Resumo
Cuidados em saúde podem, paradoxalmente, resultar em eventos adversos, sendo a segurança do paciente uma preocupação mundial. Objetivou-se analisar a promoção da segurança do paciente segundo as vivências dos enfermeiros atuantes na Atenção Primária à Saúde. Trata-se de estudo qualitativo, descritivo e exploratório, realizado em ambiente virtual, com enfermeiros selecionados por cadeias de referências. Os dados foram coletados utilizando entrevistas semiestruturadas e analisados por análise temática reflexiva. Adotou-se como referencial teórico a Teoria do Erro Humano. Participaram 24 enfermeiros atuantes em quatro estados brasileiros. Identificou-se que condições latentes relacionadas à estrutura física, à comunicação, à demora no acesso a atendimentos e exames, à falta de conhecimento e de apoio institucional, assim como falhas ativas na identificação dos pacientes, na administração de medicamentos e vacinas e ainda, oriundas de deslizes e violações podem representar riscos. Como contramedidas, os enfermeiros relataram ações para promover a segurança do paciente, ainda que não abarcassem todas as situações mencionadas, o que pode oportunizar incidentes. Pretende-se contribuir para a sensibilização quanto aos riscos e à necessidade de implementar ações que configurem barreira à ocorrência de incidentes, particularmente no cenário da atenção primária.
Palavras-chave:
Segurança do paciente; Atenção Primaria à Saúde; Enfermagem
Abstract
Health care, paradoxically, can result in adverse events, with patient safety being a global concern. The objective was to analyze the promotion of patient safety according to the experiences of nurses working in Primary Health Care. This is a qualitative, descriptive and exploratory study, carried out in virtual environment, with nurses selected by chains of references. Data were collected using semi-structured interviews and analyzed by reflexive thematic analysis. The Human Error Theory was adopted as a theoretical reference. Twenty-four nurses working in four Brazilian states participated. It was identified that latent conditions related to the physical structure, communication, delays in accessing care and exams, lack of knowledge and institutional support, as well as active failures in identifying patients, administering medications and vaccines, and arising from slips and violations can represent risks. As countermeasures, nurses take actions to promote patient safety, even if they do not cover all the situations mentioned, which can create opportunities for incidents. The aim is to contribute to raising awareness regarding the risks and the need to implement actions that constitute a barrier to the occurrence of incidents, especially in the primary care setting.
Keywords:
Patient safety; Primary Health Care; Nursing
Introdução
Segurança do paciente compreende atividades organizadas, que criam culturas, processos, procedimentos, comportamentos, tecnologias e ambientes para reduzir os riscos relacionados à assistência à saúde e a probabilidade e o impacto de erros (WHO, 2021).
No âmbito hospitalar, o tema é amplamente discutido e a cultura de segurança mais bem estabelecida, porém, na Atenção Primária à Saúde (APS), ainda são necessários avanços, pois erros e eventos adversos também ocorrem (Dalla Nora; Beghetto, 2020). Revisão sistemática identificou que a frequência de incidentes na APS pode ser de até 24 por 100 atendimentos e que 4% resultaram em danos graves aos pacientes (Panesar ., 2015PANESAR, S. S. et al. How safe is primary care? A systematic review. BMJ Quality and Safety, v. 25, n. 7, p. 544-553, 2015.).
No Brasil, estudo estimou a incidência de 0,9% de eventos adversos na APS, o que, aplicado ao quantitativo de atendimentos nesses serviços, permite presumir que mais de 60 mil pessoas podem ser afetadas, mensalmente, por eventos adversos (Marchon; Mendes Junior; Pavão, 2015MARCHON, S. G.; MENDES JUNIOR, W. V.; PAVÃO, A. L. B. Características dos eventos adversos na atenção primária à saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 31, n. 11, p. 2313-2330, 2015.; Fernandes ., 2020FERNANDES, D. H. et al. Desafios da segurança do paciente na atenção primária à saúde. In: DALCIN, T. C. (ed.) et al. Segurança do paciente na Atenção Primária a Saúde: teoria e prática. Porto Alegre: Associação Hospitalar Moinhos de Vento, 2020. p. 31-43.). Esses incidentes e/ou eventos adversos frequentemente decorrem de erros, que são situações não intencionais em que uma sequência planejada de atividades falha em alcançar o resultado almejado (Reason, 1990REASON, J. Human error. New York: Cambridge University, 1990.). Nesse contexto, James Reason, autor da Teoria do Erro Humano, afirma que os seres humanos são falíveis e que erros ocorrem mesmo nas melhores organizações (Reason, 1990).
O autor estabelece três tipos básicos de erros, os deslizes e os lapsos, que são falhas de execução baseadas em habilidades e os enganos, que são falhas de planejamento, relacionadas às normas e aos conhecimentos. Reconhece também que conceber os erros unicamente como resultado de ações humanas inseguras pode não ser suficiente para seu entendimento (Reason, 1990REASON, J. Human error. New York: Cambridge University, 1990.). Assim, propõe uma abordagem sistêmica, que considera que os eventos adversos decorrem de uma combinação de falhas ativas, que são atos inseguros cometidos pelas pessoas e de condições latentes, aquelas preexistentes no sistema e que combinadas com falhas ativas, constituem gatilhos para incidentes (Reason, 1990; 2000).
Esta abordagem é representada em um modelo conhecido como Queijo Suíço, referência para o entendimento de como eventos adversos ocorrem e como podem ser evitados, sendo a teoria mais referida no contexto da segurança do paciente (Reason, 1990REASON, J. Human error. New York: Cambridge University, 1990.; Wiegmann , 2022WIEGMANN, D. A. et al. Understanding the “Swiss Cheese Model” and its application to patient safety. Journal of Patient Safety, v. 18, n. 2, p. 119-123, 2022.). Sua representação consiste em fatias de queijo, simbolizando barreiras. Estas contêm buracos, que correspondem às falhas ativas e latentes que, alinhadas, possibilitam a ocorrência do erro (Reason, 1990). Destarte, a identificação de “buracos” nos sistemas reflete oportunidades de melhoria, pois permite “preenchê-los” por meio da aplicação de barreiras, ou seja, de ações para solucionar as falhas e promover a segurança (Wiegmann et al., 2022).
