Resumo
Como a chegada de profissionais médicos estrangeiros a postos de saúde brasileiros, no contexto de implantação e vigência do programa Mais Médicos, tensiona os discursos de profissionalismo, e quais os efeitos desse contato para as identificações profissionais desses médicos? Diferentes tipos de formação profissional dentro de uma mesma profissão produzem discursos de profissionalismo concorrentes em posições equivalentes? Neste artigo, buscamos compreender como os médicos constroem suas identidades e negociam o profissionalismo cotidianamente, como se posicionam nesse debate e como lidam com a diferenciação introduzida pela política pública. A metodologia combina técnicas qualitativas, observação direta e entrevistas com médicos estrangeiros e brasileiros. Isso permitiu compreender como se dão os processos de negociação dos discursos identitários, e como eles aparecem e são difundidos na fala dos médicos de um município localizado na região metropolitana de São Paulo. O resultado encontrado foi que não há um sentido fixo e singular para o profissionalismo, cujo significado é objeto de disputa visando a legitimação das perspectivas e das identidades desses sujeitos. Essa negociação se dá a partir das experiências em contexto, mas é recortada pela atuação na medicina de família em contraste com as especializações focais.
Palavras-chave:
Programa Mais Médicos; Profissionalismo; Identidades Profissionais; Diferença
Abstract
How has the arrival of foreign health professionals to work mainly in health posts with Brazilian physicians caused tension in the discourses of professionalism in the context of the implementation and validity of the “Mais Médicos” program and what are the effects of this contact in their professional identities? Do different types of professional training within the same profession produce competitive discourses of professionalism when in the same work position? This paper analyzes how physicians build their own identities and negotiate their professionalism daily, how they have positioned themselves in this debate, and how they deal with the differentiation introduced by public policies. The methodology adopted combines qualitative techniques, direct observation and in-depth interviews with Brazilian and foreign professionals. Such fieldwork clarified the processes of negotiation related to identity-based discourses and how they appear and are disseminated in the discourse of professionals working in a municipality situated in the metropolitan region of São Paulo. The results show that there is no single, fixed meaning to professionalism, whose meaning is still discussed in order to legitimate subject identities and perspectives. This kind of negotiation is defined by their contextual experiences, but it is intertwined by the practice in family medicine as opposed to focal specializations.
Keywords:
Mais Médicos Program; Professionalism; Professional Identities; Difference
Introdução
O programa Mais Médicos (PMM), implantado em 2013, é considerado uma política pública de saúde bem-sucedida em vários aspectos, embora a controvérsia em torno dele persista (Girardi et al., 2016GIRARDI, S. N. et al. Impacto do Programa Mais Médicos na redução da escassez de médicos em Atenção Primária à Saúde. Ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 9, p. 2675-2684, 2016.; Mota; Barros, 2016MOTA, R. G.; BARROS, N. F. O Programa Mais Médicos no estado de Mato Grosso, Brasil: uma análise de implementação. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 9, p. 2879-2888, 2016.; Oliveira et al., 2015OLIVEIRA, F. P. et al. Mais Médicos: um programa brasileiro em uma perspectiva internacional. Interface, Botucatu, v. 19, n. 54, p. 623-634, 2015.; Santos et al., 2016SANTOS, J. B. F. et al. Médicos estrangeiros no Brasil: a arte do saber olhar, escutar e tocar. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 4, p. 1003-1016, 2016.), observada na polarização entre a visão do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Ministério da Saúde. Razões para esse rápido resultado são analisadas na literatura, as quais agrupamos em três eixos: (1) realização da política pública; (2) redução das desigualdades distributivas de médicos, ampliando o acesso aos serviços; e (3) a avaliação do programa por parte de usuários e gestores de saúde. No primeiro eixo, Gonçalves Junior, Gava e Silva (2017GONÇALVES JUNIOR, O.; GAVA, G. B.; SILVA, M. S. Programa Mais Médicos, aperfeiçoando o SUS e democratizando a saúde: um balanço analítico do programa. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 26, n. 4, p. 872-887, 2017.) abordam as estratégias de formulação e implantação do programa, relacionando o insulamento burocrático na sua fase de elaboração e a janela de oportunidades surgida com o contexto político-social do período no qual foi inaugurado favorecendo a iniciativa, mesmo que polêmica. No segundo, Girardi et al. (2016GIRARDI, S. N. et al. Impacto do Programa Mais Médicos na redução da escassez de médicos em Atenção Primária à Saúde. Ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 9, p. 2675-2684, 2016.) destacam a redução da escassez de médicos em Atenção Primária à Saúde (APS), com a ampliação do acesso e garantia do direito à saúde. No terceiro, Santos et al. (2016SANTOS, J. B. F. et al. Médicos estrangeiros no Brasil: a arte do saber olhar, escutar e tocar. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 4, p. 1003-1016, 2016.) discutem o êxito do PMM no Ceará, pela avaliação dos gestores de saúde de 12 municípios estudados e na perspectiva dos usuários, observando a cultura da prevenção e humanização dos médicos estrangeiros em contraste com a prática dos múltiplos vínculos dos médicos brasileiros. No entanto, seu desenho inicial estabelecia um programa de curta duração, que buscava a interiorização de médicos brasileiros e estrangeiros com contratos de tempo determinado. Foi alvo de diversas críticas dos profissionais da APS, cuja atuação se organiza por uma lógica de trabalho continuado em uma comunidade, buscando o aumento da eficiência na prestação do serviço à população. Mesmo com o sucesso inicial de pulverizar os médicos apontado pela bibliografia, o programa passou a ser disputado pelos grupos profissionais relacionados.
A Demografia Médica Brasileira (Scheffer et al., 2018SCHEFFER, M. et al. Demografia Médica no Brasil 2018. São Paulo: FMUSP, 2018. ) diagnostica o persistente problema de concentração desses profissionais no país, o que ajuda a entender a recepção do PMM em estados como o Ceará, no qual havia, em 2014, 1,26 médicos por mil habitantes, chegando em 2017 a 1,4. Na Grande São Paulo, essa razão estava em 3,05 médicos por mil habitantes (DEMOGRAFIA…, 2016DEMOGRAFIA Médica | DRS I - Grande São Paulo. Demografia Médica, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2Ak40aA >. Acesso em 29 maio 2020.
https://bit.ly/2Ak40aA... ).
Nosso estudo focaliza o PMM em um município da Grande São Paulo, à luz do convívio entre médicos brasileiros e estrangeiros, como também entre aqueles que são vinculados ao programa e os que não são. A originalidade do recorte da pesquisa é a dimensão relacional e interativa entre profissionais e seus reflexos no profissionalismo,22Sobre o profissionalismo médico no Brasil, ver Almeida (2013). em vez da efetivação da política pública ou da avaliação de usuários. A síntese do profissionalismo é a expertise. É um ideário compartilhado que valoriza o conhecimento científico, a formação acadêmica, o controle do mercado pelos pares, a autonomia para realizar diagnósticos e a prestação de serviços especializados com qualidade e independente dos interesses do cliente, do Estado e do mercado. O processo de profissionalização da medicina no Brasil enfrentou desafios diversos que se refletem nas formas de organização da atividade, partindo de um modelo liberal de prática de medicina, que passa a se interiorizar com o deslocamento individual dos médicos para pequenas cidades, até se hibridizar com outras formas, quando se tornou parte dos quadros do funcionalismo público depois de reformas do Estado, chegando ao modelo da prática cooperada e credenciada em planos de saúde. O grupo, mesmo com coesão interna da identidade profissional construída e negociada coletivamente durante sua formação profissional, está submetido a uma lógica burocrática e gerencial que também busca produzir identificações e racionalizar o trabalho, interferindo na inferência profissional do grupo.
As competições profissionais são características dessas relações (Abbott, 1988ABBOTT, A. D. The system of professions: an essay on the division of expert labor. Chicago: University Chicago Press, 1988.), cuja dinâmica é marcada pelo fechamento e pela proteção do mercado (Saks, 2015SAKS, M. The professions, the state and the market: medicine in Britain, the United States and Russia. Londres: Routledge, 2015.), pelo profissionalismo com expertise, autonomia e controle dos pares (Freidson, 2009FREIDSON, E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. São Paulo, Ed. Unesp, 2009.). É nesse arcabouço teórico que a controvérsia sobre o PMM, alimentada pelas entidades de representação médica com o Ministério da Saúde, será analisada, bem como as interações cotidianas em unidades de saúde que contavam com médicos do programa e daquelas que não tinham essa equipe. As experiências e posicionalidades refletiam no profissionalismo cujos significados eram manuseados no contexto, acolhendo os colegas estrangeiros ou ao contrário. Dessa forma o profissionalismo, enquanto fenômeno coletivo, é marcado pelo contexto social local, com suas próprias regulações e formas de organização do trabalho, o que consequentemente produz formas singulares de profissionalismo. O intercâmbio de médicos de localidades distintas passa então a evidenciar essas diferenças.
