Perfil clínico-epidemiológico das fissuras orofaciais em um centro de referência do nordeste do Brasil

Clinical-epidemiological profile of orofacial fissures in a reference center from northeast Brazil

Perfil clinico-epidemiológico de las fisuras orofaciales en un centro de referencia en el noreste de Brasil

Jamille Rios Moura Ana Paula Eufrázio do Nascimento Andrade Carlos Alberto Lima da Silva Pedro Paulo De Andrade Santos Valéria Souza Freitas Eduardo Costa das Mercês Sobre os autores

RESUMO

Objetivo

Descrever o perfil clínico-epidemiológico dos portadores de fissuras orofaciais, atendidos em um Centro de Referência do Nordeste do Brasil.

Métodos

Estudo descritivo, baseado em dados secundários de prontuários médicos. Informações sociodemográficas do portador e da mãe, uso de medicamentos durante a gestação, aspectos clínicos e cirúrgicos relacionados às fissuras, histórico familiar da malformação e consanguinidade dos pais foram investigadas. Os dados foram analisados descritivamente, com o uso do programa estatístico SPSS (Statistical Package for te Social Sciences), no qual foram obtidas medidas de frequência, média e desvio padrão.

Resultados

51,1% dos portadores de fissuras orofaciais eram do sexo feminino, 46,2% menores de um ano e 54,4% eram procedentes na zona urbana. A maioria das mães encontrava-se na faixa etária entre 16 a 25 anos durante o período gestacional e relatou uso de medicação em 59,2% dos casos. A fissura transforame incisivo foi a mais diagnosticada (34,4%). No momento de cadastro ao Centro de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, 90,5% dos indivíduos ainda não haviam realizado tratamento cirúrgico. História familiar de fissura foi observada em 29,8% dos casos estudados e em apenas 7,1% desses foi reportado consanguinidade entre os pais.

Conclusão

Os fatores socioeconômicos e genéticos podem exercer influência sobre o desenvolvimento de fissuras orofaciais, o que exige uma maior atenção governamental assim como novos estudos para melhor investigação.

Palavras-chave:
Fenda labial; fissura palatina; epidemiología (fonte: DeCS, BIREME)

ABSTRACT

Objective

To describe the clinical-epidemiological profile of patients with orofacial fissures treated at a reference center from northeast Brazil.

Materials and Methods

Descriptive study, based on secondary data obtained from medical records. Sociodemographic information of patients and their mothers, use of medication during pregnancy, clinical and surgical aspects related to fissures, family history of malformation, and consanguinity among the parents were investigated. Data were analyzed descriptively using the SPSS (Statistical Package for Social Sciences) statistical program to obtain frequency, mean and standard deviation measures.

Results

51.1% of the patients with orofacial fissures were female, 46.2% were under one year of age and 54.4% lived in urban areas. The majority of mothers were between the ages of 16 and 25 during the gestational period, and 59.2% reported the use of medication. Cleft lip and palate were the most prevalent types of fissures (34.4%). On admission to the Craniofacial Anomaly Rehabilitation Center, 90.5% of the individuals had not yet undergone surgical treatment. Family history of fissure was found in 29.8% of the cases studied, but inbreeding among parents was reported in only 7.1% of them.

Conclusion

Socioeconomic and genetic factors can influence the development of orofacial fissures; this requires greater governmental attention as well as new studies for better investigation.

Key Words:
Cleft lip; cleft palate; epidemiology (source: MeSH, NLM)

RESUMEN

Objetivo

Describir el perfil clínico-epidemiológico de los portadores de fisuras orofaciales, atendidos en un Centro de Referencia del Nordeste de Brasil.

Métodos

Estudio descriptivo, basado en datos secundarios de pronóstico médicos. La información sociodemográfica del portador y de la madre, uso de medicamentos durante la gestación, aspectos clínicos y quirúrgicos relacionados con las fisuras, historia familiar de la malformación y consanguinidad de los padres fueron investigadas. Los datos fueron analizados descriptivamente, con el uso del programa estadístico SPSS (Statistical Package for te Social Sciences), en el cual se obtuvieron medidas de frecuencia, media y desviación estándar.

Resultados

51,1% de los portadores de fisuras orofaciales eran del sexo femenino, 46,2% menores de un año y 54,4% eran procedentes en la zona urbana. La mayoría de las madres se encontraban en el grupo de edad entre 16 a 25 años durante el período gestacional y relató uso de medicación en el 59,2% de los casos. La fisura transforam incisiva fue la más diagnosticada (34,4%). En el momento de la inscripción en el Centro de Rehabilitación de Anomalías Craneofaciales, el 90.5% de los individuos aún no se habían sometido a tratamiento quirúrgico. La historia familiar de fisura fue observada en el 29,8% de los casos estudiados y en apenas el 7,1% de esos fue reportado consanguinidad entre los padres.

