A gestão da integração ensino-serviço nas escolas médicas do Paraná, PR, Brasil

La gestión de la integración enseñanza servicio en las escuelas médica del Estado de Paraná, PR, Brasil

Luis Fernando Boff Zarpelon Nildo Alves Batista Sobre os autores

Resumos

Suportar a complexa rede resultante da integração ensino-serviço requer novos modelos de gestão. O objetivo deste trabalho foi analisar os processos de gestão da integração ensino-serviço nas escolas médicas do Paraná. É um estudo transversal, qualitativo, exploratório, descritivo e explicativo conduzido entre coordenadores de curso de Medicina e gestores do Sistema Único de Saúde (SUS). Os dados emergiram dos significados e explicações sobre o fenômeno, produzidos pela aplicação de entrevistas semiestruturadas em cinco eixos temáticos: concepções, práticas, determinantes, avaliação e gestão da integração ensino-serviço. A integração configura uma rede gestora de política cujas práticas resultam de processos gerenciais incapazes de atender às suas complexidades intrínsecas, inviabilizando o aprimoramento dos sistemas avaliativos, comprometendo a formação consentânea e sobrecarregando o sistema de saúde. O entendimento dessas redes é indispensável a uma educação médica que transcenda o aparato escolar e se baseie no Sistema Único de Saúde (SUS).

Palavras-chave
Educação médica; Integração ensino-serviço comunidade; Redes gestoras de política; Políticas públicas educacionais


Dar soporte a la compleja red resultante de la integración enseñanza servicio requiere nuevos modelos de gestión. El objetivo de este trabajo fue analizar los procesos de gestión de la integración enseñanza servicio en las escuelas médicas de Paraná. Es un estudio transversal, cualitativo, exploratorio, descriptivo y explicativo realizado entre coordinadores del curso de medicina y gestores del Sistema Único de Salud (SUS). Los datos surgieron de los significados y explicaciones sobre el fenómeno, producidos por la aplicación de entrevistas semiestructuradas en cinco ejes temáticos: concepciones, prácticas, determinantes, evaluación y gestión de la integración enseñanza servicio. La integración configura una red gestora de política cuyas prácticas resultan de procesos de gerencia incapaces de atender sus complejidades intrínsecas, inviabilizando el perfeccionamiento de los sistemas de evaluación, comprometiendo la formación adecuada y sobrecargando el sistema de salud. El entendimiento de esas redes es indispensable para una educación médica que transcienda el aparato escolar y tenga como base el SUS.

Palabras clave
Educación médica; Integración enseñanza servicio comunidad; Redes gestoras de política; Políticas públicas educativas


Introdução

A integração ensino-serviço (IES) compreende o trabalho coletivo que integra estudantes, docentes e profissionais dos serviços e visa à sincronia entre a qualidade da atenção prestada ao usuário, à excelência da formação profissional e ao desenvolvimento dos trabalhadores dos serviços11 Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Dias OV, Lugarinho RM. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais de saúde. Rev Bras Educ Med. 2008; 32(3):356-62.. Será efetiva quando contribuir para a transformação e a qualificação da formação em saúde, da formação em serviço e das práticas de cuidado22 Albiero JFG, De Freitas SFT. Modelo para avaliação da integração ensino- serviço em Unidades Docentes Assistenciais na Atenção Básica. Saude Debate. 2017; 41(114):753-67..

Essa integração se constrói articulando processos políticos, sociais e econômicos e, embora nos anos de 1950 já se falasse em integração ensino-serviço, foi a partir da década de 1970 que o Brasil passou por inúmeras experiências transformadoras nos campos da Saúde e da Educação.

Os dois grandes movimentos iniciais, o da Medicina Comunitária, que nos departamentos de medicina preventiva buscava a inclusão das camadas sociais marginalizadas por meio do estímulo à participação comunitária, e o da Integração Docente Assistencial (IDA), que se associava à inserção do ensino no serviço pela colocação de estágios nos centros de saúde e hospitais, não modificaram o ensino hospitalocêntrico e a prática fragmentada em muitas especialidades, evidenciando que o avanço apenas se daria com iniciativas abrangentes mais integradas e focadas33 Gonzalez AD, De Almeida MJ. Movimentos de mudança na formação em saúde: da medicina comunitária às diretrizes curriculares. Physis. 2010; 20(2):551-70..

No final da década de 1970 e início da década de 1980, esforços visando estimular a participação multidepartamental e multiprofissional nos projetos IDA foram implementados com o apoio da Fundação Kellogg44 Chaves MM. Algumas reflexões sobre IDA: antecedentes do ideário UNI. Divulg Saude Debate. 1994; (9):5-9.

5 Ribeiro ECO. A educação dos profissionais de saúde na América Latina: teoria e prática de um movimento de mudança. Interface (Botucatu). 2000; 4(7):139-42. Doi: https://doi.org/10.1590/S1414-32832000000200014.
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-66 Tancredi FB. Institucionalização e sustentabilidade: desafios permanentes dos UNI. Divulg Saude Debate. 1995; (11):5-10. e, embora caminhando em direção a um ensino e a uma assistência mais adequados às necessidades da sociedade, muito havia por se fazer.

As fortes transformações sofridas nas décadas de 1980 e 1990 com o despontar do Sistema Único de Saúde (SUS) contrapunham um sistema que valorizava a integralidade, o cuidado humanizado e a promoção de saúde ao modelo vigente e impunham a qualificação e o comprometimento dos profissionais de saúde como algo vital para a real consolidação desse sistema.

Nos anos 1990, os projetos UNI, “uma nova iniciativa em educação das profissões da saúde: união com a comunidade”, transformaram-se no grande foco das atenções, representando a conjunção de três movimentos já em marcha isoladamente: IDA, Atenção Primária à Saúde (APS) e extensão comunitária fundamentavam a relação universidade, serviço e comunidade33 Gonzalez AD, De Almeida MJ. Movimentos de mudança na formação em saúde: da medicina comunitária às diretrizes curriculares. Physis. 2010; 20(2):551-70.,44 Chaves MM. Algumas reflexões sobre IDA: antecedentes do ideário UNI. Divulg Saude Debate. 1994; (9):5-9..

