ANÁLISE
Amazônia
Mário R Aragão
Escola Nacional de Saúde Pública
Amazonia (Key environments). Edited by Ghillean T. Prance and Thomas E. Levejoy. Oxford, Pergamon Press, 1985, 442p.
Como não poderia deixar de ser, esta obra, editada por France e Lovejoy e constituída de 22 capítulos, é uma verdadeira enciclopédia sobre a Amazônia.
O livro está dividido em três partes: as condições físicas, a biologia e o impacto humano. Isso requer três grupos de profissionais com formação distinta mas, curiosamente, nas entrelinhas de todos os capítulos, nota-se que os autores estão sofrendo com a destruição da floresta amazônica.
A água, elemento fundamental na região, e suas relações com a biota, abre o livro com um capítulo escrito por W. J. Junk e K. Furch. O primeiro já conhecido do público brasileiro pela co-autoria no livro "Amazônia, desenvolvimento, integração e ecologia". Ao longo de todo o artigo nota-se a preocupação dos autores em demonstrar a necessidade de serem aprofundados os estudos sobre a hidroquímica e o seu papel no ecossistema amazônico.
E. Salati, num capítulo muito bem ilustrado, descreve a meteorologia e a climatologia regional. No final, volta a um tema sobre o qual tem insistido muito ultimamente, o de que o equilíbrio hídrico atual é uma decorrência do papel da floresta como fornecedora de vapor d'água. Em média existem 24xl010 toneladas de água, sob forma de vapor, sobre a região e cerca de 50% das chuvas que caem sobre a Amazônia Central provêm de água evaporada na própria região.
A geologia e, principalmente, a geomorfologia são apresentadas por J. J. Bigarella e A. M. M. Ferreira.
A história da floresta, revelada pelo estudo dos polens das plantas, encontrados nos sedimentos, é relatada por M. L. Absy.
C. F. Jordan estuda a origem dos solos e explica, com um caso, que as modificações observadas na vegetação a cada pequena mudança do nível do terreno, correspondem, também, a modificações no solo.
A reciclagem dos nutrientes na floresta amazônica é descrita, com auxílio de diversas figuras, por R. Herrera.
J. Murça Pires e Gillean T. Prance brindam os leitores com um soberbo capítulo sobre a vegetação. Na parte geral chama a atenção para o fato de, na floresta amazônica, as espécies competirem, principalmente, pelos espaços que permitam alcançar a luz solar. E mais, nos solos de baixa fertilidade, onde os nutrientes têm que ser reciclados, a produção primária fica na dependência da produção secundária. No caso, decomposição dos restos vegetais e animais que caem na superfície do solo. Destacam o papel das clareiras naturais para o crescimento e regeneração das espécies que necessitam de luz para se desenvolverem. Citam entre os exemplos a castanheira, árvore abundante em algumas áreas, mas que não tem exemplares jovens nas florestas maduras.
Na parte especial são descritos todos os tipos de vegetação, com as espécies típicas e os solos onde ocorrem. As ilustrações também são muito boas. Em suma, um trabalho de quem conhece a região.
A teoria dos refúgios pleistocênicos é apresentada por G. T. Prance, que a considera útil para explicar a evolução das espécies amazônicas, mas, lembra que ela não é a única. A existência de espécies com folhas grossas e xeromórficas indica que elas se desenvolveram numa época mais seca. Lembra, também, que as florestas de galeria devem ter tido papel importante na conservação das espécies florestais nas épocas secas.
O importante problema da polinização é apresentado por G. T. Prance. A distância entre as árvores da mesma espécie leva à crença da regra ser a autopolinização. Entretanto, o normal é a polinização cruzada, que cria o problema do transporte do pólen. Nessa tarefa é que entram abelhas, aves, morcegos, dípteros, coleópteros e outros insetos. Várias espécies não se reproduzem sem os seus polinizadores. Aproveita esse fato para lembrar que, ao traçar uma política conservacionista, os planejadores devem levar em conta todas as inter-relações existentes na floresta.