Conclusión

Los factores socioeconómicos y genéticos pueden influir en el desarrollo de fisuras orofaciales, lo que exige una mayor atención gubernamental así como nuevos estudios para una mejor investigación.

Palabras Clave:
Labio leporino; fisura del paladar; epidemiología (fuente: DeCS, BIREME)

Dentre as malformações congênitas presentes ao nascimento, que afetam a área craniofacial, encontram-se as fissuras orofaciais 11. Moore KL, Persaud TVN, Torchia MG. Embriología clínica. 9a ed. Elsevier; 2013.. Estas representam aproximadamente 65% de todas as anomalias da região de cabeça e pescoço, sendo capaz de comprometer o lábio superior, o palato duro, o assoalho da cavidade nasal e outras regiões da face 22. Zapata AMC, Palacio AML, Puerta GMA, Álvarez CU. A retrospective characterizationa study on patients with oral clefts in Medellín, Colombia, South America. Rev Fac Odontol Univ Antioq. 2010; 22(1): 81-7.,33. Coutinho Al, Lima MC, Kitamura MAP, Neto JF, Pereira RM. Perfil epidemiológico dos portadores de fissuras orofaciais atendidos em um Centro de Referência do Nordeste do Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2009; 9(2): 149-56.,44. Gorlin R, Cohen M, Hannekam R. Syndromes of the head and neck. 4a ed. New York: Oxford University Press; 2001..

As fissuras orofaciais representam um problema de saúde pública, podendo ocasionar ao seu portador alterações estéticas, funcionais e emocionais 55. Figueiredo MC, Pinto NF, Fabrício FK, Boaz CMS., Faustino-Silva DD. Pacientes com fissura labiopalatina - acompanhamento de casos clínicos. ConScientiae Saúde (Online). 2010; 9(2):300-8.,66. Gonzáles-Osorio CA, Medina-Sólis CE, Pontigo-Loyola AP, Casanova-Rosado JF, Escoffié-Ramirez M, Corona-Tabares MG, Maupomé G. Estudio ecológico en México (2003-2009) sobre labio y/o paladar hendido y factores sociodemográficos, socioeconómicos y de contaminación asociados. An Pediatr (Barc); 2011; 74(6): 377-87.. Embora ocorram com relativa frequência, a sua etiologia ainda não se encontra totalmente elucidada. Estudos indicam que estas anomalias são de origem multifatorial envolvendo alterações genéticas e exposição materna a fatores ambientais no primeiro trimestre da gestação 77. Ribeiro EM, Moreira ASC. Atualização sobre o tratamento multidisciplinar das fissuras labiais e palatinas. RBPS. 2004; 18(1): 31-40.,88. Freitas JAS, Neves LT, Almeida ALPF, Garib DG, Trindade-Suedam IK, Yaedú RYF, Lauris RCMC, Soares S, Oliveira TM, Pinto JHN. Rehabilitative treatment of cleft lip and palate: experience of the Hospital for Rehabilitation of Craniofacial Anomalies/USP (HRAC/USP) - Part 1: overall aspects. J Appl Oral Sci (Online). 2011; 20(1): 9-15..

Estudos que avaliaram as condições socioeconómicas, culturais e ambientais dos portadores de fissuras orofaciais são escassos na literatura 99. Clark JD, Mossey PA, Sharp L, Little J. Socioeconomic status and orofacial clefts in Scotland, 1989 to 1998. Cleft Palate Craniofac J. 2003; 40(5): 481-5.,1010. Rodrigues K, Sena MF, Roncalli AG, Ferreira MA. Prevalence of orofacial clefts and social factors in Brazil. Braz Oral Res. 2009; 2(1): 38-2.. No que se refere a associação dos determinantes sociais e essas anomalias pode-se observar que o tema tem sido negligenciado, sobretudo na América Latina, tanto pelas políticas de saúde quanto pelas políticas de desenvolvimento da maioria dos países 1111. Villar E. Los determinantes sociales de salud y la lucha por la equidad em salud: desafios para el Estado y la sociedad civil. Saúde Soc. 2007; 16(3): 7-13., o que prejudica o trabalho de prevenção nas populações 1212. Monlléo IL, Gil-Da-Silva-Lopes VL. Anomalias craniofaciais: descrição e avaliação das características gerais da atenção no Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica. 2006; 22(5): 913-22..

