Resumos
O objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão de escopo da literatura acerca da associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e desfechos em saúde. A busca foi realizada nas bases PubMed, Web of Science e LILACS. Foram elegíveis os estudos que avaliaram a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados identificados com base na classificação NOVA e os desfechos em saúde. O processo de revisão resultou na seleção de 63 estudos, os quais foram analisados em termos de qualidade com base em ferramenta do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. Os desfechos encontrados incluíram indicadores de obesidade, marcadores de risco metabólico, diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, asma, depressão, fragilidade, doenças gastrointestinais e mortalidade. A evidência foi particularmente consistente para obesidade (ou indicadores relacionados a ela) em adultos, cuja associação com o consumo de ultraprocessados foi demonstrada, com efeito dose-resposta, em estudos transversais com amostras representativas de cinco países, em quatro grandes estudos de coorte e em um ensaio clínico randomizado. Grandes estudos de coorte também encontraram associação significativa entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o risco de doenças cardiovasculares, diabetes e câncer, mesmo após ajuste para obesidade. Dois estudos de coorte demonstraram associação do consumo de alimentos ultraprocessados com depressão e quatro estudos de coorte com mortalidade por todas as causas. Esta revisão sumarizou os resultados de trabalhos que descreveram a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e as diversas doenças crônicas não transmissíveis e seus fatores de risco, o que traz importantes implicações para a saúde pública.
Palavras-chave:
Alimentos Industrializados; Consumo de Alimentos; Doença Crônica; Revisão
El objetivo de este estudio fue realizar una revisión de alcance de la literatura sobre la asociación entre el consumo de alimentos ultraprocesados y los resultados de salud. La búsqueda se realizó en las bases de datos PubMed, Web of Science y LILACS. Fueron elegibles los estudios que evaluaron la asociación entre el consumo de alimentos ultraprocesados identificados según la clasificación NOVA y los resultados de salud. El proceso de revisión resultó en la selección de 63 estudios, cuya calidad se analizó con base en una herramienta delo Instituto Nacional de Salud de Estados Unidos Los resultados encontrados incluyeron indicadores de obesidad, marcadores de riesgo metabólico, diabetes, enfermedad cardiovascular, cáncer, asma, depresión, fragilidad, enfermedad gastrointestinal y mortalidad. La evidencia fue particularmente consistente para la obesidad (o indicadores relacionados con ella) en adultos, cuya asociación con el consumo de alimentos ultraprocesados se demostró, con un efecto dosis-respuesta, en estudios transversales con muestras representativas de cinco países, en cuatro grandes estudios de cohortes y en un ensayo clínico aleatorizado. Grandes estudios de cohortes también encontraron una asociación significativa entre el consumo de alimentos ultraprocesados y el riesgo de enfermedades cardiovasculares, diabetes y cáncer, incluso después de ajustar la obesidad. Dos estudios de cohortes mostraron una asociación entre el consumo de alimentos ultraprocesados y la depresión y cuatro estudios de cohortes con mortalidad por todas las causas. Esta revisión resumió los resultados de estudios que describieron la asociación entre el consumo de alimentos ultraprocesados y las diversas enfermedades crónicas no transmisibles y sus factores de riesgo, lo que tiene importantes implicaciones para la salud pública.
Palabras-clave:
Alimentos Industrializados; Consumo de Alimentos; Enfermedad Crónica; Revisión
Introdução
Alimentos ultraprocessados, como definidos pela classificação NOVA, são formulações industriais de substâncias extraídas ou derivadas de alimentos, que contêm pouco ou nenhum alimento inteiro em sua composição e que são tipicamente adicionadas de flavorizantes, corantes, emulsificantes e outros aditivos que modificam os atributos sensoriais do produto final. Os ingredientes e procedimentos utilizados na fabricação de alimentos ultraprocessados visam criar produtos de baixo custo, hiperpalatáveis e convenientes, com potencial para substituir alimentos in natura ou minimamente processados 11. Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac JC, Louzada ML, Rauber F, et al. Ultra-processed foods: what they are and how to identify them. Public Health Nutr 2019; 22:936-41..
Estatísticas de vendas de alimentos indicam um maior consumo de alimentos ultraprocessados em países de alta renda, mas um crescimento rápido e exponencial em países de renda média. Entre 1998 e 2012, as vendas de snacks e de refrigerantes aumentaram em 50% nos países de renda média/alta e em mais de 100% nos países de renda média/baixa 22. Monteiro CA, Moubarac JC, Cannon G, Ng SW, Popkin B. Ultra-processed products are becoming dominant in the global food system. Obes Rev 2013; 14:21-8.. Inquéritos nacionais mostram que alimentos ultraprocessados já são metade ou mais do total da energia consumida em alguns países de alta renda, como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido 33. Martínez Steele E, Baraldi LG, Louzada ML, Moubarac JC, Mozaffarian D, Monteiro CA. Ultra-processed foods and added sugars in the US diet: evidence from a nationally representative cross-sectional study. BMJ Open 2016; 6:e009892.,44. Moubarac JC, Batal M, Louzada ML, Martinez Steele E, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods predicts diet quality in Canada. Appetite 2017; 108:512-20.,55. Rauber F, Louzada MLD, Steele EM, Millett C, Monteiro CA, Levy RB. Ultra-processed food consumption and chronic non-communicable diseases-related dietary nutrient profile in the UK (2008-2014). Nutrients 2018; 10:587.,66. Machado PP, Steele EM, Levy RB, Sui ZX, Rangan A, Woods J, et al. Ultra-processed foods and recommended intake levels of nutrients linked to non-communicable diseases in Australia: evidence from a nationally representative cross-sectional study. BMJ Open 2019; 9:e029544., e entre um quinto e um terço da energia consumida em países de renda média como Chile e México 77. Cediel G, Reyes M, Louzada MLC, Steele EM, Monteiro CA, Corvalán C, et al. Ultra-processed foods and added sugars in the Chilean diet (2010). Public Health Nutr 2018; 21:125-33.,88. Marron-Ponce JA, Flores M, Cediel G, Monteiro CA, Batis C. Associations between consumption of ultra-processed foods and intake of nutrients related to chronic non-communicable diseases in Mexico. PLoS One 2019; 119:1852-65.. No Brasil, pesquisas de aquisição de gêneros alimentícios para o consumo domiciliar, realizadas nas áreas metropolitanas entre 1987-1988 e 2008-2009 99. Martins APB, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Monteiro CA. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Rev Saúde Pública 2013; 47:656-65. e no país como um todo entre 2002-2003 e 2017-2018 1010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020., indicam aumentos sistemáticos na participação de alimentos ultraprocessados e redução concomitante dos alimentos in natura ou minimamente processados e de ingredientes culinários.
Trabalhos anteriores mostraram que alimentos ultraprocessados, em conjunto, têm maior densidade energética, mais açúcar livre e gorduras não saudáveis e menos fibra, proteína e micronutrientes do que alimentos não ultraprocessados, e que sua aquisição ou consumo é sistematicamente associado à deterioração da qualidade nutricional da alimentação 33. Martínez Steele E, Baraldi LG, Louzada ML, Moubarac JC, Mozaffarian D, Monteiro CA. Ultra-processed foods and added sugars in the US diet: evidence from a nationally representative cross-sectional study. BMJ Open 2016; 6:e009892.,44. Moubarac JC, Batal M, Louzada ML, Martinez Steele E, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods predicts diet quality in Canada. Appetite 2017; 108:512-20.,55. Rauber F, Louzada MLD, Steele EM, Millett C, Monteiro CA, Levy RB. Ultra-processed food consumption and chronic non-communicable diseases-related dietary nutrient profile in the UK (2008-2014). Nutrients 2018; 10:587.,66. Machado PP, Steele EM, Levy RB, Sui ZX, Rangan A, Woods J, et al. Ultra-processed foods and recommended intake levels of nutrients linked to non-communicable diseases in Australia: evidence from a nationally representative cross-sectional study. BMJ Open 2019; 9:e029544.,77. Cediel G, Reyes M, Louzada MLC, Steele EM, Monteiro CA, Corvalán C, et al. Ultra-processed foods and added sugars in the Chilean diet (2010). Public Health Nutr 2018; 21:125-33.,88. Marron-Ponce JA, Flores M, Cediel G, Monteiro CA, Batis C. Associations between consumption of ultra-processed foods and intake of nutrients related to chronic non-communicable diseases in Mexico. PLoS One 2019; 119:1852-65.,1111. Louzada MLC, Ricardo CZ, Steele EM, Levy RB, Cannon G, Monteiro CA. The share of ultra-processed foods determines the overall nutritional quality of diets in Brazil. Public Health Nutr 2018; 21:94-102.,1212. Martínez Steele E, Monteiro CA. Association between dietary share of ultra-processed foods and urinary concentrations of phytoestrogens in the US. Nutrients 2017; 9:209.. Estudos experimentais também mostram que, quando comparados a alimentos não ultraprocessados, alimentos ultraprocessados têm baixo poder de saciedade e induzem altas respostas glicêmicas 1313. Fardet A. Minimally processed foods are more satiating and less hyperglycemic than ultra-processed foods: a preliminary study with 98 ready-to-eat foods. Food Funct 2016; 7:2338-46., são associados à maior velocidade de ingestão de energia 1414. Forde CG, Mars M, de Graaf K. Ultra-processing or oral processing? A role for energy density and eating rate in moderating energy intake from processed foods. Curr Dev Nutr 2020; 4:nzaa019. e à presença de contaminantes, incluindo compostos tóxicos neoformados durante o processamento ou liberados das embalagens sintéticas 1515. Buckley JP, Kim H, Wong E, Rebholz CM. Ultra-processed food consumption and exposure to phthalates and bisphenols in the US National Health and Nutrition Examination Survey, 2013-2014. Am J Clin Nutr 2019; 131:105057.,1616. Kim H, Rebholz CM, Wong E, Buckley JP. Urinary organophosphate ester concentrations in relation to ultra-processed food consumption in the general US population. Environ Res 2020; 182:109070. e criam um ambiente intestinal que favorece microorganismos que promovem doenças inflamatórias 1717. Zinöcker M, Lindseth I. The Western diet-microbiome-host interaction and its role in metabolic disease. Nutrients 2018; 10:365.. Diante disso, estudos com diferentes delineamentos têm investigado a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e as doenças ou fatores de risco para doenças em diferentes populações. No entanto, ainda não há clareza sobre a totalidade das informações disponíveis nesse campo de publicações em franco crescimento. Assim sendo, a presente revisão de escopo foi conduzida com o intuito de mapear a literatura acerca do impacto dos alimentos ultraprocessados na saúde.
