PESQUISA / RESEARCH
Atenção médica à gestação e ao parto de mães adolescentes
Medical care for teenage mothers during pregnancy and at delivery
Heloisa Bettiol; Marco A. BarbieriI; Uilho A. GomesII; Liu Yao Wen; Patricia M. dos Reis; Telma M. Chiaratti; Valéria Vasconcellos; Rosalina M. YamawakiI
IDepartamento de Puericultuta e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Avenida Bandeirantes, 3900, 14049-900, Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIDepartamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Avenida Bandeirantes, 3900, 14049-900, Ribeirão Preto, SP, Brasil
RESUMO
Estudou-se em Ribeirão Preto, SP, Brasil, no período de 1o de junho de 1978 a 31 de maio de 1979, 98% do universo de nascidos vivos, totalizando 8878 crianças nascidas de parto único, sendo 6750 procedentes de Ribeirão Preto. Observou-se um aumento da proporção de mães adolescentes em Ribeirão Preto (14,1%) quando comparada com estudo realizado 10 anos antes (11,7%). A idade materna menor de 20 anos esteve associada com os indicadores mais desfavoráveis para a saúde perinatal, no que diz respeito à atenção médica à gestação e ao parto. Essa situação ficou mais evidente entre as mães adolescentes de classes sociais menos favorecidas, revelando que o grupo de mães adolescentes não é homogêneo, mas apresenta diferentes proporções de risco para a saúde perinatal de acordo com as frações de classe social que existem no seu interior.
Palavras-Chave: Peso ao Nascer; Assistência Médica; Gravidez na Adolescência
ABSTRACT
Ninety-eight percent of all live births occuring in the city of Ribeirão Preto, state of São Paulo (Brazil), from June 1, 1978 to May 30, 1979 were studied, for a total of 8,878 single-delivery infants, 6,750 of whom were from this town. An increase in the proportion of teenage mothers in Ribeirão Preto (14.1%) was observed in relation to a study carried out ten years before (11.7%). Maternal age of less than 20 years was associated with more unfavorable perinatal health indicators with respect to medical care and delivery. This situation was more evident among teenage mothers from underprivileged social classes, showing that the group of teenage mothers is not homogeneous but presents different risk rates for perinatal health according to the social strata of which the group is composed.
Keywords: Birth Weight; Medical Care; Teenage Pregnancy
INTRODUÇÃO
Muitos autores têm estudado o impacto do peso ao nascer sobre os níveis de morbidade e mortalidade na infância, pois esta variável tem sido reconhecida como o parâmetro mais importante relacionado com a doença e a morte no primeiro ano de vida (Butler & Alberman, 1969; Puffer & Serrano, 1975; Teruel et al., 1975; Barros-Filho, 1976; Eisner et al., 1979; Monteiro, 1979; Benício, 1983; Barros et al., 1984; Barbieri, 1985; Puffer & Serrano, 1987; Almeida, 1988). Apesar das limitações apontadas a essa medida, como, por exemplo, a de que um dado peso de nascimento pode refletir diferentes níveis de maturidade, a facilidade de sua obtenção em níveis populacionais e a nitidez com que reflete interferências que tenham ocorrido antes ou durante a gestação justificam a confiabilidade que lhe é conferida no estudo da vitalidade infantil ao nascer e das possibilidades de sobrevivência saudável da criança no futuro (Barros-Filho, 1976).
A idade da mãe na época do parto é um dos fatores imputados como sendo de grande importância na gênese do RN de baixo peso, ou seja, com peso de nascimento menor que 2500 gramas (WHO, 1977), sendo que os extremos da vida reprodutiva feminina menos de 20 e mais de 35 anos de idade apresentam as maiores taxas de baixo peso ao nascer e maiores mortalidades neonatal e infantil (Eisner et al., 1979; Siqueira et al., 198 1b; Van Den Berg, 1981; The Lancet, 1989; American Academy of Pediatrics, 1989).