Considerando que as fissuras orofaciais representam um problema de saúde pública pouco estudado na região Nordeste e a importância de estudos epidemiológicos para o estabelecimento de políticas públicas para o setor, este estudo tem por finalidade traçar o perfil clínico-epidemiológico dos portadores de fissuras orofaciais, residentes no estado da Bahia, atendidos no Centro de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais do Hospital Santo Antônio, no período de 2008 a 2013.

METODO

Trata-se de um estudo epidemiológico observacional, descritivo, conduzido por meio da revisão de prontuários clínicos dos indivíduos atendidos no Centro de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais do Hospital Santo Antônio (Salvador, Bahia), considerado a segunda maior unidade do país para o tratamento de portadores de anomalias orofaciais.

Para a determinação do tamanho amostral foi considerada uma população finita, nível de confiança de 95%, margem de erro de 5% e porcentagem de perda de 20%. Do total de 856 prontuários identificados no período especificado, 319 foram selecionados para compor a amostra final.

Participaram do estudo todos os portadores de fissuras orofaciais, não sindrômicos, de ambos os sexos, residentes no estado da Bahia e sem limitação da faixa etária. Os prontuários de portadores de fissuras orofaciais associadas às síndromes genéticas, portadores de fissura adquirida (acidentes perfurantes), indivíduos provenientes dos demais estados da Federação e por questões éticas, portadores de doença mental e indígenas, foram excluídos do estudo.

Para a coleta de dados utilizou-se de uma ficha contendo informações sobre dados sociodemográficos do portador, da mãe e família, o uso de medicação durante o período gestacional; o tipo de fissura; tratamento cirúrgico; histórico familiar de malformações congênitas e consanguinidade dos pais. A idade dos portadores de fissuras orofaciais foi categorizada em menor de um ano, entre um a cinco anos e maior de um ano. No que se refere à idade materna, a mesma foi agrupada como ≤15 anos, 16 a 25 anos, 26 a 34 anos e ≥35 anos, segundo o critério de risco para gestação adotado pelo Ministério da Saúde do Brasil 1313. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico. 5. ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, (Série A. Normas e Manuais Técnicos); 2010.. O nível de escolaridade materna foi categorizado de acordo com os anos completos de escolaridade registrados no prontuário, ou seja, analfabeto, nível fundamental, nível médio e nível superior. O uso de medicamentos durante o período gestacional foi agrupado em categorias, respeitando a classificação de medicamentos proposta pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Para a classificação do tipo de fissura orofacial foi adotada a classificação de Spina (1972), separando a fissura em quatro grupos: fissuras raras da face, pré-forame, transforame e pós-forame incisivo. Em relação à extensão, estas foram agrupadas como unilateral, bilateral, completa ou incompleta 1414. Spina V, Psillakis JM, Lapa FS, Ferreira MC. Classificação das fissuras lábio-palatinas: sugestão de modificação. Rev Hosp Clin Fac Med. 1972; 27(1): 5-6..

Os dados obtidos foram analisados, descritivamente, com o uso do programa estatístico SPSS (StatisticalPackage for the Social Sciences) na versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, il, USA). Para as variáveis qualitativas foram utilizadas tabelas de frequência, com suas respectivas porcentagens. No que se refere às variáveis quantitativas, foram adotadas medidas descritivas, tais como média e desvio-padrão.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Santo Antônio, sob o parecer de número 565.687, CAAE 23276113.9.0000.0047.

RESULTADOS

Dos 319 casos de indivíduos portadores de fissuras orofaciais selecionados para o estudo, 156 destes (48,9%) pertenciam ao sexo masculino e 163 (51,1%) ao feminino. A média de idade dos indivíduos no momento do cadastramento foi de oito anos, variando entre zero a 79 anos, sendo que 46,2% dos portadores encontravam-se na faixa etária menor de um ano, considerada predominante na amostra estudada (Tabela 1). O desvio padrão encontrado para a variável idade foi de 13,0 anos.

Tabela 1
Condições sociodemográficas dos portadores de fissuras orofaciais atendidos no Centro de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais do Hospital Santo Antônio, Salvador, Bahia, 2008 - 2013

Os dados da Tabela 1 demonstram que a maior parcela dos indivíduos (54,4%) era proveniente da zona urbana. Quanto à renda familiar, observou-se que 38,9% dos casos estudados apresentavam renda inferior a um salário mínimo e apenas 10% das famílias possuíam renda superior a três salários mínimos. A maioria dos portadores de fissuras orofaciais vivia em casa própria (75,8%), possuía água encanada (79,4%), rede de esgoto (54,5%) e energia elétrica (95,6%) nas suas residências.

