ARTIGO ARTICLE

 

Cynthia Braga 1
Ricardo A. de A. Ximenes 2
Maria de Fátima P. Militão de Albuquerque 1
Wayner V. de Souza 1
Janaína Miranda 1
Fábio Brayner 1
Luis Alves 1
Lânia da Silva 1
Inês Dourado 3
Avaliação de indicador sócio-ambiental utilizado no rastreamento de áreas de transmissão de filariose linfática em espaços urbanos

 

Evaluation of a social and environmental indicator used in the identification of lymphatic filariasis transmission in urban centers

1 Departamento de Parasitologia, Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz. Av. Moraes Rego s/no, Cidade Universitária, Recife, PE 50670-420, Brasil.
braga@cpqam.fiocruz.br

2 Departamento de Medicina Tropical, Universidade Federal de Pernambuco. Av. Moraes Rego s/no, Cidade Universitária, Recife, PE 50670-420, Brasil.

3 Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia. Rua Padre Feijó 29, Salvador, BA 40110-170, Brasil.

 

Abstract The concept of a "socially organized space" supported by new analytical techniques and mapping of health events has guided innovative methodological developments in public health interventions. This study aimed to evaluate a social/environmental indicator constructed with a scoring methodology to stratify areas in the city of Olinda by different levels of risk for Bancroftian filariasis transmission. The study mapped areas and the location of sample households and identified all residents ages 5 to 65 years as part of the parasitological survey. Among the 3,232 individuals who had blood samples taken, 42 were microfilaremic (1.3% prevalence). Global statistical analysis of filarial case distribution has suggested spatial clustering. Some 85.7% of positive individuals resided in the two strata with the highest transmission risk. The high sensitivity of the proposed indicator for predicting the places where the vast majority of filariasis cases occurred justifies its use in planning and implementing interventions.
Key words Spatial Analysis; Risk Index; Filariasis

 

Resumo O conceito de espaço socialmente organizado, subsidiado por novas técnicas de análise, mapeamento e espacialização da ocorrência de eventos, tem orientado desenvolvimentos metodológicos inovadores no campo das intervenções de saúde pública. Este estudo teve por objetivo avaliar a utilização de um indicador sócio-ambiental, construído através da metodologia de aplicação de escores, na estratificação do Município de Olinda, Pernambuco, em áreas com diferentes riscos de transmissão da filariose bancroftiana. Procedeu-se ao mapeamento das áreas, localização dos domicílios amostrados e identificação de todos os moradores com idade entre 5 e 65 anos para realização do inquérito parasitológico. Dentre as 3.232 pessoas examinadas, 42 foram positivas, obtendo-se prevalência de microfilaremia de 1,3%. A análise estatística global da distribuição dos casos mostrou evidências de agregação espacial. Nos dois estratos de mais alto risco de transmissão residiam 85,7% dos positivos. A alta sensibilidade do indicador proposto justifica a sua utilização para o planejamento e execução de intervenções ao predizer o local de ocorrência da maioria dos casos de filariose.
Palavras-chave Análise Espacial; Indicador de Risco; Filariose

 

 

Introdução

 

Operacionalização do espaço em estudos de saúde e condição de vida: usos e limitações

 

A reincorporação, pela saúde pública, da categoria espaço como elemento integrante das análises e intervenções relativas aos problemas de saúde das populações abre novas perspectivas de estudo que atentem para a situação de extrema desigualdade social existente na maioria dos países da América Latina. As precárias condições de vida a que estão submetidas amplas parcelas das populações desses países, sobretudo as urbanas, têm inegavelmente repercutido em seus níveis de saúde. Nesse contexto, tem-se assistido, nas últimas décadas, ao surgimento de várias propostas teórico-metodológicas no campo da Epidemiologia (Breilh, 1991; Castelhanos, 1997) que buscam apreender essas iniqüidades e os problemas de saúde delas decorrentes. Seus autores compreendem o processo de saúde/doença como resultante, em parte, das posições ocupadas pelos indivíduos no espaço social e consideram a forma de ocupação do espaço territorial uma conseqüência da construção histórica e social. O estudo das condições de vida e saúde segundo o tipo de inserção espacial dos grupos humanos torna-se assim uma alternativa metodológica para a identificação e análise de suas necessidades e, consequentemente, para a superação das iniqüidades (Paim, 1997).

