O manejo da obesidade na atenção primária à saúde no Brasil é adequado?

Mariana Souza Lopes Patrícia Pinheiro de Freitas Maria Cecília Ramos de Carvalho Nathália Luíza Ferreira Mariana Carvalho de Menezes Aline Cristine Souza Lopes Sobre os autores

Resumo:

O estudo tem como objetivo descrever a adequação das unidades básicas de saúde (UBS) em relação à estrutura e ao processo de trabalho relacionados ao manejo da obesidade, além de avaliar a satisfação dos/as usuários/as com os serviços de saúde. Este estudo transversal foi realizado utilizando dados do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ) 2013-2014, uma iniciativa nacional para avaliar o desempenho das equipes de saúde. A coleta de dados ocorreu em 2013 e 2014 através de entrevistas com equipes e usuários/as dos serviços saúde. Todos os indicadores de adequação para o cuidado da obesidade foram criados no âmbito do artigo, com base nos dados do PMAQ. Foram avaliadas 24.055 UBS em 4.845 municípios, além de dados de 114.615 usuários/as. Apenas 7,6% das UBS analisadas tinham estrutura adequada para o tratamento da obesidade. O acesso adequado foi observado em 26,6%, e a organização adequada dos serviços foi encontrada para 27,8% das UBS. Os cuidados de saúde foram classificados como “bons” ou “muito bons” por 82,4% dos usuários/as. Esses indicadores variaram por região geográfica, com melhores resultados para as regiões Sul e Sudeste. Os resultados sugerem que, possivelmente, o país ainda está na fase inicial de sistematização dos cuidados com a obesidade, com significativas disparidades entre as regiões.

Palavras-chave:
Obesidade; Atenção Primária à Saúde; Qualidade da Assistência à Saúde

Introdução

A obesidade é um problema mundial. Estima-se que mais de 600 milhões de adultos apresentem obesidade 11. The GBD 2015 Obesity Collaborators. Health effects of overweight and obesity in 195 countries over 25 years. N Engl J Med 2017; 377:13-27.. No Brasil, as prevalências de obesidade aumentaram mais de 60% entre 2006 e 2018, passando de 11,8% para 19,8% 22. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2018: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2018. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.. Para além das suas consequências para a saúde, a obesidade tem um grande impacto econômico para os indivíduos, as famílias, os países e os sistemas de saúde 11. The GBD 2015 Obesity Collaborators. Health effects of overweight and obesity in 195 countries over 25 years. N Engl J Med 2017; 377:13-27.,33. González-Muniesa P, Mártinez-González MA, Hu FB, Després JP, Matsuzawa Y, Loos RJF, et al. Obesity. Nat Rev Dis Primers 2017; 3:1-18..

Vários países ao redor do mundo apresentam recomendações com alto nível de evidência a respeito da assistência terapêutica aos indivíduos com sobrepeso e obesidade. Um estudo 44. Reis EC, Passos SRL, Santos MAB. Quality assessment of clinical guidelines for the treatment of obesity in adults: application of the AGREE II instrument. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00050517. teve como objetivo escrever e avaliar a qualidade das diretrizes clínicas para o tratamento de obesidade em adultos em diferentes países. Identificou 20 diretrizes: nove da Europa, seis da América do Norte, três da América Latina, uma da Ásia e uma da Oceania 44. Reis EC, Passos SRL, Santos MAB. Quality assessment of clinical guidelines for the treatment of obesity in adults: application of the AGREE II instrument. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00050517.. No entanto, a prática adequada de terapias nutricionais em serviços de atenção primária e de média complexidade que conduzam a resultados satisfatórios continua sendo incipiente em diferentes países e contextos. 55. Menezes MC, Duarte CK, Costa DVP, Lopes MS, Freitas PP, Campos SF, et al. A systematic review of effects, potentialities, and limitations of nutritional interventions aimed at managing obesity in primary and secondary health care. Nutrition 2020; 75-76:110784..