No que se refere à condição de chegada ao Centro, 90,5% dos indivíduos ainda não haviam realizado procedimento cirúrgico de correção completa da fissura orofacial. Observou-se que dos 176 casos tratados cirurgicamente nesse serviço, 69,9% haviam realizado apenas cirurgias primárias de correção (queiloplastia e palatoplastia) e 28,5% foram submetidos, além das intervenções primárias, a procedimentos cirúrgicos secundários, tais como rinoplastia e septoplastia. Três pacientes (1,7%) realizaram, exclusivamente, correções cirúrgicas secundárias.

Do total de prontuários analisados, 318 apresentavam a classificação dos casos das fissuras orofaciais de acordo com o recomendado por Spina (1972). Com relação ao tipo de fissura, observou-se que 34,3% correspondiam à fissura transforame, 33,7% à fissura pós-forame e 31,4% pré-forame incisivo. A fissura rara de face foi diagnosticada em apenas dois indivíduos (0,6% dos casos) e em quatro casos foi observado mais de um tipo de fissura associada (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição dos casos de fissuras orofaciais, segundo o tipo e a extensão, em indivíduos atendidos no Centro de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais do Hospital Santo Antônio, Salvador Bahia, 2008-2013

Em relação à extensão das fissuras orofaciais, os casos mais frequentes correspondiam à fissura transforame incisivo unilateral e a fissura pós-forame incisivo incompleta, afetando, respectivamente, 26,6% e 20,5% dos indivíduos. A fissura pré-forame incisivo bilateral incompleta foi evidenciada em quatro indivíduos (Tabela 2).

Verificou-se um maior número de fissuras pós-forame incisivo em indivíduos do sexo feminino (40,1%). As fissuras dos tipos pré e transforame incisivo apresentaram proporções similares entre os homens, 34,0% e 38,4%, respectivamente. O grupo fissuras raras da face apresentou distribuição similar entre os sexos (0,6%).

A Tabela 3 mostra a distribuição das variáveis maternas relacionadas às características sociodemográficas e ao estilo de vida. No que se refere à idade materna durante o período gestacional, observou-se que 48,6% das mães apresentavam entre 16 a 25 anos. A média de idade materna foi de 26 anos e o desvio padrão de 6,9. No momento do cadastramento dos portadores de fissuras orofaciais ao serviço, 48,9% das mães possuíam nível fundamental e 5,6% eram analfabetas. Observou-se ainda que, dos 168 casos válidos, a maioria das mães (59,5%) fez uso de medicação durante a gravidez. Os grupos de medicamentos mais utilizados foram as vitaminas (79,4%), seguido dos antibióticos (9,1%), anticoncepcionais (2,5%) e anti-hipertensivos (2,5%).

Tabela 3
Características maternas dos portadores de fissuras orofaciais atendidos no Centro de Referência de Anomalias Craniofaciais do Hospital Santo Antônio, Salvador, Bahia, 2008 - 2013

Em relação à hereditariedade, observou-se que 32,6% dos casos estudados possuíam histórico familiar de fissura orofacial. Destes 29,3% eram parentes próximos de até segundo grau, tais como pai, mãe, irmãos, filhos e avós.

Os outros 70,7% restantes correspondiam a parentes distantes tais como tios, primos, bisavós e sobrinho.

DISCUSSÃO

No presente estudo, foi investigado o perfil clínico-epidemiológico dos portadores de fissuras orofaciais, atendidos no Centro de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais do Hospital Santo Antônio, no período de 2008 a 2013.

Os achados demonstram que dos 319 portadores de fissuras orofaciais estudados, 48,9% pertenciam ao sexo masculino e 51,1% ao feminino. Esses resultados corroboram com o estudo desenvolvido por Omo-Aghoja 1515. Omo-Aghoja VW, Omo-Aghoja LO, Ugboko VI, Obuekwe ON, Saheeb BDO, Feyi-Waboso P, Onowhakpor A. Antenatal determinants of orofacial clefts in Southern Nigeria. Afr Health Sci. 2010; 10(1): 31-9., na Nigéria, o qual observou uma predominância dessa deformidade em indivíduos do sexo feminino quando comparado ao masculino, porém, não estatisticamente significante. Outros estudos, realizados em diferentes regiões do Brasil e no mundo observaram que as fissuras orofaciais são mais prevalentes em homens 33. Coutinho Al, Lima MC, Kitamura MAP, Neto JF, Pereira RM. Perfil epidemiológico dos portadores de fissuras orofaciais atendidos em um Centro de Referência do Nordeste do Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2009; 9(2): 149-56.,1616. Gardenal M, Bastos PRHO, Pontes ERJC, Bogo D. Prevalência das fissuras orofaciais diagnosticadas em um serviço de referência em casos residentes no estado de Mato Grosso do Sul. Arquivos Int. Otorrinolaringol. 2011; 15(2): 133-41.

