ARTIGO

 

Evolução da população e da mortalidade em Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, 1979 a 1997

 

Demographic and mortality trends in Niterói, Rio de Janeiro, Brazil, 1979 to 1997

 

 

Hugo Coelho Barbosa TomassiniI; Márcia Guimarães de Mello AlvesII; Lenita Barreto Lorena ClaroI; Antonio Guilherme Fonseca PachecoIII; Maria Tereza Cravo Guimarães N. de AlmeidaIV

IDepartamento de Epidemiologia e Bioestatística, Faculdade de Medicina, Universidade Federal Fluminense. Rua Marquês do Paraná 303, Niterói, RJ 24230-030, Brasil
IIFundação Municipal de Saúde de Niterói. Rua São Pedro 24, Niterói, RJ 24020-053, Brasil
IIISecretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Rua André Cavalcanti 455, 8º andar, Rio de Janeiro, RJ 20231-050, Brasil
IVSecretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. Rua México 128, Rio de Janeiro, RJ 20031-142, Brasil

 

 


RESUMO

A análise da série histórica de 1979-1997 permite perceber a evolução demográfica e da mortalidade no Município de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, ao longo dessas décadas. A população apresentou um declínio na velocidade de crescimento, com alteração significativa de sua estrutura etária. Observa-se, na série temporal, o declínio da mortalidade por doenças do aparelho circulatório, a tendência geral de declínio das doenças infecto-parasitárias, com acentuado aumento a partir de 1996, decorrente da mudança de classificação das doenças (CID-9 para CID-10). Quanto à mortalidade infantil, destaca-se o predomínio dos óbitos na faixa neonatal. O desvendar das doenças e agravos dentro dos grandes grupos revela a importância das doenças isquêmicas do coração e doenças cerebrovasculares, dos homicídios, acidentes de transporte e da AIDS.

Palavras-chave: Mortalidade; População; Epidemiologia Descritiva; Demografia


ABSTRACT

An analysis of the 1979-1997 historical series points to demographic and mortality trends in Niterói, Rio de Janeiro State, over the course of those two decades. There was a drop in the rate of population increase, with a significant change in the age structure. In the time series, there was a decline in mortality from cardiovascular diseases and an overall downward trend in mortality from infectious and parasitic diseases, albeit with a sharp increase beginning in 1996 resulting in a change in disease classification (ICD-9 to ICD-10). As for infant mortality, there was a predominance of deaths in the neonatal group. An analysis of major groups of diseases and injuries highlights the importance of ischemic heart disease and cerebrovascular diseases, homicides, traffic accidents, and AIDS.

Key words: Mortality; Population; Descriptive Epidemiology; Demography


 

 

Introdução

Uma área importante dentro da Saúde Coletiva engloba as atividades de tomadas de decisões e avaliações de estratégias e ações de saúde. Isso envolve, além das questões político-sociais, o uso de instrumentos que forneçam as informações necessárias para permitir uma análise adequada da situação alvo, tais como os indicadores de saúde (Barradas, 1998; Nedel et al., 1999).

Os indicadores de mortalidade têm cumprido historicamente esse papel de informar sobre a saúde da população, por meio de um dos eventos mais indesejáveis quando se aborda a saúde – a morte (Rouquayrol, 1994). Isso ocorre em função, não só da disponibilidade e relativa fidedignidade de dados, que permitem análises seccionais, temporais (Antunes & Waldman, 1999; Faundes et al., 2000; Haddad & Silva, 2000; Schramm et al., 1996), comparações espaciais, mas também porque, ao desvendarem como se dá a morte (quando, de que forma, quem atinge), apontam caminhos para postergá-la ou melhorar a qualidade de vida (Corteguera et al., 1989; Leal & Szwarcwald, 1996; Peixoto & Souza, 1999a, 1999b, 1999c; Szwarcwald et al., 1997; Vermelho & Mello-Jorge, 1996).

Para a construção e análise das medidas de mortalidade, os indicadores demográficos mostram-se essenciais, além de representarem ferramentas básicas para o planejamento em saúde (Dever, 1988; Pereira, 1995; Rouquayrol, 1994).

