ARTIGO ARTICLE

 

 

 

 

Mariza Miranda Theme-Filha 1
Rosanna Iozzi da Silva 1

Claudio P. Noronha 1


Mortalidade materna no Município do Rio de Janeiro, 1993 a 1996

Maternal mortality in the city of Rio de Janeiro, 1993-1996

 

1 Coordenação de Programas de Epidemiologia, Superintendência de Saúde Coletiva, Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Rua Afonso Cavalcanti 455, sala 828, Cidade Nova, Rio de Janeiro, RJ 20211-110, Brasil.   Abstract The maternal mortality rate is considered an important indicator of quality of care during the gravid-puerperal cycle. To shed light on the maternal mortality pattern in the city of Rio de Janeiro, maternal deaths from 1993 to 1996 among residents of the city were analyzed, based on data from death certificates. The maternal mortality rate was calculated according to cause, age, and schooling. High annual mortality rates were detected throughout the period analyzed (74.3, 47.9, 51.5, and 55.3 per 100,000 live births, respectively). Main causes of death were hypertension, hemorrhage, and puerperal complications. Greatest risk of death was among the youngest and oldest women and those with less schooling. The study discusses strategies to decrease under-recording of deaths and increase quality and results of care.
Key words Maternal Mortality; Mortality; Epidemiology

Resumo O coeficiente de mortalidade materna é considerado um importante indicador da qualidade da assistência prestada à mulher no período gravídico-puerperal. Com o objetivo de conhecer melhor o perfil da mortalidade materna no município do Rio de Janeiro, foram analisados os óbitos maternos de mulheres residentes na cidade no período de 1993 a 1996, com base nas informações contidas nas Declarações de Óbito. Foram calculados os coeficientes de mortalidade segundo causa, idade e escolaridade. Foram encontrados coeficientes bastante elevados em todo período analisado (74,3; 47,9; 51,5 e 55,3 por 100.000 nascidos vivos, respectivamente). As principais causas de morte foram a hipertensão arterial, as hemorragias e as complicações puerperais. Verificou-se que o maior risco encontra-se nos extremos da faixa etária (10-14 e 40 e + anos), e nas mulheres com menor grau de instrução. Discutem-se estratégias para diminuir o sub-registro e melhorar a qualidade e o resultado da assistência prestada.
Palavras-chave Mortalidade Materna; Mortalidade; Epidemiologia

 

 

Introdução

 

Entre os indicadores utilizados na avaliação dos riscos à saúde de grupos populacionais específicos destaca-se o coeficiente de mortalidade materna. Ele é considerado um importante indicador das condições de vida das mulheres e da qualidade da assistência prestada no pré-natal, durante o parto e no pós-parto. Entretanto, sua importância não tem sido amplamente divulgada, ao contrário do coeficiente de mortalidade infantil, classicamente utilizado para descrever as condições de vida de uma população, seja pelos profissionais da área de Saúde Pública, seja por profissionais de outras áreas do conhecimento.

A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (Figo), em seu congresso mundial realizado na Austrália em 1967, aprovou a classificação e o conceito de morte materna preconizados pelo Comitê Internacional de Mortalidade Materna (Souza & Laurenti, 1987), sendo incorporados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1975 por ocasião da 9a Revisão do Manual de Classificação Internacional de Doenças (CID 9) e mantidos na 10a Revisão (CID 10) (OMS, 1994).

O conceito internacionalmente aceito de morte materna é a morte de uma mulher durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gestação, independente da duração ou localização da gravidez, devida a qualquer causa relacionada ou agravada pela gravidez ou por medidas tomadas em relação a ela, porém não devida a causas acidentais ou incidentais. As mortes maternas são classificadas em mortes obstétricas diretas ou indiretas. As mortes obstétricas diretas são aquelas resultantes de complicações obstétricas no período gravídico-puerperal. As mortes obstétricas indiretas são resultantes de doenças pré-existentes ou que se desenvolveram durante a gravidez, excluindo-se as causas obstétricas diretas, e que foram agravadas pelos efeitos fisiológicos da gravidez (OMS, 1994).

