ARTIGO ARTICLE
Cláudio Chaves Beato Filho 1 | Conglomerados de homicídios e o tráfico de drogas em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, de 1995 a 1999
Homicide clusters and drug traffic in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil from 1995 to 1999 |
1 Departamento de Sociologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Antônio Carlos 6627, Campus Pampulha, Belo Horizonte, MG 31270-901, Brasil. 2 Departamento de Estatística, Universidade Federal de Minas Gerais. C. P. 702, Campus Pampulha, Belo Horizonte, MG 30123-970, Brasil. 3 Sistema de Informação, Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Av. Afonso Pena 2336, 9o andar, Belo Horizonte, MG 30130-007. | Abstract The article presents a spatial analysis of homicides in Belo Horizonte according to the Minas Gerais Military Police records from 1995 to 1999. The authors identify clusters of high mortality risk and relate them to areas with drug traffic and associated violence. SaTScan software is used to locate the clusters. Key words Spatial Analysis; Cluster Analysis; Homicide; Violence
Resumo Neste trabalho, apresentamos uma análise espacial dos homicídios ocorridos em Belo Horizonte e registrados pela Polícia Militar de Minas Gerais durante o período de 1995 até 1999. Utilizamos o programa SaTScan para identificar os conglomerados de risco de mortalidade mais elevado. Considerando todas as regiões da cidade de Belo Horizonte, apenas dez apresentam um risco maior de homicídios, quase todas concentradas em favelas. Como existem 85 favelas ao todo, concluímos que não são as condições sócio-econômicas per se as responsáveis pelos conglomerados de homicídios, mas o fato dessas regiões serem assoladas pelo trafico e violência associada ao comércio de drogas. |
Nexo entre homicídio e drogas
A categoria de mortes por causas violentas é a principal responsável pela mortalidade entre jovens. Dentre as causas, as mortes por homicídio ocupam posição de destaque - em especial, nos grandes centros urbanos brasileiros. Para a mídia e a opinião pública, homicídios associados ao uso e venda de drogas são a face mais atemorizante e visível da violência urbana. O imaginário público é assolado por chacinas, execuções e confrontos entre quadrilhas de traficantes como ilustrações dramáticas que parecem crescentemente tomar conta do cotidiano dos grandes centros urbanos brasileiros.
Existem várias maneiras pelas quais os crimes podem estar associados à questão das drogas. A primeira delas está relacionada com os efeitos das substâncias tóxicas no comportamento das pessoas. Outra forma de associação decorre do fato de tais substâncias serem comercializadas ilegalmente, gerando então violência entre traficantes, corrupção de representantes do sistema da justiça criminal e ações criminosas de indivíduos em busca de recursos para a manutenção do vício.
O temor apresentado pela população no que diz respeito à violência associada ao tráfico de drogas não é de todo infundado. Quando tomamos dados relativos à totalidade dos municípios mineiros, percebemos que a incidência de ocorrências relacionadas a drogas (uso e venda) mantém importante correlação com o número de crimes violentos (0,31, com p-valor 0,009), de maneira especialmente significativa nos crimes contra o patrimônio (0,53, com p-valor 0,003) (Beato & Reis, 1999).
Em diversas ocasiões, policiais têm ressaltado a conexão existente entre o tráfico de drogas e o aumento no número de homicídios realizados na cidade de Belo Horizonte. A partir dos dados concernentes ao ano de 1998 coletados pela Polícia Militar de Minas Gerais, Brasil, sabemos que a maioria dos homicídios tem lugar entre pessoas conhecidas, em ambientes domésticos e em locais próximos às suas residências. Este é o caso de 66,5% das ocorrências em que se conseguiu averiguar as motivações. Dessas, 25,4% referiam-se a mortes de envolvidos com drogas. Vale lembrar, entretanto, que, em mais de 60% dos casos, não foi possível averiguar no próprio local as motivações envolvidas. Esse alto percentual resulta do fato de a Polícia Militar - fundamentalmente incumbida do policiamento ostensivo - não fazer investigação de casos de homicídio. Daí a possibilidade de que o alto número de casos em que não foi possível identificar a motivação possa estar ligado a drogas, o que é posteriormente qualificado pela atividade investigatória.
