Prevalência de fumantes adultos nas capitais brasileiras, segundo privação socioeconômica

Regina Tomie Ivata Bernal Deborah Carvalho Malta Renato Azeredo Teixeira Alastair Hay Leyland Vittal Srinivasa Katikireddi Elizabeth Bailey Brickley Elzo Pereira Pinto Júnior Maria Yuri Travassos Ichiara Mirjam Allik Ruth Dundas Mauricio Lima Barreto Sobre os autores

RESUMO

Objetivo:

Estimar as prevalências de adultos fumante nas 26 capitais e no Distrito Federal segundo o Índice Brasileiro de Privação.

Métodos:

Os dados sobre tabagismo foram obtidos junto ao sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito (Vigitel) para as 26 capitais e o Distrito Federal, no período de 2010 a 2013. O Índice Brasileiro de Privação classifica os setores censitários segundo indicadores como: renda menor que meio salário mínimo, população não alfabetizada e sem esgotamento sanitário. Nas regiões Norte e Nordeste, os setores censitários foram agrupados em quatro categorias (baixa, média, alta e muito alta privação) e, nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, em três (baixa, média e alta privação). As estimativas de prevalências de adultos fumantes foram obtidas pelo método indireto de estimação em pequenas áreas. Para o cálculo das razões de prevalências, empregram-se modelos de Poisson.

Resultados:

A associação positiva entre a prevalência e a privação das categorias de setores censitários foi encontrada em 16 (59,3%) das 27 cidades. Em nove (33,3%) cidades, os setores de maior privação apresentaram maior prevalência de fumantes quando comparados aos de menor privação e, em duas (7,4%), não apresentaram diferenças. Em Aracaju, Belém, Fortaleza, João Pessoa, Macapá e Salvador, as prevalências de adultos fumantes foram três vezes maiores no grupo de setores com maior privação em relação aos de menor privação.

Conclusão:

Setores de maior privação social apresentaram maiores prevalências de tabagismo, comparados com menor privação, apontando desigualdades sociais.

Palavras-chave:
Iniquidades em saúde; Iniquidade social; Estudos de prevalência; Análise de pequenas áreas; Tabaco; Inquéritos

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o tabaco constitui o principal fator de risco para causas de mortes evitáveis e o segundo maior fator atribuível de mortalidade no mundo11 World Health Organization. Global action plan for the prevention and control of noncommunicable diseases 2013-2020 [Internet]. Genebra: World Health Organization; 2013 [cited on Dec 08, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/9789241506236
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. O uso do tabaco associa-se às variáveis como baixa renda, baixa escolaridade22 Bazotti A, Finokiet m, Conti IL, França MTA, Waquil PD. Tabagismo e pobreza no Brasil: uma análise do perfil da população tabagista a partir da POF 2008-2009. Ciênc Saúde Colet 2016; 21(1): 45-52. https://doi.org/10.1590/1413-81232015211.16802014
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e residência em locais com elevadas vulnerabilidades33 Bernal RTI, Carvalho QH, Pell JP, Leyland AH, Dundas R, Barreto ML, et al. A methodology for small area prevalence estimation based on survey data. Int J Equity Health 2020; 19(1): 124. https://doi.org/10.1186/s12939-020-01220-5
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.

O local de moradia apresenta-se, entre os determinantes sociais, como um componente fortemente modelado pela posição social em que está alocado, evidenciando que os aspectos do entorno físico da vizinhança podem ser importantes fatores para a perpetuação das iniquidades em saúde44 Costa DAS, Mingoti SA, Andrade ACS, Xavier CC, Proietti FA, Caiaffa WT. Indicadores dos atributos físicos e sociais da vizinhança obtidos pelo método de Observação Social Sistemática. Cad Saúde Pública 2017; 33(8): e00026316. https://doi.org/10.1590/0102-311X00026316
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,55 Fleury S. Desigualdades injustas: o contradireito à saúde. Psicol Soc 2011; 23(n. spe.): 45-52. https://doi.org/10.1590/S0102-71822011000400007
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. Para tal, além de se considerar os aspectos sociais, as pesquisas epidemiológicas lançam mão da análise espacial para identificar a influência dos espaços relacionada aos diferenciais de exposição e de desigualdades, ampliando a compreensão da ocorrência dos eventos relacionados à saúde nas populações e nos processos de morbimortalidade66 Abegunde DO, Mathers CD, Adam T, Ortegon M, Strong K. The burden and costs of chronic diseases in low-income and middle-income countries. Lancet 2007; 370(9603): 1929-38. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(07)61696-1
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88 Pampalon R, Hamel D, Gamache P, Raymond G. A deprivation index for health planning in Canada. Chronic Dis Can 2009; 29(4): 178-91. PMID: 19804682.