Frente ao exposto e considerando-se que os cuidados primários inseguros podem implicar danos irreparáveis à população e que os enfermeiros são profissionais protagonistas para a segurança do paciente, propôs-se a realização deste estudo (Panesar ., 2015PANESAR, S. S. et al. How safe is primary care? A systematic review. BMJ Quality and Safety, v. 25, n. 7, p. 544-553, 2015.; Marchon; Mendes Junior; Pavão, 2015MARCHON, S. G.; MENDES JUNIOR, W. V.; PAVÃO, A. L. B. Características dos eventos adversos na atenção primária à saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 31, n. 11, p. 2313-2330, 2015.; Dalla Nora; Beghetto, 2020). Objetivou-se analisar a promoção da segurança do paciente segundo as vivências dos enfermeiros atuantes na APS.
Método
Estudo qualitativo, descritivo e exploratório, desenvolvido em ambiente virtual, que teve como referencial teórico, a Teoria do Erro Humano e cuja elaboração atendeu às recomendações do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (Tong; Sainsbury; Craig, 2007TONG, A.; SAINSBURY, P.; CRAIG, J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. International Journal for Quality in Health Care, v. 19, n. 6, p. 349-357, 2007.).
Consideraram-se como critérios de elegibilidade: idade igual ou superior a 18 anos, atuar como enfermeiro em Unidade Básicas de Saúde ou Estratégia de Saúde da Família em qualquer município do território nacional e experiência mínima de três meses como enfermeiro na APS. E como critérios de exclusão: tempo de atuação na APS menor que três meses e atuação exclusivamente em setores administrativos.
Para a seleção dos enfermeiros, utilizaram-se cadeias de referências a partir de contatos das pesquisadoras e o número final de participantes foi definido pela riqueza e complexidade dos dados para abordar a questão da pesquisa (Braun; Clarke, 2019BRAUN, V.; CLARKE, V. To saturate or not to saturate? Questioning data saturation as a useful concept for thematic analysis and sample-size rationales. Qualitative Research in Sport, Exercise and Health, v.13, n. 2, p. 201-216, 2019.). Assim, foram contatados, via e-mail e/ou aplicativo de mensagens WhatsApp, 62 enfermeiros, dos quais 25 manifestaram concordância em participar do estudo. Um foi excluído por não atender aos critérios de elegibilidade, totalizando 24 participantes, que foram identificados por combinações alfanuméricas para a garantia do anonimato.
Os convidados a participar foram orientados sobre os procedimentos do estudo, e aos que manifestaram interesse, foi enviado em e-mail pessoal e individualizado, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Somente após as pesquisadoras receberem o TCLE devidamente assinado, a coleta de dados foi agendada e o link de acesso encaminhado ao participante. Esta foi conduzida por uma das pesquisadoras, mestranda em Enfermagem, entre setembro de 2022 a janeiro de 2023, sendo uma única entrevista semiestruturada por participante, realizada por meio da plataforma Skype e gravada em áudio e vídeo, com duração média de 12 minutos.
As entrevistas foram norteadas por instrumento elaborado pelas autoras, constituído por um questionário para caracterização sociodemográfica e profissional e um roteiro que contemplava as questões “De acordo com a sua vivência, fale sobre os riscos aos quais o paciente pode estar exposto na Atenção Primária à Saúde” e “Na sua atuação enquanto enfermeiro(a), o que você faz para promover a segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde?”. Para verificar a compreensibilidade, foi realizado o teste piloto com dois enfermeiros, não se identificando necessidade de alteração.
Realizou-se a transcrição integral por meio dos aplicativos Transcrição instantânea® e Google Docs®, pela ferramenta digitação por voz, seguida pela revisão dos textos e realização de correções gramaticais pontuais.
Para a apresentação dos dados de caracterização sociodemográfica e profissional, utilizou-se a estatística descritiva; e para a organização e análise dos dados oriundos da entrevista semiestruturada, procedeu-se à análise temática, percorrendo-se as etapas: 1) familiarizando-se com os dados; 2) gerando códigos iniciais; 3) buscando por temas; 4) revisando temas; 5) definindo e nomeando temas; e 6) produzindo o relatório (Braun; Clarke, 2006BRAUN, V.; CLARKE, V. Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, v. 3, n. 2, p. 77-101, 2006.).
Obteve-se aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (parecer nº 5.582.486).
Resultados
Participaram enfermeiros atuantes em 14 municípios dos estados de São Paulo, Santa Catarina, Rondônia e Minas Gerais, com predomínio do último (67%). Observou-se predomínio do sexo feminino (83%), faixa etária acima de 30 até 40 anos (54%), com até cinco anos de experiência na APS (54%), principalmente na ESF (83%). A maioria (87%) cursou pós-graduação lato ou stricto sensu.
A análise temática possibilitou a definição de três temas com subtemas, conforme apresentado no mapa temático (Figura 1).
O primeiro tema, denominado “Condições latentes: riscos à segurança do paciente na APS”, congrega condições preexistentes na APS, que podem influenciar a segurança do paciente.
No primeiro subtema, “Estrutura física inadequada: risco para a segurança do paciente”, identificou-se que inadequações estruturais podem expor o paciente a riscos, destacando-se o de queda.
[...] muita coisa da segurança do paciente é em relação a estrutura [...] uma cadeira que está quase quebrando, a pessoa se senta e cai; uma poça [...] quando chove, fica muito liso, o paciente acaba escorregando [...] tinha uma escada de difícil acesso [...] um paciente foi tentar subir e acabou machucando. (E3)
Risco ligado à estrutura física [...] tenho porta que não passa cadeira de rodas, já tive paciente que teve queda em degrau mal sinalizado [...] (E13)
Os enfermeiros também abordaram que por se tratar de um ambiente de saúde, as unidades de APS são, por si, ambientes contaminados. Isso, aliado ao espaço físico pequeno, com fluxo intenso de pessoas e à falta de estrutura para higienização das mãos e para o descarte de materiais, pode resultar em risco de infecção.