Métodos
Critérios de elegibilidade
A pergunta que orientou a revisão foi: “O consumo de alimentos ultraprocessados (definido pela classificação NOVA) está associado a doenças?”. Para respondê-la, a revisão considerou todos os estudos que investigaram a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados (exposição) e os desfechos de saúde, incluindo indicadores relacionados à obesidade (índice de massa corporal - IMC, circunferência da cintura e gordura corporal), marcadores de risco metabólico (como pressão arterial, perfil lipídico e glicemia), diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, entre outros. Os trabalhos deveriam ter avaliado a exposição (consumo de alimentos ultraprocessados) com base na definição da classificação NOVA 11. Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac JC, Louzada ML, Rauber F, et al. Ultra-processed foods: what they are and how to identify them. Public Health Nutr 2019; 22:936-41.. Estudos de caso, revisões, comentários, editoriais, anais de congresso ou teses/dissertações, ou restritos a pessoas acometidas de doenças específicas foram excluídos.
Estratégia de busca
A busca por artigos indexados foi realizada em três bases de dados: PubMed e Web of Science, de alcance internacional, e LILACS, contemplando a América Latina e o Caribe. As palavras-chave utilizadas para a exposição de interesse foram “ultra-processed” combinada com “food OR product” para as bases de dados internacionais, e “ultraprocessado OR ultraprocesado OR ultra-processed” combinadas com “alimento OR produto OR food OR product” para a base LILACS. Não foram usados limites de tópicos, idiomas ou data de publicação. A busca incluiu registros publicados até 18 de agosto de 2020. Adicionalmente, foram incorporados registros identificados por meio de outras fontes, como artigos no prelo/publicados após a busca.
Seleção dos estudos
Todos os títulos e resumos encontrados na busca eletrônica foram importados para avaliação no software EndNote versão X9 (http://www.endnote.com/), sendo os estudos duplicados removidos da lista. Os títulos e os resumos dos artigos remanescentes foram analisados por dois revisores independentes, considerando os critérios de inclusão mencionados anteriormente. Artigos com informações insuficientes no resumo não foram descartados. Após a seleção pelos títulos e resumos, os mesmos revisores independentemente realizaram a leitura dos textos completos para a seleção dos estudos a serem incluídos. No caso de seleção discordante, os trabalhos foram avaliados por um terceiro revisor.
Processo de mapeamento dos dados
Dados relevantes foram extraídos de cada artigo selecionado, com o auxílio de uma planilha padronizada, incluindo: autor e ano de publicação, desenho do estudo, participantes, definição operacional da exposição e do desfecho, variáveis de controle e resultados. Os estudos foram organizados em três grandes grupos de acordo com os desfechos encontrados e apresentados, dentro de cada grupo de desfecho, para adultos, gestantes, crianças/adolescentes (nesta ordem) e, dentro de cada subgrupo populacional, por tipo de delineamento de estudo: ensaio clínico randomizado, coorte, caso-controle, transversais com representatividade nacional e transversais locais (nesta ordem).
Avaliação da qualidade metodológica
Os artigos selecionados foram analisados pelos mesmos revisores, de forma independente, em termos de qualidade metodológica com base na ferramenta do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH) 1818. National Institutes of Health. Study quality assessment tools. https://www.nhlbi.nih.gov/health-topics/study-quality-assessment-tools (acessado em Abr/2020).
https://www.nhlbi.nih.gov/health-topics/... . Essa ferramenta fornece 14 questões (específicas para cada delineamento de estudo) a serem respondidas pelos revisores de forma a auxiliar na avaliação da validade interna (ou risco de viés) de cada estudo (Material Suplementar: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00323020-portugues_2823.pdf). As questões são focadas em conceitos-chave relacionados ao desenho do estudo, à pergunta de pesquisa, à elegibilidade, à seleção e recrutamento da amostra, à validade das medidas de exposição e desfecho, às perdas de seguimento e às análises estatísticas. Os revisores podem selecionar “sim”, “não” ou “não é possível determinar/não relatado/não aplicável” em resposta a cada questão. O instrumento não fornece uma escala objetiva de avaliação, mas, para cada item em que “não” foi selecionado, os revisores são instruídos a considerar o risco de viés que poderia ser introduzido por esta falha. Para cada questão existe uma instrução detalhada para sua avaliação, que também foi desenvolvida pelo NIH. Foram considerados importantes para a qualidade metodológica do estudo, por exemplo, a clareza do objetivo, a definição e descrição apropriada da exposição e dos desfechos, a perda de seguimento inferior a 20% (no caso dos estudos de coorte) e o controle estatístico para, pelo menos, idade, sexo e características socioeconômicas. Baseando-se nas questões, os revisores atribuíram a cada artigo uma avaliação alta, média ou baixa da sua qualidade metodológica. As divergências foram resolvidas por consenso ou pelo terceiro revisor.
Resultados
O processo de seleção foi descrito na Figura 1. A busca originou 1.614 artigos. Após a remoção de duplicatas e a triagem por título e resumo, 141 artigos foram selecionados para avaliação do texto completo pelo revisor 1 e 109 pelo revisor 2. Com a leitura completa, 48 artigos foram selecionados por ambos os revisores e 48 discordantes foram avaliados pelo terceiro revisor, sendo incluídos mais nove artigos. Foram adicionados seis artigos no prelo/publicados após a busca, totalizando 63 artigos incluídos e avaliados qualitativamente.
Os estudos avaliaram a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o ganho de peso (n = 3), IMC (n = 17), sobrepeso/obesidade (n = 25), circunferência da cintura (n = 9), gordura corporal (n = 4), hipertensão/níveis de pressão arterial (n = 4), níveis séricos de lipídios (n = 4), glicemia (n = 1), níveis séricos de proteína C reativa (n = 1), aterosclerose subclínica (n = 1), telômeros curtos (n = 1), níveis urinários de 8-hidroxi-2’-desoxiguanosina (8-OHdG) (n = 1), síndrome metabólica (n = 4), diabetes gestacional (n = 1), doença cardiovascular (n = 1), diabetes tipo 2 (n = 2), câncer de mama (n = 2), câncer de próstata (n = 2), câncer colorretal (n = 1), chiado/asma (n = 3), mortalidade por doenças cardiovasculares (n = 2), mortalidade por todas as causas (n = 4), depressão (n = 3), síndrome de fragilidade (n = 1) e doenças gastrointestinais (n = 2). Os estudos foram realizados no Brasil (n = 24), na França (n = 9), na Espanha (n = 9), nos Estados Unidos (n = 6), no Reino Unido (n = 4), no Canadá (n = 4), na Austrália (n = 1), na Noruega (n = 1), no Líbano (n = 1) e no Irã (n = 1). Três estudos ecológicos avaliaram dados de, respectivamente, 19 países europeus, 13 países latino-americanos e 80 países de diferentes regiões. Autor e ano de publicação, delineamento, participantes (abarcando tamanho amostral), definição operacional de exposição e desfecho, variáveis de controle e principais resultados desses estudos estão descritos em tabelas separadas, de acordo com o tipo de desfecho em saúde.
Obesidade e indicadores relacionados à obesidade e marcadores de risco metabólico
Adultos
O Quadro 1 descreve as principais características dos trabalhos que avaliaram a associação do consumo de alimentos ultraprocessados com os indicadores relacionados à obesidade e marcadores de risco metabólico em adultos.
