Regionalização da saúde no Rio Grande do Sul: considerações do controle social sobre o processo

Health regionalization in Rio Grande do Sul: considerations of social control about the process

André Luis Alves de Quevedo Priscila Farfan Barroso Arthur Chioro Cristian Fabiano Guimarães Sobre os autores

Resumo

O objetivo do presente estudo foi compreender o entendimento dos conselheiros de saúde do Estado do Rio Grande do Sul sobre o tema regionalização da saúde. Apresenta natureza qualitativa, sendo que para a coleta de dados foram empregadas entrevistas semiestruturadas com oito conselheiros de saúde indicados intencionalmente pelo Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (CES/RS), sendo um representante por macrorregião de saúde e um representante da mesa diretora do CES/RS. Na abordagem teórica do estudo utilizou-se o conceito de poder em Mario Testa e na análise de conteúdo foi aplicada a técnica de análise temática. Observou-se que, a regionalização em saúde não se traduziu como um tema de discussão específico para os conselheiros de saúde entrevistados. O acesso, o acolhimento, as relações de poder, as redes de conversações foram temas secundários que apareceram relacionados aos temas de regionalização e governança da saúde. Assim, no caso estudado, as temáticas da regionalização e da governança em saúde ainda carecem de serem aprofundadas pelo controle social e tem potência para ser exploradas em futuras pesquisas sobre o tema.

Palavras-Chave:
Regionalização da saúde; Serviços de saúde; Governança em saúde; Participação social; Gestão em saúde

Abstract

The study aimed to know the understanding of health counselors in the State of Rio Grande do Sul on the topic of health regionalization. It presents a qualitative nature, and for data collection, semi-structured interviews were used with eight health counselors intentionally appointed by the State Health Council of Rio Grande do Sul (CES/RS), one representative per Health Macro-region and one representative from the board director of CES/RS. In the theoretical approach of the study the concept of power in Mario Testa was used and in the content analysis the thematic analysis technique was applied. It was observed that regionalization in health did not translate into a specific topic of discussion for the health counselors interviewed. Access, user embracement, power relations, conversation networks were secondary themes that appeared related to the themes of regionalization and health governance. Thus, in the case studied, the theme of regionalization and governance in health still needs to be deepened by social control and has the potential to be explored in future research on the subject.

Keywords:
Regional Health Planning; Health Services; Health Governance; Social Participation; Health Management

Introdução

A regionalização em saúde é um dos princípios organizativos do Sistema Único de Saúde (SUS), positivada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Com o advento do SUS, mudou-se o paradigma da atenção e gestão em saúde, sendo que após mais de trinta anos de implementação do sistema, os mecanismos de federalismo cooperativo, regionalização e governança institucional parecem ter sido aprimorados. No entanto, ainda persistem “[...] expressivas limitações de recursos financeiros, humanos e de infraestrutura de gestão e atuação concentrada em problemas emergenciais da gestão da rede de ações e serviços de saúde.” (OuverneyOUVERNEY, A. M. et al. Federalismo Cooperativo, Regionalização e o Perfil de Governança Institucional das Comissões Intergestores Regionais no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 26, n. 10, p. 4715-4726, 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320212610.22882020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/Vq3yQKx3fMWQHDXfgTQ3JTF/?lang=pt#
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et al., 2022, p. 4.715).

Considerando a evolução histórica, desde a perspectiva epistemológica, o conceito de regionalização avançou de uma simples diretriz administrativa para a viabilização doutrinária da universalidade equitativa e integral do SUS (Mello; Demarzo; Viana, 2019MELLO, G. A.; DEMARZO, M.; VIANA, A. L. O conceito de regionalização do Sistema Único de Saúde e seu tempo histórico. História, Ciências, Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro, v. 26, n. 4, p. 1139-1150, 2019. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-59702019000400006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/JCpjVSbmMXxY3xnD3zrYFYb/?lang=pt#
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). Todavia, mesmo considerando os avanços no processo de regionalização para a estruturação do sistema público de saúde, no caso do Brasil, ainda deve-se ter o cuidado para que a implementação desse processo não seja capturada por nuances burocráticas e fragmentadas (ShimizuSHIMIZU, H. E. et al. Regionalização da saúde no Brasil na perspectiva dos gestores municipais: avanços e desafios. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, sup. 2, p. 3385-3396, 2021a. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.2.23982019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/PcGfvXTSWTxWWKdMbkNNQmw/?lang=pt#
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et al., 2021a), características do histórico de organização das políticas públicas no país.

Há ainda que se considerar que, em tempo de crises, sejam elas sanitárias ou econômicas – se é que existe tal separação, corre-se o risco de que as governanças regional e federativa tendam a serem apagadas, por processos centralizados e autoritários; ou até mesmo caracterizadas por processos de ausência de coordenação (PadilhaPADILHA, A. et al. Crise no Brasil e impactos na frágil governança regional e federativa da política de saúde. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 24, n. 12, p. 4509-4518, 2019. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320182412.25392019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/T3JpwPgbLb7CtQbN9z9Y7Yh/?lang=pt#
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et al., 2019; ShimizuSHIMIZU, H. E. et al. Regionalization and the federative crisis in the context of the Covid-19 pandemic: deadlocks and perspectives. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 45, n. 131, p. 945-957, 2021b.et al., 2021b). Assim, efetivar um sistema único em um país com autonomia dos entes federativos requer, em última análise, a ação coletiva e a cooperação, pautadas em mecanismos de coordenação, gestão dos serviços, equilíbrio entre os interesses coletivos e individuais, e a construção de identidades sociais entre gestores com vistas à cogestão (SilvaSILVA, J. F. M. et al. A ação coletiva e a cooperação no Sistema Único de Saúde. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 30, n. 3, e300329, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300329. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/xXHMXgF8rnnngQPWrdwK6WG/?lang=pt#
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et al., 2020).

