Resumo
Objetivo:
Avaliar o perfil epidemiológico da tuberculose em Belo Horizonte, Minas Gerais, no período de 2002 a 2008.
Métodos:
Estudo epidemiológico, descritivo, de série histórica, cujos dados foram obtidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, após a aprovação no Conselho de Ética e Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde. Foram calculados coeficientes de incidência, taxas médias e a análise estratificada dos dados com nível de significância de p ≤ 0,05.
Resultados:
Foram notificados, entre 2002 e 2008, 7.590 casos novos de tuberculose, houve um declínio do número de casos ao longo da série histórica, com taxa média anual de incidência de 46/100.000 habitantes. Observou-se uma razão de masculinidade de 1,84:1, um maior coeficiente de incidência no grupo etário de 40 a 59 anos (73/100.000 habitantes) e elevada ocorrência da tuberculose entre os indivíduos com até o ensino fundamental. A forma pulmonar foi a mais prevalente em todos os anos (p < 0,001) e entre os casos com notificação de agravos associados, o alcoolismo foi registrado em 47,9% e a AIDS em 34,5%. Entre 2002 e 2008, houve uma tendência do aumento de casos tratados na modalidade de Tratamento Diretamente Observado, representando um total de 29,5%. O percentual de cura foi abaixo do esperado (67,3%) e o de abandono elevado (17,9%).
Conclusão:
Os resultados indicaram que as ações de controle da tuberculose precisam ser intensificadas com investimentos em capacitação profissional, auditorias sistemáticas do sistema de informação, melhorias na integração dos programas da tuberculose/AIDS e difusão de informação sobre a doença, visando à mobilização social.
Tuberculose; Perfil de saúde; Atenção primária à saúde; Política de Saúde; Saúde da Família; Notificação de Doenças
Introdução
O controle da tuberculose (TB) permanece como um desafio para as políticas públicas de saúde dos países em desenvolvimento, nos quais essa endemia mantém-se em níveis elevados11. Hino P, Da Cunha TN, Villa TCS, Dos Santos CB. Perfil dos casos novos de tuberculose notificados em Ribeirão Preto (SP) no período de 2000 a 2006. Cien Saude Coletiva 2011; 16: 1295-1301. , 22. Xavier MIM, Barreto ML. Tuberculose na cidade de Salvador, Bahia, Brasil: o perfil na década de 1990. Cad Saude Publica 2007; 23(2): 445-53.. Esses países, respondem juntos por 95% dos oito milhões de casos novos e por 98% dos quase três milhões de óbitos por TB, anualmente, no mundo33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. 7(a) ed. Brasília; 2010.. A grave situação da TB tem grande relação com a pobreza, com as precárias condições de moradia e com os problemas de infraestrutura e logísticos ocasionados pela urbanização acelerada44. Hijjar MA, Procópio MJ, Oliveira R, Teixeira GM. A Tuberculose no Brasil e no mundo. Bol Pneumol Sanit 2001; 9(2): 9-16.
5. Mascarenhas MDM, Araújo LM, Gomes KRO. Perfil epidemiológico da tuberculose entre casos notificados no Município de Piripiri, Estado do Piauí, Brasil. Epid e Serv de Saude 2005; 14(1): 7-14. - 66. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Centro de Referência Prof. Hélio Fraga. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Controle da tuberculose: uma proposta de integração ensino-serviço. 5(a) ed. Rio de Janeiro: FUNASA/CRPHF/SBPT; 2002.. Há também o impacto econômico para essas localidades endêmicas, gerado pelas perdas de dias de trabalho e por incapacidades advindas dessa doença. Isso se deve ao maior predomínio de casos no grupo etário que representa a parcela economicamente ativa da população33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. 7(a) ed. Brasília; 2010..
Contribui para o agravo desse quadro as barreiras enfrentadas pela população no acesso aos serviços de saúde, no que se refere ao diagnóstico e ao tratamento da doença77. Scatena LM, Villa TCS, Ruffino Netto A, Kritski AL, De Figueiredo TMRM, Vendramini SHF, et al. Dificuldades de acesso a serviços de saúde para diagnóstico de tuberculose em municípios do Brasil. Rev Saude Publica 2009; 43(3): 389-97. , 88. Selig L, Belo M, Da Cunha AJLA, Teixeira EG, Brito R, Luna AL, et al. Óbitos atribuídos à tuberculose no Estado do Rio de Janeiro. J Bras Pneumol 2004; 30(4): 335-42.. Por exemplo, o horário de funcionamento das unidades de Atenção Primária à Saúde (APS)77. Scatena LM, Villa TCS, Ruffino Netto A, Kritski AL, De Figueiredo TMRM, Vendramini SHF, et al. Dificuldades de acesso a serviços de saúde para diagnóstico de tuberculose em municípios do Brasil. Rev Saude Publica 2009; 43(3): 389-97., as distâncias geográficas da residência aos serviços de saúde, os custos com o transporte, a aceitabilidade e o reconhecimento da população desses serviços e a forma como os usuários são acolhidos pelos profissionais nos atendimentos em saúde. Em adicional, há também a necessidade de superação das lacunas na organização, na gestão e na integração dos serviços públicos nos diversos níveis de regionalização para efetivar ações intersetoriais que favoreçam o controle da TB11. Hino P, Da Cunha TN, Villa TCS, Dos Santos CB. Perfil dos casos novos de tuberculose notificados em Ribeirão Preto (SP) no período de 2000 a 2006. Cien Saude Coletiva 2011; 16: 1295-1301..