O coeficiente de mortalidade materna é expresso pela razão entre o número de óbitos maternos ocorridos em determinado tempo e lugar e o número de nascidos vivos na mesma área e período. Problemas na mensuração deste indicador podem estar relacionados a erros na conceituação de período gravídico-puerperal e de nascidos vivos, ocorrendo geralmente a subnotificação de ambos (Laurenti et al., 1987). Por sua vez, muitas críticas têm sido formuladas em relação ao cálculo deste coeficiente por não se tratar, na verdade, de uma expressão do risco de uma mulher vir a morrer em conseqüência da gravidez ou do parto. Isto só ocorreria se o denominador incluísse o total de nascimentos (nascidos vivos e perdas fetais). Outra forma de cálculo sugerida é usar no denominador o número de mulheres em idade fértil, o que expressaria o risco dessas mulheres virem a morrer por causas maternas (taxa específica de mortalidade por causa materna para o grupo de mulheres em idade fértil). Entretanto, dada a dificuldade de se obter o número total de nascimentos, influenciado principalmente pelo sub-registro dos óbitos fetais, e pelo fato da utilização do número de nascidos vivos já ser tradicional e facilmente interpretado, a OMS manteve a recomendação de se calcular a taxa de mortalidade materna usando no denominador o número de nascidos vivos. Mas, vale ressaltar que, qualquer que seja a forma utilizada, o coeficiente pode ser afetado pela composição das idades férteis. Os nascimentos de mães com idades nos extremos da faixa etária fértil, assim como a grande paridade e alta fecundidade, contribuem para maiores taxas de mortalidade materna (Laurenti, 1988; Silva, 1994). Assim justifica-se o cálculo da taxa ajustada para idade quando se comparam populações com composições etárias muito diversas, como por exemplo, elevado percentual de mães adolescentes.

Embora o número de mortes maternas represente aproximadamente 2% do total de mortes de mulheres em idade fértil (10 a 49 anos) no Município do Rio de Janeiro, o fato de ser considerada pela OMS uma morte evitável, em 90% dos casos, reflete a existência de sérios problemas relacionados com a assistência à mulher no período gravídico-puerperal.

Em 1996 foram registrados 55 óbitos maternos de mulheres residentes no Município do Rio de Janeiro, isto é, um óbito a cada sete dias. O coeficiente de mortalidade materna neste período ­ 54,8 óbitos/100.000 nascidos vivos ­ é quase três vezes o valor máximo admitido pela Organização Mundial de Saúde (20 óbitos/ 100.000 nascidos vivos). Todavia, países desenvolvidos como Suécia, Dinamarca, Holanda e Estados Unidos já apresentavam coeficientes menores que 10/100.000 no final da década de 70 (Laurenti et al., 1987). Se os dados do Município do Rio de Janeiro apontam a morte materna como grave problema de saúde pública, mais sério é sabermos que eles refletem apenas parte do problema.

Vários estudos têm demonstrado a existência do sub-registro de mortes maternas quando comparadas as estatísticas oficiais com as investigações de óbitos de mulheres em idade fértil. Este problema diz respeito tanto aos países desenvolvidos como aos países em desenvolvimento, sendo, entretanto, mais importante nos países em desenvolvimento. E quase todos são unânimes em apontar a imprecisão ou inadequação das informações sobre as causas das mortes nas Declarações de Óbito (DO) como o fator mais importante na geração do sub-registro, informando-se apenas os eventos terminais sem o correto preenchimento da causa básica ou sem referência ao estado gestacional.

Estudo realizado na França com a investigação de todas as mortes de mulheres em idade fértil revelou um sub-registro do número de mortes maternas da ordem de 55,6%. Já outros estudos apontaram subestimativa do coeficiente variando de 32% a 63% em diferentes regiões do país (Bouvier-Colle et al., 1991). Nos Estados Unidos, trabalhos demonstraram que a taxa de mortalidade materna era 20% a 30% maior que a registrada nas estatísticas vitais nacionais (Smith et al., 1984). No Brasil, vários estudos têm revelado que o sub-registro de óbitos maternos é alto, podendo até duplicar o coeficiente após investigação de óbitos de mulheres em idade fértil (Laurenti, 1988; Laurenti et al., 1990b; Ferreira et al., 1996; Marcus et al., 1996; Silva & Russomano, 1996; Albuquerque et al., 1997).