Como é sabido, o anúncio do programa pelo governo federal na gestão de Dilma Rousseff causou grande insatisfação nas entidades da profissão. Médicos de diversas regiões do Brasil se manifestaram publicamente contra o PMM, e alguns desses protestos viralizaram nas redes sociais e ganharam o debate inclusive nas grandes empresas de notícias. O debate se polarizou no período de implementação, havendo os que apoiavam a política pública por possibilitar acesso a saúde às populações mais distantes dos grandes centros urbanos; e aqueles que eram contra, pois reduziria a qualidade do atendimento médico prestado e mudaria o foco do debate até então, que girava em torno da falta de estrutura na maioria dos municípios para atuação desses profissionais. É nesse contexto que médicos passam a interagir entre si e disputar os sentidos do profissionalismo.
Dessa forma, ao interagirem no ambiente de trabalho, sujeitos com formação médica e socialização profissional distintas produzem discursos concorrentes, predominando as identidades precedentes mesmo quando se encontram em posições equivalentes? Ou observam-se negociações identitárias na forma como esses sujeitos manuseiam o profissionalismo e os discursos em disputa, para a produção de identificações e de práticas nas unidades de saúde? Entendemos que a chegada de profissionais médicos estrangeiros do PMM em municípios da região metropolitana de São Paulo, atuando principalmente em postos de saúde com médicos de família brasileiros, tensiona os discursos de profissionalismo, pelos efeitos dessa interação no processo permanente de produção das identidades profissionais. A sociologia das profissões e os debates em torno das identidades profissionais nos ajudam a abordar essas questões.
A construção das identidades profissionais
O debate sobre construção de identidades é frequente na sociologia, mas ganha uma importância ainda maior para o pensamento sociológico principalmente quando este tenta dar conta da dicotomia sujeito/sociedade. Quando se debruça a entender o mundo do trabalho, por exemplo, as identidades surgem como formas discursivas, comprometimento aos valores de um grupo, maneiras de agir, de se portar, de ser, de se sentir parte, de ter pares (Strauss, 1999STRAUSS, A. L. Espelhos e máscaras: a busca de identidade. São Paulo: Edusp, 1999.). Se portam simultaneamente como pertencimento e distinção. No mundo das profissões, surge como um debate ainda mais fundamental, na medida em que a própria noção de profissão pressupõe, até em visões mais próximas do senso comum, um tipo de formação fora da prática, um processo de aprendizado de longa duração, um tipo de expertise e um discurso do que é ser profissional.33Essa concepção de profissão como uma ocupação privilegiada na estrutura ocupacional, que possui reserva de mercado e jurisdição sobre uma área do saber específica, além do monopólio do exercício de uma expertise para a solução de um grupo determinado de problemas, é mais próxima às abordagens funcionalistas e atributivistas no debate da sociologia das profissões. Para autores como Parsons (1967), por exemplo, as profissões tinham uma função especial na reprodução da sociedade capitalista, e os privilégios que estas haviam alcançado se deviam a uma lista de atributos adquiridos no decorrer do tempo, os quais outras ocupações ainda não haviam consolidado. Nessa forma de pensar profissões, os conflitos intraprofissionais parecem ter menor peso. Dessa forma, o processo de socialização profissional, não o de uma profissão especificamente, mas do indivíduo dentro dos quadros de uma profissão, se resume, em síntese, a um processo de interiorização de uma identidade construída coletivamente - como a do médico, do advogado - e ao aprendizado de um saber específico.