Entre os modelos de atenção à saúde, tem-se destacado, nos últimos anos, o Programa Saúde da Família (PSF) do Ministério da Saúde (MS), com atuação no espaço geográfico municipal. Este estudo procurou fornecer dados sobre a população e a evolução da mortalidade no Município de Niterói, numa série histórica de 1979 a 1997, para servir de instrumento ao Pólo de Capacitação, Formação e Educação Permanente de Pessoal para Saúde da Família do Estado do Rio de Janeiro, que tem uma de suas bases na Universidade Federal Fluminense.

 

Material e métodos

Para o estudo da população do Município de Niterói, foram utilizados dados censitários de 1970, 1980, 1991, bem como a contagem da população em 1996 (IBGE: http://www.ibge.gov.br). As populações intercensitárias foram calculadas pela projeção linear das populações censitárias, sempre por faixa etária e sexo.

Os dados de óbitos foram obtidos por intermédio do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), disponibilizados em CD-ROM, pelo MS, e também por meio de dados originados na Coordenação do Observatório de Saúde (COOBS), da Fundação Municipal de Saúde de Niterói, sendo tabulados segundo a 9ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-9), de 1979 até 1995, e segundo a 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), para 1996 e 1997 (OMS, 1985, 1995).

Foram utilizados, para a tabulação dos dados, arquivos de conversão elaborados para os agrupamentos de causas da CID-10 (proporção de óbitos segundo sexo e causa básica de morte). Esses agrupamentos foram selecionados com base na definição das principais causas de morte por capítulos (Santo, 2000).

Como a CID-10 possui mais capítulos que a CID-9, aqueles que, na CID-10 foram desdobrados, estão aqui reagrupados tal qual na CID-9 apenas para efeito de continuidade. Os agravos que foram reclassificados em outros capítulos (e.g. AIDS), não foram alterados, o que justifica as mudanças abruptas ocorridas entre 1995 e 1996 para alguns capítulos.

 

Resultados

A população total de Niterói era de 323.471 habitantes em 1970 e 448.719 em 1996, observando-se, a partir de 1980, diminuição na sua velocidade de crescimento, sendo esta mais acentuada no sexo masculino. Em relação às faixas etárias, esse comportamento é heterogêneo. As faixas até trinta anos apresentam diminuição acentuada da velocidade de crescimento, a partir de 1980, para ambos os sexos, enquanto que as demais apresentam um aumento da velocidade, especialmente entre mulheres, a partir de cinqüenta anos de idade.

Entre os fatores que mais contribuíram para a desaceleração no crescimento populacional, especialmente nas faixas até trinta anos, está a queda nas taxas de natalidade e de fecundidade, observadas no Estado do Rio de Janeiro, no Brasil e mostrando tendências mundiais. O aumento na velocidade de crescimento das faixas etárias acima dos trinta anos deve-se, na sua maior parte, ao aumento da expectativa de vida e o conseqüente envelhecimento da população, tendência também observada mundialmente e que é bastante acentuada em Niterói, devido ao padrão socioeconômico do município, com predomínio de famílias de classe média.

As pirâmides populacionais mostram, ao longo do período, estreitamento da base, deslocamento ascendente do alargamento da área central e alargamento do ápice (Figura 1).

 

 

A razão de dependência, expressão da relação entre a população dita economicamente dependente (menor de 14 e maior de 64 anos) e aquela economicamente ativa (de 15 a 64 anos) (Guedes & Guedes, 1988; Laurenti et al., 1985), apresentou declínio no período de 1970 a 1996, oscilando de 58% a 44%, sendo que este índice em 1996 no Brasil foi de 59%, o que se deve, também, na sua maior parte, à queda nos coeficientes de natalidade e de fecundidade.

O Coeficiente Geral de Natalidade variou de 19 a 13 por mil e o Coeficiente Geral de Fecundidade, de 74 a 50 por mil mulheres em idade fértil, ambos com forte declínio a partir da década de 80, atingindo patamares inferiores aos do Brasil em 1996.

Niterói apresentou, quanto ao seu índice de envelhecimento – proporção da população acima de 65 anos em relação à população total (Guedes & Guedes, 1988; Laurenti et al., 1985) – um aumento que variou de 5% a 9%; superior, portanto, ao do Brasil (5,37) no ano de 1996, o que se explica também em função das características socioeconômicas do município.

A razão de masculinidade, que mede o excesso de homens na população (Guedes & Guedes, 1988; Laurenti et al., 1985), apresenta como esperado, um declínio progressivo em relação à idade, ao longo do período observado.