17. Taghavi N, Mollaian M, Alizadeh P, Moshref M, Modabernia S, Akbarzadeh AR. Orofacial Clefts and Risk Factors in Tehran, Iran: A Case Control Study. Iran Red Crescent Med. 2012; 14(1): 25-30.

18. Vico RMY, Linares AI, Mendo IG, Lagares DT, Moles MAG, Pérez JLG, Reina ES. A descriptive epidemiologic study of cleft lip and palate in Spain. Oral Maxillofac Surg. 2012; 114(5): S1-54.
-1919. Lin Y, Shu S, Tang S. A case-control study of environmental exposures for nonsyndromic cleft of the lip and/or palate in eastern Guangdong, China. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2014; 78(3): 545-51..

Quanto à idade do portador durante a admissão no Centro de Reabilitação, a faixa etária menor de um ano foi considerada predominante. Ao serem admitidos nesse serviço, 90,5% dos indivíduos não haviam sido submetidos a procedimentos primários para correção das fissuras orofaciais. A Associação Americana de Fenda Palatina estabeleceu diretrizes para o tratamento dessa malformação, nas quais preconizou que a cirurgia para fissura labial deve ser realizada até o sexto mês de vida, e a fissura palatina deve ser reparada até o prazo de dezoito meses, o que corresponde à faixa etária encontrada nesse estudo 2020. ACPA. American Cleft Palate-Craniofacial Association. Parameters for evaluation and treatment of patients with cleft lip /palate or other craniofacial anomalies. American Cleft Palate-Craniofacial Association. November, 34 p., 2009.. Foi observado, também, o cadastro no referido centro de indivíduos com idade superior a cinquenta anos para o tratamento de fissuras orofaciais. Segundo Ercocen 2121. Ercocen AR, Ylmaz S, Saydam M. Bilateral Superiorly Based Full-Thickness Nasolabial Island Flaps for Closure of Residual Anterior Palatal Fistulas in an Unoperated Elderly Patient. Cleft Palate Craniofac J. 2003; 40(1): 91-9., a fissura orofacial em adultos é mais ampla e o deslocamento dos tecidos moles no local da fissura é mais proeminente do que o esqueleto, o que dificulta o procedimento cirúrgico, podendo resultar em pequenas fístulas palatais, as quais podem ser reparadas em cirurgias secundárias.

No que se refere à região de procedência, foi observado um predomínio das fissuras orofaciais entre indivíduos provenientes da zona urbana. Diferenças na prevalência de defeitos congênitos em áreas urbanas quando comparadas as rurais, podem sugerir possíveis fatores de risco relacionados ao ambiente físico, social e acesso aos serviços de saúde 2222. Hall S, Ricketts T, Kaufman J. Measuring urban and rural areas in epidemiologic studies. J Urban Health. 2005; 83: 162-75.. Coutinho 33. Coutinho Al, Lima MC, Kitamura MAP, Neto JF, Pereira RM. Perfil epidemiológico dos portadores de fissuras orofaciais atendidos em um Centro de Referência do Nordeste do Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2009; 9(2): 149-56. reporta que a distância entre a população rural e os serviços de saúde, nos grandes centros, favorece a alta prevalência dessa anomalia na área urbana. Além disso, para esses autores uma maior exposição da população a poluentes ambientais, nas áreas urbanas, expõe a mãe a teratógenos específicos.

