RESENHAS REVIEWS

 

LA (RE)CONFIGURACION DEL UNIVERSO SEXUAL, CULTURA(S) SEXUAL(ES) Y SALUD SEXUAL ENTRE LOS JOVENES DE LIMA A VUELTA DE MILENIO. Carlos F. Cáceres. Lima, Universidad Peruana Cayetano Heredia/REDESS Jóvenes, 1999. 147 pp.

 

A abordagem conceitual do sexo de uma forma mais ampliada faz com que ele deixe de ter a função natural da espécie, de ser fonte de prazer ou desprazer, sendo entendido como um fenômeno mais global, que envolve a existência do indivíduo. Seria natural no que diz respeito aos seus aspectos biológicos, mas como é retraduzido e reinterpretado pela cultura, passa a ser uma construção social, portanto histórica e passível de transformação.

Apesar das mudanças que ocorreram no pensamento ocidental nos dois últimos séculos, pouco foi modificado no que se refere aos códigos de ética que regem a sexualidade. A partir da "revolução sexual" há mais ou menos quatro décadas, o veto ao proibido e ao pecaminoso vem sendo relativizado.

Vários estudos mostram que os adolescentes estão iniciando mais cedo a atividade sexual e, sem proteção, ficando desta forma mais expostos aos problemas de saúde decorrentes desta conduta, tais como gravidez não desejada, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST)/AIDS.

Carlos Cáceres, preocupado com as questões de saúde sexual dos adolescentes e jovens de Lima, no Peru, e ciente de que para o enfrentamento destes problemas há a necessidade de adoção de posturas diferentes frente à sexualidade, fez seu estudo. Na sua pesquisa buscou indicadores para um melhor entendimento do comportamento sexual desses jovens, que refletissem uma melhoria da saúde sexual deste grupo. Utilizou como marco teórico autores como Foucault, que dão à sexualidade um enfoque sócio-cultural. Recorreu a autores mais recentes que discutem o construtivismo social e que afirmam que discursos e práticas sobre a sexualidade não têm a ver com o natural ou genético, mas sim, são decorrentes de processos de socialização. Cáceres trabalhou com autores como Giddens, Simon e Gagnon, que utilizam o aporte do interacionismo simbólico, que levam em consideração classe social, gênero, etnia, idade e outras dimensões de referência. Autores que vêm estudando a sexualidade nas duas últimas décadas, após a epidemia de AIDS, como Richard Parker e Carole Vance também contribuíram para o estudo.

A utilização da associação de metodologia qualitativa e quantitativa possibilitou ao autor o aprofundamento de conhecimentos de vários aspectos da sexualidade dos adolescentes e jovens de Lima. Se por um lado, o método quantitativo apresentou dados de alguns exames laboratoriais e questionários fechados, por outro lado, o uso de entrevistas e dos grupos focais trouxe uma melhor compreensão dos aspectos estudados.

Dentre os objetivos deste estudo tem-se a construção de uma representação da cultura sexual presente na experiência dos jovens de Lima nos anos 90, a descrição da conduta sexual dos adolescentes e jovens neste período, a determinação de marcadores biológicos de condutas sexuais de risco, a identificação de riscos especiais para a saúde sexual e reprodutiva deste grupo e as possibilidades de ação para sua redução.

Os resultados foram avaliados levando em consideração diferenças de gênero, grupo etário e diferentes níveis sócio-econômicos. Com a detecção de que ocorreram diferentes resultados entre os grupos, há uma indicação de que as ações para a melhoria da saúde sexual devem respeitar as especificidades.

Uma observação deve ser feita no que tange ao critério de seleção dos entrevistados, que não foi de forma aleatória, mas sim escolhidos entre aqueles que pudessem fornecer melhores informações. Isso, além de não ter sido levado em consideração o estado civil dos entrevistados, pode ser fator de interferência nos resultados da pesquisa.