Falta lugar para higienização das mãos, não é em todos os pontos que a gente tem disponibilidade [...]. Às vezes está dentro de um cômodo, tem que sair e ir para outro para fazer a higienização das mãos [...] Descarte de material também [...] tem que se deslocar porque naquele ambiente não tem como desprezar. (E14)
Me causa preocupação em relação ao curativo; tem uma demanda alta e geralmente são exsudativos [...] aquele trânsito de pessoas, crianças, mães [...] eu sempre peço para pessoa ficar afastada [...] a estrutura física é muito pequena. (E20)
A “Comunicação ineficaz com os pacientes e entre a equipe de saúde”, segundo subtema, também foi referida como uma condição latente capaz de conferir riscos aos pacientes.
A comunicação dentro da equipe, se não está muito bem alinhada em todos os aspectos de funcionamento da unidade, até passar uma informação ao paciente traz risco para ele. (E16)
Erro de comunicação, não só entre a equipe, mas também entre o paciente e o profissional, precisa ter linguagem acessível, não adianta estar cheio de termo técnico [...] e o paciente não entendeu nada, então ele não vai ficar seguro. (E13)
Outrossim, “Demora no acesso a atendimentos e exames e o risco de agravamento das condições de saúde do paciente” também foram retratados e apresentados no terceiro subtema.
Consulta ser demorada [...] com isso pode acontecer agravamento na saúde, dependendo do tempo, se for um caso que necessite mais de intervir. (E1)
[...] precisa fechar um diagnóstico, precisa de um exame mais especializado, e fica numa fila de meses a anos e com isso, o problema de saúde vai evoluindo, a segurança acaba ficando comprometida (E6)
Os participantes do estudo também apontaram que as lacunas no conhecimento, tanto no que diz respeito à própria segurança do paciente, quanto aos conhecimentos técnico-científicos resultam em riscos, conforme apresenta o quarto subtema, “Falta de conhecimento e capacitação profissional: uma ameaça ao cuidado seguro”.
Falta da compreensão da existência desses riscos e como eles podem impactar negativamente no resultado final da proposta do serviço de saúde. (E5)
Infelizmente temos muitos profissionais que não são preparados para diversos tipos de atendimentos, porque envolve não só a criança, não só a mulher, não só o idoso, é um conjunto gigantesco. [...] preciso saber fazer tudo em todas as faixas etárias, se eu não sei conduzir [...] eu posso estar colocando em risco com alguma conduta inadequada [...] a gente está bem longe do ideal (E21)
Por fim, no quinto subtema, “Falta de apoio institucional: condição latente para a ocorrência de falhas na segurança do paciente”, apontaram a necessidade institucional, particularmente dos gestores, de pensar nas questões relativas à segurança do paciente. A falta de apoio, em contrapartida, pode comprometer o cuidado seguro.
[...] precisa ter uma gestão que pense na Segurança do paciente no âmbito mais amplo para atenção primária. (E7)
A gestão deveria olhar mais para Segurança do Paciente [...] aquilo que a gente fala às vezes não é ouvido porque não dá voto. Mas dá segurança para o paciente e para o profissional [...] a gente acaba ficando desassistido e faz do jeito que acha que é correto para tentar minimizar algumas situações [...] (E10)
O segundo tema, nomeado “Falhas ativas: riscos à segurança do paciente na APS”, retrata que a ocorrência de tais falhas, resultantes de atitudes inseguras dos profissionais de saúde, também pode ser um risco.
Destarte, o primeiro subtema, “Identificação insegura do paciente”, indica ser comum a ocorrência de falhas na identificação do paciente, que podem representar risco, uma vez que ele pode receber cuidados que não lhes são pertinentes.
[...] exposto a ser confundido [...] a rotatividade do profissional, não conhece muito bem os pacientes, pode levar a confundir [...] acontece de pegar prontuário errado, de outro paciente com nome parecido ou por exemplo é a mãe que vou atender e chega o prontuário da filha, já aconteceu. (E6)
[...] nome parecido, incide em risco [...] não tem nenhum processo de identificação dentro da unidade, é o que ele falar [...] a gente acaba não fazendo isso [processo de identificação] porque tem um público que conhece [...] tem vínculo e afinidade [...] já tive experiências de nomes muito parecidos que a pessoa fez medicação contrária [...] (E19)
O risco de “Erros na administração de medicamentos e de vacinas” também foi elencado nas diferentes etapas do processo, ou seja, prescrição, emissão e renovação de receitas, dispensação, preparo e administração propriamente ditos, conforme retratado no segundo subtema.
Exposto a erro em administração de medicamento [...] de vacina, que é algo crítico [...] se na farmácia entregou a receita e não entendeu a letra ou prescreveu errado na transcrição e renovação de receita, tem chance de erro para entregar esse medicamento ao paciente ou mesmo administrar [...] (E2)
Eu tive situações de risco que eu vacinei várias vacinas juntas de laboratórios diferentes, para certa idade tinha que ser uma, dependendo da idade tinha que ser outra [...] (E18)
Já vivenciei [...] tinha receitas prontas de outros pacientes [...] o paciente foi atendido e achou que era tudo dele, levou para casa, [...] foi na farmácia comprar as medicações e começou a usar [...] (E19)
Para mais, situações como falta de atenção e negligência no uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) e na adoção de medidas de prevenção de infecções também compuseram as vivências. Estas são retratadas no terceiro subtema, “Deslizes e violações na conduta dos profissionais: contribuição para a ocorrência de erros”.