Destaca-se que, como forma de abertura da burocracia estatal, especialmente no campo da saúde a partir da década de 90, surge o reconhecimento da participação social na construção e efetivação das políticas públicas de saúde brasileiras (Gohn, 2016GOHN, M. da G. Gestão Pública e os Conselhos: revisitando a participação na esfera institucional. Revista de Estudos e Pesquisas Sobre as Américas. Brasília, v. 10, n. 3, p. 1-15, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.21057/repam.v10i3.2186. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/repam/article/view/14931). Não obstante, há a reflexão se essa nova forma de participação dos movimentos sociais e populares na agenda estatal não ensejou uma forma de captura e institucionalização destes (Doimo, 1995DOIMO, A. M. Vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/ANPOCS, 1995. 353p). Apesar de existirem diversos movimentos sociais e populares, a inserção da participação social na agenda do Estado brasileiro no setor saúde deu-se especialmente através dos conselhos de saúde e conferências de saúde.

No Estado do Rio Grande do Sul, o Conselho Estadual de Saúde (CES/RS) teve origem anterior ao SUS, tendo sido instituído através do Decreto Estadual n. 17.868/1966, sendo o primeiro conselho estadual de saúde do Brasil. A composição do CES/RS, no ato de sua criação, contava com representantes do Governo, de entidades e profissionais da área da saúde pública, totalizando dezesseis participantes.

Considerando essa trajetória pioneira, faz-se relevante entender como o controle social no exercício de seu papel no processo decisório das políticas de saúde no Estado do Rio Grande do Sul tencionou o processo de regionalização. Assim, o objetivo do presente artigo foi compreender o entendimento dos conselheiros de saúde do Estado do Rio Grande do Sul sobre o tema regionalização da saúde.

Metodologia

O presente estudo, de natureza qualitativa, utilizou para a coleta de dados entrevistas semiestruturadas – as quais possibilitam que as pessoas respondam a partir dos seus próprios termos, mais do que as entrevistas padronizadas, e, ao mesmo tempo, fornece uma comparabilidade entre as respostas (May, 2004MAY, T. Pesquisa social: questões, métodos e processos. Porto Alegre: Artmed, 2004.). Faz parte da pesquisa “Análise dos processos de regionalização, gestão e planejamento para a implementação das Redes de Atenção à Saúde no Rio Grande do Sul”, a qual foi aprovada pelo Comitê de Ética da IMED/Porto Alegre e Comitê de Ética na Pesquisa em Saúde da Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul, sob o número CAAE 39496820.6.0000.5319.

Foram entrevistados oito conselheiros de saúde indicados intencionalmente pelo Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (CES/RS)RIO GRANDE DO SUL. Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Decreto Estadual nº 17.868, de 26 de abril de 1966. Dá nova estrutura à Secretaria de Estado dos Negócios da Saúde, fixa a respectiva lotação de cargos de provimento efetivo e em comissão e de funções gratificadas, e dá outras providências. Porto Alegre, 1966., sendo que alguns desses participaram desde o início da implementação do SUS no território gaúcho. Entrevistou-se um representante por macrorregião de saúde (Centro-Oeste, Metropolitana, Missioneira, Norte, Serra, Sul e Vales) e um representante da mesa diretora do CES/RS.

As entrevistas, agendadas por telefone, foram realizadas de acordo com a disponibilidade de cada entrevistado. A coleta de dados ocorreu entre os meses de novembro e dezembro de 2021, de maneira virtual (por videoconferência), através da plataforma Cisco Webex, sendo que cada entrevista teve em média 68 minutos de duração. A adoção da estratégia de entrevistas por meio digital se deveu ao fato da pandemia de Covid-19, que ocorria à época da coleta de dados.

Na abordagem para participar do estudo houve apenas uma recusa. Antes da coleta de dados, foi explicado aos participantes sobre o objetivo, a metodologia, a forma de coleta de dados, os riscos e benefícios da pesquisa. Posteriormente, foi aplicado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) a cada entrevistado, respeitando os preceitos éticos de pesquisas envolvendo seres humanos, conforme as resoluções do Conselho Nacional de Saúde. A fim de manter o anonimato dos entrevistados, estes foram identificados por conselheiro de saúde.

As entrevistas foram gravadas após o consentimento dos participantes e, posteriormente, transcritas e analisadas utilizando-se o software NVivo, específico para pesquisa qualitativa, que permite identificar núcleos de sentidos que favorecem a análise. As informações obtidas por meio das entrevistas foram submetidas à análise de conteúdo, definida por Bardin (1979BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979.) como um conjunto de técnicas de análise de comunicação que busca obter, através da descrição do conteúdo das mensagens registradas, indicadores que possibilitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção destas mensagens.