Esse contexto piora com a endemia da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), que contribui para o aumento do número de casos de TB33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. 7(a) ed. Brasília; 2010.. A coinfecção Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e TB tem impacto relevante para a epidemiologia de ambos os agravos e demanda por políticas integradas dos programas de prevenção e controle dessas endemias99. Do Prado TN, Caus AL, Marques M, Maciel EL, Golub JE, Miranda AE. Perfil epidemiológico de pacientes adultos com tuberculose e AIDS no estado do Espírito Santo, Brasil: relacionamento dos bancos de dados de tuberculose e AIDS. J Bras Pneumol 2011; 37(1): 93-9. , 1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Brasília; 2010..
O cenário da TB no Brasil ainda é preocupante, apesar da redução da incidência da doença observada nas últimas décadas, e da perspectiva do país sair do grupo das 22 nações que concentram 80% dos casos da doença. Em 2008 foram notificados 68.147 casos novos, correspondendo a um coeficiente de incidência de 35,59/100.000 habitantes. Estima-se que quatro a cinco mil pessoas vão a óbito por esta doença, anualmente, no país33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. 7(a) ed. Brasília; 2010.. O Ministério da Saúde revisou, em 2010, o Plano Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) para minimizar essa situação. Para isso, foram estabelecidas ações, indicadores e competências para cada esfera governamental, visando alcançar, até 2015, um coeficiente de incidência de até 25,9/100.000 habitantes, e a redução pela metade da mortalidade por TB com base nos dados de 1990, como recomendado pela Organização Mundial de Saúde1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Brasília; 2010..
Outro destaque do PNCT é a descentralização das ações de controle da TB para APS, principalmente as vinculadas à Estratégia Saúde da Família (ESF). Isso gera expectativas de uma maior efetividade do programa, com a ampliação do acesso ao diagnóstico entre os sintomáticos respiratórios, o aumento das taxas da Estratégia de Tratamento Diretamente Observado (DOTS), maior cobertura da realização da sorologia para o HIV e melhorias no sistema de informação permitindo avaliar o desempenho do programa1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Brasília; 2010.. Com isso, espera-se favorecer a detecção precoce das fontes de infecção e o aumento das taxas de adesão ao tratamento, e de cura da doença.
Entretanto, apesar da ampliação da cobertura populacional pela ESF11, observada nos últimos anos, das recomendações do PNCT e das tecnologias disponíveis para reverter a situação epidemiológica da doença, não se visualiza, em um futuro próximo, um cenário no qual a TB não seja considerada um problema de saúde pública no Brasil1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Brasília; 2010..
Outra problemática refere-se ao não reconhecimento pela sociedade da real magnitude e transcendência da TB. Todas essas questões intensificam-se nas capitais brasileiras, onde as taxas de incidência da TB, em geral, são mais elevadas, pois há uma maior oferta de serviços de saúde, ampla cobertura da ESF e melhores condições de diagnóstico e tratamento22. Xavier MIM, Barreto ML. Tuberculose na cidade de Salvador, Bahia, Brasil: o perfil na década de 1990. Cad Saude Publica 2007; 23(2): 445-53. , 1212. Coelho DMM, Viana RL, Madeira CA, Ferreira LOC, Campelo V. Perfil epidemiológico da tuberculose no Município de Teresina-PI, no período de 1999 a 2005. Epidemiol Serv Saúde 2010; 19(1): 33-42.. Neste contexto, o estudo teve como objetivo avaliar o perfil epidemiológico dos casos de TB de residentes do Município de Belo Horizonte, Minas Gerais (MG), no período de 2002 a 2008, com a finalidade de contribuir para as discussões das ações de prevenção e controle da doença no âmbito da APS.
Metodologia
Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo, de série histórica, realizado no Município de Belo Horizonte - MG, no período de 2002 a 2008. Foi escolhida essa série histórica, pois nesse período houve uma ampliação da cobertura da população pela ESF1111. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Disponível em http:// www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php (Acessado em 18 de julho de 2011).
Disponível em http://www2.datasus.gov.br... , assim como o processo de informatização das Unidades Básicas de Saúde (UBS)1313. Paixão LMM, Gontijo ED. Perfil de casos de tuberculose notificados e fatores associados ao abandono, Belo Horizonte, MG. Rev Saude Publica 2007; 41(2): 205-13. , o que justifica a investigação epidemiológica da doença nesse período.
Belo Horizonte encontra-se na região central do Estado de Minas Gerais e possuía, em 2010, uma população de 2.375.444 habitantes1414. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/mapa_site/ mapa_site.php#populacao (Acessado em 18 de julho de 2011).
Disponível em http:... . No período investigado, os serviços de saúde neste município estavam organizados em nove Distritos Sanitários, que correspondem às administrações regionais da Prefeitura1515. Prefeitura de Belo Horizonte. Secretaria Municipal de Saúde. Disponível em http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?app=saude (Acessado em 18 de julho de 2011).
Disponível em http:... . Em 2002, nesses Distritos Sanitários, havia 127 UBS, com uma cobertura de 54,34% da população (2.284.469 habitantes) pela ESF. No ano de 2008 houve uma ampliação para 144 UBS e um aumento do percentual de cobertura da população (2.434.642 habitantes) pela ESF (71,45%)1111. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Disponível em http:// www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php (Acessado em 18 de julho de 2011).
Disponível em http://www2.datasus.gov.br... , 1414. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/mapa_site/ mapa_site.php#populacao (Acessado em 18 de julho de 2011).