Essa socialização de um discurso interno do grupo pelos sujeitos é parte da coesão em torno do profissionalismo. Sua característica básica busca afirmar a identidade profissional como equalização dos conflitos internos do grupo, reafirmando a neutralidade como melhor maneira de aumentar a confiança na profissão. O profissionalismo possui também um caráter duplo, como apresentado por Evetts (2006EVETTS, J. Introduction: trust and professionalism: challenges and occupational changes. Current Sociology, v. 54, n. 4, 1 July 2006., 2012), e pode surgir tanto de dentro para fora do grupo profissional, conhecido como profissionalismo ocupacional, quanto de cima para baixo na hierarquia, partindo dos gestores em direção aos subordinados, chamado pela autora de profissionalismo organizacional. Esses discursos têm intenção de controlar as identidades sociais dentro do grupo ou de outro grupo subalterno, e são colocados em ação no cotidiano do trabalho de modo a reforçar características valorizadas pelo próprio grupo ocupacional ou gestor.
As características do profissionalismo ocupacional que o tornou distinto e diferente do organizacional são a de controlar o trabalho, e os trabalhadores serem um tanto idealistas (provavelmente ideológicos), com base em um modelo e imagem de relações históricas, provavelmente, das profissões médicas e legais nas sociedades predominantemente anglo-americanas no século XIX. (Evetts, 2012EVETTS, J. Professionalism in turbulent times: changes, challenges and opportunities. In: PROPEL INTERNATIONAL CONFERENCE, 9-11 May 2012, Stirling. Anais… Londres: Propel International, 2012., p. 12, tradução nossa)
O controle do próprio trabalho e uma identificação idealizada - e ideológica - com este são as principais características do profissionalismo visto como um valor. É fundado na imagem do doutor ou advogado que atuava de maneira independente, atendendo aos seus clientes. Nos dias de hoje, no entanto, esse tipo de profissionalismo precisa conviver com outras formas, devido à maneira como as profissões se desenvolveram ao longo do século XX. A ocupação médica, por exemplo, se transformou, migrando dessa medicina composta por profissionais liberais que controlavam o próprio trabalho e a quem eram atribuídos valores cívicos, para um profissionalismo híbrido, atuando dentro dos hospitais, onde se tornam funcionários do Estado ou subordinado a empresas, e precisam responder às necessidades da gestão. Algumas teorias mais críticas, inclusive, percebem esse movimento como um processo de proletarização, na medida em que reduz para o trabalhador o controle sobre o próprio trabalho (Braverman, 2014BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 3. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2014.). Segundo Diniz (1988DINIZ, M. Repensando a teoria da proletarização dos profissionais. Tempo social, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 165-184, 1998., p. 167):
O núcleo da tese de Braverman consiste na argumentação de que a divisão técnica do trabalho destrói a autonomia do trabalhador e retira dele o controle sobre o processo de trabalho. A análise do processo do trabalho consiste na separação de procedimentos que se somam na fabricação de um produto integral, mas todos eles executados por um mesmo trabalhador; mas a divisão do trabalho, que é específica do capitalismo, fragmenta as tarefas em operações mais simples e repetitivas atribuídas a diferentes operários.
Embora Diniz (1988DINIZ, M. Repensando a teoria da proletarização dos profissionais. Tempo social, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 165-184, 1998.) discordasse de que a proletarização estivesse em curso em profissões poderosas como a medicina, importa ressaltar que esses discursos de profissionalismo são tipos ideais, que auxiliam a análise sociológica, mas difíceis de serem encontrados empiricamente na forma pura, seja na sua versão como fraqueza ou como força. Esse controle do trabalho pela gestão é mais difícil em ocupações altamente profissionalizadas, que requerem elevada discricionariedade, como é o caso da medicina, pois mesmo o controle mais rígido depende das inferências feitas pelos profissionais, que por sua vez também dependem de um conjunto de conhecimentos abstratos que dificilmente podem ser racionalizados e sistematizados (Abbott, 1998ABBOTT, A. D. The system of professions: an essay on the division of expert labor. Chicago: University Chicago Press, 1988.), o que dá certa autonomia ao profissional, que não deixa de existir.