Na apresentação da discussão sobre o machismo, ficou evidente, em todos os grupos estudados, inclusive nos homens, um repúdio, já que as cobranças os atingem, sentindo-se obrigados a corresponder às expectativas sociais impostas. Perceberam que as mudanças de valores e comportamentos não atingiram igualmente os gêneros e os grupos sociais, sendo relativizadas na classe média, em que os direitos das mulheres já estão mais assegurados.

Quando se abordou o tema virgindade, apareceram diferenças da valorização na dependência do nível social, existindo uma associação da moral feminina e a honra das famílias. Sem dúvida, houve uma mudança do paradigma na concretização da primeira relação sexual: se antes esta só poderia se dar com o casamento, agora, o que importa é a exigência de que haja o amor. Achavam que os homens são levados a iniciar a atividade sexual principalmente pela pressão dos pares, pela necessidade de auto-afirmação e, de alguma forma, pela opinião das mulheres, que julgavam importante que os homens trouxessem uma vivência no relacionamento sexual.

O trabalho de Cáceres explorou com profundidade várias questões que dizem respeito à homossexualidade. Os entrevistados consideravam homossexual o indivíduo que tem desejo de ser possuído por outros, e o sexo por troca, seja de favores ou de dinheiro, legitimaria a experiência homossexual.

A presença de uma maior liberdade sexual na atualidade e o aparecimento da AIDS repercutiram na escolha do parceiro sexual, especialmente entre os homens. Se antes, a primeira relação ocorria com prostitutas ou companheiras eventuais, hoje em dia é com alguém conhecido, isto é, a namorada ou uma amiga. Apesar da mudança deste comportamento ter sido influenciado pela AIDS, os cuidados de prevenção foram pouco tomados, quando estes adolescentes e jovens revelaram que o método contraceptivo mais utilizado foi o coito interrompido, e não o preservativo. O uso do preservativo ainda é associado a práticas sexuais de risco, mas, como seu uso foi maior entre os adolescentes do que entre jovens, talvez esteja apontando para uma modificação de comportamento em relação a este aspecto.

As opiniões dos entrevistados sobre DST/AIDS demonstraram os mitos ainda existentes na aquisição destas doenças. Para muitos, elas não estariam associadas a nenhum relacionamento estável ou mesmo com pessoas conhecidas.

Na pesquisa foi encontrada uma relação positiva entre DST e gravidez decorrente de sexo forçado, podendo ser considerado um importante indicador de saúde sexual. O achado de uma maior incidência de positividade das doenças de transmissão sexual em mulheres vem corroborar o que se sabe sobre a maior suscetibilidade das mulheres para estas doenças.

Dentre os fatores preditivos para o início da relação sexual encontrados pelo pesquisador, está o uso de bebidas alcoólicas, fato este que poderia estar contribuindo para a pouca utilização de métodos preventivos de gravidez e de DST/AIDS. A coerção sexual e a prostituição atuaram como marcadores do contexto social em que vivem pessoas que iniciam mais cedo sua vida sexual.

Quando o assunto das entrevistas foram as fontes de educação sexual, constatou-se que estas são pouco educativas e que as informações são principalmente coercitivas. Os pais pouco conversaram com os filhos sobre sexualidade, delegando às escolas uma educação sexual que estas também não ofereceram. Restaram os amigos e a televisão, muita valorizada como fonte de educação sexual pelos entrevistados de Carlos Cáceres.

O autor discutiu detalhadamente pormenores das práticas sexuais do adolescente e do jovem peruano, que podem ser extrapoladas para os adolescentes e jovens latinos, possibilitando novas visões sobre sexualidade deste grupo populacional, e serem utilizadas na elaboração de políticas de educação e de saúde mais realistas e portanto mais adequadas à promoção de saúde sexual, contribuindo para a diminuição de problemas relacionados ao exercício da sexualidade sem adequada proteção, como gravidez não desejada e DST/AIDS.

 

Olga Maria Bastos
Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.

 

 

QUE CONTROLE SOCIAL? OS CONSELHOS DE SAÚDE COMO INSTRUMENTO. Maria Valéria Costa Correa. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 2000. 164 pp.

