Resumo:
O objetivo foi estimar a proporção do uso de contracepção de emergência alguma vez na vida entre adolescentes escolares brasileiros e a associação de fatores individuais, familiares e comunitários com o uso. Realizou-se estudo transversal, com amostra de 38.779 adolescentes escolares brasileiros, de 13 a 17 anos, respondentes da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) em 2019 que declararam iniciação sexual. Estimou-se a proporção do uso de contracepção de emergência alguma vez na vida e a forma de acesso ao método. As razões de proporções foram estimadas para avaliar quais os fatores associados ao uso de contracepção de emergência alguma vez na vida. A proporção de adolescentes que usou contracepção de emergência, ou que informaram o uso por seus parceiros, alguma vez na vida foi 37,9%. Quanto ao acesso à contracepção de emergência, as farmácias comerciais foram a principal forma de aquisição. Os adolescentes de 16 e 17 anos, os que procuraram por serviço de saúde no último ano, os residentes nas regiões Centro-oeste e Sudeste, e os com histórico de violência sexual usaram contracepção de emergência ou informaram o uso alguma vez na vida por seus parceiros com maior frequência. Residir na Região Sul do país esteve associado à menor proporção de adolescentes que usaram contracepção de emergência ou que informaram o uso por parceiros alguma vez na vida. A associação com fatores individuais, familiares e comunitários relacionados ao uso de contracepção de emergência pode refletir a não utilização ou falhas no uso de outros métodos contraceptivos, revelando lacunas nas políticas públicas relacionadas à saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes no país.
Palavras-chave:
Adolescente; Saúde Reprodutiva; Anticoncepção; Anticoncepcionais Pós-coito; Contracepção Hormonal
Abstract:
This study aimed to estimate the proportion of use of emergency contraception at least once in life among Brazilian adolescent students, as well as the association of individual, family, and community factors with use. A cross-sectional study was carried out, including 38,779 Brazilian adolescent students, aged 13 to 17 years, participating in the Brazilian National Survey of School Health (PeNSE) in 2019, who declared sexual initiation. The proportion of emergency contraception use at least once in life and the form of access to the method were estimated. Proportion ratios were estimated to assess the factors associated with the use of emergency contraception at some point in life. The proportion of adolescents who used emergency contraception, or who reported the use by their partners, at some point in their lives was 37.9%. Regarding the access to the emergency contraception, commercial pharmacies were the main source of purchase. Adolescents aged 16 and 17 years, those who sought health services in the last year, those living in the Central-West and Southeast regions, and those who had a history of sexual violence used emergency contraception or reported their partners using them at least once in their lives. Living in the South region of Brazil was associated with a lower proportion of adolescents who used emergency contraception or who reported the use by their partners at least once in their lives. The association with individual, family, and community factors related to the use of emergency contraception may reflect the non-use or failures in the use of other contraceptive methods, revealing gaps in public policies related to the sexual and reproductive health of adolescents in Brazil.
Keywords:
Adolescent; Reproductive Health; Contraception; Postcoital Contraceptives; Hormonal Contraception
Resumen:
El objetivo fue estimar la proporción de uso de anticoncepción de emergencia alguna vez entre adolescentes escolares brasileños y la asociación de factores individuales, familiares y comunitarios con su uso. Se realizó un estudio transversal, con una muestra de 38.779 adolescentes escolares brasileños, de 13 a 17 años, entrevistados en la Encuesta Nacional de Salud del Escolar (PeNSE) en el 2019 que declararon iniciación sexual. Se estimó la proporción de uso de anticoncepción de emergencia alguna vez en la vida y la forma de acceder al método. Se estimaron ratios de proporciones para evaluar qué factores estaban asociados con el uso de anticoncepción de emergencia en algún momento de la vida. La proporción de adolescentes que usaron anticoncepción de emergencia, o que reportaron el uso por parte de sus parejas, en algún momento de sus vidas fue del 37,9%. En cuanto al acceso a la anticoncepción de emergencia, las farmacias comerciales fueron la principal forma de adquisición. Los adolescentes de 16 y 17 años, los que buscaron servicios de salud en el último año, los residentes en las regiones Centro-Oeste y Sudeste y aquellos con antecedentes de violencia sexual utilizaron anticoncepción de emergencia o reportaron el uso por parte de sus parejas en algún momento de sus vidas con más frecuencia. Vivir en la región Sur del país se asoció con una menor proporción de adolescentes que utilizaron anticoncepción de emergencia o que reportaron el uso por parte de sus parejas en algún momento de sus vidas. La asociación con factores individuales, familiares y comunitarios relacionados con el uso de anticoncepción de emergencia puede reflejar la falta de uso o las fallas en el uso de otros métodos anticonceptivos, lo que revela brechas en las políticas públicas relacionadas con la salud sexual y reproductiva de los adolescentes en el país.
Palabras-clave:
Adolescente; Salud Reproductiva; Anticoncepción; Anticonceptivos Poscoito; Anticoncepción Hormonal
Introdução
O início da vida sexual geralmente ocorre na adolescência. Cerca de um quarto dos brasileiros de 13 a 15 anos, e seis em cada dez entre 16 a 17 anos, já iniciaram sua vida sexual 11. Sousa MA, Menezes LL, Rodrigues EWV, Andrade GN, Pereira CA, Malta DC, et al. Prevalence of Brazilian adolescents sexual and reproductive health indicators: a comparative analysis of the 2015 and 2019 National School Health Survey. Rev Min Enferm 2022; 26:e1456.. Desses, aproximadamente 40% não utilizaram método contraceptivo na última relação sexual 11. Sousa MA, Menezes LL, Rodrigues EWV, Andrade GN, Pereira CA, Malta DC, et al. Prevalence of Brazilian adolescents sexual and reproductive health indicators: a comparative analysis of the 2015 and 2019 National School Health Survey. Rev Min Enferm 2022; 26:e1456., corroborando outros estudos 22. Oliveira-Campos M, Nunes ML, Madeira FC, Santos MG, Bregmann SR, Malta DC, et al. Sexual behavior among Brazilian adolescents, National Adolescent School-based Health Survey (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol 2014; 17:116-30.,33. Borges ALV, Chofakian CBN, Sato APS, Fujimori E, Duarte LS, Gomes MN. Fertility rates among very young adolescent women: temporal and spatial trends in Brazil. BMC Pregnancy Childbirth 2016; 16:57.,44. Felisbino-Mendes MS, Paula TF, Machado IE, Oliveira-Campos M, Malta DC. Analysis of sexual and reproductive health indicators of Brazilian adolescents, 2009, 2012 and 2015. Rev Bras Epidemiol 2018; 21 Suppl 1:e180013.,55. Rotermann M, McKay A. Sexual behaviours, condom use and other contraceptive methods among 15- to 24-year-olds in Canada. Health Rep 2020; 31:3-11.,66. Williams BN, Jauk VC, Szychowski JM, Arbuckle JL. Adolescent emergency contraception usage, knowledge, and perception. Contraception 2021; 103:361-6. que confirmam a baixa prevalência do uso de métodos contraceptivos nesse grupo.