Disponível em http:... , 1515. Prefeitura de Belo Horizonte. Secretaria Municipal de Saúde. Disponível em http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?app=saude (Acessado em 18 de julho de 2011).
Disponível em http:... .
Os casos de TB são acompanhados nas UBS próximas a residência dos indivíduos. No entanto, existem unidades de referência ambulatórios e hospitais para o acompanhamento de casos especiais, como os de coinfecção HIV-TB, insuficiência cardíaca congestiva e TB extrapulmonar de difícil manejo. O centro de saúde Oswaldo Cruz, localizado na região central do Município, por meio do sistema de referência e de contrarreferência, avalia e ou realiza o acompanhamento de casos de multidroga-resistência, de situações de difícil esclarecimento de diagnóstico ou de falência de tratamento. Em cada um dos nove Distritos Sanitários há um serviço de epidemiologia responsável pela coleta e inserção dos dados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN)1111. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Disponível em http:// www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php (Acessado em 18 de julho de 2011).
Disponível em http://www2.datasus.gov.br... , o que favorece o acompanhamento do controle regional da TB.
O estudo utilizou fonte de dados secundária dos casos novos de TB de residentes no Município de Belo Horizonte, registrados no SINAN1111. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Disponível em http:// www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php (Acessado em 18 de julho de 2011).
Disponível em http://www2.datasus.gov.br... da Secretaria Municipal de Saúde, no período de 2002 a 2008. Pesquisaram-se nessa fonte as variáveis demográficas, geográfica e de infecção contidas na ficha de investigação de TB.
Foram calculadas as taxas de incidência por sexo (masculino e feminino) e por faixa etária (0 a 19 anos, 20 a 39 anos, 40 a 59 anos e 60 anos ou mais), dividindo-se o número de casos novos de TB pela população das faixas etárias e dos sexos descritos acima, em cada ano de estudo, multiplicando-se por 100.000; bem como as taxas médias dos casos novos do coeficiente de incidência e do coeficiente de mortalidade, que consistem no somatório dos números absolutos, dividindo-se por sete. Calculou-se ainda o coeficiente de incidência e de mortalidade para cada ano da série histórica.
As tabelas e os gráficos foram construídos utilizando-se o programa Excel do software Microsoft Office 2007 e as bases populacionais por ano, foram obtidas no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)1111. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Disponível em http:// www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php (Acessado em 18 de julho de 2011).
Disponível em http://www2.datasus.gov.br... . A análise estratificada dos dados foi realizada no programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 15.0, para cálculo do X2, com o nível de significância de p ≤ 0,05 para a identificação de diferenças no padrão epidemiológico ao longo da série histórica por idade, sexo, escolaridade e dados da infecção.
Esse estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (COEP) da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, parecer 0073.0.410.410-09A e segue as orientações da resolução 196/96 do Ministério da Saúde. Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
Resultados
Registrou-se no Município de Belo Horizonte, entre 2002 e 2008, 7.590 casos novos de TB, por todas as formas, com uma taxa média anual de incidência de 46/100.000 habitantes. Observou-se que nesse período, o número de casos por ano e o coeficiente de incidência apresentou decréscimo. Em 2003, constatou-se o maior coeficiente de incidência (55/100.000 habitantes) com decréscimo entre os anos de 2004 e 2007. O coeficiente de mortalidade por TB apresentou uma variância de 1,0 a 2,3/100.000 habitantes, com taxa média anual de 1,6 óbitos por 100.000 habitantes, sendo o maior coeficiente de mortalidade referente ao ano de 2004 (Tabela 1).
Em relação aos dados demográficos foram encontrados 4.918 casos do sexo masculino (64,8%) e 2.672 casos do sexo feminino (35,2%) que mostra uma razão de masculinidade de 1,84:1. Ao longo da série histórica essa diferença permaneceu estatisticamente significativa (p < 0,001). Observou-se que ambos os sexos apresentaram uma redução do coeficiente de incidência de TB ao longo do período avaliado. No entanto, em 2008 verificou-se uma nova tendência de crescimento do coeficiente de incidência no sexo masculino (Figura 1).
- Coeficiente de incidência de tuberculose (por 100.000 habitantes), segundo o sexo e o ano de ocorrência no Município de Belo Horizonte (MG), Brasil, de 2002 a 2008. Fonte: SMSA/BH -- Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).
Os percentuais de distribuição de casos de TB, por faixa etária, no período de 2002 a 2008 apresentaram diferenças estatisticamente significativas (p < 0,001). A idade variou entre menor de um ano e maior de 60 anos, com maiores taxas médias de incidência nas faixas etárias de 40 a 59 anos (73/100.000 habitantes) e 20 a 39 anos (56/100.000 habitantes) que representaram 34,8% (2.642) e 44,8% (3.398) dos casos avaliados nesse período, respectivamente. A menor taxa média de incidência foi na faixa etária de 0 a 19 anos (15/100.000 habitantes) que representou um percentual de 9% (686) dos casos, no período estudado. A avaliação da tendência do coeficiente de incidência dos casos de TB, nas faixas etárias investigadas no estudo, mostrou que as populações ≤ 19 anos e ≥ 60 anos tiveram uma tendência de diminuição de casos a partir de 2005. Na faixa etária de maior coeficiente de incidência (40 a 59 anos), observou-se que entre 2004 e 2007, houve uma queda, mas que em 2008 volta a apresentar uma tendência de aumento desse coeficiente (Tabela 2).
