito por deter maior poder se vale de atos para, ou reiterar ou ampliar seu poder, instaurando a coerção - que é a expressão da violência legitimamente implementada pelos desequilíbrios de poder, vivenciada sobretudo por grupos minoritários de mulheres (homo e bissexuais)2626 Alexander KA, Volpe EM, Abboud S, Campbell JC. Reproductive coercion, sexual risk behaviours and mental health symptoms among young low-income behaviourally bisexual women: implications for nursing practice. J Clin Nurs 2016; 25(23-24):3533-3544.,3232 Crenshaw K. Mapping the Margins Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color. Stanford Law Rev 1991; 43:1241-1299.

33 Schraiber L, d'Oliveira AF, Hanada H, Figueiredo W, Couto M, Kiss L, Durand J, Pinho A. Violência vivida: a dor que não tem nome. Interface (Botucatu) 2003; 7(12):41-54.

34 Meyer IH. Prejudice, social stress, and mental health in lesbian, gay, and bisexual populations: Conceptual issues and research evidence. Psychol Bull 2003; 129:674-697.
-3535 Arendt H. Sobre a Violência. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2013..

Além disso, os traumas incutidos pela trajetória de vida, as discriminações e preconceitos além de pertencer a um grupo cuja orientação sexual é repelida e rejeitada associados a baixa condição socioeconômica e a cor da pele causam desiquilíbrios de poder na relação e deixam uma das partes vulnerável a violência por parte da parceira. Uma mulher negra, migrante, homossexual, advinda de uma localidade culturalmente dominada por homens, poderá, mesmo vivendo em países mais inclusivos, ser mesmo assim sujeitada ao aculturamento. Ela pode não reconhecer a violência vivenciada e muito menos as consequências legais daqueles atos; expondo-a à violência, com impactos em sua segurança e saúde2020 Modi MN, Palmer S, Armstrong A. The role of Violence Against Women Act in addressing intimate partner violence: a public health issue. J Womens Health (Larchmt) 2014; 23(3):253-259.,3636 Tjaden P, Thoennes N. Exent, Nature, and Consequences of Intimate Partner Violence: Findings from the National Violence Against Women Survey. Washington, D.C., Atlanta: US Dept of Justice, National Institute of Justice, US Departament of Health and Human Services, Center for Disease Control and Prevention; 2000..

Deste modo, o apoio social é fator de proteção, podendo influenciar na percepção de pertencimento, validação e o quanto a mulher se sente protegida. O suporte social percebido pode reduzir sintomas psicológicos, sendo promocional à saúde mental delas1616 Furukawa LYA, Pessoa ASG, Komatsu AV. Lesbian intimate partner violence and perceived social support. Paideia (Ribeirão Preto) 2022; 32:e3206.,3737 Dias NG, Costa D, Soares J, Hatzidimitriadou E, Ioannidi-Kapolou E, Lindert J, Sundin Ö, Toth O, Barros H, Fraga S. Social support and the intimate partner violence victimization among adults from six European countries. Fam Pract 2019; 36(2):117-124..

Os dados coletados nesta revisão demonstram a condição de vulnerabilidade em que se encontra essa população em relação aos direitos humanos, sexuais e reprodutivos. Corroborando-se com o evidenciado pelo Brasil sem Homofobia3838 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Brasil sem homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual. Brasília: MS; 2004. - programa de combate à violência e à discriminação contra LGBT - na questão de que políticas públicas se faz necessário para o combate ao preconceito e às intolerâncias, tendo em vista as consequências em iniquidades e falta da garantia de direitos fundamentais3838 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Brasil sem homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual. Brasília: MS; 2004.,3939 Lionço T. Que direito à saúde para a população GLBT? Considerando direitos humanos, sexuais e reprodutivos em busca da integralidade e da eqüidade. Saude Soc 2008; 17(2):11-21..

No campo da saúde, se torna imprescindível um olhar para as necessidades em saúde, bem como os desafios que se colocam para a qualificação da atenção a essa população, que diz respeito não necessariamente a características intrínsecas a gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, mas também às consequências das representações e significações que recaem sobre suas práticas sexuais e modos de vida, enquanto desviantes em relação a um suposto padrão de normalidade ou saúde implicado na heteronormatividade moralmente vigente3939 Lionço T. Que direito à saúde para a população GLBT? Considerando direitos humanos, sexuais e reprodutivos em busca da integralidade e da eqüidade. Saude Soc 2008; 17(2):11-21..