Esses movimentos promoveram alguns avanços, embora persistissem os desafios da inclusão da integralidade e da humanização nas práticas, seja por problemas nos seus processos de institucionalização, seja por problemas na sustentação dos impulsos transformadores, ou ambos na maioria das vezes33 Gonzalez AD, De Almeida MJ. Movimentos de mudança na formação em saúde: da medicina comunitária às diretrizes curriculares. Physis. 2010; 20(2):551-70.,77 Feuerwerker LCM. Algumas reflexões sobre o desenvolvimento do Programa UNI. Divulg Saude Debate. 2000; (22):63-70..

Com integrantes provindos dos movimentos IDA e UNI, surgiu, em 1997, um novo movimento conhecido como Rede UNIDA que, trabalhando em rede, visava potencializar as capacidades de mudanças, construídas de forma coletiva pelo saber e o poder compartilhado. Consiste em um movimento que reúne pessoas, projetos e instituições comprometidos com os movimentos de mudança na formação, o desenvolvimento dos profissionais de saúde e a construção de um sistema de saúde equitativo e eficaz, com forte participação social33 Gonzalez AD, De Almeida MJ. Movimentos de mudança na formação em saúde: da medicina comunitária às diretrizes curriculares. Physis. 2010; 20(2):551-70.,77 Feuerwerker LCM. Algumas reflexões sobre o desenvolvimento do Programa UNI. Divulg Saude Debate. 2000; (22):63-70..

Do movimento da Reforma Sanitária Brasileira até o nascimento do SUS em 1988, da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 até as primeiras Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Saúde (DCN), no ano de 2001, várias experiências de integração ensino-serviço promoveram avanços na aproximação entre universidades e instituições de saúde, buscando a reorganização do ensino e da assistência à saúde e procurando desenvolver ações de educação permanente. Contudo, ainda persistem desafios a serem superados, sobretudo em relação ao compartilhamento de objetivos entre esses dois mundos.

Observa-se que as reformas apareciam mais estreitamente vinculadas aos projetos pedagógicos do que às práticas de saúde, resultando em experiências inovadoras nas universidades públicas que objetivavam a superação do modelo de ensino médico vigente88 Nunes ED. Saúde Coletiva: história de uma ideia e de um conceito. Saude Soc. 1994; 3(2):5-21. e evidenciavam a necessidade de novas articulações entre ensino e serviços.

A criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) em 2003, a instituição da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) em 2004 e o lançamento subsequente de vários programas conjuntos pelos Ministérios da Saúde e Educação, ampliando o alcance para outros cursos da saúde, sinalizavam que o Ministério da Saúde se corresponsabilizava mais claramente com a formação em Saúde, com a ordenação dos recursos humanos e a gestão do trabalho.

As instâncias decisórias do SUS passaram a dividir, com as instituições de ensino (IE), o protagonismo dos processos de IES por meio do financiamento crescente e da participação na gestão dessas ações, programas e projetos.

A partir a Lei 12.871 de 22 de outubro de 2013, que institui o Programa Mais Médicos para o Brasil, novos padrões para a formação médica no país foram estabelecidos. A inserção do estudante na rede SUS já nos primeiros anos, um expressivo percentual do internato na Atenção Primária (AP), e a formação estendida às áreas de gestão e educação em saúde apontavam, assim, para o imperativo de se integrar efetivamente ensino e serviços.

A IES vem, assim, se constituindo em uma relação de natureza dialética, em que cada um desses setores deve moldar e ser moldado pelos outros. Isso pode ser sintetizado pela Figura 1, com destaque em vermelho para os principais marcos desse processo.

Figura 1
Inter-relações entre a Política Nacional de Saúde e as políticas de formação profissional em Saúde.

Nesse contexto, a integração deve assumir significados comuns e as experiências resultantes devem produzir ganho para ambas as instituições, demandando diálogo na busca de maior estabilidade, em espaços favoráveis e com a participação de todos. Nisso, os gestores do SUS e das escolas adquirem capital importância.

Essas relações, em novos patamares, conformam claramente uma rede de política99 Bórzel T. Qué tienen de especial los policy networks? Explorando el concepto y su utilidad para el estudio de la gobernación europea. Rev Redes Rediris [Internet] .1997 [citado 12 Out 2020]. Disponível em: http://revista-redes.rediris.es/webredes/textos/policynet.pdf
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, segundo define Börzel:

[…] un conjunto de relaciones relativamente estables, de naturaleza no jerárquica e independiente, que vinculan a una variedad de actores que comparten intereses comunes en referencia a una política, y que intercambian recursos para perseguir esos intereses compartidos, admitiendo que la cooperación es la mejor manera de alcanzar las metas comunes.

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A gestão dessas redes, longe de ser algo simples, impõe desafios administrativos relacionados a negociação e geração de consensos, definição explícita de regras de atuação, contrapartidas de recursos e construção de processos decisórios coletivos. Decidir, planejar e avaliar, em se tratando de estruturas policêntricas como as da IES, requerem novas abordagens, nem sempre consideradas1010 Teixeira SMF. O desafio da gestão das redes de políticas. In: Anais do 7o Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002. Lisboa: CLAD; 2002..

A gestão dessas redes tem sido pouco estudada e tradicionalmente o é para situações intraorganizacionais que diferem das estruturas interorganizacionais em aspectos cruciais. Se as redes são formadas por atores, recursos, percepções e regras1111 Klijn EH, Koppenjan J, Termeer K. Managing networks in the public sector: a theoretical study of management strategies in policy networks. Public Admin. 1995; 7(4):437-54., eles são elementos-chave a serem considerados na sua gestão.