Segundo a Delegacia de Homicídios, encarregada das investigações destes casos, 55% dos 433 homicídios ocorridos até 23 de dezembro de 1998 envolveram o uso ou a venda de drogas. A imprensa ressalta diariamente como a disputa por pontos de tráfico - em particular, de vendas de crack - tem resultado em grande número de mortes, especialmente entre jovens. Qualquer que seja a proporção dos homicídios relacionados às drogas, deverão ocorrer com maior intensidade nas regiões e vizinhanças assoladas pelo tráfico.
As ferramentas de tratamento de dados geográficos atualmente disponíveis permitem que áreas com concentração aparentemente alta de eventos tais como homicídios sejam facilmente visualizadas. A questão que passa a dominar então é saber se o aparente conglomerado de alta incidência ocorreu por mero acaso, ou se o excesso de casos observados é causado por risco mais elevado. Uma investigação acerca das causas da existência do conglomerado só é justificada no segundo caso.
Testes estatísticos devem ser utilizados para verificar qual das duas hipóteses acima encontra suporte nos dados, conglomerados casuais ou conglomerados reais. Entretanto, os testes usuais não são válidos por causa do grande número de comparações simultâneas implicitamente envolvidas, como explicaremos na seção Metodologia. Novos testes têm sido propostos na literatura para testar a existência de áreas de maior risco no mapa. Adotaremos um dos melhores atualmente disponíveis, que é baseado em estatística de varredura.
Contexto teórico da discussão
Diversas formas de associação entre crimes predatórios e drogas têm sido estudadas na literatura. São comuns tópicos tais como afinidade entre o uso de drogas e propensão para cometer crimes, formas de financiamento da dependência, crises de abstinência, formas de resolução de conflitos extra legais e necessidade de armas caras para tais fins (Johnson et al., 1990). Goldstein (1985) identificou três maneiras pelas quais os homicídios no Estado de Nova Iorque eram associadas às drogas no ano de 1984: 25% eram homicídios psicofarmacológicos, cometidos sob pesada intoxicação de álcool ou de drogas; 10% foram homicídios sistêmicos, perpetrados entre pessoas envolvidas em redes de venda de drogas; menos de 2% referiam-se à modalidade compulsiva econômica, cometidos no decurso de roubos e assaltos a cidadãos comuns. Aproximadamente, 40% dos casos nada tinham a ver com drogas e envolviam violência doméstica, conflito entre conhecidos, vizinhos etc. Em 20% dos casos não foi possível obter informação.
A variedade sistêmica de violência associada a droga interessa-nos mais de perto em razão de implicar guerras por territórios entre traficantes rivais, agressões e homicídios cometidos no interior da hierarquia de vendedores como forma de reforço dos códigos normativos, roubos de drogas por parte do traficante com retaliações violentas dos traficantes e de seus patrões, eliminação de informantes e punições por vender drogas adulteradas ou por não conseguir quitar débitos com vendedores (Goldstein, 1987, apud Hunt, 1990). Este tipo de violência decorre de não haver formas legais de resolução de conflitos entre traficantes e usuários. Daí muitos estudos ressaltarem que, mais do que o uso, é a venda de drogas que está associada aos homicídios (Chaiken & Chaiken, 1990; Zaluar, 1984).
O incremento de outras modalidades de crime violento parece também associar-se ao uso de drogas. Muitos usuários esgotam rapidamente seus recursos legais para consumo de drogas, recorrendo a diversas modalidades de delitos para levantar recursos, tais como assalto a transeuntes, a ônibus, a postos de combustíveis ou a casas lotéricas. Isso pode acontecer várias vezes em uma semana ou, até mesmo, várias vezes ao dia. Neste estudo, contudo, estaremos tratando apenas dos crimes de homicídio, buscando relacioná-los aos tipos de violência sistêmica associados às drogas.