Para a análise de conteúdo, foi aplicada a técnica de análise temática, que busca descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, através de padrões ou temas, advindos da manifestação ou repetição e que tenham significado para o objetivo analítico desejado. Assim, a análise temática propõe o estudo de motivações, valores, inclinações, atitudes e crenças dos entrevistados (Bardin, 1979BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979.).

Na abordagem teórica do estudo utilizou-se o conceito de poder em Mario Testa (1992TESTA, M. Pensar em saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.). Esse autor entende o conceito de “política” como “uma proposta de distribuição do poder” (Teixeira, 2010TEIXEIRA, C. F. (org.). Planejamento em saúde: conceitos, métodos e experiências. Salvador: EDUFBA, 2010., p. 24; Testa, 1995TESTA, M. Pensamento estratégico e lógica da programação. São Paulo: Hucitec, 1995.) e emprega uma tipologia de poder dividindo em técnico – capacidade de gerar e obter informações; administrativo – capacidade de conseguir e alocar recursos; e político – capacidade de mobilizar grupos sociais (Feliciello, 2021FELICIELLO, D. Aspectos conceituais e operacionais do planejamento em saúde com ênfase no SUS. Caderno de Pesquisa NEPP,.Campinas, n. 90, 2021. 49 p. Disponível em: https://www.nepp.unicamp.br/biblioteca/periodicos/issue/view/175/CadPesqNEPP90
https://www.nepp.unicamp.br/biblioteca/p...
, p. 17).

As categorias empregadas para análise do presente estudo, emergidas dos temas centrais da pesquisa, foram regionalização, planejamento regional, Redes de Atenção à Saúde, governança e instâncias de pactuação. A descrição do presente estudo qualitativo foi baseada no Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ), traduzido e validado para o idioma português (SouzaSOUZA, V. R. dos S. et al. Tradução e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paulista de Enfermagem. São Paulo, v. 34, eAPE02631, 2021. DOI: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ape/a/sprbhNSRB86SB7gQsrNnH7n/abstract/?lang=pt
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et al., 2021).

Resultados e Discussão

Em relação ao perfil dos entrevistados, três eram mulheres e cinco homens. Caracterizavam-se como profissionais de saúde, representando instituições de saúde, além de representantes dos usuários, através de movimentos sindicais e organizações sociais; e, o tempo de atuação no controle social na área da saúde variou de seis a 25 anos. Os representantes atuaram, ou são atuantes, em conselhos municipais, regionais – que existiram até 2010 – ou estadual do RS e reconheciam o papel do controle social na região em que atuaram ou atuam. Todos demonstraram implicação com a pauta do controle social na saúde.

A motivação para participação no controle social envolve desde a prática profissional até a própria experiência como usuário em serviços de saúde. Para exemplificar o envolvimento com o controle social de um dos conselheiros entrevistados, elucida-se o seguinte trecho:

O que me motivou a entrar no Conselho de Saúde? Foi uma má prestação de serviço de uma médica no hospital quando eu sofri um acidente de moto e tive uma luxação crônica no braço. Até hoje tenho problema, nesse braço esquerdo, pelo mal atendimento dela. Aí eu disse: “Não, a gente não deve ficar quieto!”. As pessoas se calam e os médicos se acham os deuses. [...] Foi desse processo, do mal atendimento, que eu entrei e comecei a participar. Comecei a saber que tinha reunião de conselho, e foi através daí que eu fui entrando, fui entrando. (Conselheiro de Saúde 3).

De modo geral, aponta-se que a comunidade ainda não conhece a força de sua participação junto aos conselhos de saúde (JunglosJUNGLOS, C. et al. Motivações, importância, desafios e perspectivas do controle social em saúde. Cogitare Enfermagem. Curitiba, v. 24, e66874, 2019. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v24i0.668. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/66874et al., 2019), mas o entrevistado em questão seguiu um caminho diferente e pôde entender que sua luta na área da saúde poderia ter efeito na sua região.

Em relação a essa narrativa, ainda, reflete-se sobre esse lugar híbrido do conselheiro saúde, que ora representa interesses de grupos sociais organizados e/ou ora representa seus interesses individuais, como cidadão com direito ao SUS. Tal fato nos sinaliza algumas das contradições do processo de participação social, especialmente no debate da agenda estatal.

Regionalização, governança e instâncias de pactuação: reflexões a partir da realidade do território gaúcho

Pela análise dos dados empíricos, pode-se inferir que a discussão da regionalização em saúde não se caracterizou de forma objetiva na fala dos entrevistados. A centralidade das falas direcionou-se para a realidade local, sem aprofundar questões regionais. Tal fato pode ser observado na fala do Conselheiro de Saúde 5: “A regionalização, olhando aqui na parte documental do governo, está funcionando, mas na prática muitos conselheiros municipais de saúde nem sabem que existe isso”.