a) Obesidade e indicadores relacionados à obesidade
Em adultos, a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a obesidade ou indicadores relacionados à obesidade foi examinada em um ensaio clínico randomizado (qualidade metodológica alta) 1919. Hall KD, Ayuketah A, Brychta R, Cai H, Cassimatis T, Chen KY, et al. Ultra-processed diets cause excess calorie intake and weight gain: an inpatient randomized controlled trial of ad libitum food intake. Cell Metab 2019; 30:67-77.e3., quatro estudos de coorte (qualidade alta) 2020. Canhada SL, Luft VC, Giatti L, Duncan BB, Chor D, Fonseca MJM, et al. Ultra-processed foods, incident overweight and obesity, and longitudinal changes in weight and waist circumference: the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Public Health Nutr 2020; 23:1076-86.,2121. Mendonça RD, Pimenta AM, Gea A, de la Fuente-Arrillaga C, Martínez-González MA, Lopes AC, et al. Ultraprocessed food consumption and risk of overweight and obesity: the University of Navarra Follow-Up (SUN) cohort study. Am J Clin Nutr 2016; 104:1433-40.,2222. Rauber F, Chang K, Vamos EP, Louzada MLC, Monteiro CA, Millett CJ, et al. Ultra-processed food consumption and risk of adiposity: a prospective cohort study of UK Biobank. Eur J Nutr 2021; 60:2169-80.,2323. Beslay M, Srour B, Méjean C, Allès B, Fiolet T, Debras C, et al. Ultra-processed food intake in association with BMI change and risk of overweight and obesity; a prospective analysis of the French NutriNet-Santé cohort. PLoS Med 2020; 17:e1003256., sete estudos transversais com representatividade nacional (cinco com média 2424. Adams J, White M. Characterisation of UK diets according to degree of food processing and associations with socio-demographics and obesity: cross-sectional analysis of UK National Diet and Nutrition Survey (2008-12). Int J Behav Nutr Phys Act 2015; 12:160.,2525. Louzada ML, Baraldi LG, Steele EM, Martins AP, Canella DS, Moubarac JC, et al. Consumption of ultra-processed foods and obesity in Brazilian adolescents and adults. Prev Med 2015; 81:9-15.,2626. Juul F, Martínez-Steele E, Parekh N, Monteiro CA, Chang VW. Ultra-processed food consumption and excess weight among US adults. Br J Nutr 2018; 120:90-100.,2727. Machado PP, Martínez-Steele E, Levy RB, Louzada MLC, Rangan A, Woods J, et al. Ultra-processed food consumption and obesity in the Australian adult population. Nutr Diabetes 2020; 10:39.,2828. Rauber F, Martínez-Steele E, Louzada MLC, Millett C, Monteiro CA, Levy RB. Ultra-processed food consumption and indicators of obesity in the United Kingdom population (2008-2016). PLoS One 2020; 15:e0232676. e dois com baixa qualidade 2929. Nardocci M, Leclerc BS, Louzada ML, Monteiro CA, Batal M, Moubarac JC. Consumption of ultra-processed foods and obesity in Canada. Can J Public Health 2019; 110:4-14.,3030. Seale E, Greene-Finestone LS, de Groh M. Examining the diversity of ultra-processed food consumption and associated factors in Canadian adults. Appl Physiol Nutr Metab 2020; 45:857-64.), três estudos transversais locais (dois com média 3131. Julia C, Martinez L, Allès B, Touvier M, Hercberg S, Méjean C, et al. Contribution of ultra-processed foods in the diet of adults from the French NutriNet-Santé study. Public Health Nutr 2018; 21:27-37.,3232. Silva FM, Giatti L, Figueiredo RC, Molina MDB, Cardoso LD, Duncan BB, et al. Consumption of ultra-processed food and obesity: cross sectional results from the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil) cohort (2008-2010). Public Health Nutr 2018; 21:2271-9. e um com baixa qualidade 3333. Djupegot IL, Nenseth CB, Bere E, Bjørnarå HBT, Helland SH, Øverby NC, et al. The association between time scarcity, sociodemographic correlates and consumption of ultra-processed foods among parents in Norway: a cross-sectional study. BMC Public Health 2017; 17:447.) e três estudos ecológicos (dois com média 3434. Pan American Health Organization. Ultra-processed food and drink products in Latin America: trends, impact on obesity, policy implications. Washington DC: Pan American Health Organization; 2015.,3535. Vandevijvere S, Jaacks LM, Monteiro CA, Moubarac JC, Girling-Butcher M, Lee AC, et al. Global trends in ultraprocessed food and drink product sales and their association with adult body mass index trajectories. Obes Rev 2019; 20 Suppl 2:10-9. e um com baixa qualidade 3636. Monteiro CA, Moubarac J-C, Levy RB, Canella DS, Louzada MLC, Cannon G. Household availability of ultra-processed foods and obesity in nineteen European countries. Public Health Nutr 2018; 21:18-26.).
Após ajuste para confundidores, associações positivas entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o sobrepeso/obesidade ou o IMC em adultos foram demonstradas nos quatro estudos de coorte (NutriNet Santé, ELSA-Brasil, The Sun e UK Biobank) 2020. Canhada SL, Luft VC, Giatti L, Duncan BB, Chor D, Fonseca MJM, et al. Ultra-processed foods, incident overweight and obesity, and longitudinal changes in weight and waist circumference: the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Public Health Nutr 2020; 23:1076-86.,2121. Mendonça RD, Pimenta AM, Gea A, de la Fuente-Arrillaga C, Martínez-González MA, Lopes AC, et al. Ultraprocessed food consumption and risk of overweight and obesity: the University of Navarra Follow-Up (SUN) cohort study. Am J Clin Nutr 2016; 104:1433-40.,2222. Rauber F, Chang K, Vamos EP, Louzada MLC, Monteiro CA, Millett CJ, et al. Ultra-processed food consumption and risk of adiposity: a prospective cohort study of UK Biobank. Eur J Nutr 2021; 60:2169-80.,2323. Beslay M, Srour B, Méjean C, Allès B, Fiolet T, Debras C, et al. Ultra-processed food intake in association with BMI change and risk of overweight and obesity; a prospective analysis of the French NutriNet-Santé cohort. PLoS Med 2020; 17:e1003256., em nove dos dez estudos transversais 2525. Louzada ML, Baraldi LG, Steele EM, Martins AP, Canella DS, Moubarac JC, et al. Consumption of ultra-processed foods and obesity in Brazilian adolescents and adults. Prev Med 2015; 81:9-15.,2626. Juul F, Martínez-Steele E, Parekh N, Monteiro CA, Chang VW. Ultra-processed food consumption and excess weight among US adults. Br J Nutr 2018; 120:90-100.,2727. Machado PP, Martínez-Steele E, Levy RB, Louzada MLC, Rangan A, Woods J, et al. Ultra-processed food consumption and obesity in the Australian adult population. Nutr Diabetes 2020; 10:39.,2828. Rauber F, Martínez-Steele E, Louzada MLC, Millett C, Monteiro CA, Levy RB. Ultra-processed food consumption and indicators of obesity in the United Kingdom population (2008-2016). PLoS One 2020; 15:e0232676.,2929. Nardocci M, Leclerc BS, Louzada ML, Monteiro CA, Batal M, Moubarac JC. Consumption of ultra-processed foods and obesity in Canada. Can J Public Health 2019; 110:4-14.,3030. Seale E, Greene-Finestone LS, de Groh M. Examining the diversity of ultra-processed food consumption and associated factors in Canadian adults. Appl Physiol Nutr Metab 2020; 45:857-64.,3131. Julia C, Martinez L, Allès B, Touvier M, Hercberg S, Méjean C, et al. Contribution of ultra-processed foods in the diet of adults from the French NutriNet-Santé study. Public Health Nutr 2018; 21:27-37.,3232. Silva FM, Giatti L, Figueiredo RC, Molina MDB, Cardoso LD, Duncan BB, et al. Consumption of ultra-processed food and obesity: cross sectional results from the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil) cohort (2008-2010). Public Health Nutr 2018; 21:2271-9.,3333. Djupegot IL, Nenseth CB, Bere E, Bjørnarå HBT, Helland SH, Øverby NC, et al. The association between time scarcity, sociodemographic correlates and consumption of ultra-processed foods among parents in Norway: a cross-sectional study. BMC Public Health 2017; 17:447. (sendo cinco deles de amostras representativas do Brasil, Canadá, Estados Unidos, Austrália e Reino Unido 2525. Louzada ML, Baraldi LG, Steele EM, Martins AP, Canella DS, Moubarac JC, et al. Consumption of ultra-processed foods and obesity in Brazilian adolescents and adults. Prev Med 2015; 81:9-15.,2626. Juul F, Martínez-Steele E, Parekh N, Monteiro CA, Chang VW. Ultra-processed food consumption and excess weight among US adults. Br J Nutr 2018; 120:90-100.,2727. Machado PP, Martínez-Steele E, Levy RB, Louzada MLC, Rangan A, Woods J, et al. Ultra-processed food consumption and obesity in the Australian adult population. Nutr Diabetes 2020; 10:39.,2828. Rauber F, Martínez-Steele E, Louzada MLC, Millett C, Monteiro CA, Levy RB. Ultra-processed food consumption and indicators of obesity in the United Kingdom population (2008-2016). PLoS One 2020; 15:e0232676.,2929. Nardocci M, Leclerc BS, Louzada ML, Monteiro CA, Batal M, Moubarac JC. Consumption of ultra-processed foods and obesity in Canada. Can J Public Health 2019; 110:4-14.) e nos três estudos ecológicos (que avaliaram a exposição ao consumo de alimentos ultraprocessados com base em compras ou vendas destes alimentos em diferentes países) 3434. Pan American Health Organization. Ultra-processed food and drink products in Latin America: trends, impact on obesity, policy implications. Washington DC: Pan American Health Organization; 2015.,3535. Vandevijvere S, Jaacks LM, Monteiro CA, Moubarac JC, Girling-Butcher M, Lee AC, et al. Global trends in ultraprocessed food and drink product sales and their association with adult body mass index trajectories. Obes Rev 2019; 20 Suppl 2:10-9.,3636. Monteiro CA, Moubarac J-C, Levy RB, Canella DS, Louzada MLC, Cannon G. Household availability of ultra-processed foods and obesity in nineteen European countries. Public Health Nutr 2018; 21:18-26.. O estudo da coorte UK Biobank demonstrou associação direta do consumo de alimentos ultraprocessados com o percentual de gordura corporal avaliada por bioimpedância 2222. Rauber F, Chang K, Vamos EP, Louzada MLC, Monteiro CA, Millett CJ, et al. Ultra-processed food consumption and risk of adiposity: a prospective cohort study of UK Biobank. Eur J Nutr 2021; 60:2169-80..
Ensaio clínico randomizado em adultos conduzido pelo NIH do tipo crossover mostrou associação entre a exposição a uma alimentação baseada em alimentos ultraprocessados e indicadores de obesidade. Seus resultados mostraram que, quando expostos a dietas ad libitum com mais de 80% das calorias advindas de alimentos ultraprocessados, os participantes consumiam, em média, 508Kcal/dia a mais do que quando expostos a dietas sem alimentos ultraprocessados e que, no final de duas semanas, os participantes aumentaram 0,9kg de peso e 0,4kg de gordura corporal consumindo a dieta ultraprocessada e diminuíram 0,9kg de peso e 0,3kg de gordura corporal consumindo a dieta não ultraprocessada. As dietas ultraprocessadas e não ultraprocessadas oferecidas aos participantes foram equiparadas quanto à quantidade de energia, macronutrientes, açúcar, sódio e fibra 1919. Hall KD, Ayuketah A, Brychta R, Cai H, Cassimatis T, Chen KY, et al. Ultra-processed diets cause excess calorie intake and weight gain: an inpatient randomized controlled trial of ad libitum food intake. Cell Metab 2019; 30:67-77.e3..