O uso de contracepção por adolescentes constitui-se em um direito sexual e reprodutivo, necessário para prevenção de gravidez, além de ser indicador de acesso desse grupo aos métodos contraceptivos. Uma gravidez não planejada na adolescência gera repercussões negativas, tanto relacionadas às condições econômicas e sociais 77. Singh I, Shukla A, Thulaseedharan JV, Singh G. Contraception for married adolescents (15-19 years) in India: insights from the National Family Health Survey-4 (NFHS-4). Reprod Health 2021; 18:253.,88. Machado AKF, Gräf DD, Höfs F, Hellwig F, Barros KS, Moreira LR, et al. Prevalence and inequalities in contraceptive use among adolescents and young women: data from a birth cohort in Brazil. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00335720.,99. Borges ALV, Gonçalves RFS, Chofakian CBN, Nascimento NC, Figueiredo RMMD, Fujimori E, et al. Uso da anticoncepção de emergência entre mulheres usuárias de Unidades Básicas de Saúde em três capitais brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:3671-82.,1010. Sharma H, Singh SK. Socioeconomic inequalities in contraceptive use among female adolescents in south Asian countries: a decomposition analysis. BMC Womens Health 2022; 22:151. quanto à saúde 77. Singh I, Shukla A, Thulaseedharan JV, Singh G. Contraception for married adolescents (15-19 years) in India: insights from the National Family Health Survey-4 (NFHS-4). Reprod Health 2021; 18:253.,1111. Ahissou NCA, Benova L, Delvaux T, Gryseels C, Dossou JP, Goufodji S, et al. Modern contraceptive use among adolescent girls and young women in Benin: a mixed-methods study. BMJ Open 2022; 12:e054188. e à educação, com destaque para a evasão escolar 1212. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.. E, para que a contracepção seja eficaz, é preciso garantir a provisão de métodos contraceptivos modernos e seguros 66. Williams BN, Jauk VC, Szychowski JM, Arbuckle JL. Adolescent emergency contraception usage, knowledge, and perception. Contraception 2021; 103:361-6.,99. Borges ALV, Gonçalves RFS, Chofakian CBN, Nascimento NC, Figueiredo RMMD, Fujimori E, et al. Uso da anticoncepção de emergência entre mulheres usuárias de Unidades Básicas de Saúde em três capitais brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:3671-82..
A inclusão de contraceptivos de emergência, também conhecidos como pílulas do dia seguinte, entre os métodos contraceptivos por parte do Ministério da Saúde brasileiro deu-se, de forma mais ampla a partir de 2003, com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher 1212. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes. Brasília: Ministério da Saúde; 2004., representando uma das importantes conquistas da luta pelos direitos sexuais e reprodutivos no país 1313. Spinelli MBAS, Souza AI, Vanderlei LCM, Vidal SA. Características da oferta de contracepção de emergência na rede básica de saúde do Recife, Nordeste do Brasil. Saúde Soc 2014; 23:227-37.. Essa contracepção tem como objetivo evitar a gravidez após relação sexual desprotegida 99. Borges ALV, Gonçalves RFS, Chofakian CBN, Nascimento NC, Figueiredo RMMD, Fujimori E, et al. Uso da anticoncepção de emergência entre mulheres usuárias de Unidades Básicas de Saúde em três capitais brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:3671-82.. No Brasil, a pílula de levonorgestrel é a mais utilizada e mais eficaz para esses fins 99. Borges ALV, Gonçalves RFS, Chofakian CBN, Nascimento NC, Figueiredo RMMD, Fujimori E, et al. Uso da anticoncepção de emergência entre mulheres usuárias de Unidades Básicas de Saúde em três capitais brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:3671-82.,1414. Silva EV, Porto MS, Areda CA, Meiners MMMA, Galato D. Conhecimento e utilização de anticoncepção de emergência por jovens no Brasil: revisão integrativa da literatura. Revista Eletrônica de Farmácia 2019; 16(E). https://revistas.ufg.br/REF/article/view/45007.
https://revistas.ufg.br/REF/article/view... , com distribuição gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) 1414. Silva EV, Porto MS, Areda CA, Meiners MMMA, Galato D. Conhecimento e utilização de anticoncepção de emergência por jovens no Brasil: revisão integrativa da literatura. Revista Eletrônica de Farmácia 2019; 16(E). https://revistas.ufg.br/REF/article/view/45007.
https://revistas.ufg.br/REF/article/view... .
O prazo recomendado para uso de contraceptivos de emergência é de até 120 horas após a relação sexual, e sua maior eficácia está relacionada ao uso precoce. Estudo avaliou o desconforto de pediatras em prescreverem contraceptivos de emergência para adolescentes e mostrou que apenas 15,2% desses profissionais tinham conhecimento sobre esse tempo máximo 1515. Amorim RV, Barbieri MA, Bôtto-Menezes C, Carmona F, Ferraro AA, Bettiol H. Why are pediatricians uncomfortable with prescribing emergency contraception for adolescents? Rev Paul Pediatr 2023; 41:e2022060..
O uso de contraceptivos de emergência é comum entre adolescentes 1616. Oliveira APR, Burci LM. The bioethical perception of the nurses in the administration and/or orientation of use of the emergency contraceptive. Brazilian Journal of Forensic Sciences, Medical Law and Bioethics 2019; 8:165-77., muitas vezes devido a fragilidades no campo da saúde sexual e reprodutiva desse grupo 1717. Cabral CS, Brandão ER. Adolescent pregnancy, sexual initiation, and gender: perspectives in dispute. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00029420.. Estudo apontou que um terço dos adolescentes sexualmente ativos já utilizaram esse método alguma vez na vida 66. Williams BN, Jauk VC, Szychowski JM, Arbuckle JL. Adolescent emergency contraception usage, knowledge, and perception. Contraception 2021; 103:361-6., enquanto outro apontou que apenas 10% fizeram uso no último ano 55. Rotermann M, McKay A. Sexual behaviours, condom use and other contraceptive methods among 15- to 24-year-olds in Canada. Health Rep 2020; 31:3-11.. Mais da metade das adolescentes sexualmente ativas das regiões Sudeste e Sul do Brasil já fizeram uso de contraceptivos de emergência alguma vez na vida 1818. Monteiro DLM, Pereira MFVR, Herter LD, Avila R, Raupp RM. Emergency hormonal contraception in adolescence. Rev Assoc Med Bras (1992) 2020; 66:472-8.. Desse modo, observa-se variação entre os achados em relação à proporção do uso de contraceptivos de emergência, o que pode ser justificado pelas diferentes populações e amostras estudadas, de âmbito local e regional, às vezes somente de meninas, mas que em todas demonstram magnitude relevante o suficiente para a atenção das autoridades em saúde sobre o uso de contraceptivos de emergência.