 

Com a responsabilidade de operacionalizar a determinação constitucional da participação da comunidade sobre as ações e serviços de saúde, data do início da década de 90 o registro da política dos conselhos de saúde, tendo como ponto de arranque o movimento pela democratização das ações de saúde e reformas setoriais que configuraram o desenho do Sistema Único de Saúde (SUS). Desde então, o debate em torno da capacidade dos conselhos vem constituindo importante temática, despertando a atenção de pesquisadores, profissionais e agentes políticos interessados em explorar seus padrões, alternativas e estratégias, com base em categorias que possibilitem focalizar a complexidade de um fenômeno de dimensão nacional.

De modo geral a discussão acerca dos conselhos se inscreve em dois patamares: um especulativo conceitual e abstrato, destacando referências teóricas e determinações políticas genéricas, outro delimitado ao contexto de estudos de casos, quando são produzidas análises de práticas singulares.

O livro de Maria Valéria Costa Correa (Assistente Social, Mestre e Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas, onde leciona no Curso de Serviço Social) se destaca pela preocupação em torno do controle do fundo público como instrumento de concretização do controle social das políticas públicas. Ao analisar sua eficácia, a autora ultrapassa a descrição de fatos singulares privilegiando o exame da sua processualidade histórica para, a partir deste momento, relacionar suas referências conceituais à realidade de um conselho de saúde específico.

A autora apresenta criterioso estudo da categoria de análise - o fundo público e seu processo de constituição no contexto do capitalismo, destacando sua construção nos países desenvolvidos e no Brasil, desde a crise do Welfare State até a década de 90, ressaltando como esta apropriação vem-se conformando direcionada ao financiamento do grande capital, em detrimento do financiamento da força de trabalho, em perfeita consonância com as formulações das políticas sociais públicas de orientação neoliberal.

Depreendem-se, no contexto da exposição conceitual, as necessárias reflexões sobre processos subjacentes de desconstrução das políticas públicas, valendo-se da reconstituição do mercado. O encaminhamento é indicativo da supressão do Estado de qualquer intervenção na economia, mediante a privatização e da desregulamentação das atividades econômicas, promovendo-se a redução das funções do Estado, notadamente as funções sociais direcionadas à reprodução da força de trabalho. Neste quadro, a diminuição das instituições que desenvolvem políticas públicas, cumpre a finalidade precípua de ampliação do âmbito da inversão privada, em todas as atividades - daí o controle privado sobre o fundo público e a produção privada dos serviços sociais constituírem questões essenciais suscitadas pela abordagem da autora.

Ressalta-se, na investigação de Maria Valéria Costa Correa, que o procedimento de implementação da estratégia de controle social sobre o fundo público da saúde coloca a possibilidade de intervenção no movimento de (re)produção das classes fundamentais, em favor dos grupos sociais vinculados às frações de menor poder aquisitivo. É este controle social que potencialmente autoriza a atuação numa das linhas de articulação das relações de produção com os processos de reprodução social, ao se constituírem atores sociais inseridos na luta pelo controle dos recursos do fundo público disponibilizados pela municipalidade.

Os grupos sociais, originários das frações mais despojadas das classes trabalhadoras, quando habilitados a interferir no orçamento municipal, ingressam num processo de luta política, compartilhando com setores hegemônicos nas esferas de governo e dominantes na política da sociedade brasileira, de uma disputa, encontrando-se afastados da esfera de poder local. Essa ação ganha desenho específico e se materializa num locus privilegiado: o Conselho de Saúde. Nesse espaço, a luta adquire visibilidade, traduzindo o processo que instaura a possibilidade de redirecionamento do fundo público.