Deste modo, é preciso desassociar a sexualidade da noção de reprodução, problematizando a saúde sexual e abrindo o campo para a consideração de diferentes expressões e possibilidades do exercício da sexualidade para além da naturalização da heterossexualidade. É ampliar discussões sobre direito e sexualidade a partir da perspectiva da universalidade dos direitos humanos4040 Rios RR. Notas para o desenvolvimento de um direito democrático da sexualidade. In: Rios RR, organizador. Em defesa dos direitos sexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado; 2007. p. 13-38..

A luta por um direito democrático da sexualidade requer a desmedicalização do discurso e das práticas a respeito dos direitos sexuais e reprodutivos, democratizando a discussão sobre sexualidade para além do viés médico-biológico3939 Lionço T. Que direito à saúde para a população GLBT? Considerando direitos humanos, sexuais e reprodutivos em busca da integralidade e da eqüidade. Saude Soc 2008; 17(2):11-21.. Ampliação das redes de cuidado, por meio da promoção de equidade em saúde de grupos em condições de vulnerabilidade, propagações de estratégias voltadas a implementação de ações intersetoriais, participações de movimentos sociais e a realização de estudos e pesquisas sobre a situação de saúde dessa população no enfrentamento às violências, aos preconceitos e discriminações, se fazem necessárias para a promulgação de dispositivos de justiça na garantia de direitos4141 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília: MS; 2013..

A invisibilidade das mulheres lésbicas e bissexuais nos espaços de cuidado a saúde, assim como o despreparo dos profissionais para atender essa população vem sendo denunciado pelas organizações formais desses segmentos desde a década de 1980. No decorrer do tempo as demandas foram sendo visibilizadas e incluídas pelas políticas e publicadas em cartilhas e manuais governamentais de orientações para boas práticas4242 Rede Feminista de Saúde. Posições Políticas. Publicação Especial da Gestão 2011/2015. Florianópolis: Rede Feminista de Saúde; 2015.,4343 Alves IG, Moreira LE, Prado MAM. Saúde de Mulheres Lésbicas e Bissexuais: Política, Movimento e Heteronormatividade [Internet]. PSSA; 2020 [acessado 2023 fev 19]. Disponível em: https://pssaucdb.emnuvens.com.br/pssa/article/view/1072.
https://pssaucdb.emnuvens.com.br/pssa/ar...
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Entretanto, esse avanço e conquista cessaram em 2014, sendo o período posterior marcado por entraves, desafios e retrocessos, além de ter sido observado que os avanços de outrora não foram o suficiente para a melhoria dos cuidados oferecidos para as mulheres lésbicas e bissexuais4242 Rede Feminista de Saúde. Posições Políticas. Publicação Especial da Gestão 2011/2015. Florianópolis: Rede Feminista de Saúde; 2015.,4343 Alves IG, Moreira LE, Prado MAM. Saúde de Mulheres Lésbicas e Bissexuais: Política, Movimento e Heteronormatividade [Internet]. PSSA; 2020 [acessado 2023 fev 19]. Disponível em: https://pssaucdb.emnuvens.com.br/pssa/article/view/1072.
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Historicamente o movimento dessas mulheres passou a ser compreendido como movimento social no campo político na década de 1970, ocasião em que surgiu o Grupo Somos4444 Facchini R. Movimento homossexual no Brasil: Recompondo um histórico. Cad AEL 2003; 10(18/19):81-125.,4545 Carrara S. Políticas e Direitos Sexuais no Brasil Contemporâneo. Rev Bagoas 2012; 4(5):131-148.. Contudo, com pouca representatividade4646 Fernandes M, Soler LD, Leite MCBP. Saúde das mulheres lésbicas e atenção à saúde: Nem integralidade, nem equidade diante das invisibilidades. Rev Bis 2018; 19(2):37-46. quando comparado aos homens gays e não ganhou força, por isso posteriormente as mulheres lésbicas criaram o Grupo Lésbico Feminista, substituído em 1981 pelo Grupo Ação Lésbica Feminista4545 Carrara S. Políticas e Direitos Sexuais no Brasil Contemporâneo. Rev Bagoas 2012; 4(5):131-148..