Contudo, existem outros determinantes do baixo peso ao nascer além da idade materna, os quais atuam sincronicamente com esta, interferindo no aparecimento de recém-nascidos com peso inadequado. Estes outros determinantes, muitas vezes analisados como "fatores de risco" que apresentam uma mesma relação de "causa-efeito" de igual intensidade (Ruffino-Neto & Pereira, 1982), na verdade estão distribuídos de maneira distinta dentro das várias classes sociais que compõem a população.
Um destes aspectos relevantes é o consumo de serviços de saúde, já que a assistência médica reflete a estrutura de uma sociedade, pois as diferenças entre as classes sociais se manifestam não só no aparecimento da doença, mas também na definição e na oferta do cuidado médico (Rosen, 1979; Barbieri, 1985).
Estudos mostram que as mães adolescentes, por pertencerem, na sua maioria, a classes sociais menos favorecidas, tendem a receber atenção médica deficiente durante a gravidez (Carvalheiro, 1978; Klerman, 1980; Almeida, 1988). Contudo, se esta atenção for adequada, essas pacientes, como grupo, não têm problemas maiores do que as mães mais velhas (Battaglia, 1963).
A adequação do cuidado médico é comumente estudada em termos de quantidade de consultas pré-natais durante a gravidez, sem se considerar a qualidade deste atendimento; assim, geralmente, um total de 5 (cinco) ou mais visitas ao médico é considerado "adequado", e menos que isso, "inadequado" (Barbieri, 1985).
O caráter "classista" da distribuição do cuidado médico fica bem evidente quando se analisa o tipo de assistência hospitalar utilizado no parto e o próprio tipo de parto realizado. No Brasil, como em outros países, configura-se um sistema diferenciado da atenção médica entre as classes sociais: os que detêm a maior parte da produção social podem consumir os serviços da medicina liberal, enquanto os serviços médicos da Previdência Social cobrem praticamente o conjunto dos trabalhadores; os setores da força de trabalho que detêm cargos superiores e trabalhadores das grandes empresas têm acesso aos seguros e convênios; aos "marginalizados urbanos", cabe a assistência prestada pelos serviços públicos e de caridade (Barros, 1983).
Por pertencerem, em grande parte, às classes sociais menos favorecidas, as mães adolescentes geralmente têm menor acesso ao pré-natal e à internação particular, dando à luz, na maior parte das vezes, nos hospitais conveniados com a Previdência, públicos e caritativos (OPAS, 1988; Oliveira Jr. et al., 1989).
Fica assim caracterizada a "lei da inversão do cuidado" (Hart, 1971), em que a disponibilidade da boa atenção médica tende a variar inversamente com a necessidade da população atendida.
O progresso científico e tecnológico aplicado à Medicina contribuiu para a elevação da incidência da operação cesariana, com o intuito de diminuir a morbi-mortalidade materno-fetal (Marques et al., 1989). Contudo, em muitos casos, este aumento alcançou limites difíceis de se explicar por motivos médicos (Moragues et al., 1981). No nosso meio o fenômeno não é diferente, e este aumento é bastante evidente na clínica particular e nos hospitais que mantêm convênio particular com a Previdência Social (Siqueira et al., 1981a).
Para as mães adolescentes, de modo geral, a incidência de operações cesarianas acompanha os padrões da população geral, sendo, portanto, muito alta em nosso meio, como mostram alguns trabalhos (Beleza-Filho et al., 1984; Mathias et al., 1985; Madi et al., 1986; Oliveira Jr. et al., 1989). O critério de "risco" obstétrico parece não ser a principal indicação da intervenção.
O objetivo da presente investigação é analisar a atenção médica oferecida durante a gestação e o parto, segundo a idade materna, com particular atenção às mães adolescentes, numa coorte de nativivos de parto único hospitalar de Ribeirão Preto no período de um ano. São enfatizados os diferenciais por classe social na distribuição destes serviços, relacionando-se a assistência médica ao peso de nascimento dos filhos das adolescentes.