Se há estudos que destacam a magnitude dos homicídios sistêmicos, pouco se diz a respeito da concentração espacial dos homicídios referidos ao comércio de drogas. Diluídos no total de homicídios, perde-se de vista o impacto que esse tipo de delito tem nas comunidades e nas vizinhanças específicas em uma cidade. Nosso interesse, neste trabalho, é realçar a geografia dos homicídios e procurar verificar se há evidência para incremento no risco em áreas de tráfico e conflito em decorrência das drogas. Para isto, vamos testar a existência de conglomerados de risco mais elevados no município e, a seguir, procurar localizá-los no mapa. As áreas identificadas serão analisadas do ponto de vista da presença de tráfico e de conflitos associados à droga.
Material
Utilizamos os dados de homicídio ocorridos no Município de Belo Horizonte, Minas Gerais, no período de 1995 a 1999 e registrados pelo Centro de Operações da Polícia Militar de Minas Gerais (COPOM). O número total de ocorrências de homicídio consignado nesse período foi de 1.365, mas, ao fazermos o geo-referenciamento dos dados, houve perda de aproximadamente 8% dos casos, ocasionada pela ausência de endereços registrados pelo COPOM na base geográfica. Assim, o total de casos utilizados nas análises estatísticas foi de 1.258 ocorrências. Com relação aos dados da população de 1995 até 1999, recorremos aos do Censo Demográfico de 1991 (IBGE, 1994) e da Contagem Populacional de 1996 (IBGE, 1998), de modo a conseguir as estimativas populacionais para os anos de 1995, 1997, 1998 e 1999. Empregamos uma taxa de crescimento constante, específica por sexo e por área.
A análise espacial foi feita com dados de área, tomando os 240 bairros de Belo Horizonte como unidades geográficas (Figura 1). A taxa bruta de mortalidade por homicídios do período 1995-1999 por bairro foi obtida através da razão entre o total de casos e de pessoas-ano em cada bairro, multiplicando o resultado por 100 mil.
Metodologia
Testes para detecção de conglomerados
Os testes estatísticos para detecção de conglomerados de risco mais elevado dividem-se em duas categorias: os focados e os genéricos (Lawson & Kulldorff, 1999). Os testes focados caracterizam-se por verificarem a existência de conglomerados em uma ou algumas poucas regiões definidas e delimitadas antes da observação dos eventos. Isto é, os testes são específicos para hipóteses que determinam a priori onde os conglomerados poderiam estar. Estes testes são úteis quando existe forte suspeita de um agente etiológico em ação como, por exemplo, uma fábrica poluidora, gerando um possível conglomerado de câncer de pulmão ao seu redor. Os testes genéricos distinguem-se por não suporem de antemão um local específico como possível conglomerado de risco mais elevado. Isto é, eles testam a hipótese de que não existe conglomerado na região de estudo contra a hipótese alternativa de que há algum conglomerado na região sem especificar onde esse possível conglomerado estaria.
Neste artigo, estamos trabalhando apenas com a situação considerada pelos testes genéricos. A razão é que, embora certas regiões sejam conhecidas como áreas de tráfico, não sabemos se todas as regiões com esta característica estariam sendo tomadas em conta em um teste de tipo focado. Este trabalho constitui então um estudo exploratório inicial de busca de evidências para a hipótese sugerida acima.
A sutil distinção entre as hipóteses consideradas pelos testes focados e aquelas dos genéricos cria grandes diferenças nas técnicas estatísticas empregadas em cada caso. No caso dos testes genéricos, a principal dificuldade técnica encontra-se nos problemas das comparações múltiplas, que explicaremos abaixo. Adotamos a solução proposta por Kulldorf & Nagarwalla (1995), pois é uma das melhores existentes de acordo com comparações recentes entre diferentes testes alternativos (Tango, 1999). Vários trabalhos que examinaram a detecção de clusters na área epidemiológica têm sido publicados, mostrando a importância desse problema (Hjalmars et al., 1996; Kulldorf et al.,1997a, 1998).