Após ajuste para confundidores, evidenciou-se associação positiva entre o consumo de alimentos ultraprocessados em adultos e a circunferência da cintura em todos os estudos em que este desfecho foi avaliado, incluindo dois estudos de coorte (ELSA-Brasil e UK Biobank) 2020. Canhada SL, Luft VC, Giatti L, Duncan BB, Chor D, Fonseca MJM, et al. Ultra-processed foods, incident overweight and obesity, and longitudinal changes in weight and waist circumference: the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Public Health Nutr 2020; 23:1076-86.,2222. Rauber F, Chang K, Vamos EP, Louzada MLC, Monteiro CA, Millett CJ, et al. Ultra-processed food consumption and risk of adiposity: a prospective cohort study of UK Biobank. Eur J Nutr 2021; 60:2169-80. e três estudos transversais com representatividade nacional (Estados Unidos, Reino Unido e Austrália) 2626. Juul F, Martínez-Steele E, Parekh N, Monteiro CA, Chang VW. Ultra-processed food consumption and excess weight among US adults. Br J Nutr 2018; 120:90-100.,2727. Machado PP, Martínez-Steele E, Levy RB, Louzada MLC, Rangan A, Woods J, et al. Ultra-processed food consumption and obesity in the Australian adult population. Nutr Diabetes 2020; 10:39.,2828. Rauber F, Martínez-Steele E, Louzada MLC, Millett C, Monteiro CA, Levy RB. Ultra-processed food consumption and indicators of obesity in the United Kingdom population (2008-2016). PLoS One 2020; 15:e0232676. e um transversal local 3232. Silva FM, Giatti L, Figueiredo RC, Molina MDB, Cardoso LD, Duncan BB, et al. Consumption of ultra-processed food and obesity: cross sectional results from the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil) cohort (2008-2010). Public Health Nutr 2018; 21:2271-9..
b) Marcadores de risco metabólico
Em adultos, a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a hipertensão foi examinada em um estudo de coorte (qualidade metodológica alta) 3737. Mendonça RD, Lopes ACS, Pimenta AM, Gea A, Martínez-González MA, Bes-Rastrollo M. Ultra-processed food consumption and the incidence of hypertension in a Mediterranean cohort: The Seguimiento Universidad de Navarra Project. Am J Hypertens 2017; 30:358-66., síndrome metabólica em três estudos transversais (um com média 3838. Martínez Steele E, Juul F, Neri D, Rauber F, Monteiro CA. Dietary share of ultra-processed foods and metabolic syndrome in the US adult population. Prev Med 2019; 125:40-8. e dois com baixa 3939. Lavigne-Robichaud M, Moubarac J-C, Lantagne-Lopez S, Johnson-Down L, Batal M, Sidi EAL, et al. Diet quality indices in relation to metabolic syndrome in an Indigenous Cree (Eeyouch) population in northern Quebec, Canada. Public Health Nutr 2018; 21:172-80.,4040. Nasreddine L, Tamim H, Itani L, Nasrallah MP, Isma'eel H, Nakhoul NF, et al. A minimally processed dietary pattern is associated with lower odds of metabolic syndrome among Lebanese adults. Public Health Nutr 2018; 21:160-71.), níveis séricos de proteína C reativa em estudo transversal (qualidade média) 4141. Lopes A, Araújo LF. Association between consumption of ultra-processed foods and serum C-reactive protein levels: cross-sectional results from the ELSA-Brasil study. São Paulo Med J 2019; 137:169-76., aterosclerose subclínica em um estudo transversal (qualidade média) 4242. Montero-Salazar H, Donat-Vargas C, Moreno-Franco B, Sandoval-Insausti H, Civeira F, Laclaustra M, et al. High consumption of ultra-processed food may double the risk of subclinical coronary atherosclerosis: the Aragon Workers' Health Study (AWHS). BMC Med 2020; 18:235. e comprimento dos telômeros em um estudo transversal (qualidade média) 4343. Alonso-Pedrero L, Ojeda-Rodríguez A, Martínez-González MA, Zalba G, Bes-Rastrollo M, Marti A. Ultra-processed food consumption and the risk of short telomeres in an elderly population of the Seguimiento Universidad de Navarra (SUN) Project. Am J Clin Nutr 2020; 111:1259-66..
Após ajuste para confundidores, estudo da coorte The Sun encontrou, em adultos espanhóis de média idade, associação positiva entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o risco de desenvolvimento de hipertensão 3737. Mendonça RD, Lopes ACS, Pimenta AM, Gea A, Martínez-González MA, Bes-Rastrollo M. Ultra-processed food consumption and the incidence of hypertension in a Mediterranean cohort: The Seguimiento Universidad de Navarra Project. Am J Hypertens 2017; 30:358-66..
Após ajuste para confundidores, associação positiva entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a síndrome metabólica em adultos foi encontrada para dois em três estudos que avaliaram este desfecho, sendo eles o estudo transversal com amostra da National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) 3838. Martínez Steele E, Juul F, Neri D, Rauber F, Monteiro CA. Dietary share of ultra-processed foods and metabolic syndrome in the US adult population. Prev Med 2019; 125:40-8. e um local com indígenas canadenses 3939. Lavigne-Robichaud M, Moubarac J-C, Lantagne-Lopez S, Johnson-Down L, Batal M, Sidi EAL, et al. Diet quality indices in relation to metabolic syndrome in an Indigenous Cree (Eeyouch) population in northern Quebec, Canada. Public Health Nutr 2018; 21:172-80..
Um estudo transversal com adultos brasileiros de meia idade demonstrou que, entre as mulheres, após ajuste para características sociodemográficas, tabagismo e atividade física, o consumo de alimentos ultraprocessados foi associado a maiores níveis de proteína C reativa, no entanto, esta associação perdeu significância estatística com a inclusão do IMC no modelo. Dentre os homens, não houve associação entre a ingestão de alimentos ultraprocessados e a proteína C reativa 4141. Lopes A, Araújo LF. Association between consumption of ultra-processed foods and serum C-reactive protein levels: cross-sectional results from the ELSA-Brasil study. São Paulo Med J 2019; 137:169-76.. Um estudo transversal com homens adultos espanhóis demonstrou, após ajuste para confundidores, associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o escore de cálcio coronariano, que avalia aterosclerose subclínica 4242. Montero-Salazar H, Donat-Vargas C, Moreno-Franco B, Sandoval-Insausti H, Civeira F, Laclaustra M, et al. High consumption of ultra-processed food may double the risk of subclinical coronary atherosclerosis: the Aragon Workers' Health Study (AWHS). BMC Med 2020; 18:235.. Um estudo transversal com adultos espanhóis demonstrou, após ajuste para confundidores, associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e os telômeros curtos, um biomarcador de envelhecimento 4343. Alonso-Pedrero L, Ojeda-Rodríguez A, Martínez-González MA, Zalba G, Bes-Rastrollo M, Marti A. Ultra-processed food consumption and the risk of short telomeres in an elderly population of the Seguimiento Universidad de Navarra (SUN) Project. Am J Clin Nutr 2020; 111:1259-66..
Gestantes
O Quadro 2 descreve as principais características dos estudos que avaliaram a associação do consumo de alimentos ultraprocessados com indicadores relacionados à obesidade e marcadores de risco metabólico em gestantes.
a) Obesidade e indicadores relacionados à obesidade
Em gestantes, a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e indicadores relacionados à obesidade foi examinada em dois estudos de coorte (um com qualidade metodológica alta 4444. Rohatgi KW, Tinius RA, Cade WT, Steele EM, Cahill AG, Parra DC. Relationships between consumption of ultra-processed foods, gestational weight gain and neonatal outcomes in a sample of US pregnant women. PeerJ 2017; 5:e4091-e. e outro com média 4545. Gomes CB, Malta MB, Benício MHD'A, Carvalhaes MABL. Consumption of ultra-processed foods in the third gestational trimester and increased weight gain: a Brazilian cohort study. Public Health Nutr 2021; 24:3304-12.) e dois estudos transversais (ambos com qualidade baixa 4646. Crivellenti LC, Zuccolotto DCC, Sartorelli DS. Association between the Diet Quality Index Adapted for Pregnant Women (IQDAG) and excess maternal body weight. Rev Bras Saúde Mater Infant 2019; 19:275-83.,4747. Sartorelli DS, Crivellenti LC, Zuccolotto DCC, Franco LJ. Relationship between minimally and ultra-processed food intake during pregnancy with obesity and gestational diabetes mellitus. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00049318.). Após ajuste para confundidores, o estudo de coorte demonstrou, em gestantes estadunidenses, que a participação de alimentos ultraprocessados na dieta foi associada ao aumento no ganho de peso gestacional (e a maiores valores de dobras da coxa e subescapular e de porcentual de adiposidade corporal do recém-nascido) 4444. Rohatgi KW, Tinius RA, Cade WT, Steele EM, Cahill AG, Parra DC. Relationships between consumption of ultra-processed foods, gestational weight gain and neonatal outcomes in a sample of US pregnant women. PeerJ 2017; 5:e4091-e.. Um estudo de coorte com gestantes brasileiras demonstrou, após ajuste para confundidores, que o consumo de alimentos ultraprocessados no 2º e 3º trimestres de gestação foi positivamente associado com o ganho de peso médio no mesmo período 4545. Gomes CB, Malta MB, Benício MHD'A, Carvalhaes MABL. Consumption of ultra-processed foods in the third gestational trimester and increased weight gain: a Brazilian cohort study. Public Health Nutr 2021; 24:3304-12.. Os dois estudos transversais, ambos conduzidos em cidade brasileira de médio porte, demonstraram, após ajuste para confundidores, associação positiva do consumo de ultraprocessados com sobrepeso/obesidade na gestante 4646. Crivellenti LC, Zuccolotto DCC, Sartorelli DS. Association between the Diet Quality Index Adapted for Pregnant Women (IQDAG) and excess maternal body weight. Rev Bras Saúde Mater Infant 2019; 19:275-83.,4747. Sartorelli DS, Crivellenti LC, Zuccolotto DCC, Franco LJ. Relationship between minimally and ultra-processed food intake during pregnancy with obesity and gestational diabetes mellitus. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00049318..
b) Marcadores de risco metabólico
Em gestantes, um pequeno estudo transversal (qualidade baixa) realizado em cidade de médio porte do Brasil avaliou a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a diabetes gestacional e não encontrou resultados significativos 4747. Sartorelli DS, Crivellenti LC, Zuccolotto DCC, Franco LJ. Relationship between minimally and ultra-processed food intake during pregnancy with obesity and gestational diabetes mellitus. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00049318..