Apesar da maioria dos indivíduos cadastrados no serviço possuírem casa própria, com benefícios de rede elétrica, água encanada e rede esgoto, ainda existiam alguns casos nos quais as famílias não usufruíam destes serviços básicos de infraestrutura. Segundo Messer 2323. Messer LC, Luben TJ, Mendola P, Carozza SE, Horel AS, Langlois PH. Urban-Rural Residence and the Occurrence of Cleft Lip and Cleft Palate in Texas, 1999-2003. AEP. 2010; 20(1): 32-9., condições ambientais insalubres aumentam a susceptibilidade a teratógenos específicos e o risco para o desenvolvimento das fissuras orofaciais. Estas evidências podem ser apoiadas em um estudo realizado na Escócia onde foi observada que taxas mais baixas dessas anomalias foram registradas em áreas com habitações de alta qualidade e altas proporções de profissionais qualificados 99. Clark JD, Mossey PA, Sharp L, Little J. Socioeconomic status and orofacial clefts in Scotland, 1989 to 1998. Cleft Palate Craniofac J. 2003; 40(5): 481-5..

A renda familiar predominante entre as famílias do presente estudo foi menor que um salário mínimo. Dressler 2424. Dressler WW, Santos JE. Social and cultural dimensions of hypertension in Brazil: a review. Cad Saude Publica. 2000; 16(2): 303-15. apontam que um baixo nível socioeconômico pode estar associado a déficit nutricional e a uma maior tensão emocional no período gestacional, fatores que são associados às malformações congênitas. Segundo Jia 2525. Jia ZL, Shi B, Chen CH, Shi JY, Wu J, Xu X. Maternal malnutrition, environmental exposure during pregnancy and the risk of non-syndromic orofacial clefts. Oral Dis. 2011; 17(6): 584-9. o risco de ocorrência dessa deformidade é maior entre mães com status socioeconômico mais baixo e que não tem emprego regular, do que entre aquelas com emprego e renda regulares. Da mesma forma, um aumento da condição socioeconômica pode estar relacionado ao aumento da frequência de exposições a agentes nocivos, como o tabagismo e o consumo de bebidas alcoólicas.

A maioria das mães dos indivíduos estudados possuía nível fundamental. De acordo Lin 1919. Lin Y, Shu S, Tang S. A case-control study of environmental exposures for nonsyndromic cleft of the lip and/or palate in eastern Guangdong, China. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2014; 78(3): 545-51. o baixo nível de escolaridade também pode estar relacionado com a elevada ocorrência dessa malformação. Corroborando com esse estudo, outros autores sugerem que indivíduos com baixo nível educacional tendem a fumar mais, a consumir alimentos menos saudáveis e a usar menos frequentemente suplementação vitamínica durante o período gestacional 2626. De Walle HE, Cornel MC, De Jong-Van Den Berg LT. Three years after the Dutch folic acid campaign: growing socioeconomic differences. Prev Med. 2002; 35(1): 65-9.,2727. Dvivedi J, Dvivedi SA. Clinical and demographic profile of the cleft lip and palate in Sub-Himalayan India: A hospital-based study, Indian J Plast Surg. 2012; 45(1): 115-20.. Além disso, segundo Escoffié-Ramirez 2828. Escoffié-Ramirez M, Medina-Sólis CE, Pontigo-Loyola AP, Acuña-González G, Casanova-Rosado JF, Colome-Ruiz GE. Asociación de labio y/o paladar hendido com variables de posición socioeconómica: un estudio de casos y controles. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2010; 10(3): 323-9. a cada ano que se aumenta a escolaridade da mãe e do pai o risco de terem filhos portadores dessa malformação diminui, respectivamente, 19% e 16%.

Na amostra estudada, houve um predomínio da faixa etária materna entre 16 a 25 anos, sendo esse achado similar ao encontrado por Baroneza 2929. Baroneza JE, Faria MJSS, Kuasne H, Carneiro JLV, Oliveira JC. Dados epidemiológicos de portadores de fissuras labiopalatinas de uma instituição especializada de Londrina, Estado do Paraná. Acta Sci Health Sci. 2005; 27(1): 31-5.. Esses autores observaram que 41,1% das mães de portadores de fissuras orofaciais pertenciam à faixa etária entre 17 a 24 anos de idade durante o período gestacional. Contrapondo os nossos achados, Brender 3030. Brender JD, Shinde UM, Zhan FB, Gong X, Langlois PH. Maternal residential proximity to waste sites and industrial facilities and oral clefts in offspring. J Occup Environ Med. 2006; 48(6): 565-72. sugeriram que mães com idade superior a 35 anos apresentavam uma maior tendência para o nascimento de filhos com fissuras orofaciais apenas quando suas residências ficavam próximas a instalações industriais, especialmente fundições, porém, tal situação, não foi observada entre mães mais jovens. Em seu estudo, Jagomagi 3131. Jagomagi T, Soots M, Saag M. Epidemiologic Factors Causing Cleft Lip and Palate and Their Regularities of Occurrence in Estonia. Stomatologija. 2010; 12(4): 105-8. revelaram que mães com idade menor que trinta anos, que tiveram filhos com fissuras orofaciais, apresentaram altas taxas de estresse psicológico, um ou mais abortos médicos e exposição a substâncias teratogêni-cas, o que poderia explicar a ocorrência dessa malformação.