A enfermagem perde o medo com o passar do tempo, deixa de usar EPI, vai fazendo tudo “correndo”. (E20)
[...] por falta de atenção, pela questão da expertise, por anos de vivência, acaba fazendo, e não pensando naquilo e aí acaba cometendo erros. (E24)
[...] tem profissionais que não estão preocupados com o cliente [...] tem que usar uma pinça contaminada aqui, vou usar ali naquela lesão [...] pessoas que literalmente não tem compromisso, pode ter tido a melhor formação [...] mas não tem comprometimento [...] (E23)
Frente às condições latentes e possíveis falhas ativas no contexto da APS, medidas para promover a segurança do paciente foram relatadas e são evidenciadas no terceiro tema, “Promoção da segurança do paciente: ações de enfermeiros para interposição de barreiras aos erros e eventos adversos”.
Neste, o primeiro subtema, “Ações educativas para profissionais e pacientes como estratégia para fortalecer o cuidado seguro”, contempla as capacitações e atualizações dos profissionais, a orientação e a supervisão da equipe, bem como o oferecimento de ações educativas sobre segurança do paciente para os próprios pacientes.
[...] ensinando, falando [...] Faço orientação e supervisão também. (E11)
Capacitação da equipe de enfermagem, reunião semanal para discutir os processos de trabalho para evitar os erros [...] (E15)
Atividades educativas com a equipe para que se atentem às questões da segurança do paciente [...] Sensibilização dos próprios pacientes, que precisam ser orientados para que exijam dos profissionais essas condutas. Às vezes a profissional só chamou pelo nome e o paciente não vê isso como um risco, precisa ter uma visão diferenciada. (E7)
“Ações para a identificação correta do paciente”, segundo subtema, também foram mencionadas e envolveram a conferência do nome, com a utilização de identificadores e confirmação em documentos.
Por mais que acho que sei que é a pessoa, eu chamo pelo nome para confirmar [...] converso sobre a família para confirmar se é quem estou achando. Converso com o agente comunitário, discuto [...] para confirmar as informações. (E6)
Chamar pelo nome, sobrenome, data de nascimento, nome da mãe [...] tem a questão do Cartão Nacional também que é muito usado, então sempre conferir o Cartão. (E7)
No terceiro subtema, as “Ações para a prevenção de erros na administração de medicamentos e vacinas” envolveram a organização do local de armazenamento das medicações, a conferência de informações, a realização de orientações aos profissionais de enfermagem e aos pacientes.
Organização dos dispositivos que a gente tem para armazenar medicação [...] começou criar rotina de fazer avaliação das receitas na saída do consultório médico, então a gente avaliava, fazia uma conversa com o cliente. (E19)
Busco conferir [...] essa receita é nova, está prescrito isso, é o medicamento que é para administrar, dou o check na administração, tento fazer aqueles passos [...] receita certa, medicamento correto, paciente certo [...] na sala [de vacina], conferir idade de criança, a criança, quais vacinas tem que dar [...] se tiver confuso, ligar para outra unidade para informação [...] chegam pacientes que perderam carteira… vamos ver qual tomou para não tomar repetido ou vacina errada. (E2)
Normalmente não sou eu quem aplica as medicações [...] peço que façam a checagem de segurança, de administração segura [...] A gente orienta a equipe, auxiliar ou o técnico de enfermagem, sempre confira a receita, nome, sobrenome, medicação e dose (E7)
A “Atuação frente à estrutura física e o risco de quedas”, principalmente no cuidado aos idosos, foi contemplada e disposta no quarto subtema.
Queda, como a gente não tem uma estrutura muito boa, a gente tenta zelar pelo cuidado do paciente, quando precisa subir na maca, na descida, principalmente se for idoso. (E18)
[...] evitar limpar o ambiente quando o paciente estiver no local, a gente sempre fica muito atento à estrutura, como cadeiras, não deixar pano na porta. (E3)
[...] eu me preocupo [...] aquela escadinha não está boa, se um idoso subir ele vai cair, então, entro em contato com a gestão com o almoxarifado da prefeitura [...] (E13)
Por se tratar de ambiente com risco de exposição a patógenos, os enfermeiros relataram, no quinto subtema, empreender “Ações para a prevenção de infecções”, como o zelo pela limpeza da unidade, o cuidado com os ambientes e materiais, o uso de EPIs e, principalmente, a higienização das mãos.
Não é porque é unidade básica de saúde que não vai ter situações que precisem de o ambiente estar limpo; a limpeza do ambiente é uma situação que leva à Segurança do Paciente [...] uso dos EPIs necessários para proteção não somente do paciente, mas também dos profissionais para não pegar ou disseminar infecção. (E2)
[...] curativos, desde o processo de esterilização que a gente tenta manter a qualidade, verificando indicadores químicos, indicadores biológicos [...] e oferecer um processo adequado para curativo, para sondagens, para não incidir em risco, aumentar dias tomando antibiótico. (E19)
[...] higienização das mãos, em sala de vacina não se usa luvas então uma coisa que a gente tem que bater muito em cima, porque a higienização das mãos tem que ser muito fiel [...] o profissional tem muito risco de fazer uma infecção se não tomar todos os cuidados. (E17)
No último subtema, “Integração da equipe multiprofissional: parceria para a segurança do paciente”, os enfermeiros a reconheceram como estratégia para redução dos riscos e consequente favorecimento de um cuidado seguro.
Atuação técnica entre médico e enfermeiro sempre buscando trabalhar junto [...] tem que ter essa facilidade de comunicação, confiança entre os profissionais, a gente consegue evitar riscos. (E16)
Se não me sinto segura com o que estou fazendo, com a minha conduta enquanto enfermeira [...] tento conduzir de outra maneira para que não tenha nenhum risco. Procuro sempre trabalhar em conjunto porque acho que quando a gente trabalha com mais pessoas também diminui o risco. (E21)
Discussão
Os dados relativos à caracterização sociodemográfica e profissional reiteram os achados da pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil, em que se observou que a equipe de enfermagem brasileira é composta, majoritariamente, por profissionais jovens, do sexo feminino, e que os enfermeiros têm buscado cursos de pós-graduação para ampliar sua formação (Machado, 2017MACHADO, M. H. (coord.). Perfil da enfermagem no Brasil: relatório final: Rio de Janeiro: Fiocruz: Cofen, 2017. v. 1. E-book. Disponível em: https://biblioteca.cofen. gov.br/wp-content/uploads/2019/05/relatoriofinal.pdf. Acesso em: 1 ago. 2023.
https://biblioteca.cofen. gov.br/wp-cont... ).