Os entrevistados refletiram sobre o papel dos extintos conselhos regionais de saúde, sinalizando que nesses espaços as pautas específicas da regionalização eram debatidas, aprofundadas e encaminhadas. Para os entrevistados, os conselhos regionais de saúde, instaurados com a Lei Estadual nº 10.097/1994 e extintos ao longo de 2008, eram instâncias que faziam a “ponte” entre as demandas do interior e a capital (Porto Alegre). Mas, o estabelecimento dos conselhos regionais de saúde era polêmico entre os próprios conselheiros e, talvez, também por isso, não perduraram até os dias atuais.

Primeiramente, havia uma grande discussão na definição da composição dos representantes dos conselhos regionais de saúde, alguns achavam que deveria ser de entidades regionais e outros de representações municipais da região (poder político). Segundo, ainda que se pudesse utilizar a estrutura das Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS) no Estado, a responsabilidade dos custos para manutenção das reuniões e dos deslocamentos dos conselheiros também não estavam definidos, o que gerava dificuldade na sua operacionalidade (poder administrativo). Terceiro, havia a existência de disputa entre representantes da região metropolitana e do interior na atuação do CES/RS (poder político). Quarto, ocorria a assimetria de conhecimento entre as representações dos segmentos (poder técnico).

A fala da Conselheira de Saúde 2 demonstra essa contradição em relação ao papel dos conselhos regionais de saúde: “A principal polêmica era que alguns conselheiros entendiam que o conselho regional de saúde tinha que ser a mesma composição do CES”. Tal reflexão pode nos demonstrar que o interesse em pensar e efetivar a discussão da regionalização em saúde não era o objetivo desses fóruns e sim apenas agregar os municípios em torno da pauta do conselho Estadual, ou seja, um processo de descentralização/burocratização do controle social.

Ademais, a conselheira supracitada se contrapõe aos demais entrevistados em relação ao resgate do funcionamento dos conselhos regionais de saúde, por mais que estes conselhos tenham cinco vagas garantidas na composição do SES/RS, conforme sua lei estruturante (Lei Estadual nº 10.097/1994):

Eu nunca fui a favor que tivesse um conselho dentro de outro conselho porque a própria expressão de conselho já te dá um caráter deliberativo, um caráter de independência porque ele é um conselho. [...] Eu acho que é isso que deveria ser criado. Entendeu? Colegiados, tipo plenárias regionais dentro do Estado. Essa é a minha visão hoje para resolver a questão dos conselhos... não dos conselhos, mas das representações regionais. (Conselheira de Saúde 2).

Resgata-se a fala do Conselheiro de Saúde 4, o qual participou dos primórdios da construção do SUS, por exemplo, na 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986: “[...] a gente pensou então em se unir através de conselhos regionais, que davam uma sustentação para os conselhos municipais. Isso fez com que o SUS de fato começasse a ser implementado e implantado nos municípios.”. Esse ator traz outro elemento analisador sobre o processo desses conselhos regionais de saúde, focando no fortalecimento da participação social no território municipal e não especificamente no regional, especialmente na formação para o controle social.

Conforme a Conselheira de Saúde 6 este foi um processo necessário: “[...] algumas conquistas de regionalização a gente conseguiu na época porque se conseguia mostrar para o gestor regional quais eram as necessidades dos municípios”. Tal fato nos traz os desafios de avançarmos dos discursos e práticas da municipalização para a regionalização da saúde, a fim de atualizar o princípio da descentralização positivado nas normativas do SUS (Duarte ., 2015DUARTE, L. S. et al. Regionalização da saúde no Brasil: uma perspectiva de análise. Saúde e Sociedade. São Paulo, v. 24, n. 2, p. 472-485, 2015. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000200007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/cKdvDBTfQJnTtBTkPdTtykr/abstract/?lang=pt#
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).

Por seu turno, o Conselheiro de Saúde 5 apresenta a premência de retomada dos conselhos regionais de saúde e aponta ainda a necessidade de regionalização desse fórum de controle social.

Tem que entender que centralizado em Porto Alegre não vai dar conta. O nosso Estado é um Estado imenso. Como o conselheiro vai passar viajando em 500 municípios? Tem que ser regionalizado. [...] Se o Conselho de Secretários Municipais de Saúde tem regional, por que não se deve ter nos conselhos municipais de saúde? [...] Tanto que a gente está defendendo a regionalização do SUS, mas não está defendendo a regionalização dos conselheiros. É um equívoco, eu acho. (Conselheiro de Saúde 5).

Os entrevistados também apresentaram a importância de articulações institucionais enquanto mecanismos de governança acionados pelos conselhos de saúde. Essas articulações se davam com a SES/RS, por meio das CRS, e com o Ministério Público/RS, que colaboravam na efetivação de demandas dos conselheiros de saúde quando estes tinham dificuldade no seu cumprimento.

Por outro lado, aparece o relato sobre a falta de articulação entre o nível central e o local, evidenciando problemas de comunicação no controle social na regionalização em saúde: “A gente precisa que o que nós estamos produzindo aqui na região chegue para o Estado, seja para a SES, através das coordenadorias, ou do controle social para o conselho estadual” (Conselheiro de Saúde 6).

Aparece também na fala do referido conselheiro uma confusão quanto ao papel e o objetivo de cada espaço regional – Coordenadoria Regional de Saúde, macrorregião de saúde, conselhos regionais de saúde e plenárias regionais. Tal fato pode ser o reflexo da centralização da tomada de decisão no caso estudado.