Investigar os processos de gestão das relações de IES no Estado do Paraná por meio dos atores envolvidos com os processos diretivos de ambos os sistemas – apreendendo suas concepções, conhecendo como se manifestam suas práticas e identificando os fatores determinantes dessa integração em seus respectivos territórios – e analisar os modos e processos de avaliação e as características gerenciais envolvidas constituem os objetivos deste artigo, entendendo que poderá trazer grandes contribuições ao campo de estudo da formação em Saúde.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, qualitativo, exploratório, descritivo e explicativo que tomou como objeto a gestão da integração ensino-serviço das escolas médicas no Paraná, entre agosto e dezembro de 2019.

Foram incluídas no estudo as regionais de saúde com ao menos duas escolas médicas com um ciclo formativo completo. A escolha dos gestores das escolas médicas e do SUS considerou que se tratava de indivíduos típicos, pois guardavam as características do objeto estudado e por isso poderiam revelá-lo.

A pesquisa ocorreu nas cidades polo das quatro maiores regionais de saúde do estado do Paraná, abrangendo nove escolas médicas (75% do universo com um ciclo formativo completo), estando representadas escolas públicas, filantrópicas e de fins lucrativos.

Foram entrevistados os nove coordenadores das escolas, os quatro secretários municipais de saúde, os três diretores de regional de saúde e um representante da Comissão de Integração Ensino Serviço de Estado (Ciesc).

Os dados emergiram dos significados e explicações sobre o fenômeno, produzidos pela aplicação de um questionário de caracterização dos sujeitos e de entrevistas semiestruturadas em cinco eixos temáticos com questões norteadoras do estudo: concepções, práticas, fatores facilitadores e/ou dificultadores, avaliação e gestão da integração ensino-serviço.

Foram enviadas cartas convite nos e-mails institucionais dos participantes selecionados para o estudo, acompanhadas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), do roteiro da entrevista semiestruturada e da aprovação da pesquisa no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Após agendamento, nos locais designados pelos participantes, ocorreram as entrevistas, que foram gravadas e cuja duração variou entre 25 e quarenta minutos cada uma. No início da entrevista foram recolhidos os TCLE devidamente assinados e coletadas as assinaturas nos termos de autorização de uso do material gravado. E novamente foi perguntado sobre dúvidas relativas ao estudo, informado sobre a possibilidade de, a qualquer momento, se retirar do estudo e reiterado o compromisso de confidencialidade sobre as informações coletadas.

As entrevistas foram abordadas pela análise de conteúdo de Bardin, em sua modalidade análise temática, em três etapas: fase de pré-exploração, de seleção das unidades de análise e de categorização que, neste trabalho, foi não apriorística, pois as categorias emergiram totalmente das respostas dos sujeitos da pesquisa. Para facilitar a estocagem, o gerenciamento e a recuperação dos dados, foi utilizado o software ATLAS.tiâ.

O estudo foi aprovado pelo CEP sob o número CAAE 15095219.1.0000.5505, após aprovação no CEP/Unifesp: 0643/2019.

Resultados e discussão

As características dos sujeitos pesquisados apontam para dois aspectos que merecem atenção: a alta prevalência de gestores com formação stricto sensu (82%) e o tempo médio no cargo (3,7 anos). A formação stricto sensu pareceu facilitar a aproximação do serviço com a academia, e o tempo no cargo (de 0,5 a 12 anos, maioria de menos de 5,6 anos) pareceu dificultar a institucionalização da integração, ainda muito dependente das características pessoais dos gestores. Esses dados estão retratados no Quadro 1.

Quadro 1
Dados de caracterização dos sujeitos

A análise das entrevistas produziu 27 categorias agrupadas nos cinco eixos temáticos: concepções, práticas produzidas, fatores determinantes, modos e processos de avaliação e características gerenciais da IES. O Quadro 2 apresenta essas categorias e seus respectivos significados.

Quadro 2
Categorias emergidas da análise das entrevistas com os gestores

Os processos de gestão da IES foram analisados como um fenômeno que emerge da práxis cotidiana de escolas e serviços, não restrita a um conjunto de técnicas gerenciais ou de relações internas dessas organizações.

Tomamos a gestão como objeto de estudo da administração, assumindo que seu conceito não se limita às relações sociais internas das organizações ou a um conjunto de técnicas, métodos e/ou ferramentas gerenciais de planejamento e controle, mas, antes de tudo, é um fenômeno que nasce da sociedade, com a sociedade e para a sociedade; um contrato e uma prática social que devem ser legitimados e reconhecidos por todos os enclaves envolvidos1212 Santos EL. O campo científico da administração: uma análise a partir do círculo das matrizes teóricas. Cad EBAPE.BR. 2017; 15(2):209-28..

Concepções dos gestores sobre a integração ensino-serviço

A análise das entrevistas identificou 79 Unidades de Contexto (UC) e 150 Unidades de Registro (UR), consideradas unidades de significação que posteriormente foram analisadas e agrupadas em seis categorias.

As concepções dos gestores educacionais (GE) e do SUS (GS), entendidas como compreensão do objeto que resulta na elaboração de conceitos pelos quais suas ações se dirigem, reproduziram as potencialidades oferecidas pelos processos de IES para ambos os sistemas.

O aprimoramento da formação quando efetivamente integrada à rede de saúde, o desenvolvimento de competências para além daquelas possíveis nos tradicionais aparatos formadores, a energia em induzir mudanças curriculares capazes de satisfazer às reais necessidades de saúde com uma formação orientada pela realidade, e o desenvolvimento efetivo da responsabilidade social das escolas são visões presentes e comuns ao universo dos gestores e demonstram a IES como a estratégia mais potente em suprir a um mesmo tempo todas essas potencialidades.