Quanto aos dados qualitativos, o primeiro tema enfocou condições preexistentes nas unidades que representam riscos à segurança do paciente. Estas correspondem às condições latentes, que podem permanecer ocultas e se tornarem evidentes apenas quando combinadas com falhas ativas (Reason, 1990REASON, J. Human error. New York: Cambridge University, 1990.).
Especificamente sobre a estrutura física como condição latente, a despeito da existência de especificações técnicas para os projetos físicos de estabelecimentos de saúde, as unidades comumente apresentam problemas como falta de acessibilidade, inadequações nos pisos, sinalizações e falta de manutenção (Brasil, 2002; Silva 2022SILVA, L de L. T. et al. Segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde: percepção da equipe de enfermagem. Escola Anna Nery, v. 26, p. 1-8, 2022.).
Os participantes ressaltaram que as inadequações na estrutura física podem contribuir para o risco de quedas, que é um dos eventos adversos mais comuns (Silva 2022SILVA, L de L. T. et al. Segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde: percepção da equipe de enfermagem. Escola Anna Nery, v. 26, p. 1-8, 2022.). Abordaram também que, por se tratar de um estabelecimento de saúde, as unidades da APS são ambientes contaminados, o que, aliado aos espaços físicos reduzidos, à falta de estrutura para higienização das mãos e descarte de materiais e ao fluxo intenso de pessoas, pode acarretar risco de infecção.
Destarte, ressalta-se a importância de que os espaços sejam adequados às particularidades dos serviços e que seja atendida a obrigatoriedade de provisão de estrutura para a higienização das mãos, o que foi apontado como uma fragilidade neste estudo (Brasil, 2002). Isso porque a higienização das mãos é uma das medidas mais importantes para a prevenção de infecções, sendo considerada como o primeiro desafio Global para a Segurança do Paciente (Lotfifnejad et al., 2021).
Frente ao exposto, percebe-se que a estrutura física inadequada pode comprometer a assistência segura e, considerando-se que o estudo foi realizado com enfermeiros de estados e municípios distintos, o problema parece ser comum na APS brasileira. Estudo apontou como recomendação para fortalecer a APS no Brasil, a necessidade de se garantir uma estrutura física adequada, que proporcione ambiência, conforto e insumos necessários para o funcionamento das unidades (Tasca ., 2020TASCA, R. et al. Recomendações para o fortalecimento da atenção primária à saúde no Brasil. Revista Panamericana de Salud Publica, v. 44, p. 1-8, 2020.).
No tocante à comunicação, os enfermeiros abordaram que falhas, tanto por parte dos pacientes para os profissionais de saúde como o oposto; e ainda, dentro da própria equipe podem implicar riscos. Suas falas coadunam com a literatura, que aponta a comunicação ineficaz como ameaça ao cuidado seguro, relacionada a grande parte dos incidentes na APS (Auraaen; Slawomirski; Klazinga, 2018AURAAEN, A., L.; SLAWOMIRSK, L.; KLAZINGA, N. The economics of patient safety in primary and ambulatory care: Flying blind. Paris: OECD Publishing, 2018.).
Revisão integrativa destacou a problemática da comunicação entre os profissionais, pacientes e equipe, mas principalmente entre os diferentes setores de saúde como relacionada aos eventos adversos (Santos , 2023SANTOS, T. S. et al. Eventos adversos na atenção primária à saúde. Enfermagem em Foco, v. 14, p. 1-6, 2023.). Corroboram o exposto, os achados de um estudo que apontou as falhas de comunicação com o paciente, interprofissional e na rede de atenção à saúde (RAS) como causa de eventos adversos na APS (Marchon; Mendes-Junior; Pavão, 2015MARCHON, S. G.; MENDES JUNIOR, W. V.; PAVÃO, A. L. B. Características dos eventos adversos na atenção primária à saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 31, n. 11, p. 2313-2330, 2015.).
A demora no acesso a atendimentos e exames também foi identificada como uma condição latente. As falas dos participantes remeteram às dificuldades de se conseguir o acesso a consultas e exames de maneira tempestiva, mencionando a possibilidade de os usuários enfrentarem uma fila de espera. Trata-se de uma questão multifatorial, relacionada com o processo de regulação dos serviços, com a relação entre oferta e demanda e com o financiamento da saúde, que prejudica a garantia, a ampliação e a efetividade do acesso (Viacava , 2018VIACAVA, F. et al. SUS: oferta, acesso e utilização de serviços de saúde nos últimos 30 anos. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 6, p. 1751-1762, 2018.). Estudo que avaliou incidentes na APS brasileira identificou que a demora no acesso a consultas e exames acarretou danos moderados ou permanentes aos pacientes (Marchon; Mendes Junior; Pavão, 2015MARCHON, S. G.; MENDES JUNIOR, W. V.; PAVÃO, A. L. B. Características dos eventos adversos na atenção primária à saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 31, n. 11, p. 2313-2330, 2015.).
Importante ressaltar que a espera por atendimentos quase sempre influencia na evolução da condição de saúde e por conseguinte, no prognóstico e na qualidade de vida. Posto isso, o tempo de espera pode ser utilizado como indicador de qualidade, por se relacionar com a capacidade de resposta do sistema às necessidades da população (Farias , 2019FARIAS, C. M. L. et al. Tempo de espera e absentismo na atenção especializada: um desafio para os sistemas universais de saúde. Saúde em Debate, v. 43, n. 5, p. 190-204, 2019.).