Entre 1970 e 1996, as expectativas de vida ao nascer e após o primeiro ano, apresentam tendência ascendente, porém desigual em relação ao sexo. Assim, em 1970, a expectativa de vida era de 58,81 e 67,26 anos para homens e mulheres, respectivamente. Apesar de partir de um patamar superior, o ganho das mulheres foi maior que o dos homens, passando para 73,12, contra 61,57 dos homens, em 1991. Além do fato demográfico comprovado historicamente de que a mortalidade geral dos homens é, via de regra, maior que a das mulheres em todas as faixas etárias, o aumento acentuado das mortes por causas externas, principalmente de homens, pode explicar essas diferenças.

O Coeficiente de Mortalidade Geral apresentou pequena flutuação, durante o período estudado, com discreta tendência ao aumento a partir do ano de 1985. Oscilou de 8,67 óbitos por mil habitantes em 1979, a 8,99 em 1995, chegando a 10,86 em 1997.

A padronização do coeficiente geral de mortalidade pela população projetada para 1979 (primeiro ano da série) (Guedes & Guedes, 1988; Laurenti et al., 1985), mostra que esta tendência fica bastante suavizada para o sexo masculino e para o total, com os coeficientes para as mulheres permanecendo bastante estáveis (em torno de 7/1.000). Esta observação indica a influência das mudanças populacionais sobre este indicador, mostrando que parte do aumento observado no coeficiente bruto é devido ao envelhecimento da população.

A distribuição dos coeficientes por sexo e faixa etária revela uma mortalidade ascendente para o sexo masculino, nas faixas de 15 até 39 anos. Já as faixas de menores de um ano e de 1 a 4 anos apresentam declínio acentuado para ambos os sexos. As demais faixas etárias apresentam comportamento estável.

Na mortalidade proporcional, calculada para as faixas de 0 a 1 ano, 1 a 4; 5 a 19; 20 a 49 e 50 anos e mais, de 1979 a 1995, também estratificadas por sexo, observa-se aumento da proporção de óbitos em maiores de cinqüenta anos e diminuição nos menores de um ano. As curvas de Nelson de Moraes, que são representações gráficas da mortalidade proporcional nessas faixas etárias, mostram, para os anos de 1980, 1985, 1990 e 1995, evolução de transição do tipo 3 para o tipo 4 (Guedes & Guedes, 1988; Laurenti et al., 1985), sugerindo para uma melhora no nível de saúde da população de Niterói.

Quando estratificado por sexo, o patamar de óbitos proporcionais das mulheres acima de cinqüenta anos, além de ser maior todo o tempo, apresenta um incremento mais acentuado que o dos homens. A curva de Nelson Moraes apresenta, para as mulheres, um padrão do tipo 4 (Figura 2), o que não acontece com o sexo masculino, já que, neste grupo, o porcentual de mortes no grupo etário de 20 a 49 anos é bem mais elevado que entre as mulheres e apresenta uma clara tendência a aumento, o que não se observa no sexo feminino, atribuindo-se essa diferença à mortalidade por causas externas.

 

 

O indicador de Swaroop-Uemura, que expressa a proporção de óbitos em pessoas a partir de cinqüenta anos (Guedes & Guedes, 1988; Laurenti et al., 1985), variou entre 60,01 e 68,69% para a população total, em 1979 e 1995, respectivamente. Segundo o padrão, esse indicador representa para Niterói uma população de segundo nível de saúde (bom). O sexo feminino apresentou um grande ganho, passando de 64,05 em 1979, para 78,59 em 1995, colocando as mulheres no primeiro nível (excelente). Já os homens passaram de 57,03 para 62,09, mantendo-se assim no segundo nível.

Em relação à mortalidade proporcional por capítulos da CID, predominam, no período, os óbitos por doenças do aparelho cardio-circulatório, seguidos das neoplasias, das doenças do aparelho respiratório e das causas externas.

Ao longo do tempo, ocorreu um aumento das causas externas, dos transtornos imunitários e das causas mal definidas – estas, a partir de 1990 – (Lei Noronha 550/90 – SES-RJ, 1990). Diminuem os óbitos por doenças infecciosas e parasitárias e afecções perinatais.

Em relação ao sexo, predominam no sexo masculino, os óbitos por doenças cardiovasculares, causas externas e neoplasmas. Fica bastante evidente a ascensão das causas externas, das causas mal definidas e por transtornos imunitários (estes, a partir de 1992, com o aumento dos óbitos por AIDS).