Do total de 4.427 casos com informação sobre o nível de escolarização, 244 (5,5%) eram analfabetos, 2.579 (58,2%) possuíam até o ensino fundamental, 1.022 (23,1%) apresentavam até o ensino médio, 410 (9,3%) possuíam até o ensino superior e 172 (3,9%) pertenciam à faixa etária em que o nível de escolaridade não se aplica. Sendo essas diferenças estatisticamente significativas (p < 0,001) em todos os anos da série histórica investigada (Tabela 3).
Com referência aos dados clínico-epidemiológicos dos casos de TB em Belo Horizonte, no período entre 2002 a 2008, verificou-se que do total de casos, 5.730 (75,5%) foram classificados com a forma pulmonar da doença, 18,7% (1.416) com a forma extrapulmonar e 5,8% (442) apresentavam a forma pulmonar associada com a extrapulmonar (Figura 2). Essas diferenças de percentuais na forma de localização da doença permanecem, na avaliação da distribuição dos casos nos anos de estudo (p < 0,001). Do total de 2.332 casos (30,7%) com agravos associados, o alcoolismo apresentou maior proporção (47,9%), i.e. 1.117 casos, e a comorbidade AIDS encontrou-se associada em 34,5% (804) desses casos. Em menor proporção, a diabetes e a doença mental estiveram associadas a 12% (281) e 5,6% (130) dos casos, respectivamente.
- Percentual de casos novos segundo forma, agravos associados à tuberculose e ano de ocorrência no Município de Belo Horizonte (MG), Brasil, de 2002 a 2008. Fonte: SMSA/BH - Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).
Vale salientar que a informação sobre a variável agravos associados não estava disponível (ignorado/branco) em 79,6% (6.044) para alcoolismo, 82,4% (6.255) para a AIDS, 90,5% (6.870) para doença mental e 88,6% (6.725) para diabetes. Com isso, não foi possível inferir se esses casos tratavam de situações em que a variável não foi investigada, ou referiam-se a casos em que esses agravos não estavam associados à TB. Na avaliação da série histórica, os agravos alcoolismo e AIDS, associados à TB, apresentaram uma tendência de crescimento, enquanto diabetes e doença mental mantiveram proporções de casos mais estáveis nesse mesmo período.
Com relação à administração do tratamento, considerando apenas os 5.671 (74,7%) casos com essa informação, o menor percentual 29,5%, 1.675 casos, refere-se ao DOTS por profissional de saúde (médico, enfermeiro, auxiliar ou técnico de enfermagem, agente comunitário de saúde) ou alguém próximo ao paciente, considerado como responsável por seu tratamento pelo serviço de saúde. Em 25,3%, 1.919 casos, a informação sobre o tipo de tratamento não estava disponível (ignorado/branco) no sistema de informação utilizado no estudo. Cabe ressaltar que, considerando os casos válidos, houve um aumento significativo do percentual de DOTS, passando de aproximadamente 18,1% (132) em 2002 para 54,4% (396) em 2008 (p < 0,001). Quanto à condição de encerramento dos casos novos notificados, de residentes em Belo Horizonte, e constantes no estudo, 67,3% (5.023) apresentaram cura, 18% (1.340) abandonaram o tratamento, 5,2% (389) foram transferidos e 9,5 % (712) tiveram óbito. No período do estudo, observou-se que os percentuais relativos à condição de encerramento mantiveram-se com pouca variabilidade. Do total de 1.340 casos encerrados como abandono, verificou-se um menor percentual de abandono (26,3%), i.e. 352 pacientes, entre os que receberam o tratamento supervisionado em relação aos que tiveram o tratamento na modalidade autoadministrado (46,7%), (626), (p < 0,001).
Na distribuição espacial da TB pelos distritos sanitários da cidade de Belo Horizonte, verificou-se que o distrito do Barreiro apresentava 67,1% (5.096) dos casos, seguido do distrito da Pampulha com 12,2% (928). A menor proporção de casos esteve localizada nos distritos Venda Nova (0,9%), (72) e Leste (1,5%), (113).
Discussão
O PNCT vem buscando intensificar suas ações, ao integrá-las no escopo de atuação dos profissionais da ESF que, em Belo Horizonte, no período estudado, teve uma cobertura da ESF que passou de 54,34% (2002) para 71,45% (2008)1111. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Disponível em http:// www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php (Acessado em 18 de julho de 2011).
Disponível em http://www2.datasus.gov.br... . Isso pode ter contribuído para o declínio do coeficiente de incidência da doença, observado neste estudo, que passou de 47/100.000 (2002) para 38/100.000 habitantes (2008). Associado a isso, houve pequenas variações no número de casos de TB em relação ao aumento da população no período investigado1111. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Disponível em http:// www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php (Acessado em 18 de julho de 2011).
Disponível em http://www2.datasus.gov.br... .
A taxa média do coeficiente de incidência, na série histórica avaliada, foi de 46/100.000 habitantes, sendo menor que as encontradas em estudos realizados em outras capitais como Teresina1212. Coelho DMM, Viana RL, Madeira CA, Ferreira LOC, Campelo V. Perfil epidemiológico da tuberculose no Município de Teresina-PI, no período de 1999 a 2005. Epidemiol Serv Saúde 2010; 19(1): 33-42. e Salvador22. Xavier MIM, Barreto ML. Tuberculose na cidade de Salvador, Bahia, Brasil: o perfil na década de 1990. Cad Saude Publica 2007; 23(2): 445-53., mas maior do que as estimadas para o Estado de Minas Gerais e para o Brasil, 26/100.000 e 41/100.000 habitantes, respectivamente1111. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Disponível em http:// www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php (Acessado em 18 de julho de 2011).