Atuar por meio de pesquisas, nessas relações intraurbanas, permite identificar onde e como devem ser realizadas as intervenções, e uma das ferramentas utilizadas para a compreensão das relações entre os determinantes sociais e os resultados de saúde é o geoprocessamento, estratégia importante na identificação de áreas de vulnerabilidade99 Januário GC, Alves CRL, Lemos SMA, Almeida MCM, Cruz RC, Friche AAL. Índice de vulnerabilidade à saúde e triagem auditiva neonatal: diferenciais intraurbanos. CoDAS 2016; 28(5): 567-74. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20162015182
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.

Vale ressaltar que a maioria dos estados é carente de informações de saúde da sua população em pequenas áreas para formulação de programa de políticas públicas locais, dado o alto custo de pesquisas dessa natureza.

Nesse sentido, a área da estatística tem contribuído com métodos para obtenção de estimativas confiáveis para áreas menores, como regional de saúde, distritos ou sub-regiões, não contempladas inicialmente nos planos de amostragem das pesquisas1010 Rao JNK, Molina I. Small area estimation. 2nd ed. New Jersey: John Wiley & Sons. Inc.; 2015.. O método indireto de estimação para pequenas áreas baseado em modelos tem sido amplamente utilizado em diversas áreas99 Januário GC, Alves CRL, Lemos SMA, Almeida MCM, Cruz RC, Friche AAL. Índice de vulnerabilidade à saúde e triagem auditiva neonatal: diferenciais intraurbanos. CoDAS 2016; 28(5): 567-74. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20162015182
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. Esse método utiliza os dados de pesquisas e as informações auxiliares extraídas do último censo, no menor nível, como variáveis preditoras do modelo para estimação da variável de interesse em áreas menores1010 Rao JNK, Molina I. Small area estimation. 2nd ed. New Jersey: John Wiley & Sons. Inc.; 2015..

Em 2019, o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (CIDACS) com parceria da Universidade de Glasgow construiu o índice de privação para o Brasil, denominado de Índice Brasileiro de Privação (IBP), utilizando os dados do censo demográfico de 2010. Esse índice permite evidenciar as desigualdades de grupos sociais distintos e a comparação entre os municípios e as regiões brasileiras. O índice foi construído para medir as desigualdades no país utilizando um único ponto de corte para todo o Brasil. Esse índice é apresentado por quartil, quintil e vigintil de privação1111 Allik M, Leyland A, Ichiara MYT, Dundas R. Creating small-area deprivation indices: a guide a guide for stages and options. J Epidemiol Community Health 2020; 74(1): 20-5. https://doi.org/10.1136/jech-2019-213255
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.

O uso de indicadores compostos1212 Townsend P. Deprivation. Journal of Social Policy 1987; 16(2): 125-46. https://doi.org/10.1017/S0047279400020341
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2121 Noble M, Barnes H, Wright G, Roberts B. Small area indices of multiple deprivation in south Africa. Soc Indic Res 2010; 95(2): 281-97. https://doi.org/10.1007/s11205-009-9460-7
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, como o IBP, poderá apoiar a produção de estimativas relacionadas aos fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) em áreas menores e, assim, sustentar políticas de promoção da equidade11 World Health Organization. Global action plan for the prevention and control of noncommunicable diseases 2013-2020 [Internet]. Genebra: World Health Organization; 2013 [cited on Dec 08, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/9789241506236
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. O presente estudo visa produzir estimativas de prevalências de adultos fumantes, segundo o IBP, nas 26 capitais e no Distrito Federal.