Estudos demonstraram que grande parte dos adolescentes tinham algum tipo de conhecimento acerca da contracepção de emergência 55. Rotermann M, McKay A. Sexual behaviours, condom use and other contraceptive methods among 15- to 24-year-olds in Canada. Health Rep 2020; 31:3-11.,66. Williams BN, Jauk VC, Szychowski JM, Arbuckle JL. Adolescent emergency contraception usage, knowledge, and perception. Contraception 2021; 103:361-6., porém são poucos os que investigaram o uso em amostras abrangentes de adolescentes brasileiros. Nas regiões Sudeste e Sul, observa-se que mais de 90% das adolescentes conhecem a contracepção de emergência, e, geralmente, as informações são adquiridas com amigos 1818. Monteiro DLM, Pereira MFVR, Herter LD, Avila R, Raupp RM. Emergency hormonal contraception in adolescence. Rev Assoc Med Bras (1992) 2020; 66:472-8.. Além disso, a maior parte dos estudos incluem universitários, nos quais aproximadamente metade já utilizaram contraceptivos de emergência alguma vez na vida 1919. Chofakian CBN, Moreau C, Borges ALV, Santos OA. Contraceptive patterns after use of emergency contraception among female undergraduate students in Brazil. Eur J Contracept Reprod Health Care 2018; 23:335-43.,2020. Chofakian CBN, Moreau C, Borges ALV, Santos OA. Contraceptive discontinuation: frequency and associated factors among undergraduate women in Brazil. Reprod Health 2019; 16:131.; porém, nesse grupo, estão também os adultos jovens.
Até o momento, não se sabe ao certo a magnitude nacional do uso de contraceptivos de emergência por adolescentes, bem como aspectos relacionados ao acesso ao método, visto que fatores individuais, familiares e comunitários, tais como sexo, escolaridade da mãe e residir em áreas urbanas ou rurais, podem estar associados ao maior ou menor uso da contracepção de emergência 2121. Coombe J, Anderson AE, Townsend N, Rae KM, Gilbert S, Keogh L, et al. Factors influencing contraceptive use or non-use among Aboriginal and Torres Strait Islander people: a systematic review and narrative synthesis. Reprod Health 2020; 17:155., conforme modelo socioecológico de uso de contracepção por adolescentes 2121. Coombe J, Anderson AE, Townsend N, Rae KM, Gilbert S, Keogh L, et al. Factors influencing contraceptive use or non-use among Aboriginal and Torres Strait Islander people: a systematic review and narrative synthesis. Reprod Health 2020; 17:155.. Pode-se, ainda, inferir possíveis desigualdades nesse acesso no contexto brasileiro, em relação às regiões do país, sexo e faixa etária. Ademais, alguns estudos têm apontado barreiras ao acesso à contracepção de emergência 2222. Barbian J, Kubo CY, Balaguer CS, Klockner J, Costa LMV, Ries EF, et al. Emergency contraception in university students: prevalence of use and knowledge gaps. Rev Saúde Pública 2021; 55:74., tais como baixas condições socioeconômicas das mulheres 99. Borges ALV, Gonçalves RFS, Chofakian CBN, Nascimento NC, Figueiredo RMMD, Fujimori E, et al. Uso da anticoncepção de emergência entre mulheres usuárias de Unidades Básicas de Saúde em três capitais brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:3671-82., o que também poderia se aplicar à realidade do adolescente. Assim, tem-se como hipótese que fatores individuais, familiares e comunitários estão associados ao uso de contraceptivos de emergência por adolescentes escolares brasileiros.
Desse modo, este estudo tem por objetivos estimar a proporção do uso de contracepção de emergência alguma vez na vida entre adolescentes escolares brasileiros e a associação de fatores individuais, familiares e comunitários com o uso.
Métodos
Desenho e população de estudo
Trata-se de estudo transversal que utilizou dados de adolescentes escolares brasileiros respondentes da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada em 2019. A pesquisa incluiu uma amostra de 125.123 adolescentes, representativa dos adolescentes brasileiros de 13 a 17 anos, matriculados do 7º ao 9º ano do Ensino Fundamental ou do 1º ao 3º ano do Ensino Médio em escolas públicas ou privadas 2323. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2019. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2021.. As perguntas relacionadas ao uso de métodos contraceptivos foram feitas somente aos 38.779 adolescentes da amostra que reportaram que já haviam tido relação sexual (21.966 meninos e 16.687 meninas). Para as perguntas sobre a contracepção de emergência, os meninos responderam considerando o uso por suas parceiras. Maior detalhamento do plano amostral da PeNSE pode ser consultado em: https://bit.ly/3ONZEwq.
Coleta de dados
A coleta de dados da PeNSE 2019 foi realizada por questionário estruturado e autoaplicável, utilizando dispositivos móveis/smartphones2323. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2019. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2021.. O questionário tinha 14 blocos temáticos, incluindo o de saúde sexual e reprodutiva, de interesse neste estudo. O bloco saúde sexual e reprodutiva apresentava 13 perguntas, duas delas sobre o uso de contracepção de emergência.
Variáveis de interesse
As perguntas para avaliar o uso de contracepção de emergência foram: (1) “Alguma vez na vida, você ou sua parceira já usou pílula do dia seguinte (contracepção de emergência)?”, com as respostas: Sim e Não; e (2) “Na última vez que você ou sua parceira usou pílula do dia seguinte (contracepção de emergência) como conseguiu?”, com as opções de respostas: No serviço de saúde, Com um(a) amigo(a) ou colega, Com mãe, pai ou responsável, Comprei na farmácia, Com o(a) parceiro(a) sexual e Com outra pessoa ou de outro modo.