MATERIAL E MÉTODO
O estudo foi realizado através de entrevistas com todas as puérperas que deram à luz nos hospitais de Ribeirão Preto entre 01 de junho de 1978 e 31 de maio de 1979. Foram colhidos dados relativos aos pais, à renda, à gestação e ao parto, incluindo a atenção médica ao recém-nascido, ao óbito da criança (quando ocorresse), à etnia e à reprodução humana. Nos casos em que a mãe não quisesse ou não pudesse responder ao questionário, eram colhidos apenas os dados constantes no prontuário hospitalar. Maiores detalhes sobre a metodologia e dados gerais estão descritos em publicações anteriores (Barbieri et al., 1989; Gomes et al., 1990). Neste trabalho, utilizou-se o peso do recém-nascido com aproximação de 50 gramas e agrupado em duas categorias: baixo peso ao nascer (menor que 2500 gramas) e não-baixo peso ao nascer (maior ou igual a 2500 gramas). A idade materna no parto, em anos completos, foi dividida em cinco intervalos de classe: menor que 20, 20 a 24, 25 a 29, 30 a 34, 35 e mais. A classe social foi estabelecida segundo o modelo proposto por Singer (1981) e modificado por Barros (1983) para uso epidemiológico, considerando-se três frações: burguesia, proletariado e subproletariado. O número de consultas no pré-natal foi referido pela mãe e classificado em quatro categorias: O a 3 consultas, 4 a 5, 6 e mais, pré-natal com número de consultas desconhecido. A assistência pré-natal foi classificada em quatro categorias: não fez pré-natal, particular (inclui convênios médicos), gratuita e Inamps (previdenciária). A categoria de internação hospitalar foi classificada em particular (inclui convênios médicos), gratuita e Inamps (previdenciária). O tipo de parto foi classificado em normal, fórcipe e cesárea.
RESULTADOS
Nesta análise, os resultados são referentes aos 6750 questionários correspondentes aos nascimentos vivos de parto único procedentes do município de Ribeirão Preto no período de estudo.
A proporção de baixo peso ao nascer foi de 7,2%; a grande maioria da população de estudo pertencia às classes proletárias (81,6%, sendo 57,8% do proletariado propriamente dito e 23,8% do subproletariado), sendo somente 18,4% da burguesia; houve uma proporção importante de mães menores de 20 anos (14,1%) e menor freqüência de mães com 35 anos e mais de idade (8,5%).
As Tabelas 1 e 2 apresentam as proporções de algumas variáveis relativas à atenção médica à gravidez e ao parto, segundo a idade materna (Tabela 1) e a classe social das mães adolescentes (Tabela 2).
TABELA 1. Proporções (%) de Algumas Variáveis Relativas à Atenção Médica à Gravidez e ao Parto Segundo a Idade Materna, Ribeirão Preto, 1978-79
TABELA 2. Proporções (%) de Algumas Variáveis Relativas à Atenção Médica à Gravidez e ao Parto Segundo a Classe Social entre as Mães Adolescentes, Ribeirão Preto, 1978-79
A maior porcentagem de mães que tiveram de nenhuma até 3 (três) consultas médicas foi encontrada entre as adolescentes. Esta proporção foi diminuindo gradativamente com a elevação da idade materna, e voltou a aumentar entre as mães de 35 anos e mais. Inversamente, somente 34,8% das mães adolescentes tiveram mais de 6 (seis) consultas no pré-natal; este valor variou em torno de 50% e mais para as mães dos grupos etários seguintes e voltou a cair entre as mais idosas (Tabela 1).
