RESENHAS BOOK REVIEWS
Zulmira M. de Araújo Hartz
Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal. zhartz@ihmt.pt
PESQUISA EM SAÚDE COLETIVA: FRONTEIRAS, OBJETOS E MÉTODOS. Hortale VA, Moreira COF, Bodstein RCA, Ramos CL, organizadores. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2010. 238 p.
ISBN: 978-85-7541-200-8
Ao aceitar o convite para fazer a resenha deste livro, não me dei conta do desafio que representava sumarizar, em 1.200 palavras, a contribuição de 18 coautores em 11 capítulos que, como bem destaca Cecília Minayo, lapidaram a saúde coletiva como uma joia, baseados nas práticas reflexivas de suas vivências acadêmicas. Dela também aproveito a recomendação para que se detenham na abertura da obra em que, através de questionamentos idênticos mas independentes, Maria Andréa Loyola e Maurício Barreto abordam a perspectiva das ciências sociais e do projeto político brasileiro que conferem especificidade à "saúde coletiva". Renovando a multidisciplinaridade tradicional da "saúde pública", ela evoca, na sua construção, não apenas a análise da saúde de uma coletividade, mas sua própria contribuição para se entender a saúde como estado e objeto de estudo.
Apesar dessa distinção, os organizadores do livro assumem, na sua apresentação, que os termos serão tratados como sinônimos, "sem a preocupação de uma definição que poderia empobrecer a discussão trazida pelos autores". Assim, no 1º capítulo - Saúde Pública Hoje -, Paulo Buss resgata as funções incontornáveis da saúde pública enquanto intervenção, lembrando que à "produção social da saúde" corresponde uma "produção social do cuidado", as teorias e políticas sociais juntando-se na "saúde pública contemporânea".
A relevância da indagação de Ana Maria Canesqui - quais as diferenças, possibilidades e limites da (inter)(pluri)(trans)disciplinaridade, no 2º capítulo - Ciências Sociais e Humanas: Interdisciplinaridade no Campo da Saúde Coletiva -, me fez optar por fazer o percurso desta síntese, considerando os limites do espaço editorial, através de uma seleção pessoal das "questões-chave" levantadas nas três partes do livro. No entanto, deixarei ao leitor o prazer de descobrir as pistas de resposta colocadas pelos autores, para esta e muitas outras dúvidas que todos partilhamos. Elas serão facilitadas por um "resumo dos pontos principais", disponível ao final da maioria dos capítulos.
Em Pensamento Complexo e Saúde Pública (capítulo 3, de Roland Schramm), o autor nos interpela com uma série de perguntas, que não ousaria hierarquizar em sua importância, mas destacaria duas que me parecem incontornáveis, ao tentar englobar os sentidos de realidade e possibilidade, como requisitos para sua compreensão: quais são as condições para que se possa definir a complexidade? Como ela pode servir para abordar os problemas sanitários?
No último capítulo da primeira parte - A Saúde Coletiva como Prática Científica: A Institucionalização do Campo em Publicações, Teses e Dissertações -, Everardo Nunes, Willer Marcondes e Cristiane Cabral fazem uma revisão sistemática dos temas apresentados, entendidos como referências que conformam o campo da saúde coletiva. "Contudo, como abordar esses temas em sua complexa dimensão interdisciplinar sem recair em tecnicismos ou ecletismos?". Aproveito para provocá-los com uma pergunta que não quer calar: Por que a avaliação em saúde só aparece nas tecnologias e no impacto ambiental?
A segunda seção do livro - A Pesquisa em Saúde Coletiva: A Diversidade das Práticas -, se inicia com o capítulo Desenvolvimento da Pesquisa Epidemiológica em Saúde Pública: Sugestões Baseadas na Experiência. Nele, Maria do Carmo Leal e Sonia Bittencourt se questionam sobre "Quais são as maiores preocupações que se deve ter ao realizar uma pesquisa epidemiológica de qualidade?". As autoras dão recomendações para todas as etapas da montagem de uma pesquisa, que certamente minimizarão erros nos estudos originais e uso das bases de dados.
Na sequência, Regina Bodstein nos mostra, em Teoria Social e o Campo da Saúde Coletiva, como as questões de saúde e sociais são inseparáveis. Discutindo as principais controvérsias dos clássicos e contemporâneos da sociologia, ajuda-nos a compreender "Que problemas permeiam a diversidade de paradigmas nas ciências sociais? Qual é a grande novidade da perspectiva construtivista?".
Passando da teoria à prática, no Projeto de Pesquisa Social em Saúde: A Focalização do Tema, Indagações e Perspectivas de Análise, Célia Leitão e Willer Marcondes trazem a experiência do ensino de metodologia da investigação qualitativa, onde as perguntas dos projetos dos alunos servem de fio condutor para os exercícios. Em oposição à distância crítica, cultivam a idéia de "proximidade crítica" para que o ardor das utopias que os conduziram à saúde pública conviva com o rigor científico. A questão permanente sendo: como abordar a dimensão subjetiva dos fenômenos da pesquisa social em saúde, lidando com o senso comum e uma postura científica?
A última seção, normalmente ausente nos livros que se limitam aos aspectos metodológicos dos estudos, é dedicada à divulgação da produção científica, iniciando-se pelos Relatórios de Projetos de Pesquisa (Silvana Gama, Inês Mattos, Virginia Hortale e Carlos Moreira). Embora tratados na particularidade dos estudos com abordagens quantitativas e qualitativas, uma questão comum deve ser respondida: qual o papel da linguagem e a audiência a que se destinam?
Dissertações e Teses em Saúde Pública: Algumas Reflexões é o título do capítulo em que Carlos Moreira, Rafael Arouca e Virginia Hortale questionam "O que caracteriza a boa redação de um texto científico?". A pesquisa científica é tratada na lógica de Bourdieu como um ofício em que o orientador, como um treinador esportivo, introduz o orientando no "jogo científico", mas lembrando Umberto Eco para quem, fazer uma tese, também significa divertir-se.
O capítulo 10 - A Publicação Científica -, de Mário Vettore e Carlos Coimbra Jr., traz uma revisão dos periódicos de saúde pública alertando, como no caso dos relatórios vistos anteriormente, para a necessidade de se conhecer a audiência das revistas onde se pretende publicar, mas também o processo editorial de avaliação e os requisitos mínimos para a publicação. Por último, Reinaldo Souza-Santos nos faz visitar em sua Busca e Uso de Fontes Bibliográficas as principais bases de dados existentes relacionadas à saúde coletiva no âmbito nacional e internacional, facilitando-nos as tarefas de decidir: Que base utilizar? Como buscar? Que tipo de literatura usar?
Concluindo. O livro supera os limites dos manuais de metodologia da pesquisa para compartilhar com o leitor as particularidades e dificuldades dos objetos e trajetos entre fronteiras, que nos fazem sentir muitas vezes, na prática de investigadores, como passageiros de visto vencido em nossos passaportes, face à velocidade e à complexidade do conhecimento. Ele corresponde amplamente à preocupação dos autores de produzir uma obra coletiva que pudesse dar respostas às necessidades de orientadores, estudantes e à formação permanente dos pesquisadores deste campo. Além disso, é uma gratificante leitura a todos que redescobrem continuamente, no prazer da construção e reprodução dos novos conhecimentos, o frescor de um vinho verde e a maciez precoce de um vinho alentejano. Um livro "a degustar", no Brasil e todo mundo lusófono da saúde.