O aluno vai desde o início para Unidade [...] tem ajudado muito na formação profissional olhar aquele contexto [...] aquelas pessoas onde vivem, as questões que envolvem aquele território, a violência, tráfico [...] todas as ações de cuidado com a população [...] dar para ao aluno uma visão de um sistema de saúde

(GS4)

Como toda prática é integrada ela considera as competências específicas do profissional [...] ela ocorre muito naquilo que nós temos de comum, de competências comuns, de competências gerais, daquilo que todo mundo, no seu enfoque uniprofissional desenvolve, porque é de uma competência geral

(GE10)

A maior inserção dos estudantes no contexto social coopera para a formação de profissionais em consonância com as diretrizes do SUS, amplia a compreensão dos múltiplos determinantes da saúde, impulsiona a comunidade na busca pelos seus direitos sociais e desenvolve habilidades de cuidado, educação, gerência, pesquisa e interprofissionalidade, favorecendo a promoção de mudanças no sistema e a reorientação dos currículos1313 Colliselli L, Tombini LHT, Leba ME, Reibnitz KS. Estágio curricular supervisionado: diversificando cenários e fortalecendo a interação ensino-serviço. Rev Bras Enferm. 2009; 62(6):932-7.

14 Yrbi D. Educating physicians for the future: Carnegie’s calls for reform. Med Teach. 2011; (33):547-50.

15 Vendrusculo C, Trindade LL, Do Prado ML, Kleba ME. Repensando o modelo de Atenção em Saúde mediante a reorientação da formação. Rev Bras Enferm. 2018; 71(4):1674-82.
-1616 Marin MJS, Oliveira MAC, Otani MAP, Cardoso CP, Moravcik MYAD, Conterno LO, et al. A integração ensino-serviço na formação de enfermeiros e médicos: a experiência da FAMEMA. Cienc Saude Colet. 2014; 19(3):967-74..

Ainda dentro das concepções apreendidas do grupo, dois aspectos ganham relevância. O primeiro diz respeito ao papel inconteste da integração para o desenvolvimento e a manutenção do SUS, representando o produto mais fortemente destacado entre todos os grupos pesquisados.

a vinda desse conjunto de alunos e de pesquisadores para o serviço faz com que eu reveja a minha prática e a minha prática vai ser questionada e eu vou ter crítica com relação à forma como eu estou fazendo o meu trabalho e eu preciso estudar, me atualizar [...] para poder fazer esse trabalho que atenda às necessidades tanto do ensino, quanto do serviço

(GS5)

A nossa presença (da escola) tem causado um grande impacto, principalmente ao redor da cidade [...] não tem médico ou tem em pouca quantidade, as especialidades são totalmente carentes [...] colocamos médicos.

(GE11)

E o segundo, à concepção de que as relações de IES, na forma como estão pretendidas, se constituem em uma política a ser gerida e implementada por uma rede da qual fazem parte todos os níveis de gestão do SUS, seus prestadores e as escolas médicas.

é um desafio por vários motivos. Porque a necessidade da universidade é uma, a necessidade do gestor é outra, a do usuário outra e a do servidor que está naquela unidade é outra

(GS12)

é muito importante, nessa integração ensino-serviço, que o serviço compreenda que ele participa não só na execução, mas no planejamento. Então quando você envolve o serviço desde o desenho da proposta, do planejamento, você garante que ele vá contribuir de uma forma mais efetiva, mais integrada, na execução e na avaliação do que for implementado

(GE10)

A melhora do cuidado proporcionada por um olhar de maior abrangência sobre o adoecer, a evolução das condições de vida da comunidade, as inovações do trabalho em saúde, a qualificação do profissional do sistema e a sensibilização para o trabalho colaborativo são efeitos aglutinadores promovidos pela IES e fundamentais para a consolidação do sistema de saúde22 Albiero JFG, De Freitas SFT. Modelo para avaliação da integração ensino- serviço em Unidades Docentes Assistenciais na Atenção Básica. Saude Debate. 2017; 41(114):753-67.,1616 Marin MJS, Oliveira MAC, Otani MAP, Cardoso CP, Moravcik MYAD, Conterno LO, et al. A integração ensino-serviço na formação de enfermeiros e médicos: a experiência da FAMEMA. Cienc Saude Colet. 2014; 19(3):967-74.,1717 Forte FDS, Pessoa TRRS, Freitas CHSM, Pereira CAL, Carvalho Junior PM. Reorientação na formação de cirurgiões-dentistas: o olhar dos preceptores sobre estágios supervisionados no Sistema Único de Saúde (SUS). Interface (Botucatu). 2015; 19 Suppl 1:831-43. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622014.1013.
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Essa integração requer sustentabilidade operacional, vontade política, articulações intersetoriais e novos arranjos tecnológicos para sua constituição e governança, e seus resultados se intensificam quando pautados em estratégias de gestão compartilhada, que se processam na corresponsabilização dos segmentos envolvidos, resultando na democratização do processo1515 Vendrusculo C, Trindade LL, Do Prado ML, Kleba ME. Repensando o modelo de Atenção em Saúde mediante a reorientação da formação. Rev Bras Enferm. 2018; 71(4):1674-82.,1818 Oliveira ML, Mendonça MK, Alves Filho HL, Coelho TC, Benetti CN. PET-Saúde: (In)formar e fazer como Processo de Aprendizagem em Serviços de Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012; 36(1):105-11.,1919 Leite MTS, Rodrigues CAQ, Mendes DG, Veloso NS, Andrade JMO, Rios LR. O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde na Formação Profissional. Rev Bras Educ Med. 2012; 36(1):111-8..

Práticas de integração ensino-serviço produzidas

A despeito das concepções coerentes e alinhadas entre os sujeitos implicados nos processos de integração, seja no território estudado, seja na literatura revisada, as práticas evidenciadas ainda remetem com muita força para o momento anterior à Lei do Mais Médicos, evidenciando padrões baseados em programas específicos e pontuais de integração, estimulados por políticas indutoras do nível central ou exclusivamente restritos à busca das escolas por espaços de prática formativos, mediante oferta de contrapartidas.