Embora ainda com limitações teóricas e operacionais, diversas metodologias de estudo têm sido desenvolvidas. Os recentes avanços das técnicas computacionais de análise de dados, mapeamento e espacialização da ocorrência de eventos têm-se apresentado como instrumentos importantes de apoio ao desenvolvimento desses trabalhos, além de propiciar o surgimento de novas propostas. Entretanto, nota-se que muitas dessas tentativas ainda se encontram no plano teórico, necessitando superar limitações de ordem operacional. Além disso, as técnicas empregadas até o momento exigem, muitas vezes, equipamentos de avançada tecnologia, razão pela qual são de difícil aplicação, demandando pessoal altamente especializado para a operacionalização. Isto tem dificultado sua aplicação pelos serviços de saúde e resultado em pouco impacto nas políticas e intervenções de saúde pública. Daí a necessidade de testar diferentes metodologias que possam ser absorvidas pelos serviços de saúde em seus diferentes níveis de organização.

 

Proposta de modelo de intervenção para o controle da filariose linfática fundamentado em indicador socio-ambiental

 

Um campo de aplicação para estes novos desenvolvimentos é, sem dúvida, o estudo da distribuição e caracterização epidemiológica da ocorrência de endemias em áreas urbanas, visando à formulação de novas estratégias de controle. Entre elas, a filariose linfática, doença parasitária causada por helminto - a Wuchereria bancrofti - e transmitida por um vetor - o Culex quinquefasciatus - que vem-se expandindo focalmente em áreas faveladas de países pobres das regiões tropicais e subtropicais (Mott et al., 1990). Apesar de não levar à morte, costuma constituir sério problema de saúde pública nas áreas endêmicas em virtude do grande número de deformidades e das incapacidades que ocasiona sobretudo em sua fase crônica.

Ainda que a maioria dos focos endêmicos existentes no Brasil na primeira metade deste século estejam hoje extintos ou sob controle, tanto a Região Metropolitana de Recife quanto as cidades de Belém, no Estado do Pará, e de Maceió, em Alagoas, ainda são reconhecidas como áreas de transmissão da doença (Dreyer et al., 1991; WHO, 1992).

As estratégias de intervenção sobre a filariose linfática adotadas no país nestes últimos 50 anos caracterizaram-se por ações dirigidas à identificação e tratamento dos doentes, sem considerar o contexto social de desigualdades em que os indivíduos estão inseridos, tendo demonstrado limitada eficácia diante da complexidade dos fatores envolvidos (Albuquerque, 1993).

Tais constatações motivaram a elaboração de uma estratégia de intervenção sobre a filariose, guiada por outra lógica, a da identificação de "espaços" de risco (Albuquerque & Morais, 1996). Este modelo de intervenção de base territorial permite que sejam identificados os grupos populacionais prioritários quanto ao risco de adquirir a parasitose, pretendendo não apenas atuar em aspectos individuais de risco, mas levar em conta, principalmente, a intrínseca relação existente entre o comportamento da endemia e a ocupação do espaço - socialmente organizado - em que a doença ocorre e se reproduz. Com base nesses pressupostos, os autores propõem que as medidas de controle a serem desenvolvidas sejam orientadas por indicadores que atentem às características do espaço urbano e que sejam suficientemente sensíveis para discriminar áreas heterogêneas no tocante às condições sócio-ambientais. Admite-se, portanto, que cada grupo populacional discriminado apresente internamente "razoável" homogeneidade com relação ao risco de transmissão da filariose.

A operacionalização desse modelo torna-se possível mediante a construção de um indicador sócio-ambiental de risco de transmissão, elaborado a partir da conjunção de variáveis teoricamente capazes de discriminar os grupos populacionais prioritários para a intervenção. Estas variáveis identificam ambientes propícios à existência de criadouros do vetor e à transmissão da infecção, por estarem relacionadas à existência ou não de equipamentos de infra-estrutura urbana e à densidade populacional.

Assim, a estratificação do espaço, acrescida das informações relativas ao nível de endemicidade da área, constitui importante instrumento de apoio ao planejamento das ações de controle a serem desenvolvidas na rede de serviços locais de saúde. Tal tipo de abordagem permite a adequação das ações a cada situação encontrada em nível local, promovendo, desta forma, a descentralização do controle da endemia. O conjunto de medidas de controle para cada situação de risco ambiental - segundo o modelo elaborado por Albuquerque & Morais (1996) - é apresentado esquematicamente na Figura 1. O presente trabalho pretende complementar o modelo proposto para o caso particular do Município de Olinda por intermédio da estimativa dos níveis de endemicidade e pela definição de estratos populacionais de risco.