Cada área da região de estudo possui um número de casos ou eventos com distribuição de Poisson, suposição comum e que encontra ampla evidência empírica e teórica (Brillinger, 1986). O número esperado de eventos em dada área é igual a q vezes a população sob risco. A constante q é a taxa per capita da ocorrência de eventos na área e, sob hipótese nula, q possui o mesmo valor em toda e qualquer área ou sub-região do mapa. Na hipótese alternativa, admite-se que possa existir alguma sub-região A do mapa tal que o valor de q nessa sub-região A é maior que o valor de q fora de A. Note-se que não se especifica no enunciado da hipótese qual seria essa sub-região A nem quais os valores de q dentro e fora de A.
São comuns os testes estatísticos para verificar se a taxa de dada região é igual ou diferente à taxa de outra região. No entanto, testar se uma região do mapa com o maior número de eventos (relativamente a sua população) possui taxa mais elevada que o restante do mapa é incorreto. Nesse caso, o erro técnico consiste em usar a distribuição de uma única variável aleatória como se fosse a distribuição do máximo de várias variáveis aleatórias. Esse erro é chamado vício de pré-seleção do conglomerado.
Outra possibilidade de análise estatística, também errônea, é listar todas as possíveis sub-regiões que, em princípio, poderiam ser um conglomerado e, para cada uma delas, testar se sua taxa difere estatisticamente daquela associada com o restante da região sob estudo. Aquelas sub-regiões em que o teste fosse significativo seriam considerados conglomerados de risco mais elevados.
Infelizmente, esse segundo procedimento simples não é correto. Imaginemos que muitos testes estatísticos são realizados com a, a probabilidade do erro tipo I, igual a 0,05, por exemplo. Então, vários dos testes serão significativos, mesmo que a hipótese nula seja verdadeira em todos eles. Tecnicamente, o erro consiste em achar que o valor a = 0,05 usado em cada um dos testes individualmente ainda é válido quando consideramos todos os teses simultaneamente. Na verdade, para o conjunto de todos os testes, a probabilidade do erro tipo I tende a ser muito maior que o valor dos testes individuais, embora seja muito difícil fazer seu cálculo exato. A conseqüência prática desse fato é que muitos falsos conglomerados seriam detectados por este método.
Kulldorf & Nagarwalla (1995) propôs uma estatística de varredura que soluciona o problema acima. O método toma em conta uma região formada pelas áreas cujos centróides caem dentro de um círculo. Variando o raio e o centro do círculo, os possíveis conglomerados podem ser formados. Em cada círculo, o método calcula a razão entre o máximo da verossimilhança sob a hipótese alternativa de que q é maior dentro do círculo e o máximo da verossimilhança sob a hipótese de risco constante, a qual não depende do possível conglomerado considerado.
A seguir, é calculado o máximo dessas razões, atentando para todos os possíveis círculos. Esse valor máximo é a estatística do teste da razão de máxima verossimilhança e é denotado por T. A região associada com esse máximo é chamada de conglomerado mais verossímil. Sua distribuição sob a hipótese nula e o valor p associado são obtidos pela simulação de grande número de repetições aleatórias de conjuntos de dados gerados sob a hipótese nula (nós escolhemos 9.999). A hipótese nula é rejeitada ao nível a de 0,05 se menos de 5% dos valores simulados de T são maiores que o valor realmente observado de T com os dados não simulados. Os cálculos são efetuados mediante o uso do programa SaTScan (Kulldorf et al., 1997b) que implementa este teste de varredura e que se encontra disponível gratuitamente na Internet.
Além do conglomerado mais verossímil, o método também fornece conglomerados secundários. Entretanto, os valores p associados com esses conglomerados secundários são conservadores, significando que tendem a ser maiores que os verdadeiros valores.