Crianças e adolescentes
O Quadro 3 descreve as principais características dos trabalhos que avaliaram a associação do consumo de alimentos ultraprocessados com os indicadores relacionados à obesidade e os marcadores de risco metabólico em crianças e adolescentes.
a) Obesidade e indicadores relacionados à obesidade
Em crianças e adolescentes, a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e os indicadores relacionados à obesidade foi examinada em cinco estudos de coorte (três com qualidade metodológica alta 4848. Bawaked RA, Fernández-Barrés S, Navarrete-Muñoz EM, González-Palacios S, Guxens M, Irizar A, et al. Impact of lifestyle behaviors in early childhood on obesity and cardiometabolic risk in children: results from the Spanish INMA birth cohort study. Pediatr Obes 2020; 15:e12590.,4949. Costa CS, Rauber F, Leffa PS, Sangalli CN, Campagnolo PDB, Vitolo MR. Ultra-processed food consumption and its effects on anthropometric and glucose profile: a longitudinal study during childhood. Nutr Metab Cardiovasc Dis 2019; 29:177-84.,5050. Costa CS, Assunção MCF, Mola CL, Cardoso JS, Matijasevich A, Barros AJD, et al. Role of ultra-processed food in fat mass index from 6 to 11 years of age: a cohort study. Int J Epidemiol 2021; 50:256-65., um com média 5151. Cunha DB, Costa THM, Veiga GV, Pereira RA, Sichieri R. Ultra-processed food consumption and adiposity trajectories in a Brazilian cohort of adolescents: ELANA study. Nutr Diabetes 2018; 8:28. e um com baixa 5252. Gadelha P, Arruda IKG, Coelho PBP, Queiroz PMA, Maio R, Diniz AD. Consumption of ultraprocessed foods, nutritional status, and dyslipidemia in schoolchildren: a cohort study. Eur J Clin Nutr 2019; 73:1194-9. - este último fazendo somente uma análise transversal em dois pontos da coorte), em quatro pequenos estudos transversais locais 5353. De Melo ISV, Costa C, dos Santos JVL, Santos AF, Florencio T, Bueno NB. Consumption of minimally processed food is inversely associated with excess weight in adolescents living in an underdeveloped city. PLoS One 2017; 12:e0188401.,5454. Enes CC, Camargo CM, Justino MIC. Ultra-processed food consumption and obesity in adolescents. Rev Nutr (Online) 2019; 32:e180170.,5555. D'Avila HF, Kirsten VR. Energy intake from ultra-processed foods among adolescents. Rev Paul Pediatr 2017; 35:54-60.,5656. Lacerda AT, Carmo AS, Sousa TM, Santos LC. Participation of ultra-processed foods in Brazilian school children's diet and associated factors. Rev Paul Pediatr 2020; 38:e2019034. (todos com qualidade baixa) e em um estudo transversal com representatividade nacional da população adolescente do Brasil (qualidade média) 2525. Louzada ML, Baraldi LG, Steele EM, Martins AP, Canella DS, Moubarac JC, et al. Consumption of ultra-processed foods and obesity in Brazilian adolescents and adults. Prev Med 2015; 81:9-15..
Após ajuste para confundidores, a associação positiva entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o sobrepeso/obesidade ou a magnitude do IMC foi demonstrada no estudo com representatividade nacional da população adolescente do Brasil 2525. Louzada ML, Baraldi LG, Steele EM, Martins AP, Canella DS, Moubarac JC, et al. Consumption of ultra-processed foods and obesity in Brazilian adolescents and adults. Prev Med 2015; 81:9-15.. Um pequeno estudo transversal demonstrou, após ajuste para confundidores, associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o excesso de peso em escolares brasileiros 5656. Lacerda AT, Carmo AS, Sousa TM, Santos LC. Participation of ultra-processed foods in Brazilian school children's diet and associated factors. Rev Paul Pediatr 2020; 38:e2019034.. Um estudo da coorte espanhola de nascimento INMA (Infancia y Medio Ambiente) demonstrou que a baixa ingestão de alimentos ultraprocessados aos 4 anos foi associada a um menor escore z de IMC aos sete anos em um modelo ajustado para características sociodemográficas, mas a associação se tornou borderline (p = 0,07) com a adição da variável IMC materno no modelo 4848. Bawaked RA, Fernández-Barrés S, Navarrete-Muñoz EM, González-Palacios S, Guxens M, Irizar A, et al. Impact of lifestyle behaviors in early childhood on obesity and cardiometabolic risk in children: results from the Spanish INMA birth cohort study. Pediatr Obes 2020; 15:e12590.. Um estudo da Coorte de Nascimento de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, do ano de 2004, encontrou associação entre o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados entre 6 e 11 anos de idade e a mudança no teor de gordura corporal (avaliada por pletismografia por deslocamento de ar) no mesmo período 5050. Costa CS, Assunção MCF, Mola CL, Cardoso JS, Matijasevich A, Barros AJD, et al. Role of ultra-processed food in fat mass index from 6 to 11 years of age: a cohort study. Int J Epidemiol 2021; 50:256-65..
A associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a circunferência da cintura foi demonstrada em uma das duas coortes em que este desfecho foi avaliado. Após ajuste para confundidores, um trabalho que acompanhou por quatro anos uma coorte de crianças de 3 a 4 anos de baixa condição socioeconômica, demonstrou que a ingestão de alimentos ultraprocessados na idade pré-escolar foi positivamente associada ao aumento nos valores de circunferência da cintura da idade pré-escolar para a escolar 4949. Costa CS, Rauber F, Leffa PS, Sangalli CN, Campagnolo PDB, Vitolo MR. Ultra-processed food consumption and its effects on anthropometric and glucose profile: a longitudinal study during childhood. Nutr Metab Cardiovasc Dis 2019; 29:177-84..
b) Marcadores de risco metabólico
Em crianças e adolescentes, trabalhos examinaram a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e os níveis de pressão arterial em um estudo de coorte (qualidade metodológica alta) 4848. Bawaked RA, Fernández-Barrés S, Navarrete-Muñoz EM, González-Palacios S, Guxens M, Irizar A, et al. Impact of lifestyle behaviors in early childhood on obesity and cardiometabolic risk in children: results from the Spanish INMA birth cohort study. Pediatr Obes 2020; 15:e12590. e dois transversais locais (ambos com qualidade baixa) 5353. De Melo ISV, Costa C, dos Santos JVL, Santos AF, Florencio T, Bueno NB. Consumption of minimally processed food is inversely associated with excess weight in adolescents living in an underdeveloped city. PLoS One 2017; 12:e0188401.,5555. D'Avila HF, Kirsten VR. Energy intake from ultra-processed foods among adolescents. Rev Paul Pediatr 2017; 35:54-60., lipídios séricos em dois de coorte (qualidade alta) 5757. Rauber F, Campagnolo PDB, Hoffman DJ, Vitolo MR. Consumption of ultra-processed food products and its effects on children's lipid profiles: a longitudinal study. Nutr Metabol Cardiovasc Dis 2015; 25:116-22.,5858. Leffa PS, Hoffman DJ, Rauber F, Sangalli CN, Valmórbida JL, Vitolo MR. Longitudinal associations between ultra-processed foods and blood lipids in childhood. Br J Nutr 2020; 124:341-8. e duas análises transversais aninhadas a estudo de coorte (um com qualidade alta 4848. Bawaked RA, Fernández-Barrés S, Navarrete-Muñoz EM, González-Palacios S, Guxens M, Irizar A, et al. Impact of lifestyle behaviors in early childhood on obesity and cardiometabolic risk in children: results from the Spanish INMA birth cohort study. Pediatr Obes 2020; 15:e12590. e um com baixa 5252. Gadelha P, Arruda IKG, Coelho PBP, Queiroz PMA, Maio R, Diniz AD. Consumption of ultraprocessed foods, nutritional status, and dyslipidemia in schoolchildren: a cohort study. Eur J Clin Nutr 2019; 73:1194-9.), glicemia em um estudo de coorte (qualidade alta) 4949. Costa CS, Rauber F, Leffa PS, Sangalli CN, Campagnolo PDB, Vitolo MR. Ultra-processed food consumption and its effects on anthropometric and glucose profile: a longitudinal study during childhood. Nutr Metab Cardiovasc Dis 2019; 29:177-84., síndrome metabólica em um transversal (qualidade baixa) 5959. Tavares LF, Fonseca SC, Rosa MLG, Yokoo EM. Relationship between ultra-processed foods and metabolic syndrome in adolescents from a Brazilian Family Doctor Program. Public Health Nutr 2012; 15:82-7. e níveis urinários de 8-OHdG em um estudo transversal (qualidade baixa) 6060. Edalati S, Bagherzadeh F, Jafarabadi MA, Ebrahimi-Mamaghani M. Higher ultra-processed food intake is associated with higher DNA damage in healthy adolescents. Br J Nutr 2021; 125:568-76..
Um estudo da coorte espanhola de nascimento INMA demonstrou que a baixa ingestão de alimentos ultraprocessados aos quatro anos de idade foi associada a menores valores de pressão arterial diastólica aos sete. Não foram encontradas associações para esse desfecho nos estudos transversais 4848. Bawaked RA, Fernández-Barrés S, Navarrete-Muñoz EM, González-Palacios S, Guxens M, Irizar A, et al. Impact of lifestyle behaviors in early childhood on obesity and cardiometabolic risk in children: results from the Spanish INMA birth cohort study. Pediatr Obes 2020; 15:e12590..
Após ajuste para confundidores, um trabalho que acompanhou por quatro anos uma coorte de crianças de 3 a 4 anos de baixa condição socioeconômica, demonstrou que a ingestão de alimentos ultraprocessados na idade pré-escolar foi associada a aumentos no colesterol e no LDL-colesterol séricos da idade pré-escolar para a escolar. Após ajuste para confundidores, um estudo de coorte demonstrou que a ingestão de alimentos ultraprocessados aos três anos de idade foi positivamente associada a níveis séricos de colesterol total e triglicerídeos aos seis anos 5858. Leffa PS, Hoffman DJ, Rauber F, Sangalli CN, Valmórbida JL, Vitolo MR. Longitudinal associations between ultra-processed foods and blood lipids in childhood. Br J Nutr 2020; 124:341-8.. Não foram encontradas associações para esse desfecho nos estudos transversais 5757. Rauber F, Campagnolo PDB, Hoffman DJ, Vitolo MR. Consumption of ultra-processed food products and its effects on children's lipid profiles: a longitudinal study. Nutr Metabol Cardiovasc Dis 2015; 25:116-22.. Não foi encontrada associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e glicemia 4949. Costa CS, Rauber F, Leffa PS, Sangalli CN, Campagnolo PDB, Vitolo MR. Ultra-processed food consumption and its effects on anthropometric and glucose profile: a longitudinal study during childhood. Nutr Metab Cardiovasc Dis 2019; 29:177-84..