MÉTODOS

Trata-se de estudo ecológico utilizando os dados do sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito (Vigitel), nas 26 capitais e no Distrito Federal, no período de 2010 a 20132222 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Vigitel Brasil 2010: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 20112525 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção de Saúde. Vigitel Brasil 2013: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.

O Vigitel utiliza amostras probabilísticas da população adulta (≥18 anos) residentes nas 26 capitais e no Distrito Federal. O sistema utiliza os cadastros das linhas de telefones residenciais, disponibilizadas anualmente pelas principais operadoras de telefonia fixa no país, para fins de sorteios das amostras. O processo de amostragem é realizado em duas etapas:

  1. sorteio de 5.000 linhas telefônicas por cidade, com divisão em subamostras de 200 linhas;

  2. seleção de um morador maior de 18 anos de idade a ser entrevistado.

O peso atribuído inicialmente a cada indivíduo entrevistado pelo Vigitel consiste na multiplicação de dois fatores: o inverso do número de linhas telefônicas no domicílio do entrevistado e o número de adultos no domicílio do entrevistado. Foram utilizados pesos de pós-estratificação para que os resultados do sistema sejam representativos para toda a população adulta de cada cidade. Essa ponderação tem como objetivo igualar a composição sócio-demográfica estimada para a população de adultos com telefone com base na amostra Vigitel em cada cidade à composição sócio-demográfica que se estima para a população adulta total da mesma cidade, no mesmo ano de realização do levantamento.

O estudo utilizou a questão “O(a) senhor(a) fuma?”, independentemente do número de cigarros, da frequência e da duração do hábito de fumar, para estimar as prevalências dos adultos fumantes segundo o IBP no período de 2010 a 2013.

Geoprocessamento

Pelas amostras do Vigitel com as informações de telefone e endereço completo e pelas bases de entrevistas com a informação do número de telefone, foi possível incluir o setor censitário mediante a realização do linkage com o Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) do censo 20102626 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010 [Internet]. [cited on Jun 08, 2020]. Available at: http://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9662-censo-demografico-2010.html?=&t=downloads
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. Ao fim do processamento da base de dados, acrescentou-se a informação do IBP por setor censitário.

Índice brasileiro de privação

O IBP é um índice de três componentes: percentual de domicílios com renda menor que meio salário mínimo, percentual de pessoas menores de sete anos não alfabetizadas e percentual de pessoas com acesso inadequado a esgotamento sanitário, água e descarte de lixo, sem banheiro1111 Allik M, Leyland A, Ichiara MYT, Dundas R. Creating small-area deprivation indices: a guide a guide for stages and options. J Epidemiol Community Health 2020; 74(1): 20-5. https://doi.org/10.1136/jech-2019-213255
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. Dessa maneira, o IPB permite evidenciar as desigualdades de grupos sociais distintos por setor censitário.

Nas regiões Norte e Nordeste, o IBP foi agrupado em quatro categorias: baixa, média, alta e muito alta privação. Enquanto, nas demais regiões, o IBP foi agrupado em três categorias (baixa, média e alta privação), dada a alta concentração dos setores na categoria baixa privação e poucas ocorrências nas categorias alta e muito alta privação (material suplementar – Tabelas S1 e S2).