No Brasil, do ponto de vista do sistema de saúde e de suas diretrizes, as unidades básicas de saúde (UBS) são espaços fundamentais para enfrentar os desafios dos cuidados com a obesidade. A abordagem da atenção primária à saúde (APS) relativa à obesidade deve incluir (mas não se limitar) a promoção da saúde, a vigilância alimentar e nutricional, a educação em saúde e os cuidados médicos e interdisciplinares 66. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: obesidade. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.,77. Beaglehole R, Epping-Jordan J, Patel V, Chopra M, Ebrahin S, et al. Improving the prevention and management of chronic disease in low-income and middle-income countries: a priority for primary health care. Lancet 2008; 372:940-9.. O cuidado com a obesidade nas UBS brasileiras é um desafio e requer ações intersetoriais, que devem ser continuamente realizadas por equipes multidisciplinares 66. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: obesidade. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.. Uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados baseados em intervenções nutricionais para o controle de peso entre indivíduos com obesidade atendidos em serviços de saúde dos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Nova Zelândia, México e Austrália relatou um cenário igualmente desafiador 55. Menezes MC, Duarte CK, Costa DVP, Lopes MS, Freitas PP, Campos SF, et al. A systematic review of effects, potentialities, and limitations of nutritional interventions aimed at managing obesity in primary and secondary health care. Nutrition 2020; 75-76:110784..

As UBS são portas de entrada preferenciais do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro e devem coordenar os cuidados de saúde prestados. Nesse cenário o cuidado é centrado principalmente na Estratégia Saúde da Família (ESF). Esta estratégia se baseia na atuação de uma equipe (médico/a, enfermeiro/a, técnico/a de enfermagem e agentes comunitários de saúde) que fornece vigilância à saúde, promoção da saúde, prevenção de doenças, cuidados contínuos para indivíduos, famílias e comunidades, e integração com os serviços de média e alta complexidade 88. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet 2011; 377:1778-97.. As equipes recebem apoio matricial e educação permanente de equipes multidisciplinares que configuram a Equipe do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Primária (eNASF-AP) e de serviços de promoção da saúde chamados Programa Academia da Saúde 99. Carvalho MN, Gil CRR, Costa EMOD, Sakai MH, Leite SN. Needs and dynamics of the primary healthcare workforce in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:295-302.,1010. Fernandes AP, Andrade ACS, Costa DADS, Dias MAS, Malta DC, Caiaffa WT. Health Academies Program and the promotion of physical activity in the city: the experience of Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:3903-14.. As Academias da Saúde são espaços públicos de promoção da saúde que ofertam prática regular e gratuita de exercícios físicos, promoção da alimentação adequada e saudável e outras atividades de educação em saúde 1111. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.681, de 7 de novembro de 2013. Redefine o Programa Academia da Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2013; 7 nov..

A avaliação da qualidade do cuidado na APS é importante para melhorar os cuidados oferecidos, incluindo aqueles relacionados à obesidade, uma vez que favorece a identificação e a abordagem adequada de eventuais desafios, além do potencial de contribuir para a expansão de programas e projetos de sucesso 1212. Souza MF, Santos AF, Reis IA, Santos MAC, Jorge AO, Machado ATGM, et al. Coordenação do cuidado no PMAQ-AB: uma análise baseada na Teoria de Resposta ao Item. Rev Saúde Pública 2017; 51:87.. Em 2011, o Ministério da Saúde do Brasil propôs um programa nacional de avaliação chamado Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ). Este programa foi uma iniciativa voluntária de pay-for-performance na qual as UBS e equipes de atenção primária participantes foram avaliadas de acordo com a estrutura, processo de trabalho e resultados. Equipes e serviços com resultados favoráveis receberam incentivos financeiros, enquanto aqueles com desempenho pouco satisfatório se comprometeram a realizar melhorias e eram reavaliados 1313. Macinko J, Harris MJ, Rocha MG. Brazil's National Program for Improving Primary Care Access and Quality (PMAQ) fulfilling the potential of the world's largest payment for performance system in primary care. J Ambul Care Manage 2017; 40:4-11..

O PMAQ buscava gerar melhorias na qualidade da assistência por meio da qualificação, monitoramento e avaliação dos serviços de saúde. Embora diversos estudos tenham abordado os resultados do programa quanto ao acesso à APS e à satisfação do/a usuário/a, os dados sobre a qualidade do manejo da obesidade ainda são escassos 1414. Fausto MCR, Bousquat A, Lima JG, Giovanella L, Almeida PF, Mendonça MHM, et al. Evaluation of Brazilian primary health care from the perspective of the users accessible, continuous, and acceptable? J Ambul Care Manage 2017; 40:60-70.,1515. Neves M, Giordani JMA, Ferla A, Hugo FN. Primary care dentistry in Brazil from prevention to comprehensive care. J Ambul Care Manage 2017; 40:35-48.,1616. Tomasi E, Cesar MADC, Neves RG, Schmidt PRC, Thumé E, Silveira DS, et al. Diabetes care in Brazil: Program to Improve Primary Care Access and Quality-PMAQ. J Ambul Care Manage 2017; 40:12-23.,1717. Medina MG, Aquino R, Vilasbôas ALQ, Mota E, Pinto Júnior EP, Luz LA, et al. Promoção da saúde e prevenção de doenças crônicas: o que fazem as equipes de saúde da família? Saúde Debate 2014; 38:69-82..