Não adianta colocar lá que tem conselhos regionais, mas tem que funcionar. O nome não interessa, se é conselho, se é plenária regional [...]. Cada região tem os seus coordenadores representantes na plenária, foi escolhido. [...]. Cada região tem suas coordenadorias regionais, que seriam preenchendo o papel dos conselhos regionais. [...] Fosse no conselho anterior, regionais, nas plenárias regionais, que é coordenadores [...] trocar seis por meia dúzia. Mas o que interessa é o conteúdo, chegar lá para o Estado e o retorno para a população. É isso que eu vejo. (Conselheiro de Saúde 8).

A saúde enquanto processo social tem como categoria central o “poder”, especialmente nas políticas e nas práticas institucionais. Nesse sentido, ao implementar uma ação de saúde há um deslocamento de poder, seja o poder técnico, administrativo ou político (Padilha et al., 2019; Testa, 1992TESTA, M. Pensar em saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.). No caso do controle social, no Estado do Rio Grande do Sul, tal concepção se mostrou válida, pois houve uma disputa para centralizar essas dimensões de poder no caso analisado.

Outro tensionamento que pode ser extraído das falas dos conselheiros de saúde é sobre o processo de governança na saúde e de que forma ele foi incorporado no discurso das políticas públicas de saúde. Sobre esse tema, a Conselheira de Saúde 7 sinaliza algumas das disputas entre os segmentos do controle social: “O prestador está ali para ganhar o seu dinheiro e o gestor está ali para dizer o que é bom, o que está ruim e ponto final. Nós não. Nós sabemos o que de fato precisa”. A conselheira ainda separa as relações de poder no formato de uma pirâmide, em que na base estão os usuários e no topo os gestores municipais de saúde. Nesse sentido, devemos refletir se, mesmo com um percentual de 50% nos conselhos de saúde, os interesses dos representantes dos usuários do SUS conseguem efetivamente ser contemplados nos processos de implementação do SUS.

Quanto às disputas políticas, por vezes partidárias, o Conselheiro de Saúde 3 desvela o quanto estas atravessam inadequadamente os mecanismos de governança do SUS, na perspectiva do poder político: “Agora eu acho muito engraçado que tem pessoas aqui que querem simplesmente fazer isso aqui uma tribuna política, não é pra isso que estamos aqui, nós estamos aqui para melhorar a saúde [...].”

Constata-se que as disputas entre os segmentos dos conselhos regionais de saúde pelo poder administrativo,caracterizaram-se, em determinados momentos, como estratégias de perseguição e/ou constrangimento, conforme pode ser observado na fala do Conselheiro de Saúde 6: “Porque eu abri os olhos da população nos seus direitos que tinha. Então passei a ser uma pessoa não muito bem-vista entre os secretários da região”. Segue ele:

Nós não somos prioridade para eles, nós estamos em um outro nível. Exatamente. Quando eles não conseguem vencer as suas batalhas é que eles pedem o nosso socorro, pedem a nossa intervenção. Mas nós não somos aquela referência para estar junto nas decisões. (Conselheiro de Saúde 6).

Conforme os ensinamentos de Uribe Rivera (1995URIBE RIVERA, F. J. Agir comunicativo e planejamento social: uma crítica ao enfoque estratégico. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1995., p. 166), “[...] a percepção que um outro ator tem da força ou do poder de um ator é também um recurso real ou fictício de poder”. Tal fato nos remonta à ideia de arena política e disputa de poder na construção da política pública de saúde, onde, por vezes, aqueles que detêm o maior poder acabam por utilizá-los em detrimento dos demais.

Por seu turno, Conselheiro de Saúde 8 desvela o motivo da não participação do controle social nas Comissões Intergestores Biparite (CIB) e Comissões Intergestores Regionais (CIR): “Essa decisão nossa é mais política. Já vem de alguns anos. [...] Nós não participamos de decisões onde é encaminhamento político, de governos, de gerência, de gestão”. Esse entendimento nos parece equivocado, pois por mais que os conselheiros de saúde não tenham direito a voto nesses espaços de pactuação entre gestores estaduais e municipais, o direito à voz é permitido a todos os participantes desses fóruns – podendo ser mais uma via de discussão das necessidades de saúde da população.

Aparece ainda que, na construção das regiões de saúde, ocorrida no Rio Grande do Sul em 2012, não houve a participação do controle social nessa definição, seja nas CIR quanto na CIB.

São coisas que do controle social nós temos um ponto de vista um pouco diferente do que o que os secretários adotaram na época lá, não só pela regionalização mas também para distribuição de serviços. (Conselheiro de Saúde 6).

Em relação ao papel do controle social no SUS, aponta-se que sua competência “[...] deve ser pautada pelo compromisso, independência crítica e liberdade na formulação e fiscalização das políticas públicas.” (PachecoPACHECO, H. F. et al. A accountability das Organizações Sociais no SUS: uma análise do papel institucional do Conselho Estadual de Saúde em Pernambuco. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, e300108, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300108. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/physis/2020.v30n1/e300108/#et al., 2020, p. 16). Todavia, o papel dos conselhos de saúde não é apenas de fiscalização, como corriqueiramente tem sido entendido, ele deve ir além, com atuação na formulação de estratégias da execução da política de saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros (Brasil, 1990BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União, 31 dez. 1990, p. 25694. Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). Talvez essa seja a parte da agenda do controle social, em negociação com os demais atores, que precisará ser cada vez mais aprofundada.