Desde então a luta pela conquista e garantia de direitos vem ganhando força, sendo inclusive criado em 1991 a Rede Nacional Feminista de Saúde (RFS), com demandas sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres já em âmbito nacional, possibilitando assim discutir temas que eram negligenciados anteriormente como a violência doméstica, sexual e racial. A rede de abrangência nacional que integrou organizações não governamentais e governamentais foi de suma importância para a construção de políticas públicas no país para essa população4242 Rede Feminista de Saúde. Posições Políticas. Publicação Especial da Gestão 2011/2015. Florianópolis: Rede Feminista de Saúde; 2015..

Foram incluídas pautas que há anos vinham sendo levantadas pelo movimento lésbico, apesar de serem embasadas em produções acadêmicas internacionais, alguns temas perpassavam o contexto brasileiro como: a falta de formação de profissionais de saúde para atender mulheres lésbicas e bissexuais, a crença equivocada de que o sexo entre mulheres não podem transmitir infecções sexualmente transmissíveis, isentando-as do uso de preservativos durante as relações sexuais, as dificuldades de acessar serviços de saúde e a falta de acolhimento conforme sua orientação sexual, entre outros4646 Fernandes M, Soler LD, Leite MCBP. Saúde das mulheres lésbicas e atenção à saúde: Nem integralidade, nem equidade diante das invisibilidades. Rev Bis 2018; 19(2):37-46..

Cabe ressaltar, que na arena política a visibilidade desse grupo requer constantes disputas, na medida em que há avanços e retrocessos na garantia de seus direitos, um dos entraves diz respeito a invisibilidade das mulheres bissexuais, que apesar de estar incluída no documento de Atenção Integral à Saúde da Mulher, ainda continua invisível na trajetória do movimento lésbico que alega a falta de identidade desse grupo quanto a sexualidade e também sobre um certo privilégio dessa população que poderia ter acesso tanto a homens quanto mulheres. Há também as ideias preconcebidas da bissexualidade como sendo uma identidade transitória, suposta promiscuidade e a indecisão dessas mulheres, fatores que contribuem para a deslegitimar suas identidades4646 Fernandes M, Soler LD, Leite MCBP. Saúde das mulheres lésbicas e atenção à saúde: Nem integralidade, nem equidade diante das invisibilidades. Rev Bis 2018; 19(2):37-46.,4747 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Atenção Integral à Saúde de Mulheres Lésbicas e Bissexuais. Brasília: MS; 2014..

Nesse sentido, frente as diferentes lacunas o documento de Atenção Integral à Saúde de Mulheres Lésbicas e Bissexuais (2014) foi criado para garantir que essa população seja abordada de forma integral, para além da reprodução, mas enquanto mulher sujeito de direitos e liberdade sexual. O documento traz ainda a importância de se formar profissionais sensíveis a diversidade e pluralidade das orientações sexuais, aptos a acolher o ser humano, segundo a sua singularidade e orientação sexual4747 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Atenção Integral à Saúde de Mulheres Lésbicas e Bissexuais. Brasília: MS; 2014..

Conclusão

O estudo possibilitou integrar diferentes contextos que envolvem a violência contra a mulher na parceria íntima em relações homossexuais e bissexuais vivenciadas e os impactos dessas agressões ao longo de suas vidas.

Observou-se ainda que existem poucas publicações da temática no contexto brasileiro, sendo o maior volume delas nos países desenvolvidos, o que significa que a discussão e preocupação em enfrentar o problema já se legitimou nesses locais, dado ao maior avanço tecnológico, acesso a diferentes culturas e informações desses países.

Este estudo constatou que a violência na parceria íntima reproduz impactos socioculturais e de saúde nas mulheres em relações homo/biafetivas e que essa demanda está invisível nos serviços de saúde. Além disso, as mulheres são apreendidas segundo sua capacidade de reprodução sexual, ficando em segundo plano suas orientações sexuais, exercício de sexualidade e os desfechos advindos dessas relações.

Por fim, o patriarcado e a heteronormatividade contribuem para que mulheres homo/biafetivas fiquem à margem da sociedade e dos serviços de saúde que não conseguem incluí-las segundo suas necessidades de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Fev 2024

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2023
  • Aceito
    08 Maio 2023
  • Publicado
    10 Maio 2023
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