Apesar do grupo de mães menores de 20 anos ter recebido menos cuidado médico na gravidez, quando se analisa estes valores segundo as classes sociais entre as adolescentes, observa-se que somente 20% das burguesas tiveram zero a 3 (três) consultas, enquanto 23,9% do proletariado e mais do dobro do subproletariado estiveram na mesma situação. Inversamente, mais da metade das adolescentes burguesas fizeram pré-natal quantitativamente adequado, enquanto somente 39,9% do proletariado e 28,4% do subproletariado o fizeram (Tabela 2).
A Tabela 3 revela que as mães adolescentes que tiveram O a 3 consultas no pré-natal apresentaram cerca do dobro da proporção de baixo peso em relação às que receberam 6 (seis) ou mais atendimentos.
TABELA 3. Distribuição do Peso ao Nascer dos Filhos de Mães Adolescentes Segundo o Número de Consultas no Atendimento Pré-Natal, Ribeirão Preto, 1978-79
A análise do tipo de assistência pré-natal recebido pela gestante evidencia que o atendimento previdenciário predominou em todas as faixas etárias, sendo responsável por mais da metade da atenção médica oferecida (Tabela 1). As mães adolescentes foram as que tiveram a menor proporção de atendimento particular, o que correspondeu a menos da metade do atendimento desse tipo recebido pelas mães de outras idades. Por outro lado, as mães adolescentes colaboraram com o maior contingente que recebeu atendimento pré-natal gratuito, sendo que esse valor se reduziu em cerca de 1/3 nas faixas etárias seguintes, voltando a elevar-se nas mães idosas, porém em níveis menores que os das adolescentes.
Ainda na Tabela 2, verifica-se que, enquanto apenas 5% as adolescentes burguesas não fizeram pré-natal, essa proporção aumentou uma vez e meia entre as proletárias e 4 (quatro) vezes entre as subproletárias. A proporção de atendimento particular entre as burguesas foi 3 (três) vezes mais freqüente do que entre as proletárias, e foi irrisória entre as subproletárias. Nota-se que o atendimento pelo Inamps predominou na burguesia e no proletariado, com mais da metade das mães dessas classes sociais tendo recebido atenção médica nessa Instituição. Contudo, no subproletariado, o atendimento se distribuiu de modo semelhante entre as categorias gratuita e Inamps, com discreto predomínio da atenção gratuita.
A Tabela 4 mostra que as mães adolescentes que não fizeram pré-natal tiveram o dobro da proporção de filhos com baixo peso em relação às mães com atendimento particular e o triplo em relação àquelas atendidas no Inamps. Contudo, as mães que foram atendidas no Inamps tiveram freqüência de RN com baixo peso uma vez e meia menor que as do atendimento particular. A atenção gratuita esteve associada a uma proporção de baixo peso que foi em torno de uma vez e meia maior que a observada na atenção particular e cerca de duas vezes maior do que no Inamps.
TABELA 4. Distribuição do Peso ao Nascer dos Filhos de Mães Adolescentes Segundo o Tipo de Assistência Pré-Natal, Ribeirão Preto, 1978-79
Na Tabela 1, nota-se, ainda, que houve um aumento da procura de internação gratuita em relação ao pré-natal gratuito, e um aumento ainda mais acentuado da internação pelo Inamps em relação ao pré-natal do Inamps, para todas as faixas etárias. Inversamente, houve uma redução na freqüência de internações particulares em relação ao pré-natal particular, principalmente entre as adolescentes, onde essa redução foi maior que 50%. Verifica-se, ainda, que a internação pelo Inamps predominou em todas as idades; as adolescentes representaram o grupo que teve menor proporção de internação particular e maior de gratuita.
A Tabela 2 mostra a repetição desta situação entre as mães adolescentes, com poucas diferenças: a internação pelo Inamps predominou entre as adolescentes da burguesia e do proletariado, enquanto no subproletariado a proporção de internação gratuita e previdenciária foi praticamente equivalente. A internação particular foi mais freqüente na burguesia, ou seja, mais do dobro do que no proletariado e quase 8 (oito) vezes o do subproletariado, que foi irrisório.