Assim, resta igualmente a reflexão se o conceito de governança, o qual está em constante disputa, atende aos objetivos do sistema público de saúde ou apenas traduz os interesses reducionistas de mercado do setor privado, dos quais foi originado. Nessa linha, nos parece que no âmbito do SUS, contemporaneamente, seria preciso construir uma nova inventividade e definição para esse conceito de Governo participativo, tal como governação em saúde (Ferreira; Raposo, 2006FERREIRA, P. L.; RAPOSO, V. A governação em saúde e a utilização de indicadores de satisfação. Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. Lisboa, v. 22, n. 3, p. 285-296, 2006. DOI: https://doi.org/10.32385/rpmgf.v22i3.10243. Disponível em: https://www.rpmgf.pt/ojs/index.php/rpmgf/article/view/10243).

O olhar dos conselheiros sobre o planejamento regional e as Redes de Atenção à Saúde

Aparece a discussão sobre a importância das redes de conversações entre os profissionais de saúde do território regional, como uma forma de qualificar o sistema público de saúde e o controle social.

Então a gente costuma passar essas informações entre nós. As gurias aqui da região, Arroio do Meio, Encantado, Estrela, a gente acaba conversando entre nós também para ver o que é. Porque cada pedacinho é uma realidade. Então a gente junta essas realidades, trocamos ideias e repassamos. (Conselheira de Saúde 7).

As redes de conversação já foram identificadas como uma forma de coordenação dialógica para a análise e para a melhoria da coordenação em sistemas de serviços de saúde, desde a perspectiva de teoria do agir comunicativo e da teoria das conversações (Lima; Rivera, 2010LIMA, J. de C.; RIVERA, F. J. U. Redes de conversação e coordenação de ações de saúde: estudo em um serviço móvel regional de atenção às urgências. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 323-336, 2010. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000200011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/sbqcvvBDpKmdp7fQxxxbwsR/?lang=pt#
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). No cenário estudado, a entrevistada também identificou tal a potencialidade das redes de conversações na articulação do controle social.

Sobre as Redes de Atenção à Saúde, as referências regionais e o transporte sanitário, segundo a fala dos entrevistados, esses tópicos se traduziram nos deslocamentos e tempo de espera dos usuários entre os municípios gaúchos e/ou a capital (Porto Alegre), bem como as dificuldades na referência e contrarreferência e retorno às listas de espera, em caso de problemas decorrentes de atendimentos prévios; além da falta de orientações médicas e as constantes idas e vindas dos usuários nos serviços de saúde para atingir um determinado resultado esperado.

Tais pistas podem nos demonstrar os movimentos de tutela sobre os usuários do SUS, os quais nem sempre resolvem os problemas de saúde destes, podendo inclusive onerar o sistema público de saúde por falta de coordenação do cuidado. Sinalizam também a importância dos processos de regulação em saúde em uma rede articulada, a partir das necessidades de saúde dos usuários.

[...] pouca coisa que mudou no sentido do transporte. [...] As pessoas já saem do município com a demanda das suas doenças, das suas causas, das suas dores e acabam tendo que ficar horas e horas na porta de um hospital no desconforto de uma cadeira e o desconforto de estar esperando por uma consulta há tempos e tempos. [...] Aí as pessoas saem lá do seu município às duas horas da manhã para ter uma consulta aqui às oito da manhã, chegar e o médico não explicar, isso torna frustrante. (Conselheira de Saúde 7).

[...] eu sei que muitas vezes o prefeito [...] o secretário municipal de saúde diz apavorado: “Faz isso”. Pega o paciente para tentar salvar ele, joga dentro da ambulância – a gente diz “joga” porque é assim mesmo – [...] ambulância com o familiar e ele vem para uma cidade que muitas vezes ele nem conhece onde é. (Conselheiro de Saúde 5).

O acolhimento nos serviços de Atenção Primária à Saúde tem sido uma realidade primordial no sistema público de saúde brasileiro. No entanto, nos casos dos serviços de atenção secundária e terciária a efetivação de tal prática ainda é um desafio (Motta; Perucchi; Filgueiras, 2014MOTTA, B. F. B.; PERUCCHI, J.; FILGUEIRAS, M. S. T. O acolhimento em Saúde no Brasil: uma revisão sistemática de literatura sobre o tema. Revista da SBPH. Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 121-139, 2014. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582014000100008
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). Apesar de parecer que o conceito de acolhimento se aplica somente aos serviços de saúde primários, ele está imbricado nas Redes de Atenção à Saúde e especialmente no transporte sanitário. Nesse sentido, a narrativa dos entrevistados desvela o quão traumática essa experiência pode ser para o usuário e suas famílias, especialmente em um momento de grande vulnerabilidade.

Os entrevistados trazem a discussão sobre a concentração/desconcentração dos serviços de saúde, apontando as potencialidades e fragilidades da definição das referências assistenciais.

