ARTIGO ARTICLE

 

 

 

 

 

 

 

Vanja Maria Bessa Ferreira 1
Margareth Crisóstomo Portela 2


Avaliação da subnotificação de casos de Aids no Município do Rio de Janeiro com base em dados do sistema de informações hospitalares do Sistema Único de Saúde

Evaluation of under-reporting of AIDS cases in the city of Rio de Janeiro based on data from the Hospital Information System of the Unified Health System

 


1 Assessoria de DST/Aids, Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Rua Sacopã 109/507, Rio de Janeiro, RJ 22471-180, Brasil.
2 Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rua Leopoldo Bulhões 1480, Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil.

 

  Abstract Data from the Hospital Information System (SIH-SUS) were linked to data from the AIDS Case Reporting System (Sinan) to assess the level of under-reporting of AIDS cases in the city of Rio de Janeiro. A high level of unreported cases(42.7%) was observed for patients treated in hospitals under Brazil's Unified Health System in the city of Rio. Bivariate analysis showed an association between reporting to the Sinan and age, principal diagnosis, and type of hospital.
Key words Information Systems; Disease Notification; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Epidemiology

Resumo Este estudo comparou as informações contidas nos bancos de dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS) e do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan) para estimar a subnotificação de casos de Aids no Município do Rio de Janeiro. Foi observado um elevado grau de subnotificação (42,7%) entre pacientes com a síndrome que tiveram acesso a unidades hospitalares relacionadas ao SUS. Análises bivariadas apontaram para a associação entre notificação no Sinan e faixa etária do paciente, diagnóstico principal e natureza jurídica do hospital.
Palavras-chave Sistemas de Informação; Notificação de Doenças; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Epidemiologia

 

 

Introdução

 

A subnotificação de casos de Aids, ou seja, o desconhecimento pela vigilância epidemiológica de parte dos casos diagnosticados, além de implicar uma estimativa equivocada da magnitude e ônus da epidemia, acarreta uma sub-alocação de ações e recursos para o seu enfrentamento. O pronto acesso ao real número de casos de Aids é fundamental para que os gerentes de programas e os planejadores de saúde possam definir adequadamente a implantação de ações preventivas direcionadas a grupos específicos, bem como a alocação de recursos de diagnóstico e terapêutica, além da dispensação de preservativos, medicamentos e kits laboratoriais.

No Brasil, a vigilância dos casos de Aids é realizada através do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan), cujo objetivo é o registro e o processamento dos dados sobre agravos de notificação compulsória em todo o território nacional, a fim de fornecer informações para a análise do perfil de morbidade vigente. Esse sistema é operacionalizado a partir da unidade de saúde, e a coleta dos dados é feita utilizando-se a ficha de notificação ou ficha de investigação de casos. Algumas deficiências na abrangência e qualidade dos dados devem-se a erros de diagnóstico, descuido com a obrigatoriedade da notificação e/ou erros na coleta e digitação dos dados, acarretando um atraso no registro de casos e gerando uma discrepância entre o número de casos notificados e o número real de casos (Parker et al., 1994; Barbosa & Struchinner, 1996).

A Definição Nacional de Caso de Aids em indivíduos com 13 anos de idade ou mais foi revista pela Coordenação Nacional de DST e Aids com o objetivo de ampliar a notificação e aprimorar a sensibilidade da definição de caso, tendo entrado em vigor, para fins de vigilância epidemiológica, em janeiro de 1998 (MS, 1998).

Neste estudo, será utilizada a definição estabelecida em agosto de 1992, que determina que um adulto deve ser notificado como portador de Aids se apresenta evidência laboratorial de infecção pelo HIV e, independentemente da presença de outras causas de imunodeficiência, possui um conjunto de sinais e sintomas que, com base no critério OPAS/Caracas, somam pelo menos dez pontos, ou apresenta, ao menos, uma doença indicativa de Aids diagnosticada presuntivamente (MS, 1992). Uma criança de até 13 anos deve, por sua vez, ser notificada como portadora de Aids se, além de apresentar evidência laboratorial de infecção pelo HIV, possuir pelo menos dois sinais maiores ou um sinal maior associado a dois sinais menores, segundo o critério de classificação de sinais indicativos de Aids na criança estabelecido pelo Ministério da Saúde, ou apresentar ao menos uma doença indicativa de Aids (MS, 1994).