Disponível em http://www2.datasus.gov.br... . Observou-se maior coeficiente de incidência da doença no ano de 2003 e de mortalidade no ano de 2004, mas não foram encontradas informações que levassem à inferência sobre a elevação desses parâmetros nesses anos.
Esses resultados demonstraram que o controle da TB permanece como um desafio para as políticas públicas de saúde em Belo Horizonte, pois apesar das melhorias em infraestrutura e dos investimentos em projetos como o "Vila Viva" e da intensificação das ações da APS1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Brasília; 2010. , 1313. Paixão LMM, Gontijo ED. Perfil de casos de tuberculose notificados e fatores associados ao abandono, Belo Horizonte, MG. Rev Saude Publica 2007; 41(2): 205-13. , o município ainda convive com graves problemas ligados à pobreza, como um grande número de habitações precárias e multifamiliares, o que favorece a ocorrência da doença.
A alta proporção da doença entre os homens é um aspecto predominante em vários estudos11. Hino P, Da Cunha TN, Villa TCS, Dos Santos CB. Perfil dos casos novos de tuberculose notificados em Ribeirão Preto (SP) no período de 2000 a 2006. Cien Saude Coletiva 2011; 16: 1295-1301. , 77. Scatena LM, Villa TCS, Ruffino Netto A, Kritski AL, De Figueiredo TMRM, Vendramini SHF, et al. Dificuldades de acesso a serviços de saúde para diagnóstico de tuberculose em municípios do Brasil. Rev Saude Publica 2009; 43(3): 389-97. , 88. Selig L, Belo M, Da Cunha AJLA, Teixeira EG, Brito R, Luna AL, et al. Óbitos atribuídos à tuberculose no Estado do Rio de Janeiro. J Bras Pneumol 2004; 30(4): 335-42. , 1616. Ferreira SMB, Da Silva AMC, Botelho C. Abandono do tratamento da tuberculose pulmonar em Cuiabá - MT - Brasil. J Bras Pneumol 2005; 31(5): 427-35.. Este aspecto ainda não está bem esclarecido na literatura da área, mas há inferências como uma maior exposição dos homens aos fatores de risco, uma menor taxa de utilização dos serviços de saúde1717. Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saude Colet 2002; 7(4): 687-707. e aspectos culturais ligados aos modos de viver, de ser saudável e de adoecer da população masculina. Isso suscita reflexões sobre as possíveis lacunas no PNCT, de ações mais específicas, para atingir essa população de maior incidência da doença.
Outro aspecto relacionado ao padrão demográfico da doença refere-se ao nível de escolaridade que não foi informado em 41,7% (3.163) dos casos estudados. Mas, considerando apenas os casos com essa informação, observou-se que a pouca escolaridade parece ser um fator de iniquidade social, associado à doença55. Mascarenhas MDM, Araújo LM, Gomes KRO. Perfil epidemiológico da tuberculose entre casos notificados no Município de Piripiri, Estado do Piauí, Brasil. Epid e Serv de Saude 2005; 14(1): 7-14. , 1212. Coelho DMM, Viana RL, Madeira CA, Ferreira LOC, Campelo V. Perfil epidemiológico da tuberculose no Município de Teresina-PI, no período de 1999 a 2005. Epidemiol Serv Saúde 2010; 19(1): 33-42.. Ainda no perfil demográfico da doença, o resultado demonstrou que a faixa etária de 40 a 59 anos foi a mais acometida pela TB, em todos os anos investigados. Esse resultado é diferente de outros estudos em capitais brasileiras que apontaram as faixas etárias entre 15 e 39 anos e 20 e 49 anos, respectivamente, como as de maior predominância da doença22. Xavier MIM, Barreto ML. Tuberculose na cidade de Salvador, Bahia, Brasil: o perfil na década de 1990. Cad Saude Publica 2007; 23(2): 445-53. , 1212. Coelho DMM, Viana RL, Madeira CA, Ferreira LOC, Campelo V. Perfil epidemiológico da tuberculose no Município de Teresina-PI, no período de 1999 a 2005. Epidemiol Serv Saúde 2010; 19(1): 33-42. , 1818. Chaimowicz F. Age transition of tuberculosis incidence and mortality in Brazil. Rev Saúde Pública 2001; 35(1): 81-7.. Apesar dessas variabilidades, esses achados demonstram que se trata de uma população economicamente ativa, a qual perde dias de trabalho ou de estudo por incapacidades geradas pela doença e seu tratamento, o que resulta em impacto econômico e social para o município e famílias11. Hino P, Da Cunha TN, Villa TCS, Dos Santos CB. Perfil dos casos novos de tuberculose notificados em Ribeirão Preto (SP) no período de 2000 a 2006. Cien Saude Coletiva 2011; 16: 1295-1301.. Apesar disso, a população idosa, devido à transição demográfica, também tem sido alvo de preocupação para as políticas de controle dessa endemia em nível mundial, devido à possibilidade de infecção por reativação da doença e por decorrência do processo de envelhecimento11. Hino P, Da Cunha TN, Villa TCS, Dos Santos CB. Perfil dos casos novos de tuberculose notificados em Ribeirão Preto (SP) no período de 2000 a 2006. Cien Saude Coletiva 2011; 16: 1295-1301. , 22. Xavier MIM, Barreto ML. Tuberculose na cidade de Salvador, Bahia, Brasil: o perfil na década de 1990. Cad Saude Publica 2007; 23(2): 445-53.. Porém, no estudo dessa coorte em Belo Horizonte, a população acima de 60 anos teve um decréscimo no coeficiente de incidência, que pode ter relação com a ampliação da cobertura da ESF e com as maiores taxas de utilização de serviços da APS, esperadas para essa população1717. Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saude Colet 2002; 7(4): 687-707. , 1919. Venturi I, Rosado LEFP, Cotta RMM, Rosado GP, Doimo LA, Tinoco ALA, et al. Identificação da área de influência do serviço de atenção básica do sistema público de saúde à população idosa, município de Viçosa-MG. Cienc Saude Coletiva 2008; 13(4): 1293-304..