A Tabela 5 mostra que, para as adolescentes, tanto as mães que tiveram internação particular como aquelas internadas no Inamps apresentaram proporções de RN de baixo peso semelhantes, e esses valores foram pouco mais da metade do observado nas mães que foram internadas gratuitamente.
TABELA 5. Distribuição do Peso de Nascimento dos Filhos de Mães Adolescentes Segundo o Tipo de Internação Hospitalar, Ribeirão Preto, 1978-79
A freqüência de parto cesáreo foi alta em todas as idades (mais de 20%) e aumentou progressivamente com a elevação da faixa etária (Tabela 1). O fórceps foi usado em pequena proporção de casos em todas as idades, porém a freqüência foi maior entre as mães adolescentes. Por outro lado, o grupo das mães adolescentes foi o que teve menor freqüência de intervenção cirúrgica.
A Tabela 2 mostra que, mesmo entre as mães adolescentes, manteve-se o padrão "classista" da distribuição da cesariana: ocorreram quase duas vezes mais cesáreas entre as adolescentes burguesas do que entre as subproletárias.
A Tabela 6 mostra a distribuição do tipo de parto segundo o peso ao nascer dos filhos de mães adolescentes. Observa-se que as crianças com peso igual ou superior a 2500 gramas tiveram uma freqüência de cesariana duas vezes e meia maior do que as de baixo peso.
TABELA 6. Distribuição do Tipo de Parto Segundo o Peso ao nascer dos Filhos das Mães Adolescentes, Ribeirão Preto, 1978-79
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Ribeirão Preto encontrava-se, no período de estudo, entre as populações consideradas de baixa incidência de RN com peso inferior a 2500 g (Belizán et al., 1978), e em melhor situação quanto ao baixo peso ao nascer do que a média observada na América Latina em 1980, que foi de 10,1% (Unicef, 1988). Contudo, fazendo-se uma comparação com os valores encontrados na Investigação Interamericana de Mortalidade na Infância, realizada em Ribeirão Preto no período 1968-70 (Teruel et al., 1975), observa-se que, nesse período de 10 anos, não houve diminuição na freqüência de baixo peso (que foi de 8,3% neste estudo e 8,7% no estudo anterior, considerando-se baixo peso as crianças nascidas com 2500 gramas ou menos). Também nesse intervalo de tempo entre os dois estudos, observa-se um aumento na freqüência de nascimentos entre adolescentes (11,7% na investigação e 14,1% neste estudo), um dado preocupante já observado em outras partes do mundo (Hollingsworth & Kreuther, 1980; OPAS, 1988; Davis, 1989). Cabe salientar que, em Ribeirão Preto, em 1970, as meninas entre 10 e 19 anos representavam 11,7% da população total, enquanto que em 1980, representavam 10,7% (Fundação IBGE, 1973; Fundação IBGE, 1982).
A análise da distribuição de alguns fatores relacionados à atenção médica à gestação e ao parto, como número de consultas e tipo de assistência pré-natal, categoria de internação hospitalar e tipo de parto, mostrou sempre que a idade materna menor de 20 anos esteve associada com os indicadores mais desfavoráveis para a saúde perinatal. Assim, as mães adolescentes tiveram maiores proporções de atenção pré-natal quantitativamente insuficiente e de qualidade discutível; tiveram acesso à internação hospitalar quase que exclusivamente previdenciária e gratuita, que, neste último caso, era, na maior parte das vezes, reservado à população indigente; mesmo tendo sido submetidas a elevados índices de cesarianas, estiveram bem abaixo dos níveis da burguesia, evidenciando a influência do fator econômico na determinação do tipo de parto. Tudo isso deixou evidente a distribuição classista do cuidado médico, onde os grupos populacionais que mais dele necessitaram não tiveram o devido acesso.