Um estudo com adolescentes com idades entre 12 e 19 anos da cidade do Rio de Janeiro, Brasil, encontrou associação transversal positiva entre o consumo de ultraprocessados e a síndrome metabólica 5959. Tavares LF, Fonseca SC, Rosa MLG, Yokoo EM. Relationship between ultra-processed foods and metabolic syndrome in adolescents from a Brazilian Family Doctor Program. Public Health Nutr 2012; 15:82-7..
Um estudo com adolescentes iranianos de 13 a 19 anos encontrou, após ajuste para confundidores, associação transversal entre o consumo de alimentos ultraprocessados e os níveis urinários de 8-OHdG, um marcador de dano oxidativo ao DNA 6060. Edalati S, Bagherzadeh F, Jafarabadi MA, Ebrahimi-Mamaghani M. Higher ultra-processed food intake is associated with higher DNA damage in healthy adolescents. Br J Nutr 2021; 125:568-76..
Finalmente, um estudo ecológico realizado com pesquisa de orçamentos familiares brasileira demonstrou, após ajuste para confundidores, que a disponibilidade de alimentos ultraprocessados no domicílio foi positivamente associada ao valor médio do IMC e à prevalência de excesso de peso e obesidade entre os seus moradores de todas as idades 6161. Canella DS, Levy RB, Martins AP, Claro RM, Moubarac JC, Baraldi LG, et al. Ultra-processed food products and obesity in Brazilian households (2008-2009). PLoS One 2014; 9:e92752..
Doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, câncer, asma e mortalidade
O Quadro 4 descreve as principais características dos estudos que avaliaram a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados, doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, câncer e mortalidade em adultos e asma em crianças.
Adultos
a) Doenças cardiovasculares
A associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e as doenças cardiovasculares foi examinada em um estudo da coorte de adultos franceses NutriNet Santé (qualidade metodológica alta). Após ajuste para confundidores, o consumo de alimentos ultraprocessados foi associado com a maior incidência de doença cardiovascular em geral e para os subgrupos de doença coronariana e doenças cerebrovasculares 6262. Srour B, Fezeu LK, Kesse-Guyot E, Alles B, Mejean C, Andrianasolo RM, et al. Ultra-processed food intake and risk of cardiovascular disease: prospective cohort study (NutriNet-Santé). BMJ 2019; 365:l1451..
b) Diabetes tipo 2
A associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e diabetes tipo 2 em adultos foi examinada em dois estudos de coorte (qualidade metodológica alta). Análises das coortes NutriNet Santé 6363. Srour B, Fezeu LK, Kesse-Guyot E, Alles B, Debras C, Druesne-Pecollo N, et al. Ultraprocessed food consumption and risk of type 2 diabetes among participants of the NutriNet-Santé prospective cohort. JAMA Intern Med 2020; 180:283-91. e UK Biobank 6464. Levy RB, Rauber F, Chang K, Louzada MLC, Monteiro CA, Millett C, et al. Association between ultra-processed food consumption and type 2 diabetes incidence: a prospective cohort study using UK Biobank. Clin Nutr 2021; 40:3608-14. demonstraram associações (após ajuste para confundidores) entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a incidência de diabetes tipo 2.
c) Câncer
A associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e câncer em geral, de próstata, colorretal e de mama em adultos foi examinada em um estudo de coorte (qualidade metodológica alta) 6565. Fiolet T, Srour B, Sellem L, Kesse-Guyot E, Allès B, Méjean C, et al. Consumption of ultra-processed foods and cancer risk: results from NutriNet-Santé prospective cohort. BMJ 2018; 360:k322. e câncer de mama e de próstata também em dois estudos de caso-controle (qualidade média e baixa, respectivamente) 6666. Queiroz SA, Sousa IM, Silva FRD, Lyra CD, Fayh APT. Nutritional and environmental risk factors for breast cancer: a case-control study. Sci Med (Porto Alegre, Online) 2018; 28:ID28723.,6767. Trudeau K, Rousseau M-C, Parent M-E. Extent of food processing and risk of prostate cancer: The PROtEuS Study in Montreal, Canada. Nutrients 2020; 12:637..
Após ajuste para confundidores, um estudo realizado na coorte NutriNet Santé demonstrou associações diretas para o câncer em geral e de mama, mas não para o câncer de próstata e colorretal 6565. Fiolet T, Srour B, Sellem L, Kesse-Guyot E, Allès B, Méjean C, et al. Consumption of ultra-processed foods and cancer risk: results from NutriNet-Santé prospective cohort. BMJ 2018; 360:k322.. Um estudo de caso-controle de base hospitalar realizado no Brasil demonstrou que participantes com câncer de mama apresentaram maior ingestão de alimentos ultraprocessados, quando comparadas àquelas no grupo controle (pacientes não oncológicas do mesmo hospital) 6666. Queiroz SA, Sousa IM, Silva FRD, Lyra CD, Fayh APT. Nutritional and environmental risk factors for breast cancer: a case-control study. Sci Med (Porto Alegre, Online) 2018; 28:ID28723..
d) Mortalidade
A associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a mortalidade por todas as causas foi avaliada em quatro estudos de coorte (qualidade metodológica alta) 6868. Kim H, Hu EA, Rebholz CM. Ultra-processed food intake and mortality in the USA: results from the Third National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III, 1988-1994). Public Health Nutr 2019; 22:1777-85.,6969. Rico-Campà A, Martínez-González MA, Alvarez-Alvarez I, Mendonça RD, de la Fuente-Arrillaga C, Gómez-Donoso C, et al. Association between consumption of ultra-processed foods and all cause mortality: SUN prospective cohort study. BMJ 2019; 365:l1949.,7070. Schnabel L, Kesse-Guyot E, Alles B, Touvier M, Srour B, Hercberg S, et al. Association between ultraprocessed food consumption and risk of mortality among middle-aged adults in France. JAMA Intern Med 2019; 179:490-8.,7171. Blanco-Rojo R, Sandoval-Insausti H, Lopez-Garcia E, Graciani A, Ordovas JM, Banegas JR, et al. Consumption of ultra-processed foods and mortality: a national prospective cohort in Spain. Mayo Clin Proc 2019; 94:2178-88. e a mortalidade por doenças cardiovasculares foi pesquisada em dois estudos de coorte (qualidade metodológica alta) 6868. Kim H, Hu EA, Rebholz CM. Ultra-processed food intake and mortality in the USA: results from the Third National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III, 1988-1994). Public Health Nutr 2019; 22:1777-85.,7272. Zhong G-C, Gu H-T, Peng Y, Wang K, Wu Y-Q-L, Hu T-Y, et al. Association of ultra-processed food consumption with cardiovascular mortality in the US population: long-term results from a large prospective multicenter study. Int J Behav Nutr Phys Act 2021; 18:21.. Após ajuste para possíveis confundidores, análises do estudo de acompanhamento da NHANES III 6868. Kim H, Hu EA, Rebholz CM. Ultra-processed food intake and mortality in the USA: results from the Third National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III, 1988-1994). Public Health Nutr 2019; 22:1777-85. e das coortes The Sun 6969. Rico-Campà A, Martínez-González MA, Alvarez-Alvarez I, Mendonça RD, de la Fuente-Arrillaga C, Gómez-Donoso C, et al. Association between consumption of ultra-processed foods and all cause mortality: SUN prospective cohort study. BMJ 2019; 365:l1949., NutriNet Santé 7070. Schnabel L, Kesse-Guyot E, Alles B, Touvier M, Srour B, Hercberg S, et al. Association between ultraprocessed food consumption and risk of mortality among middle-aged adults in France. JAMA Intern Med 2019; 179:490-8. e Estudio de Nutrición y Riesgo Cardiovascular en España (ENRICA) 7171. Blanco-Rojo R, Sandoval-Insausti H, Lopez-Garcia E, Graciani A, Ordovas JM, Banegas JR, et al. Consumption of ultra-processed foods and mortality: a national prospective cohort in Spain. Mayo Clin Proc 2019; 94:2178-88. encontraram associações de dose-resposta entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o risco de morte por todas as causas. Após ajuste para possíveis confundidores, associação e dose resposta entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o risco de morte por doenças cardiovasculares foi encontrada no estudo da PLCO Cancer Screening Trial7272. Zhong G-C, Gu H-T, Peng Y, Wang K, Wu Y-Q-L, Hu T-Y, et al. Association of ultra-processed food consumption with cardiovascular mortality in the US population: long-term results from a large prospective multicenter study. Int J Behav Nutr Phys Act 2021; 18:21., mas não no estudo de acompanhamento da NHANES III 6868. Kim H, Hu EA, Rebholz CM. Ultra-processed food intake and mortality in the USA: results from the Third National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III, 1988-1994). Public Health Nutr 2019; 22:1777-85..
Crianças
a) Asma ou chiado
A associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e asma ou chiado foi examinada em adolescentes de um estudo de coorte (qualidade metodológica alta) 7373. Azeredo CM, Cortese M, Costa CD, Bjornevik K, Barros AJD, Barros FC, et al. Ultra-processed food consumption during childhood and asthma in adolescence: data from the 2004 Pelotas birth cohort study. Pediatr Allergy Immunol 2020; 31:27-37. e dois transversais com amostras nacionais representativas (ambos com qualidade média) 7474. Melo B, Rezende L, Machado P, Gouveia N, Levy R. Associations of ultra-processed food and drink products with asthma and wheezing among Brazilian adolescents. Pediatr Allergy Immunol 2018; 29:504-11.,7575. Elias BC, Silva JB, Mais LA, Warkentin S, Konstantyner T, Solé D. Factors associated with asthma in brazilian adolescents: national adolescent school-based health survey (pense-2012). Rev Paul Pediatr 2019; 37:406-13..