Na análise dos conglomerados, o programa SaTScan buscou sub-regiões que continham, no máximo, 10% da população. Em Belo Horizonte foram localizados, além do conglomerado primário, todos os conglomerados secundários cujo p-valor fosse, no máximo, 0,002.
Estimador Bayesiano empírico para as taxas de homicídio
A Figura 1 mostra o mapa do Município de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, dividido em seus 240 bairros, apresentando as taxas brutas de homicídios por 100 mil pessoas/ano. A taxa bruta é o estimador mais simples para o risco de ocorrência de um evento, definindo-se como a razão entre o número de eventos ocorridos na área e o número de pessoas expostas à ocorrência desse evento. No entanto, é bastante conhecido o problema da instabilidade das taxas brutas na estimação de risco em pequenas áreas (Assunção et al., 1998). Se o número de pessoas expostas é pequeno, qualquer pequena mudança no número de eventos, mesmo que devido ao mero acaso, provocará imensas variações no valor da taxa. Essa variação pode estar sendo causada por simples flutuação aleatória e não por reais variações no risco daquela área, o que seria interessante de ser observado. Quando o evento estudado é raro, o problema da instabilidade das taxas brutas agrava-se ainda mais. O problema da instabilidade tem sido discutido em vários textos, entre eles, Assunção & Reis (1999) e Assunção et al. (2000), nos quais também são feitas referências a outros trabalhos.
Observando a Figura 1, os bairros localizados nas regiões Norte e Leste, alguns espalhados no Centro, no Noroeste e no Sudoeste da cidade poderiam aparentemente candidatar-se a conglomerados. No entanto, o homicídio é evento relativamente raro e, do ponto de vista de estimação de taxas, as populações dos bairros de Belo Horizonte podem ser consideradas pequenas. Pelo menos 95% dos bairros possuem, para todos os anos considerados, um número de habitantes inferior a 95.019. Assim, as taxas brutas podem apresentar grande variabilidade, fazendo com que o mapa dessas taxas seja pouco confiável.
Uma alternativa ao uso das taxas brutas em situações como essa (populações relativamente pequenas e eventos raros) foi proposta por Marshall (1991) através dos Estimadores Bayesianos Empíricos. Esses métodos bayesianos permitem que a informação a respeito do risco contida nos dados das outras áreas possa ser usada para estimar o risco de determinada área.
Denotando por B a estimativa bayesiana empírica de certa área, por t a taxa bruta dessa área e por m a taxa média de todas as áreas, podemos escrever
B = m + c(t - m).
O valor de c está entre 0 e 1 e representa o peso dado à diferença entre taxa bruta da área e a taxa média de todas as áreas. O cálculo de c leva em conta, entre outras variáveis, o tamanho da população da área. Quando a população for relativamente grande, o valor de c é próximo de um, tornando a estimativa B muito próxima da taxa bruta, que, nessa área, não sofre o problema da instabilidade. No entanto, quando a população for pequena, o valor de c decresce, dando pouco peso à diferença entre t e m e tornando a estimativa B mais próxima da taxa média de todas as áreas. Ou seja, quando a população da área é pequena, a informação contida na taxa média tem peso maior na estimativa bayesiana empírica. A expressão para B também pode ser escrita como ct + (1 - c)m, em que se nota que a estimativa B é média entre a taxa bruta da área e a taxa média de todas as áreas, ponderada pelo valor c. O estimador bayesiano empírico, que utiliza como valor de m a taxa média de todas as áreas em estudo, é denominado Estimador Bayesiano Empírico Global.
Este método elimina parcialmente a variabilidade presente nas taxas brutas estimadas que não estão associadas a fatores de risco.