Da possibilidade de reversão da direção social dada ao fundo público emergem confrontos e antagonismos, tornando-se obstáculos à sua concretização, quando a perspectiva de alteração do status quo implica o surgimento de fatores de instabilidade. Apontamos aqui, particularmente, as questões referentes à gestão municipal, presentes na prática política das forças sociais, interessadas na busca de alternativas que possibilitem a reversão das políticas públicas em direção aos interesses de grandes contingentes da população, em detrimento dos interesses dos grupos tradicionalmente dominantes. Na arena das disputas, o enfrentamento e suas balizas: a lógica dos serviços públicos estabelecidos em função das relações de consumo não comercializadas na perspectiva de constituição e consolidação de direitos sociais, versus a lógica dos serviços privados, que estabelece e organiza o consumo considerado, exclusivamente, pelas leis de mercado. Nestes termos, configura-se, então, nos Conselhos, um espaço de tensão e luta pelo controle dos recursos financeiros da municipalidade, pois controlar o fundo público significa efetivar o controle social para além de sua existência formal e, certamente, confrontar-se com setores historicamente hegemônicos no trato da coisa pública. É o que a autora descreve, minuciosamente, quando coloca em pauta o conselho municipal de saúde de Santana do Ipanema, objeto de sua investigação, em cuja dinâmica se expressa exatamente a disputa sistemática pelo controle do fundo público, no contexto de um "sistema político marcado por duas características: o coronelismo no meio rural e o clientelismo no meio urbano", segundo expressão da autora.

A pesquisa, de natureza qualitativa, fundada na observação e análise de documentos oficiais (atas do conselho, de janeiro de 1994 a janeiro de 1997, relatórios de gestão e de prestação de contas), apresenta a caracterização do município, sua configuração em termos gerais, levando ao conhecimento do leitor o quadro político, o sistema de saúde, o perfil epidemiológico da população, as organizações e os movimentos sociais, a constituição da secretaria de saúde, a criação do fundo municipal de saúde, os movimentos sociais locais e a composição do conselho de saúde.

A análise da prática dos conselheiros é apresentada tendo como indicadores a freqüência às reuniões, a quantidade e a qualidade das intervenções, as deliberações aprovadas, as reivindicações e respostas, os elementos que geram desacordo, questionamentos, cobranças e as propostas apresentadas que são consideradas e efetivadas, notadamente aquelas homologadas pelo gestor . No que se refere ao controle do conselho sobre o fundo público, a análise dos documentos remete o leitor à dinâmica do conselho, destacando as intermediações que resultaram na transparência das contas públicas, possibilitando a fiscalização das receitas e despesas. Nessa luta pelo controle do orçamento, depreende-se como a gestão dos recursos públicos também é direcionada para o favorecimento do setor privado da saúde, o que é apreendido pela análise das contradições presentes no discurso dos conselheiros, ou omissões. Observa-se como os mecanismos de representação política não congregam as mediações necessárias para a defesa dos interesses majoritários da população. Ao contrário, a democracia representativa parece constituir uma instância capaz de (re)produzir interesses privados com aptidão hegemônica. Desse exame emerge o desenho institucional da dinâmica do Conselho de Saúde de Santana do Ipanema, sua rede de relações sociais, contraditória e conflituosa, observadas neste espaço territorializado, que é o Conselho de Saúde.

Em nossa realidade, quando a atenção à saúde deixa de ser uma ação privilegiada do setor público, abrindo espaços amplos para o setor privado financiado pelo fundo público, o trabalho de Maria Valéria Costa Correa assume relevância especial porque integra o conjunto de contribuições que aprofundam o estudo dos Conselhos de Saúde - esfera de conflitos -, que compõem o exercício dos governos, e se evidencia em todos os âmbitos do poder, demonstrando como em nosso país a política contemporânea e os mecanismos de democracia representativa ainda mantêm e reproduzem os interesses das frações de classes hegemônicas.

Por se tratar de uma importante contribuição ao estudo dos conselhos de saúde, Que Controle Social? Os Conselhos de Saúde como Instrumento é, assim, um livro importante para pesquisadores, docentes, estudantes, conselheiros, agentes políticos da área de saúde coletiva e a todos aqueles que se preocupam com a construção e consolidação de um espaço privilegiado para a saúde pública e processo de consumo em saúde na sociedade brasileira, face à crise econômica e reforma do Estado.

 

Angela Maria Hygino Rangel
Escola de Serviço Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil e Conselho de Saúde do Município do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br