Essas práticas não incorporam a responsabilização sanitária das escolas nem a participação dos serviços em definições pedagógicas, denotando uma produção resultante da satisfação de necessidades unilaterais.

a escola vê o campo de estágio como um local para resolver aquela demanda acadêmica e o campo de estágio vê a formação como uma mão de obra barata

(GS16)

Caracterizam-se pela forte influência causada pela demanda e a disponibilidade de contrapartidas requeridas e ofertadas pelos entes, condicionando as produções resultantes e gerando práticas desiguais em contextos únicos.

conseguimos entrar com profissionais [...] inclusive não só médico, mas muitas vezes a unidade precisa de outros profissionais... “eu estou precisando de uma pessoa para gerenciar...” “eu preciso de um técnico de Raio X e não tenho como contratar” [...] essa questão facilita bastante

(GE11)

Se por um lado a identificação de necessidades e possibilidades por ambos os setores possa ser positiva, desafios nas relações assimétricas e de poder entre os envolvidos, resistência para o trabalho em conjunto com ações desarticuladas e não planejadas, o distanciamento entre instituições de ensino e serviço, bem como singularidades que resultam em diferentes graus de comprometimento, disponibilidade e valores associados à integração, podem comprometer a construção de uma prática efetiva1616 Marin MJS, Oliveira MAC, Otani MAP, Cardoso CP, Moravcik MYAD, Conterno LO, et al. A integração ensino-serviço na formação de enfermeiros e médicos: a experiência da FAMEMA. Cienc Saude Colet. 2014; 19(3):967-74.,2020 Aguiar Neta A, Alves MSCS. A comunidade como local de protagonismo na integração ensino-serviço e atuação multiprofissional. Trab Educ Saude. 2016; 14(1):221-35.

21 Silveira JLGC, Kremer MM, Silveira MEUC, Schneider ACTC. Percepções da integração ensino-serviço-comunidade: contribuições para a formação e o cuidado integral em saúde. Interface (Botucatu). 2020; 24:e190499. Doi: https://doi.org/10.1590/Interface.190499.
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-2222 Batista CB, Stralen CJ. O Pró-Saúde e seus dilemas na universidade privada. Avaliação. 2018; 23(1):198-216..

As práticas se expressam predominantemente pela assistência biomédica a pacientes individuais, muito relacionadas ao fato de que ainda prevalece, por parte das escolas, a busca por cenários meramente assistenciais e os serviços são pouco propositivos em termos de IES.

Isso limita os resultados produzidos pela integração, uma vez que cenários não assistenciais são pouco demandados, ainda que contribuam sobremaneira com os objetivos prescritos nas diretrizes de formação.

a participação em cenários não assistenciais, de gestão, de vigilância a gente oferta também, mas tem menos procura

(GS8)

Como predominam projetos pedagógicos orientados a um modelo biomédico, as práticas ainda estão, muitas vezes, centradas na cura e na figura do médico, mantendo o cuidado em um propósito produtivo, fragmentado e técnico, com ações descontextualizadas de sua importância política e social no processo formativo e contribuindo em menor escala para a educação permanente e a satisfação dos trabalhadores da equipe1616 Marin MJS, Oliveira MAC, Otani MAP, Cardoso CP, Moravcik MYAD, Conterno LO, et al. A integração ensino-serviço na formação de enfermeiros e médicos: a experiência da FAMEMA. Cienc Saude Colet. 2014; 19(3):967-74.,2323 Silva FA, Costa MSC, Lampert JB, Alves R. Papel docente no fortalecimento das políticas de integração ensino-serviço-comunidade: contexto das escolas médicas brasileiras. Interface (Botucatu). 2018; 22(1):1411-23. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0062.
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Evidenciou-se habitual nas práticas de integração que as singularidades dos partícipes e a presença de interesses conflitantes sobreponham-se aos objetivos comuns pelos quais cooperam. Esses fenômenos representam paradoxos comuns nas redes gestoras de política e seu não reconhecimento e adequado manejo promovem severas limitações ao processo integrativo.

aqui é uma escola privada, então a gente tem uma relação financeira com os outros serviços [...] nós pagamos para estar ocupando determinados espaços

(GE1)

as (escolas) particulares podem fazer troca de serviço [...] reformar uma Unidade Básica [...] pôr um preceptor [...] pagar a enfermeira ou o médico que está na Unidade Básica

(GE6)

O baixo grau de comprometimento mútuo com os objetivos comuns da integração pode resultar em práticas pouco institucionalizadas, dependentes do entendimento das pessoas que ocupam posições de comando institucional e carentes de financiamento permanente, do que resulta uma práxis inconstante e de resultados aquém dos possíveis.

um município que a gente tinha uma construção grande durante 8 anos, assinamos o Coapes, quando mudou de prefeito, de oposição, tudo que foi feito na gestão anterior, independente se era bom ou ruim, foi caracterizado como ruim

(GE7)

Práticas que precisam ser renegociadas a cada troca de gestão ou adesão às políticas indutoras em maior ou menor grau, ou mesmo o comportamento pendular da política de integração que, de acordo com o grupo político no poder, é marcado por avanços e retrocessos, explicitam a força das relações pessoais em condicionar essas relações e demonstram que estímulos pontuais não são suficientes para transformar a formação e as práticas em saúde1919 Leite MTS, Rodrigues CAQ, Mendes DG, Veloso NS, Andrade JMO, Rios LR. O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde na Formação Profissional. Rev Bras Educ Med. 2012; 36(1):111-8.,2424 Finkler M, Caetano JC, Ramos FRS. Integração ensino-serviço no processo de mudança na formação profissional em Odontologia. Interface (Botucatu). 2011; 15(39):1053-67. Doi: https://doi.org/10.1590/S1414-32832011005000023.
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,2525 Vendrusculo C, Trindade LL, Do Prado ML, Kleba M. Integração Ensino-Serviço no âmbito do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde. Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2949-60..

Fatores determinantes da integração ensino-serviço

Elementos determinantes dessas relações podem desempenhar papéis facilitadores ou dificultadores, dependendo de como se relacionam com os processos de gestão: quando contemplam características intrínsecas de uma rede gestora de política – horizontalidade, policentrismo e interdependência –, contribuem com o desenvolvimento da IES, da mesma forma o oposto.