Foram considerados como desfechos: (1) uso de contraceptivos de emergência pelas adolescentes alguma vez na vida e (2) acesso à contracepção de emergência (modos de ter acesso ao método). As variáveis explicativas foram organizadas de acordo com os níveis individuais, familiares e comunitários, conforme modelo socioecológico desenvolvido por Bronfenbrenner 2424. Bronfenbrenner U. The ecology of cognitive development: research models and fugitive findings. In: Wozniak R, Fischer K, editores. Development in context: acting and thinking in specific environments. Hillsdale: Erlbaum; 1993. p. 3-44. para avaliar o desenvolvimento infantil e posteriormente adaptado para estudo dos fatores que se relacionam à saúde dos adolescentes, incluindo os desfechos de saúde sexual e reprodutiva 2121. Coombe J, Anderson AE, Townsend N, Rae KM, Gilbert S, Keogh L, et al. Factors influencing contraceptive use or non-use among Aboriginal and Torres Strait Islander people: a systematic review and narrative synthesis. Reprod Health 2020; 17:155..
Como fatores individuais, foram incluídas as variáveis: sexo (masculino e feminino); faixas etárias em anos (13 a 15 e 16 e 17); raça ou cor (branca, preta, parda, amarela e indígena); histórico de gravidez (sim e não); procura por serviço de saúde no último ano (sim e não); procura por unidade básica de saúde (UBS) no último ano (sim e não); vacinação contra o HPV (sim e não). Também foi levado em consideração os históricos de violência doméstica (sim e não); de importunação sexual (sim e não); e de violência sexual (sim e não).
Para os fatores familiares, foram consideradas: escolaridade da mãe (não estudou, Ensino Fundamental, Ensino Médio ou Ensino Superior) e morar com pais (com ambos os pais, somente com a mãe, somente com o pai ou com nenhum dos pais). Além disso, com base em estudos prévios 2525. Reis GB, Sousa MA, Andrade GN, Malta DC, Machado ÍE, Felisbino-Mendes MS. Parental supervision and sexual behavior among Brazilian adolescents. Rev Bras Epidemiol 2023; 26 Suppl 1:e230013.supl.1.,2626. Santana CP, Nunes HAS, Silva AN, Azeredo CM. Associação entre supervisão parental e comportamento sedentário e de inatividade física em adolescentes brasileiros. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:569-80.,2727. Machado ÍE, Felisbino-Mendes MS, Malta DC, Velasquez-Melendez G, Freitas MIF, Andreazzi MAR. Supervisão dos pais e o consumo de álcool por adolescentes brasileiros: análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2015. Rev Bras Epidemiol 2018; 21 Suppl 1:e180005., utilizamos um escore de supervisão dos pais a partir das variáveis falta de aula sem permissão dos pais, pais cientes das atividades em tempo livre, pais entendem problemas e preocupações e pais presentes nas refeições. Esse escore varia de 0, nenhuma supervisão, a 4, intensa supervisão: 0 quando resposta sim para a variável que analisa a falta às aulas sem a permissão dos pais e respostas não para as outras variáveis; 4 quando resposta não para a variável que analisa a falta às aulas dos adolescentes sem a permissão dos pais e respostas sim para as outras variáveis 2525. Reis GB, Sousa MA, Andrade GN, Malta DC, Machado ÍE, Felisbino-Mendes MS. Parental supervision and sexual behavior among Brazilian adolescents. Rev Bras Epidemiol 2023; 26 Suppl 1:e230013.supl.1.. Trata-se de medida proxy de monitoramento dos pais no sentido de que práticas familiares como a supervisão e presença dos pais podem se constituir em fator protetor para comportamentos em saúde 2525. Reis GB, Sousa MA, Andrade GN, Malta DC, Machado ÍE, Felisbino-Mendes MS. Parental supervision and sexual behavior among Brazilian adolescents. Rev Bras Epidemiol 2023; 26 Suppl 1:e230013.supl.1.,2828. Dittus PJ, Michael SL, Becasen JS, Gloppen KM, McCarthy K, Guilamo-Ramos V. Parental monitoring and its associations with adolescent sexual risk behavior: a metaanalysis. Pediatrics 2015; 136:e1587-99..
Em relação aos fatores comunitários considerou-se: região (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul, Centro-oeste); área de moradia (rural ou urbana); dependência administrativa da escola (pública e privada); orientação sobre prevenção de gravidez na escola (sim e não); sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (IST) (sim e não); e sobre acesso ao preservativo gratuito (sim e não).
Análise de dados
Primeiramente, estimaram-se as proporções do uso de contraceptivos de emergência entre as adolescentes que já haviam tido relação sexual alguma vez na vida e dos modos de acesso ao método, com os respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%) por sexo, idade, região, Unidade da Federação (UF) e dependência administrativa da escola do adolescente entrevistado. Em seguida, procedeu-se com análise univariada entre cada variável explicativa e o desfecho, com estimativas da razão de proporções (RP) não ajustada por meio da regressão binomial negativa. Estimou-se as RP ajustadas com a modelagem multivariada para a qual foram consideradas as variáveis explicativas que na univariada tiveram valor de p < 0,200. Procedeu-se com a entrada das variáveis uma a uma por meio do critério forward, utilizando ordem de entrada primeiro dos fatores mais proximais (individuais), seguidos dos intermediários (familiares) e por último dos fatores mais distais (comunitários). As variáveis com valor de p > 0,05 foram retiradas do modelo, utilizando-se o critério backward. Utilizou-se o teste de Wald em cada entrada de variável no modelo e após o modelo final, para avaliar a contribuição de cada variável na modelagem 2929. Heeringa SG, West BT, Berglund PA. Applied survey data analysis. Boca Raton: Chapman and Hall/CRC; 2010.. A relação entre as variáveis explicativas também foi avaliada para inserção no modelo multivariado, por meio da distribuição entre cada duas variáveis e o teste qui-quadrado de Pearson. A partir dessa análise, observou-se que aqueles que receberam orientação sobre prevenção de gravidez em sua maioria também receberam sobre acesso ao preservativo (68,6%) e prevenção de IST (75,2%) (p < 0,0001). Isso também foi observado entre morar com os pais e supervisão dos pais, de forma moderada (58%). Adicionalmente, as variáveis explicativas com baixa taxa de resposta (vacina HPV) ou respondidas somente pelas meninas (histórico de gravidez) não entraram no modelo final. Foi usado o software Stata, versão 14.0 (https://www.stata.com), no módulo survey. A base de dados foi extraída em: https://bit.ly/3BZvq27.
Considerações éticas
A PeNSE 2019 foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP; parecer nº 3.249.268, de 8 de abril de 2019). Os participantes precisaram concordar com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a abertura do questionário estava vinculada ao aceite. A participação foi voluntária e os adolescentes poderiam deixar de responder qualquer questão ou abandonar o questionário a qualquer momento 2323. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2019. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2021..