No sexo feminino, as principais causas de morte são as doenças cardiovasculares, os neoplasmas e os transtornos imunitários.

Em relação às doenças do aparelho circulatório predominam, para o total dos óbitos e para ambos os sexos, as doenças isquêmicas do coração (que atingem mais os homens) e as doenças cerebrovasculares (que atingem mais as mulheres).

Quanto às causas externas, no total dos óbitos, destacam-se as agressões e os acidentes de trânsito. As mortes por agressões (violências) são bem mais freqüentes nos homens e as demais causas externas predominam nas mulheres.

No total dos óbitos por neoplasias, as do aparelho digestivo, agrupadas, situam-se na primeira posição, seguidas pelas do aparelho respiratório e órgãos intratorácicos, as malignas de órgãos genitais e as malignas da mama. Os homens morrem mais por neoplasias dos órgãos digestivos e do aparelho respiratório e órgãos intratorácicos, e as mulheres por neoplasias dos órgãos digestivos, da mama e dos outros órgãos genitais.

Quanto ao aparelho respiratório, doenças não específicas (outras doenças do aparelho respiratório) são as principais causas de morte, seguido de influenza (gripe), pneumonia e das doenças crônicas das vias aéreas superiores. Os homens apresentam, como principal causa de morte, as doenças crônicas, seguida pelas outras doenças, e as mulheres são mais acometidas pelas outras doenças, a influenza (gripe) e pneumonia.

A mortalidade infantil no Município de Niterói apresentou uma clara tendência de queda, no período de 1979 a 1995, passando de 50,8 para 19,35 por mil nascidos vivos.

Os componentes neonatal (equivalentes aos vinte e sete primeiros dias) e pós-neonatal (a partir do vigésimo oitavo até onze meses e vinte e nove dias) apresentaram tendência à diminuição, sendo esta mais acentuada neste último (de 28,66 para 5,95 por mil nascidos vivos). É importante notar que, a partir de 1985, o componente pós-neonatal passa a um patamar inferior ao do componente neonatal, o que segue um padrão observado em países desenvolvidos, embora nestes, as taxas apresentem-se mais baixas.

A principal causa de óbito infantil são as perinatais, que apresentaram discreta tendência à queda (de 15,81 em 1979, para 12,15 por mil nascidos vivos em 1995). No início dessa série, as doenças infecto-parasitárias e as respiratórias ocupavam o segundo e terceiro lugares, respectivamente (14,07 e 9,89 por mil nascidos vivos), apresentando, então, forte queda, sendo inclusive ultrapassadas pelas causas congênitas, no final do período.

Na faixa de 1 a 4 anos, apresentam-se em destaque como causas de morte, em ambos os sexos, as doenças infecto-parasitárias (Capítulo I), e as doenças do aparelho respiratório (Capítulo VIII), com forte tendência decrescente. No sexo masculino, as causas externas (Capítulo XVII), já começam a tomar posição de destaque.

A faixa seguinte (5 a 9 anos), em geral, apresenta número bastante reduzido de óbitos. Destacam-se, em ambos os sexos, as causas externas, porém de forma mais proeminente no sexo masculino.

Nas faixas de 10 a 14, 15 a 19 e 20 a 29 anos, destacam-se, em ambos os sexos, as causas externas, especialmente no sexo masculino, onde apresentam tendência mais acentuada ao aumento.

Dos 30 aos 39 anos, no sexo masculino, as causas externas continuam a predominar, aparecendo as doenças do aparelho cardio-circulatório em segundo lugar até 1989, quando são substituídas pelas causas do Capítulo III. Além disso, a partir de 1990, registra-se visível aumento das causas mal definidas (Capítulo XVI). No sexo feminino, a principal causa é o grupo das doenças cardio-circulatórias, com tendência decrescente. Sua magnitude, entretanto, é da ordem de metade dos coeficientes do sexo masculino. Em segundo lugar, revezam-se as causas externas e as neoplasias (Capítulo II).

Dos 40 aos 49 anos, em ambos os sexos predominam os óbitos cardio-circulatórios. Nos homens, entretanto, observa-se tendência decrescente desse grupo, concomitante à tendência ascendente das causas externas. As neoplasias também decrescem.