Outras fontes de informação podem ser consultadas para recuperar casos de Aids não notificados. Diversos autores vêm utilizando a pesquisa em atestados de óbitos, comparando as mortes por Aids com o registro de casos notificados da doença (Hardy et al., 1986; Johnson et al., 1989; Hessol et al., 1992; Chu et al., 1993; Barchielli et al., 1995; Montellá i Jordana et al., 1995).

Neste estudo, avaliamos a subnotificação de casos de Aids no Município do Rio de Janeiro com base em dados concernentes aos atendimentos por essa enfermidade realizados em unidades hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS), no referido município, em 1996. A fonte de dados utilizada foi o Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do SUS. Mediante análises bivariadas, comparamos os casos não notificados aos notificados com relação ao sexo, idade, diagnóstico principal, número de internações no período, ocorrência de óbito e natureza jurídica do hospital no qual foram atendidos.

A utilização do SIH-SUS como forma complementar de captação de casos de Aids visa reduzir uma das causas de atraso de registro, ou seja, o tempo entre o diagnóstico e a informação na ficha de notificação. Os casos diagnosticados como Aids nas autorizações de internação hospitalar (AIHs) devem ser prontamente avaliados quanto aos critérios de definição de caso, evitando que o paciente tenha que retornar aos serviços de saúde seguidamente até que venha a ser notificado. Esta informação é particularmente valiosa nos casos de óbito, uma vez que o paciente não retornará ao sistema de saúde e não será, portanto, reavaliado.

 

 

Metodologia

 

A identificação das AIHs por Aids no SIH-SUS se deu a partir do registro dos procedimentos Tratamento de Aids (70.000.00-0), Tratamento de Aids ­ Fase Terminal (70.300.15-1 ou 70.500.15-0) e Hospital-dia para Aids (91.904.01-3). Foram separadas as 3.822 AIHs referentes ao Município do Rio de Janeiro, em 1996, e, com base nos seus números, identificaram-se os nomes dos pacientes junto à Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. Em razão da não-identificação de 33 nomes, o banco de dados resultante ficou constituído de 3.789 observações e 17 variáveis, incluindo dados administrativos (número da AIH, CGC e natureza jurídica do hospital, número do prontuário, especialidade, data da internação e da alta, valor total pago); dados demográficos (nome, sexo, data do nascimento, município de residência, CEP); e dados clínicos (procedimento, diagnóstico principal e secundário, resultado da internação ­ variável cobrança).

Os dados do Sinan aqui utilizados incluem todos os casos de Aids notificados à Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro até setembro de 1997. A margem de, pelo menos, nove meses entre os atendimentos hospitalares estudados e a inclusão dos pacientes no Sinan foi considerada razoável para lidar com o atraso inerente ao próprio processo de notificação de casos. Em um hospital, os atendimentos por Aids devem ser comunicados ao setor de epidemiologia, que preenche as fichas de notificação e as encaminha ao centro de saúde de referência. As notificações são, então, enviadas à Secretaria Municipal de Saúde, devendo o fluxo da informação se completar em até três meses após a internação, com o registro do caso no Sinan. Na falta de dados, a informação retorna ao hospital de origem e refaz todo o percurso. Barbosa & Struchinner (1996) estimam que a probabilidade de um caso de Aids ser notificado ao Programa Nacional de DST/Aids no mesmo ano de diagnóstico é de 0,68 para a região Sudeste (Barbosa & Struchinner, 1996). Em artigo mais recente, os mesmos autores aplicam modelos de correção de atrasos de notificação que consideram quatro anos como o período máximo de atraso (Barbosa & Struchinner, 1997). Assume-se aqui, sob uma perspectiva mais comprometida com o planejamento de ações de saúde e a tomada de decisões, que tão grande atraso pode ser considerado como subnotificação captada a posteriori pelo sistema.

As 3.789 AIHs selecionadas foram comparadas, por nome e data de nascimento do paciente, às notificações de casos de Aids contidas no Sinan. Para este procedimento, foram necessárias diversas correções e padronizações das informações quanto à grafia dos nomes. Algumas correções foram feitas utilizando-se um procedimento do pacote estatístico SAS (SAS Institute Inc., 1989), que permite a ordenação das internações por nome e data de nascimento do paciente, sem duplicação de caso, enquanto outras foram realizadas manualmente. Por meio da verificação do número do prontuário, foram identificadas e corrigidas, no banco de dados da AIH, algumas duplicidades de nomes com datas de nascimento diferentes. As correções só puderam ser feitas quando as internações foram realizadas no mesmo hospital e o número do prontuário era o mesmo. A estratégia de ordenação do banco de dados por data de nascimento eliminou outras duplicidades de pacientes com grafia dos nomes errada. Estes procedimentos, bastante trabalhosos, objetivaram 'preparar' os bancos de dados para que eles pudessem se 'comunicar' adequadamente.