A gente vê cada realidade que a gente não acredita. Municípios pequenos encaminhando coisas para um hospital de especialidade que poderiam ser resolvidas no seu município, que acabam usando uma estrutura que poderia ser para aquilo que realmente está definido, que são as especialidades. [...] Com isso se perde dinheiro, se perde tempo e às vezes pessoas que não têm nada a ver com a história, quando precisam daquele leito não têm o leito disponível e acabam pagando com a vida. (Conselheiro de Saúde 4).

Por outro lado, o Conselheiro de Saúde 3 sinaliza as consequências prejudiciais das grandes distâncias percorridas para o atendimento da média e alta complexidade: “[...] vou dar um exemplo, de estar levando um paciente daqui, do hospital levando para lá para fazer um cateterismo, ou outra coisa que pode ser necessário, e no caminho ter que voltar porque o paciente não resistiu chegar”.

Em complemento, a Conselheira de Saúde 1 traz sobre a questão do agravamento do quadro clínico dos usuários, em detrimento do atendimento no tempo, local e especialidade correta, o que pode, da mesma forma, levar ao óbito desses: “Com certeza muitos morreram nesse meio-tempo. Ou se tornaram de média complexidade, se tornaram pessoas com necessidades de alta complexidade pela complicação da sua doença”.

No Brasil, a organização do SUS, de forma descentralizada e hierárquica, para ofertar a universalidade de ações e serviços de saúde tem sido permeada das ambiguidades relativas ao acesso, especialização, escala, segurança e financiamento (Machado; Lima, 2021MACHADO, C. S. R.; LIMA, A. C. C. Distribuição espacial do SUS e determinantes das despesas municipais em saúde. Revista Econômica do Nordeste. Fortaleza, v. 52, n. 4, p. 121-145, 2021. Disponível em: https://www.bnb.gov.br/revista/index.php/ren/article/view/1305). Além disso, ao se observar a distribuição espacial de serviços regionalizados devem ser considerados critérios como complexidade técnica, adensamento tecnológico, economia de escala e população a ser atendida conjuminando com os demais princípios e diretrizes do SUS. Assim, efetivar a regionalização em saúde, para além da questão financeira, pode ser uma forma de salvar vidas.

O papel da regulação nas Redes de Atenção à Saúde foi suscitado como uma das necessidades de melhorias a serem enfrentadas para a concretização da regionalização: “Mas me parece que também é preciso um fortalecimento, e aí gigantesco, no que se refere à questão da regulação. Porque as filas de regulação, o que se sabe e o que nós temos conseguido acompanhar, são muito frágeis”. (Conselheira de Saúde 1).

A organização das Redes de Atenção à Saúde e do Planejamento Regional Integrado retomam a ideia de que esse processo de planejamento em saúde é estratégico, ascendente, participativo, processual, vivo, dinâmico e cíclico. Nesse sentido, a estrutura operacional, especialmente os sistemas logísticos, especificamente os sistemas de acesso regulado à atenção à saúde e os sistemas de transporte em saúde (Mendes, 2010MENDES, E. V. As redes de atenção à saúde. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 15, n. 5, p. 2297-2305, 2010. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000500005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/VRzN6vF5MRYdKGMBYgksFwc/?lang=pt#
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) foram apontados pelos entrevistados como desafios a serem superados no cenário estudado.

O Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, ao definir o espaço da Comissão Intergestores Regional (CIR), ampliou a negociação entre os gestores de saúde, independente do porte populacional dos municípios (MedeirosMEDEIROS, C. R. G. et al. Planejamento regional integrado: a governança em região de pequenos municípios. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 26, n. 1 p. 129-140, 2017. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-12902017162817et al., 2017). Contudo, este espaço não foi permeável para a efetivar a participação do controle social no nível regional. Nessa linha, sobre a participação do controle social na CIR, foi sugestionado pelo Conselheiro de Saúde 4: “Eles já não chamam a reunião para a CIR? Então por que não leva o controle social junto? Por que não convida os próprios presidentes dos conselhos para participar da discussão lá?”.

Como avanço, a Resolução nº 23, de 17 de agosto de 2017, da Comissão Intergestores Tripartite, introduziu no SUS uma nova forma de participação na tomada de decisão nos espaços regionais onde se organizam as Redes de Atenção à Saúde (RAS), denominada Planejamento Regional Integrado (PRI). Entre as inovações do PRI destaca-se os Comitês Executivos de Governança das RAS (CEGRAS), vinculados à CIB, compostos por gestores municipais e estaduais, prestadores de serviços, controle social e representantes do Ministério da Saúde, na macrorregião de saúde (Brasil, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Comissão Intergestores Tripartite. Resolução nº 23, de 17 de agosto de 2017. Estabelece diretrizes para os processos de Regionalização, Planejamento Regional Integrado, elaborado de forma ascendente, e Governança das Redes de Atenção à Saúde no âmbito do SUS. Brasília, 2017. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cit/2017/res0023_18_08_2017.html
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; 2018BRASIL. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto Nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde (SUS), o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 29 jun. 2011, Seção 1, p. 1-3. Brasília, 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7508.htm
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). Percebe-se, assim, que a intenção desse novo fórum foi de ampliar o debate e a proposição de estratégias, por diferentes atores, de forma participativa, dentro do processo de regionalização da saúde.