No Município de Olinda, inquéritos de campo realizados pelo Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, pela Fundação Nacional de Saúde e pela Secretaria Municipal de Saúde registraram a ocorrência de casos de microfilaremia em diversos bairros (Maciel et al., 1996). Da mesma forma, estudos entomológicos verificaram elevados índices de infectividade vetorial, comprovando a atividade desses focos endêmicos (Dreyer & Medeiros, 1990).

Assim sendo, fez-se um estudo de corte transversal, durante o período de maio a setembro de 1999, com a finalidade de estimar a prevalência da parasitose e verificar a sua distribuição nos diferentes estratos urbanos segundo o indicador sócio-ambiental de risco de transmissão. Pretendeu-se, com isto, verificar o potencial do indicador construído com o intuito de rastrear áreas de risco para a transmissão de filariose, visando à operacionalização do modelo de intervenção descrito acima.

 

 

Metodologia

 

Caracterização da área de estudo

 

O Município de Olinda está localizado na Região Metropolitana do Recife, estando limitado pelos paralelos 7o57' - 8o02' S e pelos meridianos 34o49' - 34o54' W. Compreende uma área de 40km2, dividida em 242 setores censitários (IBGE, 1991). No ano de 1996, contava com população de 341.387 habitantes (IBGE, 1996), o que representa densidade demográfica de 8.535 habitantes/km2.

O clima regional é caracterizado como quente e úmido, com temperatura média de 25oC e precipitações anuais em torno de 2.000mm (SUDENE, 1988). O relevo da área municipal é constituído de duas unidades: planície costeira de topografia plana e colinas ou morros com declividade mais acentuada. A vegetação nativa existente restringe-se a pequenas áreas de manguezais, localizadas na planície costeira junto aos estuários dos rios que deságuam no Oceano Atlântico. A vegetação de Mata Atlântica, que dominava as colinas no passado, foi substituída pela ocupação urbana e por vegetação secundária (pomares). Sua rede de drenagem é constituída pelas bacias dos rios Beberibe e Fragoso, cujos pequenos afluentes (retificados em muitas localidades) recebem o escoamento da drenagem urbana (Alheiros, 1998) (Figura 2).

 

 

As condições climáticas locais - clima quente e úmido - favorecem permanentemente um curto ciclo biológico de C. quinquefasciatus. Além disso, há disponibilidade de grande número de criadouros potenciais, que resultam das condições da rede de drenagem: nas áreas de topografia mais plana, o escoamento das águas pluviais e servidas (esgotos) é comprometido em virtude da baixa declividade do relevo. Nesta situação, as densidades populacionais do vetor oscilam em valores médios mensais entre 20 e 60 Culex/quarto/noite (Regis et al., 1994).

 

Construção do indicador socio-ambiental

 

Na construção do indicador sócio-ambiental, foram utilizadas variáveis disponíveis no Censo Demográfico associadas potencialmente ao risco de transmissão da filariose, as quais relacionamos a seguir:

• percentual de domicílios não ligados à rede geral de esgotamento sanitário ou destituídos de fossa séptica;

• percentual de domicílios sem destino adequado do lixo;

• média de habitantes por dormitório.

Para a elaboração do indicador, empregou-se inicialmente a metodologia de aplicação de escores, garantindo-se a ordenação das variáveis segundo uma única escala de valores (UNICEF, 1994; Ximenes et al., 1999). Após o cálculo da média dos escores para cada setor censitário, foram listadas as unidades censitárias segundo uma escala crescente de valores dos indicadores (menor risco ® maior risco) e fez-se posteriormente a separação por estratos, utilizando os quintis da distribuição do indicador como pontos de corte.

 

Definição de caso, amostragem e inquérito parasitológico

 

Foram definidos como casos de filariose todos os indivíduos que apresentaram microfilaremia, detectável através da técnica da gota espessa em amostra de 60ml de sangue, coletada da polpa digital no horário das 21h às 0h.

Optou-se pelo desenho amostral de amostragem por conglomerados em dois estágios pela simplicidade e rapidez de execução. O tamanho da amostra foi calculado (Kish, 1965) estimando-se prevalência de 7% de microfilaremia para o município, um design effect = 1,9 e um erro padrão de 1,5%, obtendo-se n = 2.112. Admitindo-se perda de, aproximadamente, 20% face às dificuldades operacionais decorrentes da técnica empregada, que envolve coleta de sangue, calculou-se um número total de 2.535 pessoas.