Dados da série histórica estudada mostraram um predomínio da forma pulmonar com valores semelhantes aos encontrados em outros estudos11. Hino P, Da Cunha TN, Villa TCS, Dos Santos CB. Perfil dos casos novos de tuberculose notificados em Ribeirão Preto (SP) no período de 2000 a 2006. Cien Saude Coletiva 2011; 16: 1295-1301. , 2020. Melo VO, Soares DA, Andrade SM. Avaliação do Programa de Controle da Tuberculose em Londrina, PR, Brasil, 1996. Informe Epidemiologico do SUS 1999; 8(4): 53-62.. Trata-se da forma de maior infectividade, portanto demonstra a importância do diagnóstico baseado na baciloscopia do escarro para a confirmação e controle adequado dos casos. Essa confirmação o mais precoce possível da forma pulmonar favorece a implementação de medidas para interromper a cadeia de transmissão da doença22. Xavier MIM, Barreto ML. Tuberculose na cidade de Salvador, Bahia, Brasil: o perfil na década de 1990. Cad Saude Publica 2007; 23(2): 445-53.. Entretanto, 89,1% (6.759) dos casos notificados no período de 2002 a 2008 não tinham a informação sobre a baciloscopia. Dos 360 casos (9,9%) que realizaram a baciloscopia, 62,8% (226) estavam positivos, indicando a necessidade de um maior investimento na organização dos serviços para o acesso ao diagnóstico da doença.
Observou-se um percentual elevado de ausência de dados, como escolaridade e doenças associadas, que nem sempre referem-se a uma negação dessas informações pelo paciente. Esse fato pode estar relacionado ao preenchimento inadequado da ficha de notificação e/ou ao não questionamento das lacunas desses dados pelos serviços de vigilância epidemiológica em nível distrital e municipal. Essa problemática precisa ser melhor investigada, pois compromete o estabelecimento de um perfil mais completo dessa doença e seu controle, e aponta para a necessidade de se promover estratégias que incentivem o adequado preenchimento da ficha de notificação pelos profissionais de saúde no município investigado, visando melhorar a qualidade e fidedignidade das informações. A implementação de fichas de notificação online no nível local, principalmente nas capitais brasileiras de importância epidemiológica, poderia favorecer a identificação de discrepâncias e de lacunas de preenchimento no ato da notificação o que poderia contribuir para melhorias na qualidade do sistema de informação.
Observou-se que o alcoolismo e a AIDS foram os dois principais agravos associados à TB, o que corrobora com outros estudos epidemiológicos sobre essas associações22. Xavier MIM, Barreto ML. Tuberculose na cidade de Salvador, Bahia, Brasil: o perfil na década de 1990. Cad Saude Publica 2007; 23(2): 445-53. , 1818. Chaimowicz F. Age transition of tuberculosis incidence and mortality in Brazil. Rev Saúde Pública 2001; 35(1): 81-7. , 2121. Mendes AM, Fensterseifer LM. Tuberculose: porque os pacientes abandonam o tratamento? Bol Pneumol Sanit 2004; 12(1): 25-36.. Além disso, a AIDS é considerada um fator contribuinte para o aumento da taxa de mortalidade e pela ampliação de casos das formas mais graves da TB2222. Nunn P, Williams B, Floyd K, Dye C, Elzinga G, Raviglione M. Tuberculosis Control in the era of HIV. Nat Rev Immunol 2005; 5(10): 819-26.. No entanto, o impacto desse agravo, associado à TB, em Belo Horizonte, pode estar subestimado, pois foram poucos os testes sorológicos de HIV realizados em pacientes com TB1313. Paixão LMM, Gontijo ED. Perfil de casos de tuberculose notificados e fatores associados ao abandono, Belo Horizonte, MG. Rev Saude Publica 2007; 41(2): 205-13. , pelos serviços de saúde, ao longo do período estudado. Isso, já vem sendo discutido como uma problemática a ser enfrentada pelo PNCT1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Brasília; 2010.. Nesse sentido, estudo realizado por Prado et al.99. Do Prado TN, Caus AL, Marques M, Maciel EL, Golub JE, Miranda AE. Perfil epidemiológico de pacientes adultos com tuberculose e AIDS no estado do Espírito Santo, Brasil: relacionamento dos bancos de dados de tuberculose e AIDS. J Bras Pneumol 2011; 37(1): 93-9., aponta a necessidade de efetivar a integração dos programas TB e AIDS, o que pode ser decisivo para a ampliação do acesso da população ao diagnóstico de ambos os agravos. No que se refere ao alcoolismo, agravo de maior impacto associado a TB nesse estudo, o desafio parece ser maior para as políticas de saúde pública. Isso porque, observa-se uma carência de serviços de atenção integral e de assistência social aos indivíduos e às famílias que enfrentam essa problemática. A ampliação desses serviços, com a sua integração ao PNCT, pode ser uma iniciativa pública de controle da endemia, pois essa problemática compromete as taxas de adesão ao tratamento, como observado em outros estudos2121. Mendes AM, Fensterseifer LM. Tuberculose: porque os pacientes abandonam o tratamento? Bol Pneumol Sanit 2004; 12(1): 25-36. , 2323. Gonçalves H, Da Costa JSD, Menezes AMB, Knauth D, Leal OF. Adesão à terapêutica da tuberculose em Pelotas, Rio Grande do Sul: na perspectiva do paciente. Cad Saude Publica 1999; 15(4): 777-87..