Nos excertos selecionados das falas dos conselheiros de saúde, aparece o conceito de macrorregião de saúde. Nessa perspectiva, reflete-se que apesar das normativas do Ministério da Saúde empregarem tal conceito, não há uma definição específica das atribuições e como esse espaço político e de gestão se concretiza em locus de tomada de decisão; e, muito menos como a macrorregião de saúde se coloca na disputa de poder e recursos financeiros, na gestão tripartite do SUS. Dessarte, parece que esse ainda será um caminho construtivo a ser percorrido.

O PRI, que é um processo relativamente novo no arcabouço do SUS, não foi expressamente abordado pelos entrevistados, apesar de que sua construção no Estado do Rio Grande do Sul envolveu a participação do controle social. No entanto, percebe-se que essa forma de discussão colegiada para a tomada de decisão na área da saúde já vinha sendo utilizada pelos gestores municipais e conselheiros de saúde.

Chamou todos os prestadores, chamou todo o controle social, chamou a equipe técnica dela lá para apontar os números em um geral e “vamos discutir em um conjunto”. Porque ficava individual, aí um puxava para cá, “não, porque está favorecendo mais o fulano porque tem mais isso”, “o hospital está levando mais recursos e está levando os melhores serviços, nós só estamos ficando com a pior parte”. Enfim, tinha essa discussão aqui. Também não era uma questão muito lógica do quadro, não se discutia muito em conjunto, tinha muito individualismo nesse sentido ali. (Conselheiro de Saúde 6).

Em síntese, quanto aos avanços os conselheiros de saúde trazem a melhoria das políticas públicas de saúde de prevenção e proteção à saúde, especialmente na Atenção Primária à Saúde (APS). Como desafios, a necessidade de conhecimentos e/ou apoio jurídicos, orçamentários e financeiros; a falta de financiamento para participar das reuniões e eventos; investimentos focados na média e alta complexidade em detrimento à APS; a regulação em saúde; a dificuldade de mobilização social; a fragmentação das agendas; as disputas entre os segmentos; o atendimento das singularidades das regiões.

Conclusão

A perspectiva dos conselheiros de saúde entrevistados evidenciou processos históricos da regionalização da saúde e situações específicas vivenciadas no Rio Grande do Sul, desde a implementação do SUS até os dias atuais. Essas reflexões, considerando o pioneirismo desses conselheiros, trouxe pistas que podem colaborar na implementação da regionalização em saúde no Estado brasileiro.

A forma de inserção dos entrevistados como conselheiros de saúde demonstra que a implicação com o controle social na área da saúde pode advir da necessidade da defesa de direitos dos usuários e trabalhadores. O acesso, o acolhimento, as relações de poder, as redes de conversações foram temas secundários que apareceram relacionados aos temas de regionalização e governança da saúde. Por sua vez, a regionalização em saúde não se traduziu como um tema de discussão específico para os conselheiros de saúde entrevistados, ao passo que estes focaram na institucionalização/extinção dos conselhos regionais de saúde. Tal questão pode ser devida ao fato de que os atores focaram mais nos desafios do seu processo de atuação e não especificamente na temática da regionalização da saúde.

Na perspectiva desses atores sociais, de forma geral, os processos de regionalização da saúde eram efetivamente debatidos a partir de demandas reais dos conselhos regionais de saúde, que por vezes podiam ser discutidos no Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul. Assim, apontam a necessidade de retomada desses espaços.

Quanto ao referencial teórico de poder, seja o poder político, técnico ou administrativo, este foi possível de ser observado no cenário estudado e contribuiu para a interpretação do conteúdo das falas dos entrevistados. Essas categorias ora aparecem individualizadas, ora sobrepostas, demonstrando como as disputas realizadas dentro do controle social, e também fora, permitem identificar as diferentes relações de poder. E, isso converge com os avanços e especialmente com os desafios identificados no presente estudo. Nesse sentido, ressalta-se que a centralidade analítica do conceito de poder, em Mário Testa, é uma abordagem adequada e oportuna. Nessa perspectiva, recolocar o conceito de poder na produção do campo da Saúde Coletiva é mais que adequado, é necessário.

Como limitações do presente estudo, aponta-se o desenho metodológico da pesquisa qualitativa – já que ela nos permite construir pistas para o entendimento das questões advindas das falas dos atores, não contribuindo para o estabelecimento de inferências e extrapolações. Todavia, as presentes reflexões, extraídas das falas dos entrevistados e cotejadas com a literatura acadêmica sobre o tema, podem ajudar a aprofundar aspectos da participação social e sua relação com a regionalização da saúde, especialmente sobre a participação dos conselheiros de saúde nesse processo.

Assinala-se que os desafios identificados no presente estudo têm potência para ser pontos de partida na realização de futuras pesquisas na temática estudada. Assim, no caso estudado, as temáticas da regionalização em saúde e da governança ainda carecem de ser aprofundadas pelo controle social e tem potência para ser exploradas em futuras pesquisas sobre o tema.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2022
  • Aceito
    14 Ago 2023
  • Revisado
    20 Abr 2023
PHYSIS - Revista de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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