Resultados
Dos 33.711 adolescentes que declararam iniciação sexual: 50,3% (IC95%: 49,0-51,5) era do sexo masculino; 64,1% (IC95%: 62,9-65,3) se autodeclararam pretos e pardos; 35% (IC95%: 33,8-36,3) tinham mãe que estudaram até o Ensino Médio; 46,9% (IC95%: 45,6-48,1) moravam com ambos os pais; 39% (IC95%: 37,5-40,6) residia na Região Sudeste; e 90,4% (IC95%: 90,0-90,8) estudavam em escola pública (Tabela 1).
O uso de contraceptivos de emergência alguma vez na vida foi 37,9% (Tabela 2). A proporção de meninas que responderam ter usado alguma vez na vida foi de 47,1% (39,2% entre as com 13 a 15 anos de idade e 52,3% entre as com 16 e 17). Entre os meninos, 28,8% responderam que suas parceiras já haviam usado (21,5% entre os com 13 a 15 anos de idade e 34,7% entre os de 16 e 17).
Proporção e intervalos de 95% de confiança (IC95%) dos adolescentes escolares brasileiros que já usaram contracepção de emergência alguma vez na vida segundo sexo, faixa etária e região do país. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019, Brasil.
Entre as meninas do grupo mais jovem, a proporção que respondeu já ter usado foi menor na Região Sul (29,9%), seguido das regiões Nordeste (35,5%), Norte (39,8%), Centro-oeste (41,9%) e Sudeste (44,5%) (Tabela 2). Já entre as mais velhas, a proporção que respondeu já ter usado foi menor entre as que viviam na Região Sul (42,4%), seguidas das que viviam na Norte (50,2%), Nordeste (51,3%), Sudeste (56,1%) e Centro-oeste (57,4%). Entre os meninos mais velhos, observou-se uma menor diferença entre as proporções que responderam ao histórico de uso por suas parceiras em cada região.
Em relação às estimativas por UFs, entre adolescentes de 13 a 17 anos, de ambos os sexos, verificou-se que o Maranhão foi a UF que apresentou a menor proporção de adolescentes que responderam que já usaram contraceptivos de emergência alguma vez na vida (28,5%), seguido do Amazonas (30,6%) e do Rio Grande do Sul (32,7%) (Tabela 3). Entre as que apresentaram as maiores proporções de adolescentes que responderam histórico de uso estão Goiás (44,2%), São Paulo (43%) e o Distrito Federal (42,9%).
A Tabela 3 mostra, ainda, que, entre as meninas, as maiores proporções foram observadas no Tocantins (56,2%), Rondônia (53%) e São Paulo (52,6%); já as menores, foram no Rio Grande do Sul (33,3%), Maranhão (38,6%) e Paraná (38,6%). Entre os meninos, que informaram sobre o uso por suas parceiras, Goiás (37,4%), Distrito Federal (33,1%) e São Paulo (32,3%) apresentaram as maiores proporções, enquanto Amazonas (20,9%), Pernambuco (21%), e Maranhão (21,7%) apresentaram as menores, com destaque para menor uso de contraceptivos de emergência entre os adolescentes da Região Nordeste.
Não houve diferença significativa entre as estimativas de uso de contraceptivos de emergência por adolescentes de escolas públicas e privadas. Mais de um quarto dos alunos de 13 a 15 anos e mais de um terço dos de 16 e 17 anos responderam que alguma vez na vida, elas próprias, quando meninas, ou as parceiras, quando meninos, já usaram contraceptivos de emergência, em ambos os contextos (Tabela 4).
Proporção e intervalos de 95% de confiança (IC95%) de adolescentes escolares brasileiros que responderam que já usaram contracepção de emergência alguma vez na vida por dependência administrativa da escola, faixa etária e região do país. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019, Brasil.
No que diz respeito aos modos de ter acesso à contracepção de emergência, mais da metade dos adolescentes de 13 a 15 anos (56,6%) e aproximadamente três quartos dos de 16 e 17 anos (74,5%) adquiriram o método em farmácias comerciais, em quase todas as regiões do país (Tabela 5). Em segundo lugar, em ordem da maior para a menor, os adolescentes relataram ter adquirido os anticoncepcionais de emergência em serviços de saúde, para a faixa etária de 13 a 15 anos, e com o parceiro sexual, para aqueles com 16 e 17 anos. Esses dados estão apresentados em um heatmap, no qual as cores indicam variação da proporção, as mais quentes indicam as maiores frequências de respostas (vermelho-laranja-amarelo), enquanto as cores mais frias, as menores frequências de respostas (verde-azul).
A Tabela 6 apresenta a análise multivariada com as razões de proporções não ajustada e ajustada dos fatores associados ao uso de contraceptivos de emergência por adolescentes brasileiros. No modelo final, ajustado, manteve-se a associação entre as variáveis sexo, faixa etária, histórico de violência sexual, procura por serviço de saúde no último ano, morar com os pais e região de moradia com o uso de contraceptivos de emergência. Assim, as meninas (RP ajustada = 1,55; IC95%: 1,45-1,65), os adolescentes de 16 e 17 anos (RP ajustada = 1,45; IC95%: 1,37-1,53), aqueles que já sofreram violência sexual (RP ajustada = 1,16; IC95%: 1,08-1,24), aqueles que procuraram o serviço de saúde no último ano (RP ajustada = 1,12; IC95%: 1,06-1,18), que moram somente com o pai (RP ajustada = 1,20; IC95%: 1,08-1,34) ou só com a mãe (RP ajustada = 1,08; IC95%: 1,02-1,15) ou sem nenhum dos pais (RP ajustada = 1,14; IC95%: 1,04-1,24) e que residem na Região Centro-oeste (RP ajustada = 1,13; IC95%: 1,05-1,22) ou na Região Sudeste (RP ajustada = 1,10; IC95%: 1,02-1,19) tiveram maior chance de usar contraceptivos de emergência. Morar na Região Sul foi fator protetor ao uso de contraceptivos de emergência, ou seja, observou-se menor chance de usar (RP ajustada = 0,89; IC95%: 0,80-0,98).
Razão de proporções (RP) não ajustada e ajustada dos fatores associados ao uso de contracepção de emergência alguma vez na vida, por adolescentes escolares brasileiros, segundo as próprias adolescentes, quando meninas, ou as parceiras, quando meninos. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2019, Brasil.