Resultados obtidos
O mapa da Figura 2 apresenta os valores estimados a partir do método bayesiano empírico. Notamos que o padrão espacial das taxas continua praticamente o mesmo. No entanto, há uma suavização do mapa, no sentido de que áreas vizinhas não possuem taxas tão discrepantes, como acontece na Figura 1. Apesar de esse mapa ser mais confiável que o anterior, ainda não é claro onde existem conglomerados estatisticamente significativos. Isto só pode ser respondido com os testes de conglomerado, cujos resultados apresentamos a seguir.
No mapa da Figura 3, mostramos os conglomerados detectados pelo SaTScan, utilizando o número de homicídios e a população de risco de cada área. O conglomerado primário, rotulado como conglomerado 1, engloba uma área que abrange muitos bairros, listados com a taxa bruta por 100 mil pessoas/ano entre parênteses: São Lucas (50), Vila Cafezal (46), Taquaril (41), Novo São Lucas (35), Vera Cruz (28), Saudade (21), Santa Efigênia (15), Pompéia (12), Paraíso (6), Baleia (0) e Parque das Mangabeiras (0). O número de casos encontrados nessa área é de 194 homicídios, esperando-se sob a hipótese nula o número de 83,4 casos. A região abrange uma população de 709.031 habitantes e sua taxa bruta é de 27,3 casos para cada grupo de 100 mil habitantes.
A incorporação de bairros com taxa bruta igual a zero neste conglomerado deve-se a uma limitação do método utilizado pelo SaTScan, conforme discussão na seção 6.
O segundo conglomerado encontrado corresponde apenas a um bairro, a favela Morro do Papagaio, com taxa bruta igual a sessenta casos por 100 mil pessoas/ano. Este bairro possui 43 casos contra os 8,48 esperados sob a hipótese nula em população de 72.106 habitantes.
A região do terceiro conglomerado abrange dois bairros: a Vila Cemig, com taxa bruta igual a 70, e a favela Flávio Marques Lisboa, com taxa bruta igual a 48 casos por 100 mil, apresentando 25 casos contra os 5,24 esperados sob hipótese nula. Sua população é de 44.538 pessoas e a taxa bruta anual de risco é de 56 por grupo de 100 mil habitantes.
Por sua vez, a região do quarto conglomerado engloba cinco bairros: Morro das Pedras (taxa igual a 40), Conjunto Santa Maria (taxa igual a 23), Grajaú (taxa igual a 22), Luxemburgo (taxa igual a 20) e Nova Granada (taxa igual a 19), contando cinqüenta casos contra os 19,86 esperados. Sua população é de 168.822 habitantes e sua taxa anual é de 29,6 casos por grupo de 100 mil habitantes.
Por fim, a região do quinto conglomerado é formada por oito bairros: São Cristóvão (taxa igual a 45), Lagoinha (taxa igual a 33), Centro (taxa igual a 33), Pedreira Prado Lopes (taxa igual a 32), Concórdia (taxa igual a 15), Floresta (taxa igual a 8), Bonfim (taxa igual a 8) e o Colégio Batista (0), apresentando 85 casos contra os 44,2 casos esperados. Sua população é igual a 375.736 habitantes e sua taxa anual é de 22,6 casos por 100 mil habitantes.
Discussão e conclusão
Comparado com outros métodos de detecção de conglomerados espaciais, o método de varredura proposto por Kulldorf & Nagarwalla (1995) distingue-se por algumas características importantes. Ele leva em conta as diferenças espaciais da população de risco, dá solução correta para o problema de comparação múltipla, evita o vício de pré-seleção e localiza no mapa os conglomerados existentes. Apesar disso, o método apresenta deficiências. A principal delas é a tendência a identificar um conglomerado maior do que ele é realmente. A razão disto é a forma de busca executada pelo SaTScan, centrada em um círculo. Assim, no caso do nosso conglomerado 1, ele encontrou um conglomerado com muitos casos relativamente à população, mas às custas de incorporar bairros onde nenhum caso foi registrado. Observemos também que, com o conhecimento adicional que possuímos da cidade, o mais natural seria quebrar esse conglomerado em dois, cada um com uma favela separada. Sua proximidade geográfica não permitiu que o SaTScan detectasse que eram dois conglomerados em lugar de um. Essa deficiência do SaTScan mostra que os resultados da análise estatística devem ser usados apenas como guia para a formulação de explicações e testes de teorias. Um trabalho de pesquisa que está sendo realizado pelo segundo autor procura criar metodologia para superar este defeito do SaTScan. A análise estatística é relativa à região em estudo, o Município de Belo Horizonte. Não faz sentido considerar os valores p e a localização dos conglomerados identificados sem relacioná-los com a região como um todo. Isto é, os conglomerados foram identificados pela comparação de suas taxas e destas com o restante da região de Belo Horizonte. Se outra região, maior ou menor que Belo Horizonte, fosse a referência para o estudo, poderíamos identificar outros conglomerados.