Estimação indireta para pequenas áreas

Este estudo utilizou os dados do Vigitel e o método de estimação indireta para estimar as prevalências de adultos fumantes por IBP nas 26 capitais e no Distrito Federal. Esse método consiste na utilização de modelos estatísticos para obtenção das estimativas de proporções de adultos fumantes obtidas nas capitais para áreas menores, como o IBP. O modelo de regressão logística foi utilizado para imputar a variável resposta fumante (Y), sim (1) ou não (0), no conjunto de setores censitários sem nenhuma entrevista do Vigitel. Na construção do modelo, foi utilizado o conjunto de setores com uma única entrevista no período de 2006 a 2013. Esse critério foi adotado pela semelhança na distribuição dos setores sem entrevista do Vigitel segundo o IBP (material suplementar – Tabela S3). A variável resposta (yi) é do tipo dicotômica, sendo 1 igual a fumante (sucesso) e 0 (fracasso) caso contrário (Tabela S4). As covariáveis por setor censitário foram extraídas do censo 2010, como o percentual de domicílios por tipo de abastecimento de água, percentual de domicílios por tipo de esgotamento sanitário, percentual de domicílios com ausência de pessoas do sexo masculino, percentual de domicílios com mulheres chefe do domicílio, percentual de domicílios com presença de netos, bisnetos, genro ou nora, pais ou padrastos ou madrastas, percentual de domicílios com presença de irmãs(os) acima de 50 anos e percentual de domicílios com um ou mais residentes.

O modelo geral da regressão logística2727 Paula GA. Modelos de regressão com apoio computacional. São Paulo: Universidade de São Paulo, Instituto de Matemática e Estatística; 2013 é dado por:

log(π(x)1π(x))=β1+β2x2++βpxp

sendo:

x = (1,x2,…,xp) representa o vetor das covariáveis;

π (x) é a probabilidade de o entrevistado declarar fumante (sucesso) dada a característica de x;

β = (β12…,βp) é o vetor de parâmetros do modelo.

O conjunto de setores com uma entrevista do Vigitel foi dividido em duas amostras na proporção de 70% para treino e 30% para validação, de forma que garantisse o poder de generalização do modelo. A regressão logística calcula a probalidade, entre 0 e 1, de o adulto no setor censitário ser fumante, e, para classificar os adultos dos setores em fumante ou não fumante, é utilizado um ponto de corte na probabilidade. Assim, os adultos dos setores com probabilidade maior ou igual ao ponto de corte foram classificados como fumante e, caso contrário, como não fumante. Esse ponto de corte foi determinado pela análise da curva receiver operating characteristic (ROC)2828 Habibzadeh F, Habibzadeh P, Yadollahie M. On determining the most appropriate test cut-off value: the case of tests with continuous results. Biochem Med (Zagreb) 2016; 26(3): 297-307. https://doi.org/10.11613/BM.2016.034
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.

Os modelos de regressão logística múltipla foram executados no programa Rstudio versão 3.6.3 utilizando o pacote Tidyverse2929 R Core Team. R: A language and environment for statistical computing [Internet]. Vienna: R Foundation for Statistical Computing; 2020 [cited on Feb 12, 2021]. Available at: https://www.R-project.org/
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.

Para avaliação do ajuste do modelo, foi utilizada a matriz de classificação dois-por-dois com quatro resultados possíveis: valor positivo (VP) é quando a resposta é fumante e o modelo classificou como fumante; valor negativo (VN) é quando a resposta é não fumante e o modelo classificou como não fumante; falso positivo (FP) é quando a resposta é fumante e o modelo classificou como não fumante; falso negativo (FN) é quando a resposta é não fumante e o modelo classificou como fumante. A sensibilidade do modelo é definida por VPVP+FN, a especificidade por VNVN+FP e o acerto médio é VP+VNVP+FN+VP+FN.

Na análise conjunta dos setores com e sem entrevistas, foi calculado o peso de pós-estratificação ajustado para a população do censo 2010 por IBP mediante uso do método rake3030 Cervantes IF, Brick JM, Jones ME. Weighting for nontelephone household in the 2001 California health interview survey. In: Joint Statistical Meetings – Section on Survey Research Methods; 2002.. Esses pesos foram calculados no programa STATA usando o pacote SURVWGT3131 Winter N. SURVWGT: stata module to create and manipulate survey weights [Internet]; 2002 [cited on Dec 20, 2022]. Available at: https://econpapers.repec.org/software/bocbocode/s427503.htm#:~:text=SURVWGT%3A%20Stata%20module%20to%20create%20and%20manipulate%20survey%20weights,-Nicholas%20Winter&text=Abstract%3A%20survwgt%20creates%20sets%20of,the%20survey%20jackknife%20(JK*).
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, sendo necessária a informação do peso da amostra para execução do pacote. Neste estudo, foram considerados os dados da população N1 e N2 extraídos do censo 2010 de cada região para o cálculo do peso do grupo de setores com entrevistas do Vigitel (peso=N1n1) e sem entrevistas (peso=N2n2), sendo N1 o total de adultos nos setores com entrevistas do Vigitel, N2 o total de adultos nos setores sem entrevistas do Vigitel, n1 a quantidade de entrevistas do Vigitel e n2 o número de setores sem entrevistas.