Discussão
Cerca de um terço dos adolescentes de 13 a 15 anos e quase metade entre 16 e 17 anos usaram a contracepção de emergência no país. A maior proporção de uso de contraceptivos de emergência foi reportada pelas meninas, independentemente da faixa etária e em todas as regiões do país. Observou-se variação da proporção do uso de contraceptivos de emergência entre as UFs brasileiras, independentemente da região, com alguns possíveis padrões como o maior uso nas UFs do Centro-oeste e Sudeste e menor uso nas UFs do Nordeste e Sul. Entre os adolescentes mais velhos, verificou-se maior proporção de uso de contraceptivos de emergência entre aqueles das escolas privadas, em todas as regiões do país, exceto no Sudeste e Centro-oeste, em que a maior taxa de uso está entre os alunos das escolas públicas. Em relação aos modos de ter acesso à contracepção de emergência, as farmácias comerciais representaram a principal maneira de aquisição, independentemente da faixa etária e da região, seguido dos serviços públicos de saúde, entre os adolescentes de 13 a 15 anos, e com os parceiros sexuais entre os de 16 e 17 anos.
Esses achados se assemelham àqueles de estudos prévios 66. Williams BN, Jauk VC, Szychowski JM, Arbuckle JL. Adolescent emergency contraception usage, knowledge, and perception. Contraception 2021; 103:361-6.,1818. Monteiro DLM, Pereira MFVR, Herter LD, Avila R, Raupp RM. Emergency hormonal contraception in adolescence. Rev Assoc Med Bras (1992) 2020; 66:472-8., no sentido do uso mais prevalente de contraceptivos de emergência, reforçando o cenário de comportamentos sexuais que colocam em risco a saúde dos adolescentes. Ao mesmo tempo, esse método é eficaz em proteger contra uma gravidez não planejada e é um direito em situações em que os contraceptivos de uso regular ou métodos de barreira não foram utilizados 2222. Barbian J, Kubo CY, Balaguer CS, Klockner J, Costa LMV, Ries EF, et al. Emergency contraception in university students: prevalence of use and knowledge gaps. Rev Saúde Pública 2021; 55:74.. Ainda, a magnitude do uso pode indicar o não uso de contracepção regular, e, consequentemente, maior exposição a gestações não planejadas, além de riscos de contrair IST. As evidências de aumento das IST, como a sífilis, nessa faixa etária 3030. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico - Sífilis 2023; número especial. https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/especiais/2023/boletim-epidemiologico-de-sifilis-numero-especial-out.2023.
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-... e a manutenção das taxas de gravidez na adolescência no país 33. Borges ALV, Chofakian CBN, Sato APS, Fujimori E, Duarte LS, Gomes MN. Fertility rates among very young adolescent women: temporal and spatial trends in Brazil. BMC Pregnancy Childbirth 2016; 16:57. podem reforçar essa hipótese. Portanto, pode-se inferir fragilidade de políticas e ações programáticas efetivas e consubstanciadas de contracepção para esse grupo, que poderia ser endossado pelo retrocesso político e programático observado no campo da saúde sexual e reprodutiva no país 1717. Cabral CS, Brandão ER. Adolescent pregnancy, sexual initiation, and gender: perspectives in dispute. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00029420.,3131. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Contraception use and family planning inequalities among Brazilian women. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504., com quadro mais dramático para os adolescentes 1717. Cabral CS, Brandão ER. Adolescent pregnancy, sexual initiation, and gender: perspectives in dispute. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00029420..
O uso de contraceptivos de emergência pode também elucidar a falta de preservativos no momento da relação sexual, a não confiança em outros métodos ou a falta de acesso a eles, rompimento ou retenção do preservativo e mesmo o uso inadequado da contracepção de rotina 55. Rotermann M, McKay A. Sexual behaviours, condom use and other contraceptive methods among 15- to 24-year-olds in Canada. Health Rep 2020; 31:3-11.,3232. Olsen JM, Lago TDG, Kalckmann S, Alves MCGP, Escuder MML. Young women's contraceptive practices: a household survey in the city of São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00019617.,3333. Brandão ER. Long-acting reversible contraception methods in the Brazilian Unified National Health System: the debate on women's (in)discipline. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:875-9., o que reforça as fragilidades programáticas. Outro aspecto que esses resultados podem indicar é acesso mais dificultado, principalmente aos mais jovens, o que também implica em menor chance de obter informações e garantia dos direitos sexuais e reprodutivos nos serviços de saúde.
Nossos achados demonstram que os fatores individuais como o uso ter sido relatado mais frequentemente pelas meninas, por jovens da faixa etária de 16 e 17 anos, com histórico de violência sexual e que procuraram por serviço de saúde no último ano, estavam positivamente associados ao uso de contraceptivos de emergência; assim como os fatores familiares de residir somente com pai ou só com a mãe ou com nenhum dos pais. Fatores comunitários, como a região de residência, também apresentam associação com o uso, visto que os adolescentes do Centro-oeste e Sudeste são os que mais utilizam e os da Região Sul são os que menos utilizam contraceptivos de emergência. Esses fatores mostram quem está conseguindo acessar mais esse método, tanto no âmbito da informação quanto no âmbito de seu uso propriamente dito.
Em relação aos fatores individuais, se destacaram o sexo, a faixa etária e a procura por serviço de saúde no último ano. Os achados relativos ao sexo poderiam ser explicados pelas desigualdades de gênero no âmbito da contracepção. Ou seja, os meninos reportaram em menor proporção o uso por suas parceiras, o que reforça um padrão social no qual a responsabilidade sobre a prevenção da gravidez diz respeito às mulheres, o que já aparece entre os adolescentes, elucidando o desafio de incluir os meninos nas abordagens em relação à prevenção de gravidez na adolescência 1717. Cabral CS, Brandão ER. Adolescent pregnancy, sexual initiation, and gender: perspectives in dispute. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00029420.. Esse resultado corrobora os de outros estudos 55. Rotermann M, McKay A. Sexual behaviours, condom use and other contraceptive methods among 15- to 24-year-olds in Canada. Health Rep 2020; 31:3-11.,2020. Chofakian CBN, Moreau C, Borges ALV, Santos OA. Contraceptive discontinuation: frequency and associated factors among undergraduate women in Brazil. Reprod Health 2019; 16:131.,3333. Brandão ER. Long-acting reversible contraception methods in the Brazilian Unified National Health System: the debate on women's (in)discipline. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:875-9., que muitas vezes não incluem os meninos em questões relacionadas à contracepção. Tal fato elucida a distância da meta de igualdade de gênero e que ações estruturais e intersetoriais seriam necessárias para fomentar a mudança desse cenário.