Queremos enfatizar que, como estamos trabalhando com dados agregados ao nível de bairros, não podemos identificar conglomerados em uma resolução maior que bairros. Embora os eventos de homicídios possam ser estudados como pontos no mapa de Belo Horizonte, os dados de população necessários para o cálculo de taxas só existem sob a forma de contagem agregada. Por este motivo, agregamos os eventos por área e utilizamos métodos de análise estatística de dados de área. Optamos por utilizar os bairros e não os 1.999 setores censitários de Belo Horizonte para evitar o enorme número de áreas com valores extremos que aparecem ao utilizarmos os setores censitários. Isto se deve ao pequeno tamanho da população de cada um deles. Trabalhar com os bairros constitui um compromisso entre a necessidade de detalhamento geográfico e estabilidade de estimativas.
Embora não existam dados geográficos relativos ao tráfico de drogas em Belo Horizonte, a discussão dos resultados desta pesquisa com elementos chave da Polícia Militar sugere que todos os conglomerados identificados aqui estão relacionados a bairros e favelas em que parece prevalecer o tráfico de drogas, em particular, o crack. Além disso, nessas favelas, há também registro de violência ligada ao tráfico. Isto vem corroborar a hipótese inicialmente esboçada de que os homicídios seriam resultado da violência sistêmica associada ao mercado negro de drogas. Naturalmente, isto de forma nenhuma significa que apenas esse tipo de delito ocorre nessas regiões, mas apenas que o incremento resultante da violência associada ao tráfico de drogas contribui para que estas sejam identificadas como conglomerados. Em simplificação talvez exagerada, mas útil para criar uma imagem dos resultados, podemos pensar Belo Horizonte como tendo risco constante no espaço, exceto nas poucas regiões em que há tráfico de drogas com violência associada (aproximadamente dez).
Esse resultado encontra respaldo em uma literatura de análise da violência e criminalidade que enfatiza o incremento dos homicídios à violência associada ao mercado de drogas (Zaluar, 1998). Duas conseqüências imediatas devem ser ressaltadas a partir desse resultado: a primeira refere-se ao fato de que, de todas as regiões (240 bairros e 85 favelas) da cidade de Belo Horizonte, apenas dez apresentam risco maior de homicídios. Quase a totalidade desse pequeno universo de áreas de risco estão concentradas em favelas. De qualquer maneira, não são as condições socioeconômicas per se as responsáveis pelos conglomerados de homicídios, mas o fato de essas regiões serem assoladas pelo tráfico e pela violência associada ao comércio negro de drogas.
A segunda conseqüência diz respeito a aspectos mais aplicados da identificação de conglomerados. Essa técnica permite identificar claramente quais regiões e vizinhanças da cidade devem ser objeto de políticas públicas. A ação "focalizada" permite maior grau de racionalidade na adoção de programas e estratégias de controle da violência. Isto mostra também a necessidade de discutirmos até que ponto a adoção de medidas de controle da oferta de drogas (repressão) deve estar associada a medidas de controle do consumo (prevenção), o que envolveria a atuação de outros órgãos e agências que não apenas a polícia.
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