A razão de prevalência de adultos fumantes por IBP foi calculada com o intuito de comparação entre os grupos. Essa razão foi estimada pelo modelo de Poisson considerando a primeira categoria como referência. Essas estimativas foram calculadas mediante uso dos pesos de pós-estratificação.

RESULTADOS

Os 65.684 setores censitários nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal correspondem a uma população de 45.980.581 pessoas. Isso corresponde a 22% do total de setores censitários e 24% da população brasileira. Desse total de setores censitários, 38.867 (58,2%) setores tiveram pelo menos uma entrevista do Vigitel no período de 2010 a 2013. Analisando por região, as regiões Norte, Nordeste e Sul apresentaram 83,1, 81,3 e 82,0% setores com entrevistas, sendo a mediana igual a cinco entrevistas, três e três, respectivamente. Isso mostra o bom espalhamento das amostras do Vigitel. Enquanto a Região Centro-Oeste apresentou 69,9% (mediana=3) e 39,2% na Sudeste. Na Região Sudeste, as capitais São Paulo e Rio de Janeiro têm 18.182 e 10.158 setores respectivamente, ambas com a mediana igual a uma entrevista por setor, o que explica o baixo percentual de setores com entrevista do Vigitel (material suplementar – Tabela S4).

No geral, as amostras de telefones residenciais do Vigitel estão espalhadas nas capitais, com exceção de São Paulo e Rio de Janeiro.

Para ilustrar o IBP, a Figura 1a (Suplementar) mostra os setores censitários de Salvador (3,530 setores) e a Figura 1b (Suplementar) os setores agrupados por IBP: baixa privação (29,7%), média (32,0%), alta (35,0%) e muito alta privação (3,3%).

Imputação de dados faltantes

Na construção dos modelos de regressão logística, foram selecionados os setores censitários com uma entrevista no período de 2006 a 2013 (material suplementar – Tabela S5). Esse número de setores variou entre 7 (Boa Vista) e 4.231 (São Paulo). Pela alta variabilidade do número de setores por região, a quantidade de modelos foi reduzido de 27, um para cada capital, para 5 modelos: regiões Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste (material suplementar – Tabela S5).

Os modelos ajustados para as regiões Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste estão disponíveis no material suplementar – Tabelas S6 a 10. As medidas de acurácia, sensitividade e especificidade dos modelos obtidas nas duas amostras mostraram boa adequação dos modelos. No entanto, a capacidade de o modelo classificar o indivíduo como não fumante, dado que ele é não fumante, foi maior quando comparada a sua especificidade (material suplementar – Tabela S11).

Estimação indireta

A tendência de aumento na prevalência à medida que aumenta a privação foi encontrada em 16 (59,3%) das 27 cidades, indicando um gradiente positivo. Em nove (33,3%) cidades, os setores de maior privação apresentaram maior prevalência de fumantes quando comparados aos de menor privação e, nas outras duas (7,4%), não apresentaram diferenças (Tabelas 1 a 3).

Tabela 1
Estimativa da prevalência e razão de prevalência de adultos fumantes por cidade e por Índice Brasileiro de Privação. Região Norte, Vigitel, 2010–2013
Tabela 2
Estimativa da prevalência e razão de prevalência de adultos fumantes por cidade e por Índice Brasileiro de Privação. Região Nordeste, Vigitel, 2010–2013.
Tabela 3
Estimativa da prevalência e razão de prevalência de adultos fumantes por região, cidade e Índice Brasileiro de Privação. Regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, Vigitel, 2010-2013.