O processo de correção e padronização dos bancos de dados evidenciou um grave problema na confiabilidade das informações: pacientes com o mesmo nome e mesmo número de prontuário apresentavam datas de nascimento muito díspares. A constatação desta distorção nos levou a considerar algumas observações do banco de dados da AIH, com nomes pouco comuns e datas de nascimento diferentes no Sinan, como sendo de pacientes notificados. Foram considerados homônimos aqueles pacientes com nomes e sobrenomes comuns.

Finalmente, foram realizadas algumas análises bivariadas no sentido de verificar a associação entre notificação no Sinan e características do paciente (sexo, faixa etária), diagnóstico principal, número de internações no período, natureza jurídica do hospital e ocorrência de óbito.

Um estudo de confiabilidade das AIHs está sendo realizado como parte de uma análise mais aprofundada dos fatores preditores da subnotificação de casos de Aids no Município do Rio de Janeiro. Para tal, foi selecionada uma amostra de 390 pacientes e 18 unidades hospitalares. Alguns resultados preliminares desse estudo estão apresentados a seguir.

 

 

Resultados

 

As 3.789 AIHs analisadas foram oriundas de 21 unidades hospitalares, correspondendo a 1.929 pacientes. Dentre elas, 2.165 estavam relacionadas ao procedimento Tratamento de Aids; 12, ao procedimento Tratamento de Aids ­ Fase Terminal, e 1.612, ao procedimento Hospital-dia para Aids. Dos 1.929 pacientes, 1.106 estavam notificados no Sinan (57,3%) e 823 não estavam notificados (42,7%). A análise por município de residência demonstrou que, entre os não notificados, 81 pacientes não eram residentes do Município do Rio de Janeiro e 15 constavam como município de residência ignorado. Quatorze pacientes não notificados foram internados em mais de um hospital em 1996. O tempo médio de internação, excluídas as observações referentes a hospital-dia, foi de 21,7 dias, estando a mediana em torno de 16 dias. As AIHs referentes ao procedimento Tratamento de Aids ­ Fase Terminal, apesar de representarem um volume muito pequeno, correspondiam quase em sua totalidade a pacientes não notificados.

 

Relação entre notificação no Sinan e sexo e faixa etária do paciente


 

Não houve diferença estatisticamente significativa entre sexo e subnotificação (p = 0,417). A hipótese de não-associação entre o registro do caso de Aids no Sinan e a faixa etária do paciente, entretanto, foi rejeitada. A Tabela 1 ilustra que um maior índice de subnotificação ocorreu para pacientes menores de 13 anos.

 

 

 

Relação entre notificação no Sinan e o diagnóstico principal da internação


 

Em 1996, o SIH-SUS utilizava a Classificação Internacional de Doenças, versão 9 (CID-9), e os grupos diagnósticos mais freqüentemente observados entre as AIHs analisadas foram os seguintes: transtornos envolvendo os mecanismos imunitários (2.471 AIHs); outras viroses do sistema nervoso central (SNC) não transmitidas por artrópodes (1.069 AIHs); outras doenças do aparelho respiratório (55 AIHs); transtornos do sistema nervoso autônomo (46 AIHs); outros transtornos do estômago e duodeno (36 AIHs); pneumonias (28 AIHs); toxoplasmose (23 AIHs) e tuberculose (20 AIHs).

A Tabela 2 apresenta a distribuição de AIHs nos grupos diagnósticos mencionados, levando em consideração o status dos pacientes relacionados junto ao Sinan. As 41 AIHs referentes a outros diagnósticos foram agrupadas em 'outros diagnósticos'. Observa-se que a maior proporção de subnotificação ocorre entre AIHs classificadas no grupo diagnóstico 'transtornos do sistema nervoso autônomo'.

 

 

 

Relação entre notificação no Sinan e número de internações


 

O procedimento Hospital-dia para Aids apresenta uma particularidade em relação aos outros procedimentos: uma mesma atividade, realizada em dias diferentes, gera um número de AIHs correspondente ao número de dias nos quais o paciente foi atendido, diferentemente dos procedimentos Tratamento de Aids e Tratamento de Aids ­Fase Terminal, nos quais cada internação é computada, integralmente, em apenas uma AIH, independentemente do número de dias e atividades realizadas na internação.

