EDITORIAL
A ciência brasileira vai bem. E a tecnologia?
Uma percepção notória, que se confirma com os dados sobre ciência e tecnologia (C&T) no Brasil, é que a ciência vai bem, mas o desenvolvimento tecnológico ainda fica muito a dever ao padrão científico que alcançamos.
De fato, o número de doutores se expandiu admiravelmente desde a década de 90, assim como o número e a qualidade da nossa pós-graduação, destacando-se a área da saúde. Mesmo os orçamentos globais e mais tradicionais para o fomento à C&T melhoraram; o Ministério da Saúde entrou de fato no jogo no Governo Lula, destinando e executando um expressivo orçamento para C&T em saúde, mediante chamadas de editais e programas (http://www.saude.gov.br/sctie/decit/index.htm). As estatísticas da CAPES, do CNPq e FINEP, que contam as boas novidades na ciência brasileira, estão disponíveis e facilmente acessíveis, razão pela qual seria exaustivo e desnecessário repeti-las neste curto espaço.
No caso específico da saúde, tivemos a realização da I Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, realizada em julho de 2004, em Brasília (relatório no site do Ministério da Saúde). Por sua vez, o Governo Federal lançou, em maio de 2004, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (http://www.desenvolvimento. gov.br/arquivo/ascom/apresentacoes/Diretrizes.pdf), a ser implementada por diversos atores do setor público federal (ministérios, BNDES, FINEP e outros), tendo a área de insumos em saúde (fármacos) prioridade em financiamentos, seja para o desenvolvimento industrial, seja para a fomentação de inovações, a serem construídas em parcerias entre instituições de pesquisa e empresas. Para tanto, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei de Inovação (Lei 10.973, de 02/Dez/2004), que favorece de várias formas essa interação.
Por outro lado, ainda no campo da saúde, a desanimadora realidade quanto à tecnologia também é verdade, seja quando analisamos os chamados insumos em saúde (vacinas, medicamentos, kits e reativos para diagnóstico, equipamentos, material e procedimentos médico-cirúrgicos etc.), seja quando examinamos C&T nos campos da saúde pública e da clínica.
De fato, no transcorrer de todo o século XX, não tivemos uma única vacina ou fármaco desenvolvidos no Brasil, somente um punhado de recursos para diagnóstico. Nessa área, nossa indústria importa, maquia ou copia. Nossas universidades e institutos pesquisam e ensinam (muitas vezes, muito bem; outras, nem tanto), mas pouco produzem inovações que cheguem de fato aos serviços de saúde.
No campo da saúde pública e da clínica, em que as fronteiras entre conhecimento e aplicação não são muito nítidas, as contribuições também não foram de monta, exceto em alguns momentos da formulação da política de saúde, por exemplo na década de 80, quando foi construída a proposta do SUS. Mas a academia está longe de fazer chegar sua melhor contribuição aos serviços de saúde também nesses dois grandes campos da pesquisa em saúde.
O que fazer, então? Além de aproveitar elementos do bom momento que vive a ciência brasileira, nas diversas dimensões supracitadas, entendo que as próprias instituições acadêmicas devem buscar de forma ativa uma profunda mudança nas suas relações e inserções com o sistema de saúde. Aqui na FIOCRUZ, por exemplo, criamos dois grandes programas de desenvolvimento tecnológico, um de insumos para a saúde (PDTIS) e outro para os campos da saúde pública e da clínica (PDTSP). Com eles, queremos a instituição como protagonista da formulação e implementação de políticas de saúde, do desenvolvimento de ferramentas para o sistema de saúde, da geração de protocolos assistenciais e gerenciais para o SUS e de inovações em vacinas, medicamentos e recursos diagnósticos. Tudo isso com um fomento dirigido confiável, com qualidade e com avaliação de resultados, para que, tendo como base as melhores evidências científicas, possamos, efetivamente, contribuir para o progresso nas condições de vida e saúde e para a melhoria do nosso sistema de saúde.
Paulo M. Buss
Presidente da Fundação Oswaldo Cruz.