A dispersão das plantas é discutida por K. Kubitzki que começa lembrando que, depois da descrição da biologia da floresta feita por Huber (que data de 1910), pouco tem sido feito no estudo das inter-relações entre plantas e animais para a dispersão das espécies. Aves, morcegos e outros mamíferos colaboram nessa tarefa. É levantada a hipótese da diversidade de espécies ser fortemente influenciada pela comunidade herbívora.
As interações entre plantas e herbívoros foram magnificamente apresentadas por D. H. Jansen. Dá duas fotos de uma lagarta de borboleta se alimentando numa folha de mamão. Para não ser molestada pelo látex faz uma série de furos na parte proximal da folha para secionar os vasos lactíferos. Depois de descrever uma série de interações, termina o artigo de maneira jocosa dizendo que a cafeína e outros compostos que fazem o valor do café, na Bolsa de Londres, são o resultado do trabalho dos animais da floresta pluvial africana, sobre Coffea arabica, durante milênios.
A utilidade das plantas amazônicas e a sua geografia química, de O. R. Gottlieb, é um artigo de difícil leitura para o biologista desatualizado em química, mas pleno de idéias interessantes. Entre elas, deve-se destacar a utilidade dos compostos secundários no estudo da filogênese e das vias de migração das floras. E isso, destaca o autor, deve ser feito antes que elas se extingam.
A interação entre as plantas e as formigas foram apresentadas por W. W. Benson. Na descrição dessas inúmeras associações mutualísticas, o que mais chama a atenção é o controle biológico exercido pelas formigas contra as pragas e as plantas concorrentes. Diante da perfeição observada nessas interações, o autor põe em dúvida a teoria de que a floresta amazônica tenha sido interrompida em tempos geológicos recentes, pois, só uma evolução durante muito tempo propiciaria tal refinamento.
Em peixes da floresta amazônica, de M. Goulding, fica-se sabendo que os principais peixes comerciais da região, como o tambaqui, são comedores de frutos e sementes, principalmente, os que caem quando a várzea está inundada. Alguns desses peixes têm todos os dentes com formato de molares. Além disso, algumas espécies são ótimas dispersoras de sementes.
As micorrizas, simbiose entre fungos e raízes, são apresentadas por T. V. St. John, que há alguns anos as vem estudando na Amazônia. Essas associações são mais abundantes nos solos mais pobres, principalmente, os arenosos. Estudos recentes mostraram que a maior absorção de fósforo pelas plantas com micorrizas deve-se ao maior volume de solo que elas permitem explorar e não a uma maior capacidade de liberar esse elemento dos compostos do solo.
A ecologia dos primatas amazônicos, de J. Terborgh, é um dos artigos mais interessantes do livro. Escrito com muita vivacidade, descreve os hábitos e as estratégias de alimentação das espécies existentes no Parque Nacional de Cocha Cashu, no Peru. Divide as espécies em três grupos de tamanho e mostra a influência, do porte da espécie, na maneira de se alimentar e evitar os predadores. Termina chamando a atenção para a necessidade de serem criados parques e reservas, onde os primatas não sejam perturbados e, portanto, permitam serem observados.
Para falar da adaptação dos aborígenes à Amazônia, ninguém melhor do que Betty J. Meggers, autora que é de um livro clássico sobre o assunto. O que mais impressiona nesse artigo é o conhecimento científico dos indígenas e a sua tecnologia agrícola. Na várzea, onde a densidade de população era elevada, a cheia anual exigia um perfeito planejamento, tanto da agricultura, como para o armazenamento de víveres. Plantar a tempo de colher antes da inundação, o que conseguiam com variedades precoces e guardar o alimento para o resto do ano. Mais importante do que tudo isso, é que apesar de sustentarem um mundo de gente, souberam conservar a ecologia.