Os resultados do nosso estudo também demonstraram que dos 319 prontuários estudados, a frequência de fissura trans e pós-forame incisivo foi bastante semelhante, 34,4 e 33,7%, respectivamente. A maioria dos estudos realizados no Brasil e em outros países encontrou uma maior prevalência de indivíduos com fissuras labiopalatais, conhecidas como fissura transforame incisivo, quando comparada à fissura labial ou palatal 3232. Martelli-Júnior H, Porto LV, Martelli DRB, Bonan PRF, Freitas AB, Coletta RD. Prevalence of nonsyndromic oral clefts in a reference hospital in the state of Minas Gerais, Brazil, between 2000-2005. Braz Oral Res. 2007; 21(4): 314-7.,1717. Taghavi N, Mollaian M, Alizadeh P, Moshref M, Modabernia S, Akbarzadeh AR. Orofacial Clefts and Risk Factors in Tehran, Iran: A Case Control Study. Iran Red Crescent Med. 2012; 14(1): 25-30.,1919. Lin Y, Shu S, Tang S. A case-control study of environmental exposures for nonsyndromic cleft of the lip and/or palate in eastern Guangdong, China. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2014; 78(3): 545-51.. Quanto à extensão da fissura, os indivíduos investigados apresentaram uma maior predominância para o grupo das fissuras transforame incisivo unilateral. Estes achados estão de acordo com os encontrados por Vico 1818. Vico RMY, Linares AI, Mendo IG, Lagares DT, Moles MAG, Pérez JLG, Reina ES. A descriptive epidemiologic study of cleft lip and palate in Spain. Oral Maxillofac Surg. 2012; 114(5): S1-54., em um hospital de referência na Espanha. Um estudo realizado no Brasil também apontou uma maior frequência de fissura transforame unilateral entre os casos residentes no estado de Mato Grosso do Sul 1616. Gardenal M, Bastos PRHO, Pontes ERJC, Bogo D. Prevalência das fissuras orofaciais diagnosticadas em um serviço de referência em casos residentes no estado de Mato Grosso do Sul. Arquivos Int. Otorrinolaringol. 2011; 15(2): 133-41..

Ao avaliarmos a distribuição do tipo de fissura em relação ao sexo dos indivíduos, foi observada uma maior tendência de fissuras do tipo pós-forame incisivo no sexo feminino. Uma provável explicação para esse fato consiste na origem embriológica, pois a fusão do palato secundário ocorre mais cedo nos homens do que nas mulheres 3333. Souza J, Raskin S. Clinical and epidemiological study of orofacial clefts. J Pediatr (Rio J). 2013; 89(2): 137-44.. Dessa forma, a maior frequência de mulheres com fissura pós-forame pode estar relacionada ao fato da mãe permanecer um período de tempo maior exposta aos teratógenos ambientais, durante o período de palatogênese do feto 3434. Lary JM, Paulozzi LJ. Sex differences in the prevalence of human birth defects: a population-based study. Teratology. 2001; 64(5): 237-51.. Por outro lado, as fissuras transforame foram mais frequentes em indivíduos do sexo masculino. Segundo Blanco 3535. Blanco R, Chakraborty R, Barton SA, Carreño H, Paredes M, Jara L, Palomino H, Schull WJ. Evidence of a sex-dependent association between the MSX1 locus and nonsyndromic cleft lip with or without cleft palate in the Chilean population. Hum Biol. 2001; 73(1): 81-9., uma variação no gene MSX1, localizado no cromossomo 4, pode estar relacionado à ocorrência deste tipo de fissura entre os homens.