O presente estudo objetiva descrever o perfil de mortalidade materna no Município do Rio de Janeiro no período de 1993 a 1996 com base nas informações contidas nas Declarações de Óbito, e apontar estratégias de atuação tanto para reverter a sub-enumeração dos óbitos como para efetivamente diminuir o coeficiente de mortalidade materna.

 

 

Metodologia

 

O Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM) baseia-se nas informações contidas na Declaração de Óbito, documento oficial emitido pelo médico ou autoridade competente por ocasião do óbito, indispensável para o registro civil no cartório. No Município do Rio de Janeiro, as DOs são recolhidas nos cartórios semanalmente e centralizadas na Coordenação de Programas de Epidemiologia, subgerência de Dados Vitais, onde são submetidas à seleção da causa básica da morte segundo as regras internacionais de codificação, além da codificação de outros campos como município de residência, local de ocorrência do óbito, naturalidade e profissão. Após a digitação de todos os campos da DO, os dados são submetidos a um programa de crítica visando a detectar possíveis erros de digitação ou de codificação além de verificar a consistência das informações.

Foram analisadas as Declarações de Óbitos de mulheres residentes no Município do Rio de Janeiro cuja codificação da causa básica revelasse tratar-se de uma morte materna. As DOs referentes aos anos de 1993, 1994 e 1995 foram codificadas segundo a 9a Revisão da Codificação Internacional de Doenças (CID 9). As DOs referentes ao ano de 1996 foram codificadas segundo a 10a Revisão (CID 10). Foi realizada a compatibilização dos códigos das causas maternas referentes às duas codificações (CID 9 e CID 10), definindo-se os seguintes agrupamentos: abortos, causas obstétricas diretas (destacando-se a hipertensão, hemorragia e complicações do puerpério) e as causas obstétricas indiretas. Os dados relativos aos anos de 1993 e 1994 foram obtidos junto à Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro e os referentes ao período 1995/96 valendo-se do banco de dados do Sistema de Informações de Mortalidade da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, período em que ocorreu a municipalização do sistema. Neste período foram introduzidas algumas mudanças a fim de melhorar a notificação dos óbitos maternos, como a publicação de uma resolução da Secretaria Estadual de Saúde tornando obrigatória a notificação em 24 horas das mortes maternas ocorridas em todo o Estado. Apesar de a maioria das notificações continuarem a ser feitas através das DOs, a notificação em 24 horas auxiliou a identificação de óbitos que provavelmente nunca chegariam ao conhecimento do Sistema de Mortalidade por se tratar, na maioria das vezes, de suspeitas de abortos induzidos que foram encaminhados ao Instituto Médico Legal (IML), ou de complicações de causas maternas que necessitaram de Unidade de Tratamento Intensivo, sendo transferidas das maternidades para unidades de maior complexidade. Nestas duas situações a informação de que se trata de uma morte materna geralmente não é registrada, o que levaria a uma não inclusão destes casos nas estatísticas oficiais. Outro fator que contribuiu para melhor identificação das mortes maternas, principalmente daquelas devidas a causas obstétricas indiretas, foi a introdução de um novo campo na Declaração de Óbito a ser preenchido em caso de óbito feminino em idade fértil (campo 37). Todas as DOs cujo campo 37 informava tratar-se de morte materna foram confirmadas mediante contato telefônico com o médico responsável pelo preenchimento.

Calcularam-se as taxas de mortalidade materna global e específica segundo idade, escolaridade e causa da morte, considerando o número de nascidos vivos constante no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos da Secretaria Municipal de Saúde para o período de estudo.

 

 

Resultados

 

Foram computados 222 óbitos maternos neste período, conferindo uma taxa média de 57,5 óbitos/100.000 nascidos vivos. A taxa mais alta foi encontrada no ano de 1993 e a mais baixa em 1994, com retorno da tendência de subida nos anos seguintes (Tabela 1 ).