Em Amazônia e a população atual, de T. E. Lovejoy, destaca-se o espírito crítico e ao mesmo tempo prático, como é discutido o problema da conservação da natureza na Amazônia. Além disso, pela primeira vez vimos ser chamada a atenção para a necessidade de serem criados parques nas áreas de várzea, para proteger as comunidades de peixes que vivem, principalmente, dos frutos e sementes, que caem na água durante os meses da cheia.
Tratando da botânica econômica, M. J. Balick, lembra, logo na introdução do artigo, que a experiência já acumulada mostra que não existe nenhuma maneira simples e rápida de explorar a floresta amazônica. Passa em revista os conhecimentos disponíveis sobre as principais espécies, que são aproveitadas pela população atual, mas lembra que a maior parte do conhecimento sobre as plantas amazônicas não está nos livros e sim na memória dos povos indígenas. Destaca as potencialidades do babaçu para o reflorestamento de áreas degradadas e termina sugerindo que deve-se dar ênfase ao estudo de plantas capazes de serem cultivadas em ambientes que apresentem limitações sérias às lavouras tradicionais.
Judy M. Rankin inicia o artigo sobre a silvicultura, lembrando a responsabilidade do Brasil nos destinos da Amazônia, proprietário que é de mais de 60% da região. Recorda todas as atividades florestais desenvolvidas, desde o começo da ocupação branca, até os dias atuais. Faz uma crítica, muito bem fundada, dos planos e realizações, com ênfase no Projeto Jari, que a autora tem acompanhado pessoalmente. Em toda essa crítica fica patente a escassez de pesquisas florestais na Amazônia. A primeira Estação Experimental de Silvicultura - a de Curuá-Una - é de 1955 e só no final da década de 70 o IBDF, a EMBRAPA e o INPA, se lançaram ao assunto. Em suma, uma pequena gota d'água nesse grande oceano que é a floresta amazônica.
A agricultura na Amazônia, de F. M. Fearnside, começa com uma revisão geral de todos os tipos de agricultura praticados na região. O que mais impressiona é que a Amazônia está se transformando numa grande pastagem. Mesmo em áreas de colonização, como Rondônia, a área em pasto aumenta todos os anos. Se a produtividade do gado é baixa, pouco importa, pois, a valorização da terra está sendo maior do que o lucro que poderia ser obtido com qualquer lavoura.
Em "Os animais superexplorados e aqueles pouco utilizados na região amazônica", M. J. Dourojeanni começa lembrando o papel que a fauna sempre desempenhou, desde os tempos pré-colombianos, na alimentação humana. Mais adiante chama a atenção para o fato das espécies mais ameaçadas de extinção, não serem as mais caçadas e sim aquelas que estão tendo os seus habitats destruídos. Diante de uma série de informações apresentadas, se é levado a concluir que a lei que proibiu a caça profissional tem sido nefasta, pois, impossibilitou o acompanhamento do que está ocorrendo com as espécies mais procuradas, uma vez que, sendo a caça uma atividade ilegal, não tem estatísticas. Entretanto, as perspectivas do autor são otimistas e termina informando que a melhor maneira de garantir a sobrevivência das espécies de interesse econômico é otimizar o seu uso pela população local.
No total, trata-se de um livro excelente e a maior parte dos capítulos pode ser lida por qualquer biologista bem formado.
É verdade que a maioria dos autores são estrangeiros, mas isso não é culpa deles e sim nossa. Também aqui no centrol-sul diversas instituições científicas tradicionais estão com seus quadros de pesquisadores desfalcados. Esse é um assunto sério e precisa ser enfrentado com um grande programa de formação de pesquisadores. Tive um professor que, quando queriam aumentar o número de alunos da faculdade, dizia: poucos e bons. Diante do desenvolvimento científico atual, o problema parece ser outro. O que precisamos é de muitos e ótimos.