Os resultados também apontaram que foram crescentes as taxas de tratamento pela modalidade DOTS no período investigado. Principalmente, após a descentralização do PNCT, na qual a ESF pode ter contribuído de forma decisiva1313. Paixão LMM, Gontijo ED. Perfil de casos de tuberculose notificados e fatores associados ao abandono, Belo Horizonte, MG. Rev Saude Publica 2007; 41(2): 205-13. . Porém, as taxas de abandono, nesse período, não apresentaram o declínio com a intensificação do DOTS, sendo maiores do que a recomendada pelo Ministério da Saúde e a observada em outras capitais brasileiras22. Xavier MIM, Barreto ML. Tuberculose na cidade de Salvador, Bahia, Brasil: o perfil na década de 1990. Cad Saude Publica 2007; 23(2): 445-53. , 1212. Coelho DMM, Viana RL, Madeira CA, Ferreira LOC, Campelo V. Perfil epidemiológico da tuberculose no Município de Teresina-PI, no período de 1999 a 2005. Epidemiol Serv Saúde 2010; 19(1): 33-42. , 1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Brasília; 2010.. Entretanto, observou-se que a proporção de abandono foi significativamente menor entre os que receberam o tratamento supervisionado. Esse resultado indica que o DOTS representa uma importante estratégia para a redução da taxa de abandono, mas precisa estar associado aos investimentos em políticas sociais de apoio às pessoas com maior risco de abandono ao tratamento da TB, como as desempregadas, as dependentes de álcool, as de baixa escolaridade, e com dificuldades de acesso aos serviços de saúde1313. Paixão LMM, Gontijo ED. Perfil de casos de tuberculose notificados e fatores associados ao abandono, Belo Horizonte, MG. Rev Saude Publica 2007; 41(2): 205-13. , 1616. Ferreira SMB, Da Silva AMC, Botelho C. Abandono do tratamento da tuberculose pulmonar em Cuiabá - MT - Brasil. J Bras Pneumol 2005; 31(5): 427-35. , 2323. Gonçalves H, Da Costa JSD, Menezes AMB, Knauth D, Leal OF. Adesão à terapêutica da tuberculose em Pelotas, Rio Grande do Sul: na perspectiva do paciente. Cad Saude Publica 1999; 15(4): 777-87..
Sabe-se, que além desses fatores, a adesão ao tratamento enfrenta questões como, o estigma da doença e o longo prazo de tratamento e seus possíveis efeitos colaterais1313. Paixão LMM, Gontijo ED. Perfil de casos de tuberculose notificados e fatores associados ao abandono, Belo Horizonte, MG. Rev Saude Publica 2007; 41(2): 205-13. , 2121. Mendes AM, Fensterseifer LM. Tuberculose: porque os pacientes abandonam o tratamento? Bol Pneumol Sanit 2004; 12(1): 25-36. , 2323. Gonçalves H, Da Costa JSD, Menezes AMB, Knauth D, Leal OF. Adesão à terapêutica da tuberculose em Pelotas, Rio Grande do Sul: na perspectiva do paciente. Cad Saude Publica 1999; 15(4): 777-87.. Nesse caso, o acolhimento e o diálogo autêntico entre a pessoa em tratamento para TB e os profissionais de saúde pode ser decisivo para diminuir o abandono e a não adesão ao tratamento. Refere-se aqui, a missão de cada profissional de saúde de pautar o atendimento dos casos de TB, em uma escuta qualificada e um diálogo eficaz, que favoreça o processo de coprodução e de corresponsabilização ética e segura da pessoa, frente a sua situação de saúde1313. Paixão LMM, Gontijo ED. Perfil de casos de tuberculose notificados e fatores associados ao abandono, Belo Horizonte, MG. Rev Saude Publica 2007; 41(2): 205-13. . Nesse processo, o profissional de saúde deve criar espaços para que o sujeito usuário vocalize seu conhecimento, suas percepções e sentimentos acerca da doença. Além disso, o profissional de saúde deve buscar identificar os pontos onde o saber técnico-científico pode incidir para ampliar o nível de conhecimento da pessoa com TB, favorecendo a sua melhor compreensão da doença e do tratamento2121. Mendes AM, Fensterseifer LM. Tuberculose: porque os pacientes abandonam o tratamento? Bol Pneumol Sanit 2004; 12(1): 25-36.. Trata-se de reconhecer que, apesar de, na maioria das vezes, trabalharmos com padrões esperados e pré-estabelecidos para a população, cada indivíduo possui a sua singularidade e valoriza esse processo de tratamento de forma única, mas ancorado a um saber construído socialmente. Assim como, o trabalho dos profissionais de saúde nas ações de prevenção e de controle da doença deve ser conduzido com a participação da família e da comunidade11. Hino P, Da Cunha TN, Villa TCS, Dos Santos CB. Perfil dos casos novos de tuberculose notificados em Ribeirão Preto (SP) no período de 2000 a 2006. Cien Saude Coletiva 2011; 16: 1295-1301. , 1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Brasília; 2010. , 2121. Mendes AM, Fensterseifer LM. Tuberculose: porque os pacientes abandonam o tratamento? Bol Pneumol Sanit 2004; 12(1): 25-36. , 2323. Gonçalves H, Da Costa JSD, Menezes AMB, Knauth D, Leal OF. Adesão à terapêutica da tuberculose em Pelotas, Rio Grande do Sul: na perspectiva do paciente. Cad Saude Publica 1999; 15(4): 777-87..