Exposição a medicamentos durante o período gestacional parece interferir no desenvolvimento embrionário, resultando em uma falha parcial na junção dos processos nasais médios, característica das fissuras orofaciais 3636. Leite ICG, Paumgartten FJR, Koifman S. Fendas orofaciais no recém-nascido e o uso de medicamentos e condições de saúde materna: estudo caso-controle na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2005; 5(1): 35-43.. Neste estudo, a maioria das mães fez uso de medicamentos durante o período gestacional. Os mais utilizados foram vitaminas, antibióticos, anticoncepcionais e anti-hipertensivos. Um estudo realizado por Lin 1919. Lin Y, Shu S, Tang S. A case-control study of environmental exposures for nonsyndromic cleft of the lip and/or palate in eastern Guangdong, China. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2014; 78(3): 545-51. observou que o uso de ácido fólico ajuda a reduzir a ocorrência de fissuras orofaciais sendo, portanto, um fator protetor. No entanto, um estudo realizado por Puhó 3737. Puhó EH, Szunyogh M, Métneki J, Czeizel AE. Drug treatment during pregnancy and isolated orofacial clefts in hungary. Cleft Palate Cranio-fac J. 2007; 44(2): 194-202. observou um risco aumentado para fissura labial e/ou palatal entre os casos de recém-nascidos de mães tratadas com amoxicilina, fenitoína, oxprenolol e tietilperazina durante o segundo e terceiro mês de gestação, período crítico para o desenvolvimento das malformações faciais. Um maior risco para o desenvolvimento da fissura palatal foi observado em mães submetidas a tratamento com oxitetraciclina e carbamazepina durante o terceiro e quarto mês da gestação. Em contrapartida, um estudo realizado por Molgaard e Nielsen 3838. Molgaard-Nielsen D, Hviid A. Maternal use of antibiotics and the risk of orofacial clefts: a nationwide cohort study. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 2012; 21(3): 246-253., indica que o uso de antibióticos pela mãe no início da gravidez não está associado com as fissuras labiopalatais ou palatais.

No presente estudo, 32,6% dos portadores de fissuras orofaciais apresentaram história familiar de fissuras orofaciais. Segundo Lorenzzoni 3939. Lorenzzoni D, Carcereri DL, Locks A. The importance of multi-professional, interdisciplinary care in rehabilitation and health promotion directed at patients with cleft lip/palate. Rev Odonto Ciênc. 2010; 25(2): 198-203. pais normais têm 0,1% de chance de ter um filho portador dessa deformidade; pais normais com um filho portador de fissuras orofaciais tem uma chance de 4,5% de ter outra criança com fissura e famílias em que um dos pais e um filho têm essa anomalia possuem 15% de chance de terem outros filhos com fissuras orofaciais. Um estudo realizado na Espanha encontrou uma alta frequência de fissuras orofaciais em membros da família o que, segundo os autores, pode indicar que a característica hereditária dessa anomalia é herdada, principalmente, através do pai 1818. Vico RMY, Linares AI, Mendo IG, Lagares DT, Moles MAG, Pérez JLG, Reina ES. A descriptive epidemiologic study of cleft lip and palate in Spain. Oral Maxillofac Surg. 2012; 114(5): S1-54..

Os achados principais do nosso estudo sugerem uma variedade de fatores ambientais, os quais as mães podem ser expostas durante o período gestacional. Entretanto, as limitações próprias do modelo de estudo observacional descritivo não permitem estabelecer associações ou inferências causais entre as variáveis estudadas de modo a entender a sua participação na etiologia dessas malformações. Cabe ainda salientar a necessidade de sensibilização dos profissionais de saúde para o preenchimento adequado dos prontuários não apenas para fins de pesquisa, mas, especialmente, para o melhor entendimento da história médica dos portadores de fissuras orofaciais.

Os resultados encontrados permitem inferir que a distribuição das fissuras orofaciais foi equilibrada entre os sexos, sendo a transforame mais prevalente. A fissura pós-forame incisivo foi mais frequente nas mulheres e os tipos pré e transforame apresentaram distribuição semelhante entre os homens. A maioria dos casos investigados encontrava-se na faixa etária menor de um ano e não haviam sido submetidos a tratamento cirúrgico de correção da fissura, no momento de admissão ao serviço. Os resultados indicaram uma concentração dos casos na zona urbana. Observou-se uma maior ocorrência dessa malformação entre as mães que possuíam apenas o nível fundamental, faziam uso de medicamentos e encontravam-se fora da faixa etária considerada de risco, durante o período gestacional. História familiar de fissura e consanguinidade entre os pais foi encontrada em alguns dos casos investigados. Assim, fica evidente a necessidade de estudos adicionais utilizando uma metodologia analítica de modo a avaliar uma possível associação entre fatores ambientais e o surgimento de fissuras orofaciais

Agradecimentos:

Ao Centro de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais do Hospital Santo Antônio (Salvador-Bahia), pelo apoio na realização dessa pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    07 Jan 2018
  • Revisado
    18 Ago 2018
  • Aceito
    19 Fev 2019
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