 

 

Em relação ao tipo de óbito, verificou-se o predomínio absoluto das causas obstétricas diretas (Tabela 2 ). Neste grupo destacou-se, em primeiro lugar, a hipertensão arterial, seguida pelas complicações do puerpério e as hemorragias (Tabela 3 ). As mortes obstétricas indiretas e os abortos apresentaram uma distribuição bastante irregular. Nestes dois grupos o sub-registro é reconhecidamente elevado, o primeiro em decorrência dos problemas legais desta prática, e o segundo em função da qualidade do preenchimento da Declaração de Óbito, registrando-se apenas a doença primária, sem mencionar a gravidez.

 

 

 

A distribuição por idade revelou que 41% dos óbitos no quatriênio ocorreram na faixa etária de 20 a 29 anos, porém as taxas mais elevadas foram encontradas nos extremos, sendo nítido o gradiente crescente em direção às faixas mais elevadas. O risco de uma mulher com mais de 40 anos vir a falecer por causa materna foi 5 vezes maior que na faixa de 20 a 29 anos (Tabela 4 ). Este comportamento foi verificado nos 4 anos analisados e não foi influenciado por nenhuma mudança no perfil etário das mães. A idade materna tem sido apontada como importante fator na avaliação do risco materno. A maternidade apresenta um risco menor quando ocorre nas faixas etárias mais jovens (menos de 30 anos) e o risco é máximo após os 35 anos. Entretanto, a paridade elevada é um fator de confusão que deve ser controlado para melhor se avaliar o efeito específico da idade (Silva, 1994). Isto não foi possível ser realizado porque esta informação só está disponível na Declaração de Óbito no caso de morte de menor de um ano e para os óbitos fetais.

 

 

A análise quanto à escolaridade, mesmo apresentando sub-registro de 14%, mostrou a existência de um risco inversamente proporcional ao número de anos de estudo. O baixo nível educacional é reconhecido fator de risco para a mortalidade materna (Tabela 5 ).

 

 

 

Discussão

 

O Município do Rio de Janeiro apresentou taxas de mortalidade materna bastante elevadas nos 4 anos analisados, porém com um comportamento irregular, sugerindo a presença de problemas relacionados principalmente com a qualidade da informação dos óbitos, já que a cobertura tanto do SIM como do Sinasc (Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos) da Secretaria Municipal de Saúde é de 100%. Apesar da flutuação do número de óbitos, a distribuição entre os principais grupos de causas mostrou certa homogeneidade, com as causas obstétricas diretas ocupando o 1o lugar, com destaque para a hipertensão arterial. Desde final da década de 60 a hipertensão arterial (pré-eclâmpsia e eclâmpsia) tem sido a causa mais freqüente de morte materna no Município do Rio de Janeiro em substituição às hemorragias, refletindo uma mudança no perfil de mortalidade (Silva, 1994). A maior freqüência das causas obstétricas diretas, especialmente da hipertensão foi também relatada pelo Comitê de Mortalidade Materna do Estado de Goiás para o período de 1989 a 1993 e pelo comitê de Mortalidade Materna do Município de São Paulo para o ano de 1995 (Ferreira et al., 1996; Marcus et al., 1996). Estes dois municípios realizam sistematicamente a investigação de óbitos de mulheres de 10 a 49 anos, corrigindo o sub-registro do sistema de mortalidade. As principais diferenças em relação ao Município do Rio de Janeiro foram quanto à distribuição dos abortos e das causas obstétricas indiretas. Isto mostra a importância deste tipo de investigação para o conhecimento da real magnitude da mortalidade materna, deixando evidente a existência de problemas em relação às estatísticas oficiais. A diferença entre os dados obtidos por meio das DOs e aqueles corrigidos após investigação nos mostra em que direção podem estar ocorrendo as maiores subnotificações. As informações do Comitê paulista são muito semelhantes às encontradas na França após investigação de todos os óbitos de mulheres de 15 a 44 anos, no período de dezembro de 1988 a março de 1989 (Bouvier-Colle et al., 1991). Investigação realizada na cidade de Recife também mostrou que a maior subenumeração de óbitos tinha ocorrido nas complicações da gravidez e aborto (Albuquerque et al., 1997).

Em relação aos dados sócio-econômicos como idade e escolaridade, eles são consistentes com a literatura, mostrando a existência de maior risco nos extremos da faixa etária (Laurenti et al., 1990a; Mbizvo et al., 1993) e nas mulheres com menor escolaridade (Hernandez et al., 1994).