Além disso, o abandono ao tratamento pode ser influenciado por aspectos da organização do serviço, como as inadequações no tempo de espera, a ausência de um adequado acolhimento e a não sistematização da busca ativa e do DOTS11. Hino P, Da Cunha TN, Villa TCS, Dos Santos CB. Perfil dos casos novos de tuberculose notificados em Ribeirão Preto (SP) no período de 2000 a 2006. Cien Saude Coletiva 2011; 16: 1295-1301.. A territorialização dos serviços da APS também pode influenciar na adesão ao tratamento. Isso se deve ao estigma ainda existente sobre a doença, que leva alguns indivíduos a não aderirem ao tratamento, por não quererem compartilhar a sua situação de saúde com pessoas da comunidade onde residem1313. Paixão LMM, Gontijo ED. Perfil de casos de tuberculose notificados e fatores associados ao abandono, Belo Horizonte, MG. Rev Saude Publica 2007; 41(2): 205-13. . Este cenário sugere aos gestores de serviços de saúde, no nível local, pactuar ações e estratégias com os profissionais, que sejam específicas e que visem prevenir essas situações. Estudos também descrevem que iniciativas como o auxílio financeiro, o fornecimento de "vale transporte"2323. Gonçalves H, Da Costa JSD, Menezes AMB, Knauth D, Leal OF. Adesão à terapêutica da tuberculose em Pelotas, Rio Grande do Sul: na perspectiva do paciente. Cad Saude Publica 1999; 15(4): 777-87. , 2424. Chirico MC. El subsidio económico al enfermo con tuberculosis incrementa la tasa de curación. Salud(i) Ciencia 2010; 17(8): 798-801. e a visita domiciliar regular dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), podem reduzir as taxas de abandono. O controle da TB depende também da articulação com outros setores, no sentido de promover melhorias nas condições de habitação, renda e escolarização da população.
A distribuição espacial da doença permite inferir sobre seus processos epidemiológicos. Neste caso, o resultado apontou a regional Barreiro como sendo a responsável por 67,1% dos casos. A interpretação desse resultado leva a três inferências. Uma refere-se ao sistema de notificação de casos, que pode ser melhor nesse distrito sanitário, outra se deve pela presença de um centro hospitalar de referência no Estado, para doenças infecciosas nesta região. A terceira esta relacionada ao percentual de 47% da população sob o risco muito elevado ou elevado de vulnerabilidade social2525. Prefeitura de Belo Horizonte. Plano Municipal de Saúde de Belo Horizonte 2005-2008. Disponível em http:// www.enf.ufmg.br/internatorural/textos/Manuais/ planomunicipaldesaude20052008.pdf (Acessado em 18 de julho de 2011).
Disponível em http:... .
Enfim, observa-se também a necessidade de difusão constante da informação científica sobre a doença como o seu perfil epidemiológico, suas formas de prevenção, inovações no tratamento e as ações do PNCT, nos meios de comunicação de massa e nas redes sociais, como uma estratégia de manter um debate mais freqüente na sociedade, que possa contribuir para a participação social no controle da doença.
Conclusão
Apesar da limitação do estudo referente às lacunas de preenchimento das fichas de notificação, o perfil demográfico e epidemiológico da TB em Belo Horizonte, no período investigado, mostrou um declínio dos casos da doença entre 2002 e 2008, mas com uma taxa média do coeficiente de incidência alta, um maior predomínio da doença entre a população masculina, no grupo etário economicamente ativo, e uma maior associação da doença com os agravos alcoolismo e AIDS. Esse perfil da doença indica, para a gestão de saúde municipal, a necessidade de melhorar a integração dos programas de controle da AIDS e da TB, e os serviços de referência para o tratamento das pessoas que enfrentam a problemática do alcoolismo. Além destes, as visitas domiciliares regulares dos ACS, que devidamente capacitados, podem auxiliar o processo de detecção precoce de casos novos, direcionando-os para os serviços de APS e favorecer a redução das taxas de abandono.
Devem-se investigar as possíveis barreiras que dificultam a ampliação da cobertura do DOTS pelas ESF. Aliás, parece ser fundamental a intensificação das campanhas de educação em saúde pautadas na participação comunitária e a priorização dos grupos de maior risco, além de estratégias que promovam maior acessibilidade dos homens aos serviços de APS. Desenvolver ações de sensibilização e de capacitação permanente dos profissionais envolvidos nas ações de controle da TB, assim como melhorar o sistema de notificação dos casos, com auditorias mais sistemáticas, parecem ser medidas, em âmbito municipal, que também podem gerar melhorias no controle da TB.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Set 2013
Histórico
- Recebido
28 Jul 2011 - Revisado
12 Jan 2012 - Aceito
23 Maio 2012