Métodos

Delineamento do estudo e PMAQ

Este estudo descritivo examinou dados do segundo ciclo do PMAQ (2013-2014) conduzido em UBS brasileiras.

Os instrumentos de avaliação do PMAQ considerados incluíram: (i) observação na UBS; (ii) entrevista com o profissional da equipe de atenção básica e verificação de documentos na unidade de saúde; (iii) entrevista com usuário/a na UBS. Detalhes sobre o PMAQ e a sua metodologia podem ser consultados em: https://aps.saude.gov.br/ape/pmaq.

Amostragem e coleta de dados

A coleta de dados ocorreu em 2013-2014 através de entrevistas com profissionais de saúde da unidade e quatro usuários por equipe.

Os usuários/as foram caracterizados de acordo com: sexo (masculino, feminino); idade (anos); cor da pele de acordo com a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (branca, preta, parda, amarela/indígena); escolaridade (analfabeto/Ensino Fundamental incompleto, Ensino Fundamental completo/Ensino Médio incompleto, Ensino Médio completo/Ensino Superior incompleto, Ensino Superior completo); renda per capita mensal (< 1 salário mínimo, 1-3 salários mínimos, 4-6 salários mínimos, 7-9 salários mínimos, ≥ 10 salários mínimos) e a de presença hipertensão arterial e diabetes mellitus (autorrelatadas) e região geográfica (Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul).

Organização dos dados

A análise foi realizada com base no arcabouço conceitual proposto por Donabedian 1818. Donabedian A. Evaluating the quality of medical care. Milbank Q 2005; 83:691-729..

A fim de avaliar a estrutura da APS e o processo de trabalho para a cuidado da obesidade, três indicadores foram criados: (i) estrutura adequada de equipamentos, recursos humanos e instalações para o cuidado da obesidade; (ii) acesso adequado - disponibilidade de ações coletivas e individuais em saúde; e (iii) organização e gestão adequada dos serviços - sistematização de procedimentos, uso adequado de registros médicos, apoio matricial e educação permanente.

Além disso, avaliou-se a satisfação dos usuários/as com os serviços. Os indicadores são apresentados na Figura 1 e as perguntas do instrumento são apresentadas no Material Suplementar (http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00051620-port-ii_3928.pdf). Todos os indicadores do artigo tiveram como base os dados do PMAQ.

Figura 1
Fluxograma da estrutura e processo de trabalho.

O primeiro indicador abordou os componentes da estrutura que são considerados essenciais para o manejo da obesidade. Tendo em vista que o diagnóstico nutricional da obesidade é realizado a partir do índice de massa corporal (IMC) e, portanto, com base nas medidas de altura e peso, a presença mínima combinada de antropômetro, balança de 200kg e equipe ampliada foi considerada estrutura adequada. Além disso, a literatura aponta a abordagem interprofissional como indispensável para o sucesso do tratamento 55. Menezes MC, Duarte CK, Costa DVP, Lopes MS, Freitas PP, Campos SF, et al. A systematic review of effects, potentialities, and limitations of nutritional interventions aimed at managing obesity in primary and secondary health care. Nutrition 2020; 75-76:110784.. As informações sobre estrutura foram obtidas no Módulo I do instrumento de coleta de dados (Figura 1 e Material Suplementar: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00051620-port-ii_3928.pdf).

O segundo indicador estava relacionado ao processo de trabalho e abordava os componentes essenciais do acesso adequado aos cuidados da obesidade. A presença mínima e combinada de avaliação nutricional, atividade de educação coletivas de saúde e ao agendamento de consulta para usuários/as com obesidade foram considerados como acesso adequado. Quanto a o terceiro indicador, a presença mínima e combinada de registros de usuários/as com obesidade, apoio matricial da eNASF-AP, e conduta definida para o manejo da obesidade foi considerada como adequada organização e gestão de serviços. Todos estes aspectos são indicados nos materiais de apoio ao cuidado do indivíduo com obesidade no país 66. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: obesidade. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.,1919. Ministério da Saúde. Perspectivas e desafios no cuidado às pessoas com obesidade no SUS: resultados do Laboratório de Inovação no manejo da obesidade nas Redes de Atenção à Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.. As informações sobre acesso e organização dos serviços foram obtidas no Módulo I do instrumento de coleta de dados (Figura 1 e Material Suplementar: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00051620-port-ii_3928.pdf).