A capacidade local em alinhar-se às diretrizes centrais, representadas por projetos pedagógicos e de cuidado em consonância com essas orientações, extensivas ao corpo interno das instituições, é considerada como fator decisivo no sucesso dessas ações.

[...] os professores estavam nos seus ambulatórios de especialidades quando vieram as diretrizes [...] essa foi a dificuldade, e está sendo ainda para alguns, de entender onde esse aluno vai ter que aprender [...] vamos para fora; então é o ir para fora que está sendo difícil

(GE3)

A combinação de políticas federais de gestão do trabalho e da educação na saúde e de expansão da Atenção Básica, com atuação sinérgica no âmbito locorregional, como a maior aderência às DCN, propicia o fortalecimento da integração ensino-serviço2626 Barreto DS, Melo Neto J, De Figueiredo AM, Sampaio J, Gomes LB, Soares RS. Programa Mais Médicos e residências de Medicina de Família e Comunidade: estratégias articuladas de ampliação e interiorização da formação médica. Interface (Botucatu). 2019; 23(1):e180032. Doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180032.
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Relações orgânicas e permanentes entre escolas, serviços e órgãos de controle social, além de um investimento institucional duradouro, são pontos necessários para evitar a descontinuidade dos processos de integração22 Albiero JFG, De Freitas SFT. Modelo para avaliação da integração ensino- serviço em Unidades Docentes Assistenciais na Atenção Básica. Saude Debate. 2017; 41(114):753-67.,2323 Silva FA, Costa MSC, Lampert JB, Alves R. Papel docente no fortalecimento das políticas de integração ensino-serviço-comunidade: contexto das escolas médicas brasileiras. Interface (Botucatu). 2018; 22(1):1411-23. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0062.
https://doi.org/10.1590/1807-57622017.00...
.

A viabilização da IES requer dos agentes envolvidos a disposição em assumir novos papéis. Em se tratando de um processo que envolve o ensinar em um ambiente de práticas reais, o desenvolvimento profissional de trabalhadores e docentes na direção das competências que lhes são hipossuficientes, de forma conjunta e articulada, é fundamental.

a formação dos preceptores e a formação também docente [...] eu sou um professor de Medicina, mas eu sou médico antes de ser professor. A maior parte de nós não tem ou não tinha, ou está buscando uma formação como professor mais sólida. A educação é uma área para nós e eu vejo por experiência nossa aqui é uma área desconhecida

(GE1)

Entre os desafios para a consolidação da IES estão os relacionados ao despreparo em relação às práticas pedagógicas e à própria prática profissional, a presença de pessoal suficiente para supervisão dos discentes com perfil de atitudes que sirvam como exemplos para os futuros profissionais, a dificuldade de acesso a bases de dados e de pesquisa e a necessidade de ressignificação e valorização do papel de preceptor, com a permanente qualificação desses recursos humanos1717 Forte FDS, Pessoa TRRS, Freitas CHSM, Pereira CAL, Carvalho Junior PM. Reorientação na formação de cirurgiões-dentistas: o olhar dos preceptores sobre estágios supervisionados no Sistema Único de Saúde (SUS). Interface (Botucatu). 2015; 19 Suppl 1:831-43. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622014.1013.
https://doi.org/10.1590/1807-57622014.10...
,1818 Oliveira ML, Mendonça MK, Alves Filho HL, Coelho TC, Benetti CN. PET-Saúde: (In)formar e fazer como Processo de Aprendizagem em Serviços de Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012; 36(1):105-11.,2020 Aguiar Neta A, Alves MSCS. A comunidade como local de protagonismo na integração ensino-serviço e atuação multiprofissional. Trab Educ Saude. 2016; 14(1):221-35.,2323 Silva FA, Costa MSC, Lampert JB, Alves R. Papel docente no fortalecimento das políticas de integração ensino-serviço-comunidade: contexto das escolas médicas brasileiras. Interface (Botucatu). 2018; 22(1):1411-23. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0062.
https://doi.org/10.1590/1807-57622017.00...
,2727 Souza AL, Carcereri DL. Estudo qualitativo da integração ensino-serviço em um curso de graduação em Odontologia. Interface (Botucatu). 2011; 15(39):1071-84. Doi: https://doi.org/10.1590/S1414-32832011005000025.
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201100...

28 Silva ATC, Medeiros Junior ME, Fontão PN, Saletti Filho HC, Vital Junior PF, Bourget MMM, et al. Medicina de Família do primeiro ao sexto ano da graduação médica: considerações sobre uma proposta educacional de integração curricular escola-serviço. Rev Bras Educ Med. 2017; 41(2):336-45.

29 Magnago C, França T, Belisario SA, Santos MR. PET-Saúde/GraduaSUS na visão de atores do serviço e do ensino: contribuições, limites e sugestões. Saude debate. 2019; 43(1):24-39.
-3030 Mendes TMC, Ferreira TLS, Carvalho YM, Silva LG, Souza CMCL, De Andrade FB. Contribuições e desafios da integração ensino-serviço-comunidade. Texto Contexto Enferm. 2020; 29:e20180333..

Estratégias que promovam a constância das ações de integração, aumentando a inserção do ensino no serviço, comprometendo os atores institucionais com os resultados do processo e não apenas com seus objetivos institucionais, planejando e pactuando processos de longa duração e contemplando a participação do controle social, aumentam o grau de institucionalização da IES e tornam mais fácil sua implementação.