Quando se analisa a distribuição desses fatores de risco no grupo das mães adolescentes em função da classe social, percebe-se que o comportamento das menores de 20 anos apresentou variações conforme fossem ricas ou pobres. Assim, as adolescentes burguesas tiveram maiores proporções de fatores favoráveis à saúde perinatal e também a presença de algumas distorções, como no caso da alta incidência de cesarianas. Portanto, o grupo das mães adolescentes não é um grupo homogêneo, mas apresenta diferentes proporções de riscos para a saúde perinatal, de acordo com as frações de classe social que existem no seu interior.
Pode-se pensar na possibilidade de mães com nível sócio-econômico alto apresentarem maior porcentagem de RN com peso maior, e, portanto, com incidência mais alta de desproporção céfalo-pélvica, com conseqüente necessidade aumentada de partos operatórios. Contudo, estudo realizado em uma maternidade assistencial e uma particular, nos anos de 1973 e 1974, em São Paulo, mostrou que, embora houvesse aumento de incidência de cesáreas com a elevação do peso da criança nos dois serviços, não houve associação entre o tipo de parto e o peso do RN na clientela não-previdenciária da maternidade particular (Siqueira et al., 1981a).
As freqüências de baixo peso ao nascer entre as mães adolescentes também foram maiores na presença dos fatores desfavoráveis, como menor número de consultas no pré-natal, tipo de pré-natal gratuito, internação hospitalar previdenciária e gratuita, parto cesáreo. A menor freqüência de RN de baixo peso entre as mães adolescentes atendidas no Inamps, quando comparadas com as que tiveram atenção pré-natal particular, pode ser justificada pela pequena representatividade dessa categoria de atendimento pré-natal entre as adolescentes.
Os benefícios da melhoria dos cuidados pré-natais são maiores para os grupos populacionais de alto risco de baixo peso ao nascer e complicações perinatais, como mostraram diversos estudos (Gortmaker, 1979; Greenberg, 1983; Murray & Bernfield, 1988), contribuindo, assim, para reduzir a incidência de baixo peso na população geral. Vários autores (Stickle & Ma, 1977; Quick, 1981) também encontraram associação entre peso ao nascer e assistência pré-natal, utilizando diferentes critérios para a definição desta assistência. Eisner et al. (1979), nos EUA, verificaram que a ausência de assistência pré-natal foi o fator de risco mais intensamente associado ao baixo peso de nascimento. Gortmaker (1979) observou, utilizando dados de todos os nascimentos e dos óbitos infantis da cidade de Nova York, em 1968, uma associação significante entre ausência de cuidado pré-natal e mortalidade infantil, principalmente por haver forte relação entre pré-natal inadequado e baixo peso ao nascer.
Ficaram bastante evidentes, neste estudo, as diferenças na definição e na oferta de atenção médica em função das classes sociais, sendo que o grupo de maior risco para a saúde perinatal as mães muito jovens, de classes proletárias recebeu atenção médica deficiente no pré-natal, evidenciando, claramente, a "lei da inversão do cuidado médico" (Hart, 1971). Esses diferenciais se acentuaram ainda mais quando se tratou da categoria de internação hospitalar para o parto, observando-se um aumento considerável da participação das categorias "gratuito" e "Inamps", em detrimento da particular, provavelmente devido ao alto custo da assistência hospitalar, que restringiu fortemente as possibilidades de acesso à internação particular (Barbieri, 1985).
Os dados deste estudo mostram que as diferenças quanto ao risco de baixo peso para os filhos de mães adolescentes foram fortemente influenciadas pela estrutura de classes da sociedade, que definiu inclusive o padrão da atenção médica oferecida a este grupo de mulheres nas diferentes classes sociais, e estes diferenciais devem ser sempre levados em conta na investigação e na eleição de prioridades para as ações de saúde pública no campo da atenção à saúde da mulher e da criança. A consideração dos fatores sociais pode e deve levar, inclusive, a uma reversão das prioridades (Silva et al., 1991).
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