Quanto à idade, o maior uso de contraceptivos de emergência foi observado entre os adolescentes médios, quase o dobro do uso entre os mais jovens, o que poderia ser explicado pela maior orientação sobre o uso de métodos contraceptivos 11. Sousa MA, Menezes LL, Rodrigues EWV, Andrade GN, Pereira CA, Malta DC, et al. Prevalence of Brazilian adolescents sexual and reproductive health indicators: a comparative analysis of the 2015 and 2019 National School Health Survey. Rev Min Enferm 2022; 26:e1456.,66. Williams BN, Jauk VC, Szychowski JM, Arbuckle JL. Adolescent emergency contraception usage, knowledge, and perception. Contraception 2021; 103:361-6., bem como maior facilidade no acesso ao método 99. Borges ALV, Gonçalves RFS, Chofakian CBN, Nascimento NC, Figueiredo RMMD, Fujimori E, et al. Uso da anticoncepção de emergência entre mulheres usuárias de Unidades Básicas de Saúde em três capitais brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:3671-82.,3434. Barrense-Dias Y, Stadelmann S, Suris JC, Akre C. From request to dispensation: how adolescent and young adult females experience access to emergency contraception in pharmacies. Eur J Contracept Reprod Health Care 2022; 27:403-8., refletindo maior capacidade cognitiva e de responsabilidade na adolescência média em relação à inicial 3535. Leal MM, Queiroz LB. Desenvolvimento psicossocial dos adolescentes. In: Lourenço B, Queiroz LB, Silva LEV, Leal MM, organizadores. Medicina do adolescente. Barueri: Manole; 2014. p. 32-40.,3636. Magnusson BM, Crandall A, Evans K. Early sexual debut and risky sex in young adults: the role of low self-control. BMC Public Health 2019; 19:1483.. E aqueles que usaram o serviço de saúde no último ano também tiveram maior chance de usar contraceptivos de emergência, o que poderia ser explicado por maior acesso daqueles que usam os serviços, tanto à informação quanto ao próprio método.
Por outro lado, a maior parte dos adolescentes adquiriu o método diretamente nas farmácias comerciais, o que pode estar relacionado ao atendimento rápido, a não necessidade de receitas, de consultas com profissionais de saúde, o que facilita o acesso 3232. Olsen JM, Lago TDG, Kalckmann S, Alves MCGP, Escuder MML. Young women's contraceptive practices: a household survey in the city of São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00019617.,3434. Barrense-Dias Y, Stadelmann S, Suris JC, Akre C. From request to dispensation: how adolescent and young adult females experience access to emergency contraception in pharmacies. Eur J Contracept Reprod Health Care 2022; 27:403-8. e garante o direito ao uso. No entanto, pode ser um evento sentinela da falta de acesso dos adolescentes a serviços de saúde qualificados para atendimento das suas demandas. Outro problema é que, ao acessar a farmácia, perde-se a janela de oportunidade de aconselhamento e educação em saúde acerca da saúde sexual e reprodutiva e de acesso aos métodos para uso contínuo.
Adolescentes que já sofreram violência sexual tiveram mais respostas sim sobre o uso de contraceptivos de emergência do que aqueles que não sofreram esse tipo de violência. Isso pode se dar devido a protocolos de atendimento que orientam a prescrição e disponibilização da contracepção de emergência às vítimas de violência 3737. Menezes MLB, Araújo MAL, Santos ASD, Gir E, Bermúdez XPD. Brazilian Protocol for Sexually Transmitted Infections 2020: sexual violence. Epidemiol Serv Saúde 2021; 54 Suppl 1:e2020600.. A violência pode ser capaz de gerar diversos transtornos na vida do adolescente, que se prolongam até a vida adulta, como sintomas depressivos e ansiosos, redução da qualidade de vida, maior uso de tabaco e outras drogas 3838. Silva FC, Monge A, Landi CA, Zenardi GA, Suzuki DC, Vitalle MSS. The effects of sexual violence experienced in childhood and adolescence on undergraduate students. Rev Saúde Pública 2020; 54:134., podendo ainda gerar inseguranças contraceptivas.
O modelo multivariado mostrou que residir com os pais se associou ao uso de contraceptivos de emergência. Assim, morar com ambos os pais se mostrou fator protetor em relação ao uso, pois quando há uma boa estrutura familiar e maior proximidade com os adolescentes, maior a chance de redução de comportamentos sexuais de risco 3939. Anyanwu FC, Akinsola HA, Tugli AK, Obisie-Nmehielle N. A qualitative assessment of the influence of family dynamics on adolescents' sexual risk behavior in a migration-affected community. Int J Qual Stud Health Well-being 2020; 15:1717322.. Outro estudo mostrou que quando há comunicação entre pais e adolescentes sobre saúde sexual e reprodutiva, aumenta o conhecimento dos adolescentes em relação à gravidez, acesso a preservativos e a outros métodos contraceptivos 4040. Sievwright KM, Moreau C, Li M, Ramaiya A, Gayles J, Blum RW. Adolescent-parent relationships and communication: consequences for pregnancy knowledge and family planning service awareness. J Adolesc Health 2023; 73(1S):S43-54.. Estudo que relacionou a supervisão dos pais com os comportamentos sexuais de risco também mostrou que adolescentes que apresentam maior supervisão parental fazem maior uso de métodos contraceptivos e, desse modo, ficam menos expostos a uma gravidez 2525. Reis GB, Sousa MA, Andrade GN, Malta DC, Machado ÍE, Felisbino-Mendes MS. Parental supervision and sexual behavior among Brazilian adolescents. Rev Bras Epidemiol 2023; 26 Suppl 1:e230013.supl.1.,2828. Dittus PJ, Michael SL, Becasen JS, Gloppen KM, McCarthy K, Guilamo-Ramos V. Parental monitoring and its associations with adolescent sexual risk behavior: a metaanalysis. Pediatrics 2015; 136:e1587-99.. Neste estudo, apenas na análise univariada a maior supervisão se associou a uma redução de 24% na chance de uso de contraceptivos de emergência ao se comparar com os adolescentes com escore zero de supervisão. Essa relação não permaneceu no modelo final, apesar de estudos prévios terem demonstrado essa associação inclusive com outros comportamentos em saúde 2525. Reis GB, Sousa MA, Andrade GN, Malta DC, Machado ÍE, Felisbino-Mendes MS. Parental supervision and sexual behavior among Brazilian adolescents. Rev Bras Epidemiol 2023; 26 Suppl 1:e230013.supl.1.,2626. Santana CP, Nunes HAS, Silva AN, Azeredo CM. Associação entre supervisão parental e comportamento sedentário e de inatividade física em adolescentes brasileiros. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:569-80.,2828. Dittus PJ, Michael SL, Becasen JS, Gloppen KM, McCarthy K, Guilamo-Ramos V. Parental monitoring and its associations with adolescent sexual risk behavior: a metaanalysis. Pediatrics 2015; 136:e1587-99., o que pode ser explicado a partir da significância de outros fatores familiares presentes no modelo estudado. Isso pode ser confirmado pela análise da relação entre as variáveis explicativas avaliada previamente à modelagem e mostrou que 58% dos jovens que moravam com ambos os pais tinham maior supervisão com significância estatística (p < 0,0001).