Processos gerenciais adequados à complexidade dos sistemas integrados, que prevejam bons mecanismos de comunicação, explicitem claramente papéis, promovam o planejamento conjunto de ações e o adequado suporte financeiro, disponham de estrutura de apoio e sejam capazes de lidar com as antinomias existentes, representam elementos primordiais dos processos de integração.

a secretaria de saúde não foi criada para ser um campo de estágio [...] de um tempo para cá ela se tornou [...] como temos hoje muitas instituições [...] é difícil entender como funciona isso

(GS12)

O engajamento interinstitucional efetivo da educação com a saúde, articulando objetivos, convergindo demandas e expectativas e estabelecendo parcerias formais, de modo que a participação docente no planejamento dos serviços e dos profissionais dos serviços no ensino de fato aconteça, requer considerar a gestão e a governança locais em todos os seus aspectos, exigindo mediações complexas devido às singularidades e contradições existentes nessa relação1919 Leite MTS, Rodrigues CAQ, Mendes DG, Veloso NS, Andrade JMO, Rios LR. O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde na Formação Profissional. Rev Bras Educ Med. 2012; 36(1):111-8.,2222 Batista CB, Stralen CJ. O Pró-Saúde e seus dilemas na universidade privada. Avaliação. 2018; 23(1):198-216.,2323 Silva FA, Costa MSC, Lampert JB, Alves R. Papel docente no fortalecimento das políticas de integração ensino-serviço-comunidade: contexto das escolas médicas brasileiras. Interface (Botucatu). 2018; 22(1):1411-23. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0062.
https://doi.org/10.1590/1807-57622017.00...
,3030 Mendes TMC, Ferreira TLS, Carvalho YM, Silva LG, Souza CMCL, De Andrade FB. Contribuições e desafios da integração ensino-serviço-comunidade. Texto Contexto Enferm. 2020; 29:e20180333..

As singularidades dos serviços nos quais se concretizam as relações de integração, representadas pelas condições estruturais físicas e de recursos humanos, localização, nível e estratégia de atenção e grau de demanda por parte das escolas, refletem-se diretamente no estabelecimento da integração.

De fato, entre os muitos desafios a serem superados estão cenários de prática inadequados, falta de preceptores, formação insuficiente dos médicos generalistas para receber estudantes e docentes sem capacitação adequada para o ensino no serviço2828 Silva ATC, Medeiros Junior ME, Fontão PN, Saletti Filho HC, Vital Junior PF, Bourget MMM, et al. Medicina de Família do primeiro ao sexto ano da graduação médica: considerações sobre uma proposta educacional de integração curricular escola-serviço. Rev Bras Educ Med. 2017; 41(2):336-45.,3030 Mendes TMC, Ferreira TLS, Carvalho YM, Silva LG, Souza CMCL, De Andrade FB. Contribuições e desafios da integração ensino-serviço-comunidade. Texto Contexto Enferm. 2020; 29:e20180333..

Modos e processos de avaliação da integração ensino-serviço

A análise dos aspectos relacionados à avaliação mostra que ela se apoia fundamentalmente nas percepções dos atores envolvidos, com a satisfação de seus próprios interesses e quase nunca mirando nos processos e resultados produzidos como estratégia cooperativa de entes que buscam os mesmos objetivos.

em relação às avaliações, é uma impressão qualitativa [...] sobre percepções de alunos, de professores [...] do meu coordenador de série, de área, do NDE

(GE1)

A avaliação da IES, ademais de pobre e pouco institucionalizada, é comumente tratada separadamente pelo ente do ensino e do serviço. E está limitada, por vezes, a metodologias delimitadas por programas específicos, ainda que insuficientes.

tem pequenos movimentos, como dentro da interação comunitária [...] o pessoal faz essas pequenas avaliações... cada grupo faz do seu local, mas ainda não criamos uma avaliação sistematizada

(GE11)

Os indicadores, quando utilizados, limitam-se àqueles contidos em procedimentos de regulação e acreditação externos e são insuficientes para avaliar os processos e os resultados específicos da integração, pouco servindo para subsidiar o processo decisório.

tenho controle da locação, onde estão, em que período, qual Unidade. A gente fez uma distribuição das UBS, de forma que um, uma entidade, uma instituição não estejam na mesma UBS da outra

(GS12)

Avaliação pela equipe do MEC/MS para reconhecimento e manutenção do curso. Avaliação pela Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado

(GE17)

Entre as necessidades de sustentação das relações de integração estão o investimento em ações de monitoramento e avaliação, o uso de indicadores para planejar ações e a análise conjunta dos processos2929 Magnago C, França T, Belisario SA, Santos MR. PET-Saúde/GraduaSUS na visão de atores do serviço e do ensino: contribuições, limites e sugestões. Saude debate. 2019; 43(1):24-39..

As percepções estão muito centradas nas condições físicas, financeiras, de recursos humanos e de serviços dos cenários. Apesar disso, não se evidenciou uma sistematização desses requisitos, o que resulta em avaliações contraditórias sobre a suficiência das condições estruturais nos mesmos territórios.

a gente já está no limite [...] para você ter uma noção, a gente tem o Hospital Municipal onde tem alguns meses que nós temos que negar campo de estágio, porque já está no limite

(GS12)

A ausência de um staff dedicado à avaliação, composto por todos os partícipes, e o fato de não ocupar uma posição de prioridade na agenda dos gestores dificultam a consolidação de um sistema avaliativo efetivo e eficaz e fecham com os resultados encontrados nessa área.

As relações de integração carecem de maiores evidências que possam demonstrar sua expressão mediante os avanços, enfrentamentos e desafios que advêm desse processo, havendo clara sinalização para que futuros editais prevejam investimento em ações de monitoramento e avaliação2525 Vendrusculo C, Trindade LL, Do Prado ML, Kleba M. Integração Ensino-Serviço no âmbito do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde. Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2949-60.,2929 Magnago C, França T, Belisario SA, Santos MR. PET-Saúde/GraduaSUS na visão de atores do serviço e do ensino: contribuições, limites e sugestões. Saude debate. 2019; 43(1):24-39..

A gente não faz avaliação. Até porque assim, a nossa demanda é imensa e isso entra em uma pauta menos aguda, vamos dizer assim

(GS4)

Características gerenciais/operacionais da integração ensino-serviço

Em se tratando dos aspectos operacionais das relações investigadas, os achados indicam que todo processo de governança está construído por relações bilaterais estabelecidas entre os entes que participam da integração, a despeito dos territórios comportarem múltiplos agentes que interagem pelos mesmos recursos e muitas vezes competem entre si.