Na Região Norte, Belém e Macapá apresentaram um gradiente positivo entre a prevalência de adultos fumantes e o IBP, essas prevalências foram três vezes maiores nos setores de maior privação quando comparadas aos de menor privação. Seguidas por Boa Vista, Porto Velho e Palmas com 2,62 (IC95% 1,69–4,05), 2,76 (IC95% 1,61–4,72) e 1,38 (IC95% 1,02–1,88), respectivamente. Em Manaus e Rio Branco, não foram detectadas diferenças entre as prevalências por IBP (Tabela 1).

Em Aracaju, Fortaleza, João Pessoa e Salvador, as prevalências de adultos fumantes nos setores de maior privação foram três vezes maiores do que nos setores de baixa privação. Enquanto em Natal, Recife e Teresina, a razão de prevalência de adultos fumantes variou entre 2,15 (IC95% 1,51–3,05) e 2,72 (IC95% 2,25–4,59). Em Maceió e São Luís, a razão de prevalência foi de 1,67 (IC95% 1,25–2,23) e 1,79 (IC95% 1,30–2,46), respectivamente (Tabela 2).

Nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, as razões de prevalências de adultos fumantes variaram entre 1,33 (IC95% 1,10–1,60) em Campo Grande e 2,76 (IC95% 1,38–4,02) em Florianópolis. Em Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, as razões de prevalências de adultos fumantes foram duas vezes maiores nos setores de maior privação quando comparados aos de menor (Tabela 3).

DISCUSSÃO

Este estudo utilizou o IBP para medir as desigualdades intraurbanas nas prevalências de adultos fumantes, nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, usando os dados do Vigitel no período de 2010 a 2013 e o método indireto para estimação em pequenas áreas.

O estudo traz uma abordagem ecológica para a mensuração das iniquidades em saúde, apontando que as áreas de maior privação também apresentaram as maiores prevalências de adultos fumantes. Em Aracaju, Fortaleza, João Pessoa e Salvador, as prevalências de fumantes nos setores de muito alta privação são três vezes maiores do que nos setores de baixa privação. Os resultados encontrados no estudo são consistentes com a literatura, o qual aponta associação entre as maiores prevalências de tabaco e a população de baixa renda e escolaridade no Brasil22 Bazotti A, Finokiet m, Conti IL, França MTA, Waquil PD. Tabagismo e pobreza no Brasil: uma análise do perfil da população tabagista a partir da POF 2008-2009. Ciênc Saúde Colet 2016; 21(1): 45-52. https://doi.org/10.1590/1413-81232015211.16802014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
,33 Bernal RTI, Carvalho QH, Pell JP, Leyland AH, Dundas R, Barreto ML, et al. A methodology for small area prevalence estimation based on survey data. Int J Equity Health 2020; 19(1): 124. https://doi.org/10.1186/s12939-020-01220-5
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,3232 Malta DC, Vieira ML, Szwarcwald CL, Caixeta R, Brito SMF, Reis AAC. Tendência de fumantes na população brasileira segundo a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios 2008 e a Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(Suppl 2): 45-56. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060005
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e em outros países3333 Giovino GA, Mirza SA, Samet JM, Gupta PC, Jarvis MJ, Bhala N, et al. Tobacco use in 3 billion individuals from 16 countries: an analysis of nationally representative cross-sectional household surveys. Lancet 2012; 380(9842): 668-79. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)61085-X
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,3434 Chen A, Machiorlatti M, Krebs NM, Muscat JE. Socioeconomic differences in nicotine exposure and dependence in adult daily smokers. BMC Public Health 2019; 19(1): 375. https://doi.org/10.1186/s12889-019-6694-4
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.