Excluídas, portanto, as AIHs por procedimento Hospital-dia para Aids, foram comparados os pacientes notificados e não notificados, com relação ao número de internações sofridas por cada paciente no ano de 1996. Encontramos associação significativa (p = 0,001) entre notificação e duas ou mais internações no período (Tabela 3 ).

 

 

 

Relação entre notificação no Sinan e a natureza jurídica do hospital


 

Das 21 unidades hospitalares que emitiram AIHs pelos procedimentos analisados, quatro são hospitais universitários com pesquisa (1.813 AIHs); seis são unidades municipais (1.060 AIHs); quatro são hospitais federais com verba própria (589 AIHs); dois são hospitais federais sem verba própria (144 AIHs); um é hospital contratado (92 AIHs); três são unidades estaduais (90 AIHs) e um é hospital filantrópico (uma AIH).

A Tabela 4 considera a distribuição dos pacientes com Aids em hospitais onde tiveram pelo menos uma AIH emitida. Observa-se que as proporções de pacientes notificados no Sinan, dentre aqueles atendidos em hospitais universitários que desenvolvem pesquisa e dentre aqueles atendidos em hospitais federais com verba própria, são significantemente maiores (p = 0,001) do que dentre aqueles atendidos em hospitais de outras naturezas jurídicas. Os hospitais municipais são os que apresentam o percentual mais relevante de pacientes não notificados.

 

 

 

Análise de confiabilidade


 

Da amostra selecionada de 390 pacientes, foram analisados 122 prontuários, referentes a 64 pacientes notificados e 58 pacientes não notificados, em seis unidades de saúde: Hospital Evandro Chagas, Instituto Fernandes Figueira, Hospital Estadual Santa Maria, Hospital da Lagoa, Hospital Universitário Gaffree e Guinle e Unidade Integrada de Saúde Rocha Maia. Dos 64 pacientes notificados, sessenta se incluíam nos critérios de definição de caso de Aids (93,7%) e quatro não, sendo dois destes por insuficiência de informação nos prontuários. Por outro lado, dos 58 pacientes não-notificados, 44 se incluíam nos critérios de definição de caso (75,9%) e 14 não, sendo seis destes por insuficiência de dados na documentação médica.

 

Relação entre notificação no Sinan e ocorrência de óbito


 

Não encontramos diferença estatisticamente significativa (p = 0,140) entre notificação no Sinan e ocorrência de óbito, ainda que resultados sugiram um maior índice de subnotificação de pacientes que foram a óbito.

Dentre os 1.929 pacientes com Aids atendidos pelas unidades de saúde relacionadas ao SUS, no Município do Rio de Janeiro, em 1996, 735 (38,1%) tiveram morte registrada em uma AIH. Desses óbitos, 328 (44,6%) corresponderam a pacientes não notificados.

Para os 1.194 pacientes que não tiveram morte registrada em AIH, o índice de subnotificação no Sinan ficou em 41,2%.

 

 

Discussão

 

A qualidade da informação em saúde no Brasil ainda é muito precária. Uma infinidade de papéis preenchidos a mão e encaminhados de um setor ao outro leva, invariavelmente, a demoras, perdas e erros, que poderiam ser minimizados com a informatização total do sistema. Os médicos precisam se conscientizar da importância do seu papel na vigilância epidemiológica de doenças de notificação compulsória. Em recentes visitas a uma amostra de unidades de saúde que emitiram AIHs por procedimento Aids, em 1996, constatamos que o processo de notificação de casos de Aids não é um procedimento uniforme no SUS, variando desde a responsabilidade pela identificação dos casos até o fluxo de encaminhamento das fichas de notificação à Secretaria Municipal de Saúde.

Por outro lado, os profissionais que trabalham com vigilância precisam atuar mais ativamente e utilizar, com mais freqüência, estratégias de cruzamento de bancos de dados (Drumond Jr. et al., 1997). As secretarias municipais e estaduais têm acesso a uma série de sistemas de informação em saúde bastante estáveis, que, no entanto, não são complementares e carecem de uma análise mais sistemática de seus dados. A fim de se aprimorar a qualidade e a confiabilidade desses sistemas, é imperioso o investimento em treinamento dos profissionais que manipulam a informação, no preenchimento das fichas de notificação ou de AIH, ou na digitação dos dados.