As informações sobre a satisfação dos usuários/as foram obtidas no Módulo III do instrumento de coleta de dados, a partir da pergunta: “Na sua opinião, o cuidado que o/a senhor/a recebe da equipe de saúde é...”. As respostas foram categorizadas como “muito bom/bom”, “regular” ou “ruim/muito ruim” (Figura 1 e Material Suplementar: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00051620-port-ii_3928.pdf).

Análise estatística

Todas as análises foram realizadas usando o software Stata, versão 14 (https://www.stata.com). Utilizou-se nível de 5% de significância.

Foi realizada uma análise descritiva das variáveis quantitativas utilizando medianas e intervalos de 95% de confiança (IC95%). Distribuições de frequência foram calculadas para variáveis categóricas. Estrutura, acesso e organização de serviços adequados foram descritos de acordo com a região do país. Características sociodemográficas e de saúde foram descritas segundo a satisfação dos/as usuários/as. A comparação dos IC95% foi utilizada para identificar quaisquer diferenças entre as características selecionadas da amostra por região.

Este estudo foi realizado de acordo com as diretrizes estabelecidas na Declaração de Helsinque e todos os procedimentos envolvendo participantes da pesquisa foram aprovados pela Universidade Federal de Pelotas, sob o número 21494013.000.5317. Todos os participantes do estudo deram o seu consentimento informado por escrito antes da coleta de dados.

Resultado

Foram avaliadas 24.065 UBS no Brasil em 4.845 municípios, contando com dados de 114.615 usuários/as da atenção primária.

A maioria dos usuários/as de serviços era mulher (79,6%); 46,1% autorrelataram a cor de pele como parda e 36,6% como branca. Mais da metade da amostra relatou ser analfabeta ou ter Ensino Fundamental incompleto (51,1%) e renda mensal entre 1 e 3 salários mínimos (67,7%). Os participantes concentraram-se nas regiões geográficas do Nordeste e do Sudeste (35,1% e 34,5%, respectivamente). O autorrelato de hipertensão arterial e de diabetes mellitus foi observado entre 37,6% e 13,7% dos/as usuários/as, respectivamente. (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas e de saúde dos/as usuários/as de unidades básicas de saúde (UBS) segundo sua satisfação com os serviços. Brasil, 2013-2014.

Dos sete itens utilizados para avaliar a estrutura, três tiveram prevalência superior a 80%. Entre os itens essenciais, apenas o antropômetro foi encontrado em mais de metade das UBS (88,9%) (Figura 2).

Figura 2
Distribuição dos componentes de estrutura, acesso e organização e gestão dos serviços. Brasil, 2013-2014.

Estrutura adequada (presença combinada dos itens essenciais) foi encontrada em 7,6% das UBS, com maior prevalência nas regiões Sul e Sudeste (14,6% e 14%, respectivamente, p < 0,001) (Figura 3).

Figura 3
Distribuição da adequação de estrutura, acesso e organização e gestão de serviços de acordo por região do país. Brasil, 2013-2014.

Itens essenciais para ao manejo adequado aos cuidados da obesidade (avaliação nutricional, atividades coletivas de educação em saúde e consultas médicas individuais para usuários/as com obesidade) estavam presentes em 64,1%, 57,1% e 46,3% das UBS, respectivamente (Figura 2). Aplicando os critérios do estudo, apenas 26,6% das UBS foram considerados como tendo acesso adequado ao manejo da obesidade, com menor prevalência na Região Norte (18,9%, p < 0,001) (Figura 3).

Itens essenciais para a organização e gestão adequadas dos serviços (registros de usuários/as com obesidade, apoio matricial da eNASF-AP, e conduta definida para o manejo da obesidade) estavam presentes nos 36,4%, 57,6% e 96,9% das UBS, respectivamente (Figura 2). A organização adequada dos serviços foi encontrada em 27,8% das UBS, com maior prevalência no Sudeste e Nordeste (32,8% e 28,2%, respectivamente, p < 0,001) (Figura 3).