Bernal et al.3535 Bernal RTI, Malta DC, Peixoto SV, Costa MFL. Validação externa da estimativa da prevalência de fumantes em pequenas áreas produzida pelo Vigitel, em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2021; 24: E210002_SUPL.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720210002.supl.1
https://doi.org/10.1590/1980-54972021000...
mostraram a validade externa da estimativa da prevalência de adultos fumantes calculada pelo método de estimação indireta nos dados Vigitel Belo Horizonte. Esse estudo utilizou o Índice de Vulnerabilidade da Saúde (IVS) agrupado em quatro categorias para estimar a prevalência de adultos fumantes em cada grupo. Foram encontradas similaridades entre as estimativas calculadas no Vigitel e no inquérito domiciliar, corroborando os resultados aqui encontrados.

O trabalho apresenta algumas limitações. Primeira, em 14% das entrevistas do Vigitel não foram identificadas os setores censitários no processo de linkage. A segunda está relacionada à falta de entrevistas do Vigitel em alguns setores, principalmente naqueles de alta ou muito alta privação, sendo necessário o uso de modelos estatísticos para imputação de dados faltantes nesses setores. Nesse sentido, as covariáveis do modelo podem ter subestimada ou superestimada a probabilidade de o adulto ser classificado como fumante ou não no setor. As capitais São Paulo e Rio de Janeiro têm 28 e 43% dos setores com entrevistas; nessas capitais, o modelo pode ter subestimado a proporção de adultos fumantes. Terceira, o uso dos dado do censo 2010 para construção dos pesos de pós-estratificação por IBP para minimizar o viés de seleção do Vigitel no período de 2010 a 2013 e das covariáveis dos modelos. Pelo longo intervalo de tempo do último censo, essas covariáveis podem sofrer alterações ao longo do tempo. Quarta, a junção das bases de dados do Vigitel de 2006 a 2013 dada a variação anual da prevalência (material suplementar – Tabela S12).

O Brasil produz muitos dados de pesquisas na área da saúde com abrangência nacional, grandes regiões, unidade de federação, região metropolitana e capitais. Contudo a maioria desses estados é carente de informações de saúde da sua população em pequenas áreas, pelo alto custo de pesquisas dessa natureza. Nesse sentido, o IBP poderá ser utilizado para medir as desigualdades intraurbanas no país.

Este estudo contribui no aspecto metodológico para produção de indicadores em áreas menores e, assim, subsidiar os estados com essas informações para a formulação, o monitoramento e a avaliação de programas e políticas públicas para promoção de saúde adequadas ao enfrentamento do tabagismo.

  • FONTE DE FINANCIAMENTO: esta pesquisa foi financiada pelo Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde (NIHR) (GHRG/16/137/99) usando a ajuda do governo do Reino Unido para apoiar a pesquisa em saúde global. As opiniões expressas nesta publicação são do(s) autor(es) e não necessariamente do NIHR ou do Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido. A Unidade de Ciências Sociais e de Saúde Pública é financiada pelo Medical Research Council (MC_UU_12017/13) e pelo Scottish Government Chief Scientist Office (SPHSU13). O Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (CIDACS) é apoiado por bolsas da Fundação CNPq/MS/Gates (401739/2015-5) e do Wellcome Trust, Reino Unido (202912/Z/16/Z). A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) é apoiada por Bolsas do Ministério da Saúde do Brasil, Secretaria de Vigilância em Saúde, Pequenas Áreas, TED 148-2018.
  • NÚMERO DE IDENTIFICAÇÃO/APROVAÇÃO CEP: O Projeto Vigitel foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos (Parecer n° 355.590/2013). O consentimento foi obtido oralmente dos entrevistados no momento do contato telefônico. O presente estudo também foi aprovado pelo Conselho de Ética em Pesquisa da UFMG, pequenas áreas geográficas CAAE: 06364818.7.0000.5149, 10 de abril de 2019, e o banco de dados utilizado de 2006 a 2013 foi cedido à UFMG pelo Ministério da Saúde especificamente para o Projeto Pequenas Áreas e continha a localização do setor censitário sem identificar os entrevistados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2022
  • Revisado
    19 Maio 2023
  • Aceito
    19 Maio 2023
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
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