De acordo com o número estimado de domicílios por setor (cerca de 300) e a média de moradores por domicílio com idade entre 5 e 65 anos (3,75 pessoas) no município, foram sorteados 80 setores censitários no primeiro estágio e 10 domicílios em cada setor no segundo, totalizando uma amostra de 800 domicílios e cerca de 3.000 moradores.

Após o mapeamento das áreas e da seleção dos domicílios, uma equipe de entrevistadores cadastrou todos os moradores com idade entre 5 e 65 anos para a realização do inquérito parasitológico.

 

Análise e apresentação dos dados

 

Estimou-se a prevalência de microfilaremia por estratos de risco sócio-ambiental. Os casos de filariose foram espacializados e os mapas construídos utilizando os recursos do programa ArcView, versão 3.1 (ESRI, 1996).

A avaliação da ocorrência de agregação espacial (clustering) foi efetuada através do método de Potthoff-Whittinghill. O método assume como pressuposto uma distribuição de Poisson de ocorrência dos casos e é calculado através da seguinte fórmula (Alexander & Cuzick, 1996; Alexander et al., 1998):

onde

Oi = número de casos observados;

Ei= número de casos esperados nos setores censitários.

Segundo o modelo, a presença de agregação é expressa pela observação de uma variabilidade de Poisson maior do que a esperada, assumindo-se a hipótese nula de uniformidade de risco para todos os membros da população. Na presença de extra-variabilidade de Poisson, a variância torna-se Ei (1+ ß/100), onde ß é a medida da magnitude da agregação.

A significância estatística da agregação foi calculada por intermédio do método de MonteCarlo (Clayton & Hills, 1993) - que permite obter estimativa mais acurada do valor de p através de simulações em computador - a um nível de 5%, ou seja, um resultado estatisticamente significante corresponde a um valor de p < 0,05.

 

 

Resultados

 

Inquérito parasitológico

 

Foram cadastradas 3.885 pessoas com idade entre 5 e 65 anos residentes em 1.066 domicílios. Destas, 3.232 (83,3%) realizaram a coleta de sangue noturna, tendo sido 42 positivas, obtendo-se prevalência de microfilaremia para o município de 1,3%.

 

Análise de agregação espacial

 

Os resultados da análise global de agregação dos 42 casos de filariose mostraram evidências de agregação espacial (p-valor de Monte Carlo = 0,00005). A magnitude da agregação, expressada pelo valor de ß = 1,00 (IC de 95%: 0,74-1,26), foi pequena, uma vez que o componente extra-Poisson representou apenas 1,0% da variabilidade de Poisson.

Mediante a visualização da distribuição geográfica dos casos no município observou-se que 66,7% dos setores censitários onde estes ocorreram eram cortados por rios ou canais. Ao ser considerada a distância entre a rede de drenagem (rios ou canais) e a área de ocorrência do evento, verificou-se que 80,4 % deles estavam situados à distância de, pelo menos, 200 metros da fonte hídrica (Figura 3).

 

 

Freqüência de casos segundo estratos de risco

 

Foram separados cinco agrupamentos de setores censitários segundo o risco de transmissão da filariose. Os dois primeiros foram classificados como estratos de baixo risco ambiental de transmissão; o terceiro, de médio risco; por fim, o quarto e o quinto, de alto risco de transmissão ambiental. Dos 42 casos de filariose registrados no estudo, 36 (85,7%) situaram-se nos dois extratos de mais alto risco de transmissão. Não se observou casos de filariose em 386 pessoas residentes no primeiro estrato, ou de menor risco de transmissão, que realizaram gota espessa. No segundo, também categorizado como de baixo risco de transmissão, das 613 pessoas que realizaram gota espessa, seis (1,0%) foram positivas. No terceiro estrato, classificado como de médio risco de transmissão, foram examinadas 565 pessoas e não se observou microfilarêmicos. Quanto ao quarto agrupamento de setores, classificados como áreas de médio/alto risco, das 865 pessoas que realizaram a pesquisa de microfilárias, 17 (2,0%) foram positivas.

No estrato de maior risco de transmissão ou quinto e último estrato, foram examinadas 801 pessoas e identificados 19 casos de filariose, obtendo-se prevalência de microfilaremia de 2,4% (Tabela 1).