Mais de 80% dos usuários/as classificaram os cuidados que receberam como bons ou muito bons (satisfação do/a usuário/a) (Figura 4), com maior prevalência no Sul e no Sudeste. O relatoo de uma qualidade ruim ou muito ruim de atendimento foi significativamente maior no Norte e Nordeste (Figura 4).

Figura 4
Prevalência de satisfação dos usuários/as com os serviços da atenção primária à saúde (intervalo de 95% de confiança) segundo região do país. Brasil, 2013-2014.

Discussão

O manejo da obesidade nas UBS brasileiras suscita preocupações legítimas quanto à estrutura, acesso, organização de serviços e gestão na Região Norte do país. Verificou-se baixa adequação entre itens considerados essenciais para o cuidado da obesidade, como balança de 200kg, equipe estendida (psicólogo/a, profissional de Educação Física e nutricionista) e registros de usuários com obesidade - presentes em menos de 40% das UBS. Este cenário evidencia a necessidade de melhorias para garantir um manejo mais abrangente e efetivo da obesidade na APS.

Garantir o apoio diagnóstico e terapêutico é essencial para que a atenção primária seja mais resolutiva no controle da obesidade. Para tanto, a adequação da infraestrutura dos serviços (balanças, cadeiras, rampas de acesso etc.), a composição e a dimensão das equipes de saúde, a oferta e o acesso às ações e a gestão das demandas e dos fluxos são fundamentais para alcançar melhores resultados em saúde 66. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: obesidade. Brasília: Ministério da Saúde; 2014..

Menos de 8% das UBS tinham uma estrutura adequada, com ênfase para a baixa frequência de equipes estendidas, salas para atividades coletivas e balanças de 200kg. A estrutura física e os materiais tendem a afetar a resolução e abrangência das ações da atenção primária. Considerando que mais de 3/4 da população utiliza exclusivamente o Sistema Único de Saúde (SUS) e que mais de 1 milhão de brasileiros/as têm obesidade grave 2020. Kelles SMB, Diniz MFHS, Machado CJ, Barreto SM. Perfil de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, assistidos pelo Sistema Único de Saúde do Brasil: revisão sistemática. Cad Saúde Pública 2015; 31:1587-601., a falta de estrutura adequada para seu diagnóstico, avaliação e monitoramento pode levar a uma menor qualidade do cuidado, aumento do risco de complicações relacionadas à obesidade e, consequentemente, maiores gastos com o sistema de saúde.

Com a atualização da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) em 2011, o sistema de saúde recebeu apoio financeiro e material para aquisição de equipamentos antropométricos, incluindo balança digital e/ou mecânica de 200kg 2121. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.975, de 14 de dezembro de 2011. Apoiar financeiramente a estruturação da Vigilância Alimentar e Nutricional. Diário Oficial da União 2011; 14 dec.. Para isso, os gestores devem determinar, em conjunto com os profissionais de saúde, os equipamentos necessários para atender a população de seu território. Assim, diante da possibilidade de recursos, é importante compreender quais são as barreiras à aquisição de balanças de 200kg. A hipótese é que haja falhas no diagnóstico das necessidades do território, assim como problemas burocráticos que envolvam a aquisição de equipamentos, que podem desmotivar os gestores. Novas investigações devem ser conduzidas para melhor compreender estas questões.

Além disso, apesar dos avanços consideráveis 2222. Vasconcelos IAL, Sousa MF, Santos LM. Evolução do quantitativo de nutricionistas na Atenção Básica do Brasil: a contribuição dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família e da Estratégia Saúde da Família de 2007 a 2013. Rev Nutr 2015; 28:431-50., a presença de profissionais de psicologia, educação física e nutrição em menos de 1/4 das UBS ainda é insuficiente para atender à crescente demanda imposta pela epidemia de obesidade no país. Assim, este cenário indica que o cuidado com a obesidade na APS ainda é limitado, prejudicando a credibilidade e a consolidação de iniciativas voltadas para a PNAN 1515. Neves M, Giordani JMA, Ferla A, Hugo FN. Primary care dentistry in Brazil from prevention to comprehensive care. J Ambul Care Manage 2017; 40:35-48.,2323. Flores GMS, Weigelt LD, Rezende MS, Telles R, Krug SBF. Gestão pública no SUS: considerações acerca do PMAQ-AB. Saúde Debate 2018; 42:237-47.,2424. Jaime PC, Delmuè DCC, Campello T, Silva DO, Santos LMP. Um olhar sobre a agenda de alimentação e nutrição nos trinta anos do Sistema Único de Saúde. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1829-36.. Este cenário pode agravar-se com o novo modelo de financiamento para a APS, que deixou de incentivar os municípios a manterem as equipes multiprofissionais.