A falta de conhecimento e capacitação profissional também foi referida como condição latente. Lacunas nos conhecimentos técnico-científicos e sobre segurança do paciente podem favorecer equívocos ou enganos, que são erros de julgamento associados ao planejamento da tarefa ou à solução de um problema (Reason, 1990REASON, J. Human error. New York: Cambridge University, 1990.). Especialmente, fragilidades nos conhecimentos sobre segurança do paciente podem prejudicar a percepção dos riscos aos quais os usuários podem estar expostos nesses serviços (Santos 2023SANTOS, T. S. et al. Eventos adversos na atenção primária à saúde. Enfermagem em Foco, v. 14, p. 1-6, 2023.).
As falas dos entrevistados ratificam estudos que retratam ser comum a ocorrência de erros na assistência, decorrentes de falhas de conhecimentos e habilidades dos profissionais (Marchon; Mendes Junior; Pavão, 2015MARCHON, S. G.; MENDES JUNIOR, W. V.; PAVÃO, A. L. B. Características dos eventos adversos na atenção primária à saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 31, n. 11, p. 2313-2330, 2015.; Silva ., 2019SILVA, A. P. F. et al. Segurança do paciente na atenção primária: concepções de enfermeiras da estratégia de saúde da família. Revista Gaúcha de Enfermagem, v. 40, p. 1-9, 2019.; Silva et al., 2022).
Por fim, entre as condições latentes que podem implicar riscos, os entrevistados também mencionaram a falta de apoio da gestão. Isso porque o comprometimento da gestão com a qualidade e a segurança incentiva os processos de melhoria por meio do planejamento, do envolvimento da equipe e da supervisão e incentivo às ações alinhadas a este objetivo organizacional (Koerich; Erdmann; Lanzoni, 2020KOERICH, C.; ERDMANN, A. L.; LANZONI, G. M. M. Professional interaction in management of the triad: permanent education in health, patient safety and quality. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 28, p. e3379, 2020.).
Estudo realizado com enfermeiros gestores em cenário hospitalar também apontou a falta de apoio da gestão e de políticas institucionais como dificultador para a implantação de estratégias para o cuidado seguro (Reis ., 2019REIS, G. A. X. dos et al. Dificuldades para implantar estratégias de segurança do paciente: perspectivas de enfermeiros gestores. Revista Gaúcha de Enfermagem, v. 40, n. spe, e20180366, 2019.). Outro estudo realizado com enfermeiras da APS relatou a importância do apoio da gestão para a redução do risco de eventos adversos, uma vez que contribui para as condições de resolutividade dos problemas (Santos , 2019SANTOS, P. V. M. et al. Conhecimento de enfermeiros sobre evento adverso na atenção primária à saúde. Revista Enfermagem Atual In Derme, v. 89, n. 27, p. 88-27, 2019.).
Ressalta-se que condições latentes frequentemente decorrem de decisões gerenciais e podem criar fraquezas nos sistemas, procedimentos impraticáveis, deficiências de projetos de construção, entre outros (Reason, 2000REASON, J. Human errors: models and management. BMJ, v. 320, n. 7237, p. 768-770, 2000.). Reforça-se, portanto, a importância do envolvimento da gestão nas questões relativas à segurança do paciente para que a assistência segura se efetive, mesmo porque a cultura de segurança requer o comprometimento de toda a organização (WHO, 2021).
O segundo tema indicou que, além das condições latentes, falhas ativas, que consistem em atos inseguros cometidos por pessoas em contato direto com o paciente também foram relatadas como um risco (Reason, 1990REASON, J. Human error. New York: Cambridge University, 1990.). Dentre as falhas ativas, a identificação insegura dos pacientes os deixa suscetíveis a serem confundidos e submetidos a cuidados equivocadamente.
Estudo realizado em Manaus identificou incidentes de segurança do paciente na APS e apontou a ocorrência de erros administrativos relacionados a falhas na identificação e troca de prontuário entre usuários (Aguiar ., 2020AGUIAR, T. L. et al. Incidentes de segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde (APS) de Manaus, AM, Brasil. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 24, n. 1, p. 1-15, 2020.). Estes achados corroboram os relatos dos enfermeiros sobre erros em procedimentos, decorrentes da identificação inadequada e, ainda, a realização de consultas com prontuários trocados.
Neste estudo, também ficou evidente que os erros na administração de medicamentos e vacinas podem acontecer, e a literatura aponta que estes têm assumido o protagonismo dos incidentes evitáveis na APS (Panagioti ., 2019PANAGIOTI, M. et al. Prevalence, severity, and nature of preventable patient harm across medical care settings: systematic review and meta-analysis. BMJ, v. 366, p. 1-11, 2019.; Gens-Barberà, 2021). Como fatores contribuintes, tem-se a indisponibilidade da medicação nas unidades, as falhas na prescrição, na dispensação e na orientação do paciente quanto ao uso e ainda, os erros na administração dos medicamentos propriamente dita, em consonância com o relatado pelos participantes (Marchon; Mendes Junior; Pavão, 2015MARCHON, S. G.; MENDES JUNIOR, W. V.; PAVÃO, A. L. B. Características dos eventos adversos na atenção primária à saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 31, n. 11, p. 2313-2330, 2015.).
Especificamente, erros de imunização também foram citados nas vivências dos enfermeiros e podem comprometer os esquemas vacinais e, por conseguinte, a prevenção de doenças e a saúde da população. Estudo realizado em Minas Gerais apontou que o erro de imunização mais frequente foi a administração em divergência à idade recomendada (Donnini , 2022DONNINI, D. A. et al. Incidência de erros de imunização em Minas Gerais: estudo transversal, 2016-2019. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 31, n. 3, p. 1-14, 2022.).
Encerrando este tema, vivências de deslizes e violações também foram apontadas pelos participantes, que relataram falta de atenção, negligência no uso EPIs e nas medidas de prevenção de infecções, as quais se caracterizam, respectivamente como deslizes e violações, e expõem o paciente a risco.