Na próxima faixa (50 a 59 anos), em ambos os sexos predominam as causas cardio-circulatórias e as neoplasias, sendo que a diferença entre ambas é mais acentuada no sexo masculino. A partir de 1990, neste sexo, ocorre uma diminuição das causas cardiovasculares. Além disso, ascendem discretamente as causas do Capítulo III.

Na penúltima faixa analisada (60 a 69 anos), decrescem, em ambos os sexos, as causas cardio-circulatórias. As neoplasias são a segunda causa, com tendência estacionária no período.

A partir dos setenta anos, apresentam-se em declínio as causas cardio-circulatórias, ainda que sejam a primeira causa de óbito. As doenças do aparelho respiratório estão em segundo lugar, seguidas, com coeficientes bastante próximos, das neoplasias. As causas mal definidas ascendem, também, a partir de 1990.

A análise da série histórica para os capítulos da CID-9/CID-10 evidencia que as principais alterações percebidas a partir de 1996 estão relacionadas aos capítulos I e III.

O Capítulo I, com clara tendência ao declínio desde 1979, apresenta um salto no coeficiente de mortalidade de 23,75 em 1995, para 50,14 por 100 mil habitantes em 1996.

A magnitude do aumento foi semelhante para ambos os sexos (cerca de 110%), mas o sexo masculino parte de um patamar mais elevado. Justifica-se este fato pela reclassificação da AIDS para este capítulo.

Os coeficientes brutos e padronizados de mortalidade por AIDS apresentam configurações gráficas semelhantes, porém em patamares distintos (menores para os padronizados). As tendências são de aumento para ambos os sexos e totais até 1995, onde é atingido um pico (44,02/100 mil, bruto para os homens), seguido de um decréscimo até 1997 (33,62/100 mil, idem) (Figura 3).

 

 

Um aspecto, porém, deve ser destacado: o discreto e progressivo aumento encontrado no capítulo das doenças do aparelho circulatório entre 1981 e 1990 não se confirma com a padronização por faixas etárias, e o declínio, a partir de então, torna-se mais intenso.

Para os homens isto é bastante significativo, pois neste caso, as causas externas estão bastante próximas das doenças do aparelho circulatório em 1997 (276,77 para doenças do aparelho circulatório e 258,87 por 100 mil habitantes para causas externas). Além disso, as neoplasias que apresentavam tendência ascendente para todas as categorias, passam a exibir um padrão de estabilidade, após a padronização.

O coeficiente de mortalidade específico por doenças cerebrovasculares apresenta discretas flutuações para a população geral e para ambos os sexos, ao longo do período, configurando uma linha sem inclinação. Porém, quando padronizado para ambos os sexos e em geral, o que se observa é um claro declínio da mortalidade (72,92 por 100 mil em 1979, para 55,47 por 100 mil em 1997) a partir da metade da década de 80.

Confrontando-se o coeficiente específico de mortalidade por doença isquêmica do coração com o coeficiente padronizado, observa-se mais uma vez a influência do envelhecimento da população sobre esse coeficiente. Assim, as regiões das curvas não padronizadas que apresentavam elevação, estabilidade e declínio, passam a apresentar, respectivamente, estabilidade, declínio e declínio mais acentuado após a padronização. Para o total, o coeficiente padronizado cai cerca de 40%, passando de 105,52/100 mil em 1979, para 66,21/100 mil em 1997 (Figura 4).

 

 

A característica mais marcante dos coeficientes de mortalidade específicos por acidentes de transporte diz respeito ao padrão oscilante que eles apresentam no período, tanto os brutos quanto os padronizados. Há uma discreta tendência a aumento por parte dos homens, mas que se torna menos acentuada após a padronização, chegando a 44,52/100 mil (bruta) e 41,56/100 mil (padronizada) em 1997.

Os coeficientes de mortalidade específicos por homicídios apresentam um forte aumento a partir do início da década de 80, para o sexo masculino (26,10 por 100 mil habitantes em 1983, para 142,07 por 100 mil habitantes em 1997), com conseqüente aumento para o total da população (13,37/100 mil em 1983, para 72,69/100 mil em 1997). O mesmo não se observa para o sexo feminino, que apresenta um pequeno aumento a partir do início da década de 90 (3,52/100 mil em 1989, para 11,66/100 mil em 1997).