Possivelmente, uma estrutura adequada poderia contribuir para um melhor acesso e gestão dos serviços, incluindo a adequação da avaliação nutricional, ações coletivas e condutas individuais para usuários/as com obesidade, apoio matricial e registro de usuários/as com obesidade, por exemplo. Apesar de o Ministério da Saúde indicar o diagnóstico nutricional como um prioridade 66. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: obesidade. Brasília: Ministério da Saúde; 2014., apenas um pouco mais de um terço das UBS mantém registro dos/as usuários/as com obesidade e de seus referenciamentos para outros serviços da rede de atenção, e realizam agendamentos de acordo com o risco de obesidade. Além disso, cerca de 2/3 das unidades relataram realizar avaliação do estado nutricional. Pondera-se, contudo, que a considerável inadequação dos registros do diagnóstico nutricional e da definição das estratégias de cuidado de acordo com a estratificação de risco podem resultar em baixa efetividade devido à não especificidade quanto às demandas de cada indivíduo.

Estes resultados possivelmente refletem que o país ainda está no início da implantação de uma gestão sistemática da obesidade. Além disso, pode indicar a implementação incipiente da linha de cuidado com sobrepeso e obesidade no país. A Portaria nº 424/2013 redefiniu a linha de cuidados para o sobrepeso e obesidade no sistema de saúde, ressaltando a importância da integralidade da atenção nos diferentes pontos da rede, e da assistência longitudinal e multiprofissional ao identificar indivíduos com obesidade e estratificar seu risco 66. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: obesidade. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.,1111. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.681, de 7 de novembro de 2013. Redefine o Programa Academia da Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2013; 7 nov.. No entanto, é importante salientar que a avaliação destes dados do PMAQ é quase simultânea à criação da linha de cuidados. Considerando as atribuições da APS e a implementação da linha de cuidados. A avaliação contínua é essencial para expandir e melhorar a proposta nacional.

É também importante mencionar que uma equipe especializada e interdisciplinar é necessária para o cuidado qualificado e o sucesso na implementação da linha de cuidado. Essa equipe estará envolvida na estratificação do risco de obesidade e no incentivo o autocuidado dos/as usuários/as. A equipe deve prestar atendimento a indivíduos com comorbidades associadas, e acompanhar aqueles que foram submetidos a procedimentos cirúrgicos relacionados à obesidade, o que favorecerá maior sucesso no tratamento 55. Menezes MC, Duarte CK, Costa DVP, Lopes MS, Freitas PP, Campos SF, et al. A systematic review of effects, potentialities, and limitations of nutritional interventions aimed at managing obesity in primary and secondary health care. Nutrition 2020; 75-76:110784.,2525. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2017; 22 sep.,2626. Nicolau IR, Espirito Santo FH, David FM. Trabalho em equipe: em busca de um cuidado qualificado ao obeso / Teamwork: in searchofqualifiedcare for theobese. Rev Enferm UFPE on line 2017; 11:152-9..

Consequentemente, o desempenho de equipes multiprofissionais na APS é um aspecto essencial para garantir cuidados abrangentes e longitudinais para as pessoas com obesidade. Embora quase todas as equipes tenham relatado a realização de reuniões periódicas, o apoio matricial da eNASF-AP e Programa Academia da Saúde foram menos frequentes. Contar com diferentes profissionais nas UBS pode ser pouco efetivo se as ações não forem baseadas no apoio matricial. O matriciamento é mais complexo do que a mera realização de reuniões de equipe, porque depende de um trabalho de colaboração interprofissional mais profundo, de assistência clínica, de apoio técnico e pedagógico 44. Reis EC, Passos SRL, Santos MAB. Quality assessment of clinical guidelines for the treatment of obesity in adults: application of the AGREE II instrument. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00050517.. Assim, os resultados deste trabalho podem expressar também os desafios do matriciamento ou dificuldade na implementação de projetos terapêuticos compartilhados 2424. Jaime PC, Delmuè DCC, Campello T, Silva DO, Santos LMP. Um olhar sobre a agenda de alimentação e nutrição nos trinta anos do Sistema Único de Saúde. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1829-36.,2727. Fonseca Sobrinho D, Machado ATGM, Lima AMLD, Jorge AO, Reis CMR, Abreu DMX, et al. Compreendendo o apoio matricial e o resultado da certificação de qualidade nas áreas de atenção à criança, mulher, diabetes/hipertensão e saúde mental. Saúde Debate 2014; 38(n. spe):83-93.,2828. Jorge MSB, Sousa FSP, Franco TB. Apoio matricial: dispositivo para resolução de casos clínicos de saúde mental na atenção primária à saúde. Rev Bras Enferm 2013; 66:738-44..