Pesquisa analisou incidentes de segurança do paciente na APS e identificou que a falta de atenção dos profissionais esteve envolvida em incidentes como troca de exames e medicamentos e ausência de agendamento de consulta (Marchon; Mendes Junior; Pavão, 2015MARCHON, S. G.; MENDES JUNIOR, W. V.; PAVÃO, A. L. B. Características dos eventos adversos na atenção primária à saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 31, n. 11, p. 2313-2330, 2015.). Esclarece-se que os deslizes são identificados eminentemente em atividades rotineiras e estão associados a falhas na atenção, enquanto as violações são consideradas ações voluntárias que se distanciam do preconizado e geram riscos, embora comumente não intencionem causar danos (Reason, 1990REASON, J. Human error. New York: Cambridge University, 1990.).
Estudo analisou incidentes em um hospital universitário e identificou que 17% tiveram como causas, violações de procedimentos, ainda que de forma isenta de maldade (Hoefel ., 2017HOEFEL, H. H. K. et al. Incidentes de segurança ocorridos com pacientes durante o cuidado de enfermagem. Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, v. 7, n. 3, p. 174-180, 2017.). Outro estudo, também realizado em âmbito hospitalar, relatou violações realizadas por enfermeiros, como a ausência de checagem das baterias antes da utilização de equipamentos e a inativação de alarmes clínicos (Ribeiro ., 2017RIBEIRO, G. S. R. et al. Violations of nurses in the use of equipment in intensive care. Texto & Contexto Enfermagem, v. 26, n. 2, p. 1-9, 2017.).
Ainda que não tenham sido encontrados estudos abordando especificamente as violações nos cuidados na APS, as falas dos participantes revelam sua ocorrência. Por se tratar de uma conduta dos profissionais, infere-se que podem acontecer nos diferentes cenários e nesse sentido, faz-se relevante compreender o contexto e os fatores que as motivam (Ribeiro ., 2017RIBEIRO, G. S. R. et al. Violations of nurses in the use of equipment in intensive care. Texto & Contexto Enfermagem, v. 26, n. 2, p. 1-9, 2017.).
O último tema abarca ações empreendidas pelos enfermeiros para promover a segurança do paciente. Estas, em analogia ao modelo do Queijo Suíço, podem ser entendidas como barreiras às falhas ativas e latentes presentes em seu contexto de atuação (Reason, 1990REASON, J. Human error. New York: Cambridge University, 1990.).
Destarte, discorreram sobre ações educativas destinadas à equipe e à população como medida de prevenção de eventos adversos, o que também é encontrado na literatura, que reforça a necessidade de que sejam ações oferecidas de forma permanente (Dalla Nora; Beghetto, 2020).
Em estudo que analisou a implicação da educação permanente para o desenvolvimento das melhores práticas em enfermagem, os profissionais reconheceram que o cuidado qualificado só é possível com o aprimoramento da equipe por meio da educação (Vendruscolo , 2021VENDRUSCOLO, C. et al. Educação permanente e sua interface com melhores práticas em enfermagem na Atenção Primária à Saúde. Cogitare Enfermagem, v. 26, p. 1-12, 2021.). Especificamente, a educação sobre segurança do paciente é fundamental para a consolidação da cultura de segurança (Mesquita ., 2020MESQUITA, K. O. de et al. Segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde: a visão dos profissionais de enfermagem. Sanare, v. 19, n. 1, p. 76-84, 2020.).
Complementa-se que a educação sobre segurança do paciente não se restringe aos profissionais, haja vista que os pacientes e familiares possuem papel reconhecido na prevenção de eventos adversos por sua visão abrangente, que lhes possibilita atuar como observadores das condições clínicas, reportar o surgimento de novas necessidades e identificar situações que incorrem em riscos (Villar; Martins; Rabello, 2023VILLAR, V. C. F. L.; MARTINS, M.; RABELLO, E. T. Qualidade do cuidado e segurança do paciente: o papel dos pacientes e familiares. Saúde Debate, v. 46, n. 135, p. 1174-1186, 2023.). Esse papel é reconhecido pelo Plano de Ação Global para Segurança do Paciente 2021-2030, que entre seus princípios norteadores, inclui o engajamento de pacientes e familiares enquanto parceiros no cuidado seguro (WHO, 2021).
Os enfermeiros também apontaram como ações para a promoção da segurança do paciente, aquelas voltadas à sua correta identificação, como a conferência dos dados pessoais. Na APS, a identificação do paciente está associada ao cuidado direto e indireto, e perpassa aspectos relativos à identificação de prontuários, à cultura organizacional com estímulo à conferência dos dados para a realização de ações e ao engajamento e participação do paciente e familiar no processo (Pegoraro-Alves-Zarpelon; Piva-Klein; Bueno, 2022).
Revisão de literatura que investigou estudos relacionados às metas internacionais de segurança no âmbito da APS apontou que a identificação foi abordada em apenas um dos 43 estudos selecionados, o que pode indicar ser um tema pouco explorado neste cenário específico, e que merece atenção pelo potencial de danos que os erros neste processo podem acarretar (Pegoraro-Alves-Zarpelon; Piva-Klein; Bueno, 2022).
Ações para a prevenção de erros na administração de medicamentos e vacinas também compuseram a vivência dos enfermeiros, que expressaram o cuidado no armazenamento, nas orientações à equipe e ao paciente e na conferência de dados. As falas demonstraram cuidado especial nas salas de vacina, uma vez que a variedade de imunizantes e de público podem facilitar a ocorrência de erros.
Entre as estratégias apresentadas na literatura para a prevenção de erros de medicação, apontam-se o uso de protocolos e checklists, a conciliação medicamentosa, a implementação de sistemas de apoio à prescrição, a atuação do farmacêutico, a comunicação profissional-paciente eficaz e a adoção de estratégias que evitem erros na autoadministração do paciente (Barboza ., 2020BARBOZA, T. C. et al. Retrospective study of immunization errors reported in an online Information System. Rev. Latino-Am. Enfermagem, v. 28, e3303, 2020.; Garzón-González et al. 2020; Pegoraro-Alves-Zarpelon; Piva-Klein; Bueno, 2022). De maneira específica, a presença dos enfermeiros nas salas de vacina e sua atuação na realização de consultas de enfermagem e na avaliação da indicação e adequação das imunizações foi ressaltada por contribuir para a prevenção de erros (Barboza et al., 2020).