 

 

 

Discussão

 

O conceito de espaço, redefinido pela geografia crítica e utilizado em estudos epidemiológicos, tem orientado desenvolvimentos metodológicos inovadores do ponto de vista das intervenções nos problemas de saúde pública. No âmbito do controle da filariose, a validação de um indicador de risco de transmissão da doença relacionado ao espaço urbano é de grande importância para a implementação de estratégias de controle eficazes. Nesse sentido, a identificação de 85,7% dos casos de filariose no Município de Olinda em grupos populacionais residentes em áreas categorizadas como de alto risco para a ocorrência da endemia indica a elevada sensibilidade do indicador proposto. Ressalte-se que a escolha das variáveis baseou-se em identificar espaços com maior potencial de transmissão, o que não implica necessariamente transmissão efetiva, ou seja, não se pretendeu obter correspondência exata entre área de risco e freqüência de infecção. O modelo de intervenção apresentado, quando toma por base o risco de transmissão ambiental e o nível de endemicidade, assume este pressuposto.

Além disso, a articulação das estratégias de controle da filariose com programas de promoção da saúde que se desenvolvem em espaços particulares e com a participação da comunidade, a exemplo do programa de agentes comunitários de saúde, permite otimizar recursos e adequar as ações à realidade local.

Contudo, algumas áreas endêmicas de filariose identificadas em setores classificados como de baixo risco, sugerem a influência de outros elementos envolvidos no processo de transmissão, além dos considerados para a construção do indicador. Neste sentido, ressalta-se a importância da presença de outros fatores, a exemplo da proximidade de fontes hídricas, como demonstrado na Figura 2. Outro aspecto a ser contemplado é a não ocorrência de casos em algumas áreas consideradas de alto risco, contíguas às áreas endêmicas. Acredita-se que este fato possa estar ocorrendo em decorrência de movimentos populacionais dentro da Região Metropolitana ou até mesmo como conseqüência de fatores individuais ou coletivos não levados em conta no estudo. Estas observações apontam para a necessidade de incorporar, na análise, outras variáveis representativas de mecanismos envolvidos na transmissão e não contemplados pelo indicador de risco sócio-ambiental.

Uma abordagem mais holística do processo de transmissão deve incluir aspectos relacionados a certas condições ambientais, tais como a proximidade de cursos de água (como canais ou rios), proximidade dos criadouros de vetores, tipo de solo, declividade do relevo, além de características comportamentais e biológicas dos indivíduos e da biologia do vetor.

Tendo-se encontrado valores de prevalência que classificam as áreas estudadas como de média/baixa endemicidade, propõe-se, em consonância com o modelo de intervenção preconizado, o tratamento seletivo de microfilarêmicos no Município de Olinda através do estímulo da demanda aos serviços de saúde em uma primeira abordagem. Note-se porém que, ainda de acordo com o modelo stricto sensu, dever-se-ia implementar concomitantemente o controle integrado do vetor nas áreas identificadas como de alto risco potencial de transmissão da doença (Regis et al., 1994). Apesar de a amostra não ter sido dimensionada para produzir estimativas de prevalência no nível dos setores censitários, vale ressaltar que os 42 casos identificados localizavam-se em apenas 19 setores, fato que denota o caráter focal da endemia. Esse padrão de distribuição irregular é demonstrado através da análise de agregação realizada, que evidenciou a presença de aglomeração espacial de casos. Estes dados podem suscitar a necessidade de aprofundamento do rastreamento em áreas específicas, o que poderá resultar na proposição de tratamento em massa das populações dessas áreas.

Este estudo permite concluir que a alta sensibilidade demonstrada pelo indicador proposto, ao predizer o local de ocorrência da grande maioria dos casos de filariose, justifica a sua utilização para o planejamento e execução de intervenções que visem ao controle da endemia. Além disso, a acessibilidade dos dados utilizados, a rapidez e facilidade de construção do indicador de risco sócio-ambiental, viabiliza a operacionalização e utilização deste modelo de intervenção pelos serviços locais de saúde.

 

 

Agradecimentos

 

Aos Professores Nelson Oliveira e Annibale Biggeri, pela contribuição nos processos de amostragem e análise estatística dos dados; ao Professor José Luiz Portugal e Rogério Valença, pela confecção dos mapas; e ao Professor André Furtado, pela leitura do artigo e as valiosas sugestões. Pesquisa financiada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE).

 

 

Referências

 

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Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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