Acreditamos que o aprimoramento da informação em saúde poderá ser alcançado mediante a manipulação regular dos dados disponíveis e a identificação de suas falhas. O sistema AIH é um sistema de controle e pagamento de internações hospitalares que contém importantes informações epidemiológicas, as quais deveriam ser mais utilizadas (Almeida, 1996). Em 1996, o governo federal pagou, para o Município do Rio de Janeiro, R$ 614.876,80 por 1.237 internações relativas aos procedimentos Tratamento de Aids e Tratamento de Aids ­ Fase Terminal, concernentes a 823 pacientes não captados como casos de Aids. Os recursos necessários para o acompanhamento desses pacientes no ano seguinte não entraram em nenhum planejamento, certamente comprometendo as ações projetadas para o período.

A partir de 1992, o Ministério da Saúde passou a autorizar, através de AIHs diferenciadas, a cobrança de procedimentos no tratamento da Aids no Rio de Janeiro, por aquelas unidades por ele credenciadas. O tratamento da Aids pode abranger procedimentos realizados em pacientes HIV positivos sintomáticos, que ainda não se incluam na definição de caso de Aids. A identificação pela AIH dos pacientes atendidos e não notificados, assim como os óbitos por Aids, deverá ser seguida de investigação epidemiológica.

Toda AIH com procedimento Hospital-dia para Aids se refere a intervenções diagnósticas ou, majoritariamente, terapêuticas que são realizadas em pacientes referenciados por serviços especializados. Excetuando a aplicação de pentamidina, todas as outras intervenções terapêuticas executadas nos hospitais-dia são dirigidas ao tratamento de doenças oportunistas indicativas de Aids. É surpreendente, portanto, o índice de subnotificação de pacientes atendidos nestes serviços (39,6%), fato que corrobora a pouca importância dada pelos médicos ao registro de casos para fins de vigilância epidemiológica.

A constatação de que, mesmo havendo sido feito o diagnóstico de Aids na AIH, as crianças estejam sendo menos notificadas é alarmante, uma vez que a prevenção da transmissão vertical é, hoje em dia, a intervenção de maior impacto contra a progressão da epidemia. O desconhecimento do número real de casos de Aids em menores de 13 anos de idade, além de prejudicar a monitorização da epidemia e a avaliação das ações preventivas, inviabiliza a correta alocação de recursos terapêuticos nas maternidades.

Considerando a dinâmica das emergências, não chega a surpreender o achado de menor índice de notificação associado aos hospitais municipais. Por outro lado, a constatação de que, em 1996, um número expressivo de pacientes (317) foi atendido pelos hospitais municipais e permaneceu não notificado nos faz pensar que tais pacientes não estejam tendo acesso a outros serviços especializados, sendo atendidos, básica e unicamente, pelos serviços de emergência. Essa parcela da população HIV positiva continuará invisível ao sistema, se não se adotarem estratégias de captação ativa de casos, como a pesquisa em atestados de óbito e a avaliação de casos de Aids atendidos pelo SUS.

A não-notificação de pacientes com Aids que estão sendo atendidos pelo SUS nos parece bastante relevante, já que os hospitais são os grandes responsáveis pela notificação de casos de Aids no Município do Rio de Janeiro, marcadamente nos casos de Aids em crianças, onde apenas dois casos (0,4%), dos 459 registrados até julho de 1998, foram notificados por centros municipais de saúde. Uma revisão da totalidade dos casos notificados à Secretaria Municipal de Saúde até julho de 1998 ­ 15.479 ­ aponta para 2.868 casos notificados por centros de saúde e outras unidades ambulatoriais menores (18%).

Por fim, acreditamos ser da maior relevância a elaboração de outros estudos que se dediquem à investigação dos fatores associados à subnotificação, com a perspectiva de serem traçadas estratégias para a redução do sub-registro de casos de Aids no Município do Rio de Janeiro.

 

 

Agradecimentos

 

As autoras agradecem a valiosa colaboração de Betina Durovni, Coordenadora dos Programas de Doenças Transmissíveis da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Carla Simone Duarte de Gouvêa, Coordenadora de Informações do Centro de Informações de Saúde da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, e de Katia Regina Valente de Lemos, técnica da Assessoria de DST/Aids da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro.

 

 

Referências

 

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