Em geral, o cuidado com os/as usuários/as com obesidade na APS do Brasil ainda é precário, com disparidades significativas entre regiões 1515. Neves M, Giordani JMA, Ferla A, Hugo FN. Primary care dentistry in Brazil from prevention to comprehensive care. J Ambul Care Manage 2017; 40:35-48.. A Região Norte teve a menor prevalência de adequação em relação a todos os indicadores, enquanto o Sudeste teve resultados mais favoráveis, reforçando as desigualdades regionais no país. Outra comparação interessante refere-se ao Nordeste e ao Sul. Historicamente, o Nordeste tem as maiores taxas de cobertura por equipes de APS, enquanto o Sul, além de uma menor cobertura, teve tempo de implementação posterior quando comparado com as outras regiões 2929. Malta DC, Santos MAS, Stopa SR, Vieira JEB, Melo EA, Reis AAC. Family Health Strategy coverage in Brazil, according to the National Health Survey. Ciênc Saúde Colet 2013; 21:327-38.,3030. Secretaria de Políticas de Saúde, Ministério da Saúde; Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia. O Programa de Saúde da Família: evolução de sua implantação no Brasil. Relatório final. Salvador: Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia; 2002.. Esses dados poderiam explicar por que o Nordeste apresenta melhores indicadores de acesso, organização e gestão, embora os níveis de desenvolvimento e estrutura tenham sido significativamente piores.

É importante notar que, apesar das limitações experimentadas pelas UBS e suas equipes para o cuidado adequados à obesidade, pelo menos 3/4 dos/as usuários/as classificaram o cuidado como muito bom ou bom. Semelhante a esses resultados, um estudo nacional revelou que 76,7% dos/as usuários/as estavam satisfeitos com a APS no Brasil. Os principais fatores associados à satisfação do/a usuário/a estavam relacionados com o cuidado humanizado (por exemplo, sentir-se respeitado pelos profissionais de saúde), mas também com a estrutura, processo e condições operacionais das UBS (por exemplo, curta distância de casa, acesso às consultas, e sala com privacidade) 3131. Protásio APL, Gomes LB, Machado LS, Valença AMG. User satisfaction with primary health care by region in Brazil: 1 st cycle of external evaluation from PMAQ-AB. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:1829-44.. A satisfação do/a usuário/a com os serviços da APS fortalece o controle social, o empoderamento e a participação da comunidade, contribuindo, junto a gestores e demais partes interessadas, para a tomada de decisão, além de favorecer o estabelecimento da responsabilidade partilhada quanto aos cuidados em saúde nos processos de planejamento e avaliação. Constitui um elemento efetivamente capaz de ajudar os gestores e as partes interessadas no processo de tomada de decisão e de estabelecer uma responsabilidade partilhada pela produção de cuidados de saúde 3131. Protásio APL, Gomes LB, Machado LS, Valença AMG. User satisfaction with primary health care by region in Brazil: 1 st cycle of external evaluation from PMAQ-AB. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:1829-44..

Limitações do estudo

É necessária cautela na generalização destes resultados. Em primeiro lugar, a adesão à PMAQ foi voluntária, e a participação das UBS e equipes da APS pode não ser aleatória. Com provável tendência de participação das UBS e equipes mais engajadas.

Em segundo lugar, os resultados aqui apresentados são do segundo ciclo do PMAQ. No entanto, os dados do terceiro ciclo não estavam disponíveis no momento dessa análise.

Em terceiro lugar, a amostragem do/a usuário/a não foi aleatória, e o viés de seleção pode ter ocorrido, afetando os resultados. No entanto, os entrevistados eram usuários/as regulares das UBS, considerados representativos do conjunto global de usuários/as do serviço. Além disso, os entrevistados não foram necessariamente os/as usuários/as com obesidade, o que dificulta a avaliação dos cuidados de obesidade na perspectiva dos indivíduos com obesidade.

