Rompendo o silêncio branco: não basta ser antirracista, é preciso agir

Breaking the white silence: be anti-racist is not enough, one must take action

Rompiendo el silencio blanco: no basta con ser antirracistas, hay que actuar

Carolina Magalhães Heringer Tatiana Wargas de Faria Baptista Sobre os autores
BRANQUITUDE: DIÁLOGOS SOBRE RACISMO E ANTIRRACISMO.. ,Schucman, LV. , organizadores. São Paulo: Editora Fósforo; 2023. 216 p. ISBN: 978-6584568310.

Nosso encontro com o livro 11. Instituto Ibirapitanga, Schucman LV, organizadores. Branquitude: diálogos sobre racismo e antirracismo. São Paulo: Editora Fósforo; 2023. surgiu da nossa inquietação em relação ao lugar de privilégio branco e sua perpetuação social e estrutural. Esse foi um encontro entre duas mulheres brancas - que estão em busca de reconhecer e romper com seus privilégios - com uma variedade de debates que geram desconfortos necessários. Também acreditamos que outra sociedade é possível e urgente, de forma que devemos assumir a responsabilidade de agir diante das dimensões estruturais, institucionais e individuais do racismo, pois “o racismo não é uma problemática pessoal, mas um problema branco estrutural e institucional que pessoas negras experienciam22. Kilomba G. Memórias da plantação. Episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó; 2019. (p. 204).

Os diálogos apresentados no livro, organizado por Lia Vainer Schucman, originam-se de encontros realizados nos anos de 2020 e 2021, promovidos pelo Instituto Ibirapitanga 33. Instituto Ibirapitanga. Encontro Branquitude: Racismo e Antirracismo. Vídeo: 01:39:57. https://www.youtube.com/watch?v=4tmyxxvU26M&list=PLT9D00V28UFpUFpoJRMweLZ_R04bon5bT.
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, entre pensadores e ativistas que se dedicam à luta antirracista e expressam desconfortos diante da perpetuação da branquitude. As conversas aconteceram em seis momentos e, em cada um deles, havia dois ou três responsáveis pelo debate. São conversas que nos provocam e conclamam a pensar sobre como corpos brancos mantêm seus privilégios, supostas superioridades e violências, eximindo-se da responsabilidade com o que provocam de sofrimento e morte. Em cada texto/debate, o pacto da branquitude 44. Bento C. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras; 2022. e sua contraface, o racismo, são expostos em minúcias, com o objetivo de tecer estratégias para avançar na luta antirracista e na quebra desse pacto perverso que continua velado para muitos.

Todos os diálogos entrelaçam-se, complementam-se, sustentam-se e reafirmam-se em confiança e aliança, construída por passos anteriores que abriram caminhos para a sobrevivência e a resistência da população negra. Aliança entre os negros que vêm de longe, lutaram, e seguem lutando contra a violência e os privilégios brancos. Como convocam Winnie Bueno, Ronilso Pacheco & Lia Vainer Schucman, é preciso entender que a diáspora é um sentimento que faz parte da luta por direitos e das profundas reivindicações que duram anos.

O debate entre Sueli Carneiro & Lia Schucman, mediado por Ana Paula Lisboa, desperta a reflexão sobre as alianças de dor e resistência, mas também as alianças de violência e extermínio. Visto que, desde a colonização, os brancos se associaram para explorar, violentar e expropriar a população negra, tirando vantagens sobre ela. Ambas as alianças se reconfiguram e se mantêm até os dias de hoje, sendo necessário questionar: em qual aliança estamos? Quais as vantagens que foram construídas pelos brancos a partir do pacto da violência? E quais os rebatimentos dessas alianças sobre a saúde da população negra?

Em vários momentos, os autores ressaltam que a saúde da população negra é prejudicada cotidianamente pelo racismo e pelo pacto da branquitude. As pessoas negras enfrentam dificuldades no acesso às instituições de saúde, com atendimentos negados, negligenciados e/ou atravessados por violências racistas. As instituições têm o seu funcionamento baseado em vantagens e desvantagens conforme a raça 44. Bento C. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras; 2022.,55. Almeida S. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen; 2019.. Portanto, o racismo e a branquitude podem determinar o adoecimento e a morte das pessoas negras.