Em relação aos fatores comunitários, as diferenças de acordo com a região em que o adolescente vive, podem estar relacionadas a aspectos sociopolíticos, culturais e de acesso mais locais à contracepção. Em outros grupos populacionais, como mulheres em idade reprodutiva, verificou-se que há diferenças entre as regiões do país em relação ao uso de métodos contraceptivos 3131. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Contraception use and family planning inequalities among Brazilian women. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504. e de contracepção de emergência 99. Borges ALV, Gonçalves RFS, Chofakian CBN, Nascimento NC, Figueiredo RMMD, Fujimori E, et al. Uso da anticoncepção de emergência entre mulheres usuárias de Unidades Básicas de Saúde em três capitais brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:3671-82.. Essa heterogeneidade evidencia fragilidades das políticas públicas para garantia dos direitos sexuais e reprodutivos. A Região Sul, que apresentou menor uso de contraceptivos de emergência, é a região com maior uso de anticoncepcionais orais pelos adolescentes, pois em 2019 a proporção do uso entre aqueles de 13 a 15 anos foi de 58,9% e nos de 16 e 17 anos foi superior a 70% 11. Sousa MA, Menezes LL, Rodrigues EWV, Andrade GN, Pereira CA, Malta DC, et al. Prevalence of Brazilian adolescents sexual and reproductive health indicators: a comparative analysis of the 2015 and 2019 National School Health Survey. Rev Min Enferm 2022; 26:e1456.. Assim, o menor uso pode não representar menor acesso e sim melhor cenário em relação à contracepção mais consistente e regular.
Uma das limitações deste estudo consiste na inclusão apenas de adolescentes que estavam regularmente matriculados em escola pública ou privada no ano de 2019. Sabe-se que, em 2019, 10,8% da população dessa faixa etária não estava matriculada em nenhuma escola 4141. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Educação 2019: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios contínua. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020.. Essa população, se incluída no estudo, poderia revelar cenários diferentes, pois a falta de acesso à escola poderia representar também falta de acesso a outros bens e serviços, incluindo informações e uso de contraceptivos de emergência. Assim, esses jovens podem também fazer maior uso de contraceptivos de emergência em detrimento de uma contracepção regular, configurando-se em um viés conservador. Outra limitação foi o uso de medida proxy de supervisão parental, não abordando todos os aspectos relacionados à supervisão. Tem-se ainda a impossibilidade de estimar a prevalência do uso de contraceptivos de emergência, porque foram considerados em risco apenas aqueles que relataram ter iniciado a vida sexual, alterando a estimativa para esse subgrupo populacional. Porém, mesmo com o recorte, trata-se de amostra aleatória, abrangente, com representantes de todo o país.
Este estudo avança por mostrar por meio de uma grande amostra aleatória e em âmbito nacional, de forma inédita, estimativas de uso de contraceptivos de emergência no Brasil pelos adolescentes de 13 a 17 anos, e principalmente os fatores individuais, familiares e comunitários associados ao seu uso, conforme modelo sociológico e uso de regressão binomial negativa, apropriada para analisar desfechos prevalentes, por se constituir em método de estimação de parâmetros mais robustos 4242. Coutinho LM, Scazufca M, Menezes PR. Methods for estimating prevalence ratios in cross-sectional studies. Rev Saúde Pública 2008; 42:992-8.,4343. Diaz-Quijano FA. A simple method for estimating relative risk using logistic regression. BMC Med Res Methodol 2012; 12:14.. Esses aspectos metodológicos permitem maior poder amostral para detectar associações que poderiam não ser detectadas em estudos menores, vantagem significativa para testar nossa hipótese e aumentar a validade das associações encontradas.
Assim, os fatores associados ao uso de contracepção precisam ser considerados ao se repensar as ações político-programáticas voltadas à promoção do sexo seguro a esse grupo no país. Os adolescentes mais jovens têm diferenciais importantes a serem observados em relação aos mais velhos, os meninos precisam ser incluídos, ações com famílias e pais podem ser relevantes e o acesso precisa ser facilitado e qualificado. Algumas desigualdades também precisam ser observadas na oferta desse serviço, buscando equidade daqueles mais alijados. Iniciativas de sucesso têm sido reportadas, com destaque para as intervenções educativas em sexualidade que tem como princípio modelos teóricos de mudança de comportamento, metodologias ativas, que abrangem ambos os sexos, com facilitadores capacitados e que tenham mais tempo de intervenção 4444. Torres-Cortés B, Leiva L, Canenguez K, Olhaberry M, Méndez E. Shared components of worldwide successful sexuality education interventions for adolescents: a systematic review of randomized trials. Int J Environ Res Public Health 2023; 20:4170.. A persistência da desigualdade de gênero que aparece aqui em jovens de 13 a 17 anos também revela o quão distantes o país se encontra dessa meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Trata-se de um desafio em cenário tão conservador marcado por questões morais e religiosas, dificultando cada vez mais a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos dos adolescentes brasileiros.
Conclusão
O uso de contraceptivos de emergência reportado pelas meninas, por adolescentes mais velhos, com histórico de violência sexual, que procuraram o serviço de saúde no último ano, que vivem somente com o pai ou somente com a mãe ou sem nenhum dos pais apresentaram associação com maior uso de contraceptivos de emergência. Ou seja, os jovens que conseguem acessar ou têm mais condições de acessar os serviços de saúde, acessam mais o método, revelando inequidades. Além disso, a saúde sexual e reprodutiva segue marcada por questões de gênero, com menor participação dos meninos. Esses achados indicam possíveis falhas no acesso e utilização de outros métodos contraceptivos de forma mais consistente, bem como insegurança contraceptiva dos adolescentes.
Agradecimentos
L. L. Menezes recebeu bolsa de iniciação científica do Programa Bolsa a Iniciação Científica e Tecnológica Institucional (PROBIC) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), instituída pela Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
25 Nov 2024 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
07 Ago 2023 - Revisado
01 Jun 2024 - Aceito
18 Jun 2024