Concernente ao risco de quedas, observou-se preocupação principalmente com as pessoas idosas, com ações pontuais frente ao risco advindo das inadequações da estrutura física. Não obstante, outras ações podem ser implantadas na APS, como a avaliação do risco por meio de escalas, a sinalização dos prontuários quanto ao risco, as orientações e envolvimento dos usuários no processo de prevenção de quedas, assim como a adequação da estrutura física (Mai; Ciconet; Micheletti, 2020MAI, S.; CICONET, R. M.; MICHELETTI, V. C. D. Planejamento e organização: é possível virar o jogo! In: DALCIN, T. C. (ed.) et al. Segurança do paciente na Atenção Primária a Saúde: teoria e prática. Porto Alegre: Associação Hospitalar Moinhos de Vento, 2020. p. 56-80.).
Para a prevenção de infecção, os participantes manifestaram preocupação com a limpeza e organização das unidades, com a esterilidade dos materiais, com o uso de EPIs e principalmente, com a higienização das mãos.
Apesar da sua relevância como barreira à ocorrência de infecções, a adesão ao procedimento de higienização das mãos ainda é um desafio. Estudo realizado em unidades de saúde de 90 países identificou que mais da metade alcançaram apenas um nível intermediário de implementação da higienização das mãos (Kraker ., 2022KRAKER, M. E. A. et al. Implementation of hand hygiene in health-care facilities: results from the WHO Hand Hygiene Self-Assessment Framework global survey 2019. The Lancet Infectious Diseases, v. 22, n. 6, p. 835-844, 2022.).
No cenário nacional e particularmente na APS, estudo avaliou a administração de imunobiológicos em sala de vacina e constatou que não ocorreu a higienização das mãos antes dos procedimentos, o que corrobora ser um desafio ao cuidado seguro (Dutra 2019DUTRA, F. C. et al. Falhas na administração de imunobiológicos: análise de causa raiz. Revista de Enfermagem UFPE, v. 13, p. 1-7, 2019.). Portanto, medidas educativas sobre higienização das mãos, lembretes no local de trabalho e incentivo à mudança comportamental devem ser ações constantes nos estabelecimentos de saúde (Lotfinejad ., 2021LOTFINEJAD, N. et al. Hand hygiene in health care: 20 years of ongoing advances and perspectives. The Lancet Infectious Diseases, v.21, n. 8, e209-e221, 2021.).
Outra ação apontada como promotora da segurança do paciente foi a integração da equipe. O trabalho em equipe baseado em abordagem colaborativa é referido como uma rede de segurança, capaz de aumentar a compreensão dos riscos e a detecção de falhas clínicas antes que atinjam o paciente (Dal Pais et al., 2020). Consonante, um estudo de revisão sistemática de literatura apontou que o trabalho em equipe pode repercutir em melhorias nos processos clínicos com maior conformidade às diretrizes que os norteiam e por conseguinte, no aumento da segurança do paciente (Costar; Hall, 2020COSTAR, D. M.; HALL, K. K. Improving team performance and patient safety on the job through team training and performance support tools: a systematic review. Journal of Patient Safety, v. 16, n. 3, p. 48-56, 2020.).
Reflete-se, finalmente, que os participantes elencaram outras falhas latentes e ativas, como a comunicação ineficaz, a demora no acesso a atendimentos e exames, a falta de apoio institucional e os deslizes e violações nos cuidados como risco para a segurança do paciente e, contraditoriamente, não abordaram medidas para interpor barreiras aos mesmos.
Nessa perspectiva, identificar as falhas ativas e latentes e aplicar barreiras para saneá-las consiste em uma forma de melhoria do sistema com vistas à segurança (Wiegmann ., 2022WIEGMANN, D. A. et al. Understanding the “Swiss Cheese Model” and its application to patient safety. Journal of Patient Safety, v. 18, n. 2, p. 119-123, 2022.). A ausência de medidas que possam interceptar estas falhas possibilita uma trajetória oportuna para que incidentes se efetivem, colocando em risco a vida dos pacientes (Reason, 1990REASON, J. Human error. New York: Cambridge University, 1990.; 2000).
Adicionalmente, nota-se que as ações para a promoção da segurança do paciente elencadas pelos participantes deste estudo parecem ser adotadas por iniciativa dos próprios profissionais, não sendo mencionadas estratégias institucionalizadas com vistas a fortalecer a assistência segura, o que revela uma necessidade eminente.
Considerações finais
Nas vivências dos enfermeiros atuantes na APS, condições latentes, como estrutura física inadequada, comunicação ineficaz, demora no acesso a medicamentos e exames, lacunas de conhecimento da equipe e falta de apoio da gestão, combinadas com falhas ativas, como identificação insegura do paciente, erros na administração de medicamentos e vacinas e deslizes e violações podem expor o paciente a riscos.
Face às mesmas, empreendem ações educativas, ações para a identificação correta do paciente, para a prevenção de erros na administração de medicamentos e de vacinas, para a prevenção de quedas e de infecção, assim como buscam atuar de forma integrada com a equipe, com vistas à promoção da segurança do paciente na APS.
Observou-se que, para algumas condições latentes e falhas ativas mencionadas, não foram apresentadas barreiras correspondentes, o que pode oportunizar a ocorrência de incidentes.
Apresenta-se como limitação do estudo, a rede de contatos estabelecida para a inclusão de participantes, que pode não ter alcançado enfermeiros cujas vivências direcionassem para níveis mais avançados de implantação da segurança do paciente na APS, e assim, contribuir com outras formas de promoção desta. Contudo, poderá contribuir para reflexão sobre a temática neste cenário que desempenha papel primordial na RAS.
Agradecimento
O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de financiamento 001.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
29 Nov 2024 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
21 Mar 2024 - Revisado
04 Abr 2024 - Aceito
13 Maio 2024