Finalmente, a interpretação destes resultados deve considerar que o caráter quantitativo das avaliações do PMAQ pode não refletir completamente a complexidade do manejo da obesidade e da APS brasileira. Ademais, os indicadores aqui propostos também não foram validados quantitativamente. No entanto, destacamos que as questões que compõem os indicadores foram desenvolvidas por especialistas e pesquisadores do PMAQ, e sua aplicação foi testada em diferentes ciclos do programa. Além disso, a escolha dos elementos que constituiriam os indicadores foi efetuada com base em revisão da literatura nacional e internacional 66. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: obesidade. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.,1111. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.681, de 7 de novembro de 2013. Redefine o Programa Academia da Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2013; 7 nov.,3232. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO Consultation. Geneva: World Health Organization; 2000. (WHO Technical Report Series, 894).,3333. National Health and Medical Research Council. Clinical practice guidelines for the management of overweight and obesity in adults, adolescents and children in Australia. Sidney: National Health and Medical Research Council; 2013.,3434. Ministério da Saúde. Instrutivo de abordagem coletiva para manejo da obesidade no SUS. Brasília: Ministério da Saúde/Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2021.,3535. Ministério da Saúde. Instrutivo para manejo da obesidade no Sistema Único de Saúde: caderno de atividades educativas Brasília: Ministério da Saúde/Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2021., além das experiências anteriores do grupo de pesquisa. Todos os indicadores foram validados por técnicos do Ministério da Saúde e profissionais da APS.

Vantagens do estudo

Tanto quanto sabemos, este é um dos primeiros estudos a investigar a adequação da estrutura e processos de trabalho da APS brasileira em relação ao manejo da obesidade. Além disso, vale a pena notar a abrangência nacional do estudo e a utilização de instrumentos padronizados, permitindo comparações entre regiões. O PMAQ foi talvez o maior programa de pay-for-performance da APS do mundo e foi além das avaliações externas. Promoveu a auto-avaliação da equipe e a identificação de prioridades do ponto de vista dos/as usuários, o que contribui para a reorientação dos serviços e sua resolutividade. Considerando a crescente prevalência da obesidade, ações destinadas a aumentar a qualidade dos cuidados, como foi o PMAQ, podem contribuir para redução dos impactos sociais e econômicos desta doença.

Sugestões

Ao avaliar o cuidado com a obesidade na APS no Brasil, este estudo identificou aspectos que devem ser melhorados. Variáveis potencialmente importantes que não foram incluídas no segundo ciclo do PMAQ foram: (i) presença de fitas métricas de grande extensão para medir com precisão a circunferência da cintura de usuários/as com obesidade grave; (ii) número de lugares com dimensões adequadas para indivíduos com obesidade, uma vez que uma pessoa com obesidade necessita de ambientes acessíveis e de móveis adequados para sua inclusão social; (iii) pesos e alturas (medidos ou autorreportados) variáveis para o cálculo do IMC e classificação de obesidade. A avaliação do cuidado com a obesidade na perspectiva daqueles com a doença provavelmente será mais precisa.

Os dados do PMAQ têm uma grande importância estratégica por revelar uma visão abrangente do acesso e da qualidade no tratamento da obesidade. No entanto, depois de realizar três ciclos de avaliação até 2018, atingindo cerca de 40 mil equipes de atenção primária, um novo modelo de financiamento para para a APS teve início em janeiro de 2020. O programa Previne Brasil alterou algumas formas de repasse das transferências para os municípios. Nesse modelo, o pagamento por desempenho considera os resultados alcançados em um conjunto de sete indicadores. No entanto, estes indicadores podem não combinar ações específicas para o adequado manejo da obesidade, um dos principais problemas de saúde pública no país. Assim, enfatiza-se que os governos brasileiros ao longo do tempo devem garantir programas de melhoria da qualidade da APS, com o objetivo de melhorar o sistema nacional de saúde.

Conclusões

Os resultados sugerem que o país ainda está na fase inicial da sistematização do manejo adequado da obesidade, com disparidades significativas entre as regiões. Assim, é necessário melhorar a estrutura, o acesso e a organização da APS brasileira para atendimento adequado às pessoas com obesidade. Isto justifica a necessidade de investimento na linha de cuidados, a fim de reverter esta situação.

Agradecimentos

Agradecemos a Olivia Lucena de Medeiros, Raquel de Deus Mendonça, Kelly Alves Magalhães, Mariana Oliveira Martiniano, Lorena Neiva de Oliveira e Mônica Rocha Gonçalves. À Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/Brasil); à Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2020
  • Revisado
    14 Ago 2020
  • Aceito
    26 Ago 2020
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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