Um estudo da Coorte de Nascimento de Pelotas ano de 2004 não encontrou associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados aos seis anos e a ocorrência de chiado ou asma aos 11 anos 7373. Azeredo CM, Cortese M, Costa CD, Bjornevik K, Barros AJD, Barros FC, et al. Ultra-processed food consumption during childhood and asthma in adolescence: data from the 2004 Pelotas birth cohort study. Pediatr Allergy Immunol 2020; 31:27-37.. Os dois estudos transversais foram realizados com amostra representativa de adolescentes brasileiros do 9º ano do Ensino Fundamental. Após ajuste para possíveis confundidores, eles encontraram associações dose-resposta entre um escore de consumo de alimentos ultraprocessados e a ocorrência de asma e chiado no peito 7474. Melo B, Rezende L, Machado P, Gouveia N, Levy R. Associations of ultra-processed food and drink products with asthma and wheezing among Brazilian adolescents. Pediatr Allergy Immunol 2018; 29:504-11.,7575. Elias BC, Silva JB, Mais LA, Warkentin S, Konstantyner T, Solé D. Factors associated with asthma in brazilian adolescents: national adolescent school-based health survey (pense-2012). Rev Paul Pediatr 2019; 37:406-13..
Fragilidade, doenças gastrointestinais e depressão
O Quadro 5 descreve as principais características dos estudos que avaliaram a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e fragilidade e doenças gastrointestinais em adultos e depressão em adultos e gestantes.
Adultos
a) Fragilidade
A associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a fragilidade foi examinada em um estudo da coorte de espanhóis com 60 anos de idade (qualidade metodológica alta). Após ajuste para confundidores, o consumo de alimentos ultraprocessados foi associado com a maior incidência de fragilidade 7676. Sandoval-Insausti H, Blanco-Rojo R, Graciani A, López-García E, Moreno-Franco B, Laclaustra M, et al. Ultra-processed food consumption and incident frailty: a prospective cohort study of older adults. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2020; 75:1126-33..
b) Distúrbios gastrointestinais
A associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e os distúrbios gastrointestinais em adultos foi examinada em um estudo de coorte (qualidade metodológica alta) 7777. Vasseur P, Dugelay E, Benamouzig R, Savoye G, Lan A, Srour B, et al. Dietary patterns, ultra-processed food, and the risk of inflammatory bowel diseases in the NutriNet-Santé cohort. Inflamm Bowel Dis 2021; 27:65-73. e em um transversal (qualidade média) 7878. Schnabel L, Buscail C, Sabate J-M, Bouchoucha M, Kesse-Guyot E, Allès B, et al. Association between ultra-processed food consumption and functional gastrointestinal disorders: results from the French NutriNet-Santé cohort. Am J Gastroenterol 2018; 113:1217-28..
Um estudo realizado com a coorte francesa NutriNet Santé não demonstrou associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a incidência de doenças inflamatórias intestinais após ajuste para confundidores (somente na análise bruta) 7777. Vasseur P, Dugelay E, Benamouzig R, Savoye G, Lan A, Srour B, et al. Dietary patterns, ultra-processed food, and the risk of inflammatory bowel diseases in the NutriNet-Santé cohort. Inflamm Bowel Dis 2021; 27:65-73.. Um estudo transversal demonstrou, após ajuste para confundidores, a associação com a ocorrência de síndrome do intestino irritável e a dispepsia funcional 7878. Schnabel L, Buscail C, Sabate J-M, Bouchoucha M, Kesse-Guyot E, Allès B, et al. Association between ultra-processed food consumption and functional gastrointestinal disorders: results from the French NutriNet-Santé cohort. Am J Gastroenterol 2018; 113:1217-28..
c) Depressão
A associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a depressão/sintomas depressivos em adultos foi examinada em dois estudos de coorte (qualidade metodológica alta). Resultados de estudos feitos na coorte NutriNet Santé 7979. Adjibade M, Julia C, Allès B, Touvier M, Lemogne C, Srour B, et al. Prospective association between ultra-processed food consumption and incident depressive symptoms in the French NutriNet-Santé cohort. BMC Med 2019; 17:78. e no estudo The Sun 8080. Gómez-Donoso C, Sánchez-Villegas A, Martínez-González MA, Gea A, Mendonça RD, Lahortiga-Ramos F, et al. Ultra-processed food consumption and the incidence of depression in a Mediterranean cohort: The Sun. Eur J Nutr 2020; 59:1093-103. demonstraram associações (após ajuste para confundidores) entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a incidência de depressão.
A qualidade global da evidência foi avaliada como alta para a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e os indicadores de obesidade e mortalidade, moderada para diabetes tipo 2 e depressão, e baixa para os outros desfechos.
Gestantes
a) Depressão
Em gestantes, um estudo transversal (qualidade metodológica baixa) realizado em cidade de médio porte do Brasil demonstrou, após ajuste para confundidores, associação positiva entre o consumo de alimentos ultraprocessados e os sintomas de depressão 8181. Badanai NL, Zuccolotto DCC, Crivellenti LC, Sartorelli DS. Association of dietary patterns and degree of food processing with feelings of depression in pregnancy. Rev Bras Saúde Mater Infant 2019; 19:581-90..
Discussão
Esta revisão descreveu os resultados de diversos estudos que mostraram a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e algumas doenças crônicas não transmissíveis e seus fatores de risco. A evidência parece particularmente consistente no que diz respeito à obesidade em adultos, cuja associação com o consumo de alimentos ultraprocessados foi demonstrada, com efeito dose-resposta, em estudos transversais com amostras representativas de cinco países (Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Canadá e Brasil), em quatro grandes estudos de coorte e em um ensaio clínico randomizado. Grandes estudos de coorte também demonstraram associação do consumo de alimentos ultraprocessados com o risco de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e de câncer de mama, mesmo após ajuste para obesidade. Dois estudos de coorte também demonstraram associação do consumo de alimentos ultraprocessados com a incidência de depressão. Além disso, quatro grandes estudos de coorte descreveram a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a mortalidade por todas as causas, o indicador mais importante de carga de doenças. A grande maioria desses estudos foi realizada em países de alta renda e em adultos. Em crianças, os estudos são limitados em número e qualidade metodológica, apesar de as evidências disponíveis sugerirem associações na mesma direção. Não foram encontrados trabalhos que avaliaram desfechos de doenças não crônicas.
Muito embora diversos mecanismos não estejam completamente elucidados, inúmeras características dos alimentos ultraprocessados, determinadas pela natureza altamente processada destes alimentos, contribuem para o seu papel no risco de doenças.
Alimentos ultraprocessados são convenientes, práticos e portáteis. Geralmente, eles são desenvolvidos para que possam ser consumidos em qualquer lugar. Na maioria das vezes, são vendidos como lanches, bebidas ou pratos prontos ou semiprontos para consumo e promovidos por agressivas estratégias de marketing. Sendo assim, estão facilmente associados a modos de comer que induzem ao consumo excessivo e “desapercebido” de calorias, além de substituírem refeições feitas na hora, baseadas em alimentos in natura ou minimamente processados. Forde et al. 1414. Forde CG, Mars M, de Graaf K. Ultra-processing or oral processing? A role for energy density and eating rate in moderating energy intake from processed foods. Curr Dev Nutr 2020; 4:nzaa019. mostraram que pessoas expostas a alimentos ultraprocessados realizaram as refeições em uma velocidade 50% superior àquelas expostas a alimentos não ultraprocessados, e sugeriram que isto seria um importante mecanismo para explicar as diferenças no consumo energético. Grandes tamanhos de porção, característica frequente em muitos alimentos ultraprocessados, também têm sido associados ao ganho de peso 8282. Steenhuis IH, Vermeer WM. Portion size: review and framework for interventions. Int J Behav Nutr Phys Act 2009; 6:58.,8383. Albar SA, Alwan NA, Evans CE, Cade JE. Is there an association between food portion size and BMI among British adolescents? Br J Nutr 2014; 112:841-51..