Apesar do reconhecido problema da qualidade da informação, a discussão sobre a mortalidade materna deve avançar além da identificação do seu sub-registro e partir para a busca dos fatores de risco a ela associados. Vários desses fatores já estão bem estabelecidos, como a alta paridade, idades extremas, baixo peso e baixa estatura, história de complicações em gestações anteriores, doenças pré-existentes (especialmente diabetes e hipertensão), más condições de vida e baixa escolaridade. Fatores relacionados à assitência prestada à mãe no período gravídico puerperal têm se revestido de grande importância na avaliação dos riscos para um desfecho desfavorável.

Estudo de caso-controle realizado no México mostrou que, em relação ao pré-natal, o que mais diferenciava as mulheres que evoluíram para o óbito e as que sobreviveram foi o momento em que o mesmo foi iniciado. Em média, os controles iniciaram o pré-natal no 1o trimestre e os casos no 2o trimestre. Aparentemente o início precoce do pré-natal permitiu efetivamente detectar e tratar as complicações antes que elas se tornassem mais graves. Em relação à utilização dos serviços de saúde, um fator de proteção importante foi a atenção recebida no primeiro lugar procurado. A fração etiológica para esta variável indicou que se todas as mulheres estudadas tivessem recebido atenção adequada e oportuna, a mortalidade materna teria sido reduzida em 82% (Hernandez et al., 1994). O Comitê de Mortalidade de São Paulo também apontou para este problema, mostrando que a maioria dos óbitos ocorreu dentro de uma unidade hospitalar; porém, um fator importante, que contribuiu para o agravamento do quadro, foi a peregrinação por várias instituições até a acolhida por um serviço de saúde (Marcus et al., 1996).

Outros autores têm apontado para a necessidade de avaliar a qualidade do cuidado médico oferecido pelos serviços de obstetrícia e pelos programas de pré-natal de forma mais efetiva (Bouvier-Colle et al., 1991; Silva & Russomano, 1996). A assistência adequada ao pré-natal e ao parto, além de reduzir a mortalidade materna diminui também a mortalidade neonatal, tendo impacto ainda sobre o coeficiente de mortalidade infantil.

A partir da identificação que, mesmo subnotificado, o coeficiente de mortalidade materna já é bastante elevado, muito deve ser feito com vistas à sua diminuição, buscando-se formas alternativas para complementar o conhecimento a seu respeito. Paralelamente ao trabalho de correção do indicador por meio da investigação das mortes de mulheres em idade fértil, uma iniciativa que pode ter impacto na qualidade do atendimento e subseqüente diminuição do coeficiente é a discussão de cada morte materna com o corpo clínico da maternidade, com a participação dos profissionais que atuaram diretamente no atendimento e suas chefias imediatas. Tal providência possibilitaria identificar deficiências e instituir medidas de intervenção efetivas. Esta discussão seria patrocinada diretamente pelos gestores do Programa da Atenção à Mulher, responsáveis pela padronização de rotinas técnicas e administrativas em todas as unidades e pela fiscalização de seu cumprimento. A experiência inglesa mostrou que este tipo de conduta despertou entre os profissionais uma maior preocupação com a qualidade e o resultado da assistência prestada, e permitiu conhecer aspectos da mortalidade que dificilmente seriam evidentes por intermédio das estatísticas oficiais (Silva & Russomano, 1996).

Concomitantemente, devem ser estimuladas a captação precoce no pré-natal e sua qualificação, além das ações relacionadas ao planejamento familiar, pontos fundamentais para a redução da mortalidade materna, contribuindo para garantir melhores condições à saúde reprodutiva das mulheres e reduzir o risco de óbito relacionado com a gravidez.

Embora este trabalho tenha analisado um curto período de tempo e se baseado nas estatísticas oficiais, tendo como fonte de dados as Declarações de Óbitos, seus resultados são consistentes com a literatura. Apesar de os problemas reconhecidos sobre a qualidade das suas informações, as estatísticas de mortalidade permanecem como a única fonte de dados sistematicamente disponível em níveis nacional, estadual e municipal, com cobertura satisfatória, que possibilita a monitorização dos padrões de adoecimento da população. Investir na melhoria da sua qualidade é tarefa de todos os usuários do sistema.

 

 

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