Quando observamos os coeficientes padronizados, repetem-se os padrões descritos acima, com um discreto aumento de patamar, chegando os homens em 1997 a 150,76/100 mil (Figura 5). Isto é justificado pelo fato da população acometida por este agravo pertencer às camadas jovens.

 

 

Este acentuado incremento na mortalidade para os homens começa a ser observado a partir da faixa etária dos 15 a 19 anos (cujo coeficiente atinge 359,48/100 mil em 1997), atinge seu pico na faixa de 20 a 29 (372,50/100 mil em 1997) e mantém o padrão, embora atenuado, até a faixa de 50 a 59 anos.

 

Considerações finais

Os indicadores demográficos permitem concluir que a evolução da população de Niterói no período estudado mostra, a partir de 1980, declínio na sua velocidade de crescimento, com alterações significativas na sua estrutura etária.

Assim, com a diminuição da natalidade, o aumento da expectativa de vida e o conseqüente envelhecimento da população, em geral, Niterói encaminha-se para uma população do tipo estacionária, apresentando características mais avançadas, em termos de padrões demográficos, do que o Estado do Rio de Janeiro e o Brasil (Guedes & Guedes, 1988; Laurenti et al., 1985; OPS, 1990).

Em relação às causas de morte, observa-se, no decorrer da série temporal estudada, que as doenças do aparelho cárdio-circulatório (Capítulos VII/CID-9 e IX/CID-10), apesar de permanecerem como principal causa, mostram um declínio a partir da década de 90, para ambos os sexos.

Como hipóteses para explicar esse declínio, que se aplica tanto para o capítulo como um todo quanto para os agravos destacados (doença isquêmica do coração e doenças cerebrovasculares), pode-se pensar na efetiva diminuição dos óbitos por estas causas em virtude da crescente mortalidade por outras (por exemplo, causas externas, AIDS) ou pelo aumento da oferta de tecnologias específicas para as doenças desta natureza.

Não é possível inferir, entretanto, que a morbidade esteja diminuindo, mas a letalidade pode estar sendo atenuada e a mortalidade desviada para outras causas.

As doenças infecto-parasitárias apresentavam, no início da série, tendência geral de declínio, porém observou-se acentuado aumento a partir de 1996. Este salto repentino deve-se à mudança de classificação das doenças (CID-9/ CID-10). Reportando-se ao comportamento observado em relação à AIDS, esta ascensão teria sido mais precoce e gradual caso esta doença tivesse sido classificada neste capítulo desde o início da epidemia.

O decréscimo das doenças infecciosas, por sua vez, pode ter sido devido a uma conjunção de fatores, entre eles, a implementação da Terapia de Reidratação Oral (TRO), o aumento acentuado das coberturas alcançadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), a implantação do Sistema de Vigilância Nutricional (SISVAN), a expansão do saneamento básico em algumas áreas, o controle mais efetivo de algumas doenças endêmicas, entre outros (OPS, 1990; Paim & Costa, 1988).

As tendências observadas ocorrem, em média, na população como um todo. Se as distribuíssemos entre os vários estratos sociais da população, provavelmente observar-se-iam "saldos" diferentes de pessoas expostas a certos riscos. Por exemplo, pode-se supor que as crianças que têm deixado de morrer por diarréia estão entre os grupos mais sujeitos a morrer, em outras faixas etárias, por causas externas.

Esse conjunto de dados apresentados pretendeu retratar como a mortalidade vem acontecendo no Município de Niterói como um todo. O perfil dos óbitos, entretanto, deverá ser diferente caso estes sejam distribuídos em áreas menores – as microáreas. Essas microáreas podem caracterizar condições de vida diferentes e, portanto, riscos diferenciados de mortes segundo causas.

Esta é, portanto, uma indicação para desenvolvimento, em etapas posteriores, de novos estudos, aos quais deverão ser incorporadas novas variáveis, que possibilitarão um olhar mais próximo da associação entre mortalidade e condições de vida.

 

Agradecimentos

Ao Ministério da Saúde pelo financiamento parcial da pesquisa e ao Prof. Sylvio Rodrigues Torres Filho, coordenador do Observatório de Saúde da Fundação Municipal de Saúde de Niterói, pelo apoio institucional.

 

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Recebido em 11 de janeiro de 2002
Versão final reapresentada em 8 de outubro de 2002
Aprovado em 30 de junho de 2003

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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