Alimentos ultraprocessados têm maior densidade energética, mais açúcar livre e gorduras saturadas e trans, e menos fibra dietética, proteína, micronutrientes e compostos bioativos do que alimentos não ultraprocessados, e o seu consumo é sistematicamente associado à deterioração da qualidade nutricional da alimentação 33. Martínez Steele E, Baraldi LG, Louzada ML, Moubarac JC, Mozaffarian D, Monteiro CA. Ultra-processed foods and added sugars in the US diet: evidence from a nationally representative cross-sectional study. BMJ Open 2016; 6:e009892.,44. Moubarac JC, Batal M, Louzada ML, Martinez Steele E, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods predicts diet quality in Canada. Appetite 2017; 108:512-20.,55. Rauber F, Louzada MLD, Steele EM, Millett C, Monteiro CA, Levy RB. Ultra-processed food consumption and chronic non-communicable diseases-related dietary nutrient profile in the UK (2008-2014). Nutrients 2018; 10:587.,66. Machado PP, Steele EM, Levy RB, Sui ZX, Rangan A, Woods J, et al. Ultra-processed foods and recommended intake levels of nutrients linked to non-communicable diseases in Australia: evidence from a nationally representative cross-sectional study. BMJ Open 2019; 9:e029544.,77. Cediel G, Reyes M, Louzada MLC, Steele EM, Monteiro CA, Corvalán C, et al. Ultra-processed foods and added sugars in the Chilean diet (2010). Public Health Nutr 2018; 21:125-33.,88. Marron-Ponce JA, Flores M, Cediel G, Monteiro CA, Batis C. Associations between consumption of ultra-processed foods and intake of nutrients related to chronic non-communicable diseases in Mexico. PLoS One 2019; 119:1852-65.,1111. Louzada MLC, Ricardo CZ, Steele EM, Levy RB, Cannon G, Monteiro CA. The share of ultra-processed foods determines the overall nutritional quality of diets in Brazil. Public Health Nutr 2018; 21:94-102.,1212. Martínez Steele E, Monteiro CA. Association between dietary share of ultra-processed foods and urinary concentrations of phytoestrogens in the US. Nutrients 2017; 9:209.. Eles também induzem altas respostas glicêmicas e têm baixo potencial de saciedade 1313. Fardet A. Minimally processed foods are more satiating and less hyperglycemic than ultra-processed foods: a preliminary study with 98 ready-to-eat foods. Food Funct 2016; 7:2338-46.. Seus ingredientes, que se caracterizam principalmente por açúcares e gorduras, somados a aditivos cosméticos e técnicas de processamento que se utilizam da destruição da matriz alimentar e da retirada de água, fazem com que o seu conteúdo nutricional não seja transmitido com precisão ao cérebro, afetando os sistemas de controle da saciedade. Muitos desses aditivos, em particular os espessantes e corantes, além de adoçantes artificiais, também têm sido associados com alterações metabólicas 8484. Chassaing B, Koren O, Goodrich JK, Poole AC, Srinivasan S, Ley RE, et al. Dietary emulsifiers impact the mouse gut microbiota promoting colitis and metabolic syndrome. Nature 2015; 519:92-6.,8585. Bhattacharyya S, Feferman L, Tobacman JK. Carrageenan inhibits insulin signaling through GRB10-mediated decrease in Tyr (P)-IRS1 and through inflammation-induced increase in Ser (P) 307-IRS1. J Biol Chem 2015; 290:10764-74.,8686. IARC Working Group on the Evaluation of Carcinogenic Risks to Humans. Carbon black, titanium dioxide, and talc. Lyon: International Agency for Research on Cancer; 2010. (IARC Monographs on the Evaluation of Carcinogenic Risks to Humans, 93).,8787. Lerner A, Matthias T. Changes in intestinal tight junction permeability associated with industrial food additives explain the rising incidence of autoimmune disease. Autoimmun Rev 2015; 14:479-89.. Evidências crescentes apontam que grande parte desse mecanismo pode estar associada a distúrbios na homeostase da microbiota intestinal causados pelo consumo de alimentos ultraprocessados 1717. Zinöcker M, Lindseth I. The Western diet-microbiome-host interaction and its role in metabolic disease. Nutrients 2018; 10:365.,8888. Miclotte L, Van de Wiele T. Food processing, gut microbiota and the globesity problem. Crit Rev Food Sci Nutr 2020; 60:1769-82..
Por fim, compostos químicos formados durante os processos de fabricação ou liberados dos materiais das embalagens dos alimentos ultraprocessados também são outros mecanismos que explicam a associação entre o consumo destes alimentos e a ocorrência de doenças. A acrilamida, a acroleína e a nitrosamina, contaminantes presentes nos alimentos processados tratados termicamente, foram associadas a um maior risco de doenças cardiovasculares 8989. Zhang Y, Huang M, Zhuang P, Jiao J, Chen X, Wang J, et al. Exposure to acrylamide and the risk of cardiovascular diseases in the National Health and Nutrition Examination Survey 2003-2006. Environ Int 2018; 117:154-63.,9090. DeJarnett N, Conklin DJ, Riggs DW, Myers JA, O'Toole TE, Hamzeh I, et al. Acrolein exposure is associated with increased cardiovascular disease risk. J Am Heart Assoc 2014; 3:e000934., neoplasia 9191. Virk-Baker MK, Nagy TR, Barnes S, Groopman J. Dietary acrylamide and human cancer: a systematic review of literature. Nutr Cancer 2014; 66:774-90. e resistência insulínica 9292. Lin C-Y, Lin Y-C, Kuo H-K, Hwang J-J, Lin J-L, Chen P-C, et al. Association among acrylamide, blood insulin, and insulin resistance in adults. Diabetes Care 2009; 32:2206-11.,9393. Feroe AG, Attanasio R, Scinicariello F. Acrolein metabolites, diabetes and insulin resistance. Environ Res 2016;148:1-6.. Bisfenol A - um químico industrial usado em algumas embalagens plásticas de alimentos ultraprocessados - interfere em vias celulares relacionadas à homeostase do peso e da glicose, e sua ingestão já foi associada a um risco aumentado de obesidade 9494. Heindel JJ, Newbold R, Schug TT. Endocrine disruptors and obesity. Nat Rev Endocrinol 2015; 11:653-61. e a uma série doenças crônicas 9595. Muncke J. Endocrine disrupting chemicals and other substances of concern in food contact materials: an updated review of exposure, effect and risk assessment. J Steroid Biochem Molec Biol 2011; 127:118-27.. Estudos recentes realizados com dados da população estadunidense avaliada na NHANES demonstraram que o consumo de alimentos ultraprocessados foi associado à maior concentração urinária de bisfenois, ftalatos e organofosfatos, todos desreguladores endócrinos usados em embalagens plásticas industriais 1515. Buckley JP, Kim H, Wong E, Rebholz CM. Ultra-processed food consumption and exposure to phthalates and bisphenols in the US National Health and Nutrition Examination Survey, 2013-2014. Am J Clin Nutr 2019; 131:105057.,1616. Kim H, Rebholz CM, Wong E, Buckley JP. Urinary organophosphate ester concentrations in relation to ultra-processed food consumption in the general US population. Environ Res 2020; 182:109070..
Os achados deste trabalho são ainda mais relevantes ao considerarmos que, nas últimas décadas, o consumo de alimentos ultraprocessados tem aumentado de forma expressiva e acelerada em diversos países, impulsionado por mudanças recentes no sistema alimentar 22. Monteiro CA, Moubarac JC, Cannon G, Ng SW, Popkin B. Ultra-processed products are becoming dominant in the global food system. Obes Rev 2013; 14:21-8.. Desde a década de 1980, as políticas econômicas promulgadas por organizações globais apoiadas pelos governos mais poderosos favoreceram a ascensão fenomenal das transnacionais de alimentos ultraprocessados. Essas políticas desregulamentaram a indústria, promoveram o fluxo de capital, abriram os países ao investimento estrangeiro, permitiram que as transnacionais assumissem as empresas nacionais e restringiram os governos nacionais de introduzir políticas estatutárias para limitar o seu consumo. Enquanto isso, o crescimento econômico e o aumento da renda média de algumas populações tornaram os alimentos ultraprocessados acessíveis para mais pessoas 9696. Monteiro CA, Cannon GJ. The role of the transnational ultra-processed food industry in the pandemic of obesity and its associated diseases: problems and solutions. World Nutr 2019; 10:89-99..
Este trabalho apresenta limitações. Observou-se que alguns estudos originais foram mais suscetíveis a vieses, como aqueles que utilizaram instrumentos de coleta de dados de consumo alimentar sujeitos a viés de memória, ou peso e altura autorreferidos. O uso da ferramenta de avaliação da qualidade, no entanto, foi importante para levar em conta esses possíveis vieses na apresentação dos resultados. Nosso estudou limitou a busca a artigos disponíveis na literatura (sem acessar “literatura cinza”, anais de congresso ou estudos em andamento). Dessa forma, para muitos desfechos, para populações de países de baixa e média rendas e para crianças e adolescentes, encontramos poucos estudos e de qualidade metodológica baixa. Sendo assim, alguns resultados devem ser interpretados como não conclusivos. Por outro lado, este estudo utilizou uma abrangente e rigorosa estratégia de pesquisa e seleção que identificou trabalhos de diferentes delineamentos realizados em diferentes subgrupos populacionais. Embora estudos transversais contribuam com menor peso na avaliação da totalidade da evidência, eles são importantes em um cenário de poucos estudos ou na falta de outra evidência disponível. Dessa forma, acreditamos que nossos resultados resumem os melhores dados atuais sobre a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e saúde, destacando também as lacunas no conhecimento que precisam de mais investigação.
A relevância da classificação NOVA é cada vez mais reconhecida e, nos últimos anos, tem sido abordada nas recomendações de diversas entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura 9797. Monteiro CA, Cannon G, Lawrence M, Louzada MLC, Machado PP. Ultra-processed foods, diet quality, and health using the NOVA classification system. Rome: Food and Agriculture Organization of the United Nations; 2019., a Organização Pan-Americana de Saúde Pública 9898. Pan American Health Organization. Ultra-processed food and drink products in Latin America: sales, sources, nutrient profiles, and policy implications. Washington DC: Pan American Health Organization; 2019. e a Comissão de Obesidade do Lancet 9999. Swinburn BA, Kraak VI, Allender S, Atkins VJ, Baker PI, Bogard JR, et al. The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: the Lancet Commission report. Lancet 2019; 393:791-846., além de guias alimentares nacionais 100100. Food and Agriculture Organization. Food-based dietary guidelines. http://www.fao.org/nutrition/education/food-dietary-guidelines (acessado em Set/2020).
http://www.fao.org/nutrition/education/f... . O Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado em 2014, foi pioneiro ao utilizar essa classificação como base das suas recomendações, e traz como regra de ouro que se “prefiram alimentos in natura ou minimamente processados e suas preparações culinárias a alimentos ultraprocessados” 100100. Food and Agriculture Organization. Food-based dietary guidelines. http://www.fao.org/nutrition/education/food-dietary-guidelines (acessado em Set/2020).
http://www.fao.org/nutrition/education/f... .
Em conclusão, nosso trabalho descreveu os resultados de diversos estudos que demonstraram o impacto do consumo de alimentos ultraprocessados na saúde, com evidências particularmente consistentes para obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis e mortalidade por todas as causas em adultos. Além disso, a revisão possibilitou apontar lacunas na literatura, sendo elas estudos com desfechos de doenças não crônicas (como deficiências nutricionais), com crianças e adolescentes e em populações de países de baixa e média rendas. Apesar disso, esses resultados têm implicações importantes, considerando que a redução do consumo de alimentos ultraprocessados pelas populações pode ser revertida em importantes benefícios.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP; Projeto 2015/14900-9 e Projeto 2019/06852-5) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; Projeto nº 408462/2017-5).
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
20 Abr 2022 - Data do Fascículo
2021
Histórico
- Recebido
13 Nov 2020 - Revisado
17 Dez 2020 - Aceito
23 Dez 2020