Na conversa protagonizada por Robin DiAngelo, Cida Bento & Thiago Amparo, podemos refletir sobre as vidas negras como sobreviventes de um pacto de morte construído pelos brancos para se manter no poder acima de tudo e de todos os não brancos. Deivison Faustino, Lourenço Cardoso & Luciana Brito mobilizam Frantz Fanon para explicitar o processo de racialização construído pelos brancos, que impõe aos negros lugares de inferiorização, marginalização e desumanização, numa “zona de não ser” 66. Fanon F. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Zahar; 2022. que impacta toda a sua vida e saúde. Faustino et al. também problematizam que a ideia de “universal” é racializada e que isso tem reflexos na área da saúde. Os autores compartilham o seguinte: “se o movimento negro não brigar muito dentro do espaço da saúde, a ideia de universalidade em si acaba refletindo exclusivamente a experiência dos brancos, mesmo que seja dos brancos pobres (...). As mulheres pretas morrem mais que as brancas em todos os estados do Brasil. Se uma política de combate à morte materna não tem dimensão racial em vista, ela acaba beneficiando apenas as mulheres brancas, porque as nossas desigualdades sociais criam essa estrutura e fazem com que o branco seja privilegiado nesse espaço” (p. 101-2).

Esse destaque já diz tudo. E, em concordância, afirmamos que, na intersecção do racismo e do sexismo institucional, as mulheres negras têm grandes prejuízos à saúde. Uma das expressões desses prejuízos são as mortes maternas. O óbito materno é em torno de 90% evitável, sendo uma violação dos direitos humanos das mulheres. As mulheres negras são as maiores vítimas de mortes maternas no Brasil, apresentando um risco de morte duas vezes maior que o das mulheres brancas 77. Leal MC, Granado S, Bittencourt S, Esteves AP, Caetano K. Nascer no Brasil II: pesquisa nacional sobre aborto, parto e nascimento 2022-2023. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2023.. Com isso, esses índices nos fazem questionar o acesso universal à saúde e aos direitos humanos.

Refletindo sobre as problemáticas do racismo na saúde, a partir dos diálogos expostos no livro, revisitamos o texto Racismo Institucional e Saúde da População Negra de Jurema Werneck 88. Werneck J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde Soc 2016; 25:535-49. e reconhecemos que, embora as reivindicações da população negra na luta por um sistema universal de saúde tenham sido fundamentais, elas não garantiram o acesso equitativo à saúde. Ainda hoje, a luta por equidade é necessária, visto que a população negra representa a maioria dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). A equidade em saúde só é possível com uma compreensão crítica sobre o protagonismo violento da branquitude, que é mantido historicamente por meio do racismo.

Bueno et al. evidencia que vivemos em uma sociedade sustentada pelo terror racial e caracterizada pelo genocídio antinegro. Para romper com essa lógica desumana, é necessária uma rebelião advinda da união do movimento negro e das pessoas antirracistas. Nesse sentido, o combate ao racismo deve ser uma responsabilidade dos brancos. Como destaca Djamila Ribeiro 99. Ribeiro D. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Companhia de Letras; 2019. (p. 39), a partir de Audre Lorde, “é necessário matar o opressor que há em nós, e isso não é feito apenas se dizendo antirracista: é preciso fazer cobranças”. Precisamos estar dispostos a renunciar aos nossos privilégios brancos e agir na luta antirracista.

Não podemos mais compactuar com essa manutenção de violências e iniquidades. Não podemos mais ser cúmplices de tanto sangue derramado, tantas mortes e tantos adoecimentos cotidianos. Devemos ir à raiz do problema, que é o branco e sua branquitude. Precisamos agir para ontem, para hoje e para amanhã, de forma coletiva, envolvente e reparadora.

Os debates apresentados no livro são provocativos à mudança e à responsabilização dos brancos. Precisamos assumir nossas responsabilidades, agir e romper com o pacto da branquitude. Concordando com Jurema Werneck, Thula Pires & Bianca Santana, é essencial e urgente romper com esse mundo e construir um novo. E, por favor, não leiam isso de forma ilusória ou utópica: é possível, necessário e urgente. Novos caminhos são factíveis e inadiáveis.

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    Instituto Ibirapitanga, Schucman LV, organizadores. Branquitude: diálogos sobre racismo e antirracismo. São Paulo: Editora Fósforo; 2023.
  • 2
    Kilomba G. Memórias da plantação. Episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó; 2019.
  • 3
    Instituto Ibirapitanga. Encontro Branquitude: Racismo e Antirracismo. Vídeo: 01:39:57. https://www.youtube.com/watch?v=4tmyxxvU26M&list=PLT9D00V28UFpUFpoJRMweLZ_R04bon5bT
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  • 4
    Bento C. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras; 2022.
  • 5
    Almeida S. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen; 2019.
  • 6
    Fanon F. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Zahar; 2022.
  • 7
    Leal MC, Granado S, Bittencourt S, Esteves AP, Caetano K. Nascer no Brasil II: pesquisa nacional sobre aborto, parto e nascimento 2022-2023. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2023.
  • 8
    Werneck J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde Soc 2016; 25:535-49.
  • 9
    Ribeiro D. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Companhia de Letras; 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2024
  • Aceito
    09 Ago 2024
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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