As motivações pelo estabelecimento das relações constitutivas da integração ainda partem dos interesses unilaterais, que buscam ser alinhados em negociações bilaterais.

porque é isso, cada escola enxerga assim: “nossa, mas você está negando aquele campo para mim?” E aí não consegue enxergar o conjunto. [...] a maternidade municipal é disputada por todas as escolas

(GS8)

Definidas dessa forma, como coletividades multilaterais, as redes podem se tornar entidades extremamente complexas que requerem explicações que vão muito além das abordagens diádicas tradicionalmente discutidas na teoria da organização e na literatura de gestão estratégica3131 Provan KG, Kenis P. Modes of Network Governance: Structure, Management, and Effectiveness. J Public Adm Res Theory. 2019; 18(2):229-52..

Mesmo com a forte percepção dos gestores de que a governança estabelecida não alcança os limites imprescindíveis a um sistema que induz a formação de uma rede gestora de política, não é considerado o uso de processos de gestão mais adequados às redes.

Garantir o envolvimento de todos desde o início do processo, o planejamento conjunto, a máxima explicitação de objetivos, metas e papéis, a comunicação efetiva e a formação de comitês gestores para dividir decisões e pactuar horizontalmente as estratégias, é fundamental para o desenvolvimento da integração. Gerir sistemas sob essas premissas é complexo e requer unidades operacionais especializadas e estruturas compartilhadas, o que não é a regra nos sistemas investigados em que as demandas relacionadas à integração ainda são analisadas exclusivamente pelo ente concedente.

está regulamentado na secretaria [...] nós temos um centro de educação em saúde que tem um diretor [...] nesse centro de educação em saúde nós já temos um trâmite, todas as demandas vão para lá

(GS4)

É necessário ensejar o diálogo interno nos diferentes níveis da gestão de cada instituição e organizações participantes do processo, bem como abrir espaços de participação social e comunitária nas atividades propostas para superar a pouca organização e transparência das pactuações3030 Mendes TMC, Ferreira TLS, Carvalho YM, Silva LG, Souza CMCL, De Andrade FB. Contribuições e desafios da integração ensino-serviço-comunidade. Texto Contexto Enferm. 2020; 29:e20180333..

Envolver entes públicos e privados, compartilhando recursos sob um emaranhado de leis e normas regulatórias, sujeitos ao poder e à fiscalização dos mais variados órgãos de controle, agrega considerável complexidade a um campo já bastante desafiador. A capacidade dos gestores locais em lidar com as antinomias existentes mostrou-se um fator decisivo na gestão da integração.

no meio de tudo isso tem todos os órgãos de controle que veem com talvez não tão bons olhos, essa interação, quando nós temos as universidades privadas

(GS12)

Os instrumentos de pactuação pouco apoiam os processos de gestão. A previsão de processos inexequíveis ou a ausência de previsão de todas as ações necessárias, a falta de definições claras para os objetivos, metas e atribuições dos envolvidos, e as vulnerabilidades dos instrumentos perante os órgãos de controle demonstram como regra geral que os convênios tradicionais, de mais fácil confecção, são menos efetivos.

não está preto no branco [...] existe um convênio guarda-chuva da universidade com o município que entra tudo e não pega nada. [...] fica no fio do bigode

(GE6)

Instrumento adequado à gestão em rede pressupõe a incorporação de todos os atores em um único termo e com isso traz requisitos à sua pactuação e implementação. Requisitos que não incorporam o cotidiano da gestão dos sistemas investigados. E, por isso, em todos os territórios estudados, os contratos organizativos não se viabilizaram.

tem que fazer um único instrumento, então imagina que é difícil [...] você acerta de um lado, o outro “ah, mas eu também quero, eu também quero” e aí começam as questões individuais [...]

(GE11)

Mesmo com o reconhecimento unânime das dificuldades em operacionalizar os contratos organizativos, os Contratos Organizativos da Ação Pública Ensino Saúde (Coapes) foram enxergados como instrumentos que trazem importantes elementos de pactuação. Os “detalhes”, como resumidamente apontou um dos gestores.

foi bem rica, nós levamos um ano e meio pra fazer (o Coapes), que é o que eu falo, construir é fácil, mas manter o trem que é o BO

(GS8)

A gestão de redes está longe de ser algo simples, o que tem implicado, muitas vezes, o fracasso de programas e projetos sociais, apesar das boas intenções dos atores envolvidos1010 Teixeira SMF. O desafio da gestão das redes de políticas. In: Anais do 7o Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002. Lisboa: CLAD; 2002..

Considerações finais

Os resultados obtidos com este trabalho são conclusivos em apontar que as relações de IES nas escolas estudadas no Paraná são compreendidas como redes gestoras por seus executores, embora isso não se exteriorize na prática.

Também são conclusivos em demonstrar como o não funcionamento em rede dos processos de integração produz práticas inadequadas de integração, inviabiliza o aprimoramento dos sistemas avaliativos, compromete a formação consentânea e sobrecarrega em demasia o sistema de saúde.

Os novos requisitos da formação médica, para além dos aspectos regulatórios, impõem uma educação centrada no sistema de saúde. A gestão desse processo, que une dois campos sociotécnicos de grande complexidade, reclama a migração dos atuais modelos predominantemente intraorganizacionais de gestão para novos arranjos de governança interorganizacionais entre escolas e serviços. Para tanto, o entendimento das redes gestoras de política é indispensável.

Como pontos fracos deste estudo podemos considerar o fato de que os dados foram levantados pelas falas de gestores, os quais possuem uma vinculação temporária com a função desempenhada. Como fortalezas, o alcance da quase totalidade das escolas médicas com um ciclo formativo completo no Estado do Paraná, a presença de escolas de todas as naturezas jurídicas e a grande amplitude no tempo de existência delas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2022
  • Aceito
    01 Ago 2022
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br