As tentativas de encucação44Esse termo é utilizado por Evetts (2012). Se refere a colocar uma identidade no outro, construir no outro uma identidade, atribuir uma identidade a alguém. de identidades profissionais por parte da gerência, com o intuito de controlar o trabalho, os conflitos e os grupos ocupacionais, como a interiorização de valores ideológicos próprios da ocupação, podem ocorrer de diversas formas. Esse processo raramente é unidirecional, pois nem sempre os discursos são bem-sucedidos na hora de construir essas identidades, já que elas são quase sempre negociadas, recebidas e manuseadas no contexto da interação social (Strauss, 1999STRAUSS, A. L. Espelhos e máscaras: a busca de identidade. São Paulo: Edusp, 1999.). Quando ocorre a sobreposição da identidade profissional às demais identidades do sujeito, principalmente no ambiente de trabalho, observa-se o apagamento parcial de identidades de gênero, étnico-raciais, de classe e assim por diante, mas não de forma fixa, estática, definitiva, pois os sujeitos estão constantemente negociando essas identidades e ressignificando seu conteúdo (Hall, 1997HALL, S. The work of representation. In: HALL, S. (Org.). Representation: cultural representation and signifying practices. Londres: Sage, 1997. p. 13-74. ), construindo novos sentidos não previstos. A identidade profissional, por ser construída na vida adulta e ser constantemente negociada na interação com outros significativos,55Segundo Mead (1934), o sujeito que compartilha significados constitui-se pela conversação entre o “eu” e o “me”, ou seja, a relação do self observador, agente criativo e o self social, que faz a importação do processo social dos outros significativos (comunidade da qual é parte a família, os colegas etc.) e do outro generalizado (a sociedade composta de seres racionais). pode ser suturada de várias formas com outras identidades nos discursos, principalmente no espaço profissional, buscando transmitir neutralidade ou atribuir valores positivos a essencializações, na tentativa de encobrir as hierarquias internas de classe, raça, nacionalidade ou gênero, por exemplo.
Notas metodológicas
Esta investigação optou pelo estudo de caso, mais adequado às observações etnográficas e entrevistas qualitativas, pois privilegiam a compreensão em profundidade em dimensão micro, em vez de um recorte mais amplo quanto a diversidade regional e representatividade, porém mais limitado para captar as negociações de sentidos entre os médicos. Embora outros significados possam surgir sobre o PMM e as interações entre os profissionais em espaços com características distintas, o achado da pesquisa é original e contribui para outras análises que venham a ser desenvolvidas.
Com auxílio de um roteiro buscou-se entrevistar médicos, brasileiros e estrangeiros, em unidades de saúde que receberam profissionais pelo PMM e unidades que não receberam, administrada por organizações sociais (OS)66Organização Social é uma empresa privada cujo Estado outorgou benefícios para que cumpra sua função de gerenciar, sem fins lucrativos, uma instituição pública. São comuns na área da saúde, quando a gestão de hospitais e unidades de saúde passa a ser privada. Alguns municípios passam a gestão de sua rede de saúde para empresas privadas. que prestam serviços aos municípios, responsáveis pela Atenção Primária à Saúde no Brasil (APS). Esse estudo foi desenvolvido em uma cidade localizada na região metropolitana de São Paulo. Foram realizadas 16 entrevistas em profundidade, mas somente 14 profissionais permitiram que fossem gravadas. Os nomes são fictícios, preservando anônimos os profissionais que contribuíram com a pesquisa. A pesquisa atende a Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, em seu artigo no 1, parágrafo único, inciso VII.77Não serão registradas nem avaliadas pelo sistema CEP/Conep pesquisas que objetivam o aprofundamento teórico de situações que emergem espontânea e contingencialmente na prática profissional, desde que não revelem dados que possam identificar o sujeito (BRASIL, 2016).
O trabalho de campo foi realizado entre os meses de março a outubro de 2016, sendo os dados tabulados, transcritos, organizados e analisados. Foram visitadas duas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e oito Unidades Básicas de Saúde (UBS) em que trabalhavam as equipes de saúde da família. A observação direta das interações entre os médicos, entre os médicos e as equipes, e entre os médicos e os usuários da unidade de saúde se deu principalmente pela participação em atividades de prevenção de saúde organizadas nas unidades. Nessas oportunidades, além de interagir com os sujeitos da pesquisa, a intenção era observar a divisão do trabalho e a intermediação pelos agentes comunitários em saúde, principal diferença relatada pelos médicos estrangeiros na forma de organizar a atenção primária.
O perfil dos profissionais brasileiros na saúde da família entrevistados é mais jovem em relação aos médicos estrangeiros, com menos de dez anos de carreira. No recorte da pesquisa, foram entrevistadas mais mulheres que homens, em uma relação de quatro médicas e três médicos. Os dados da demografia médica gerados pelo CFM nos últimos anos apontam essa maioria de mulheres entre os segmentos mais jovens. A maioria não tinha filhos. Dentre os casados, alguns tem por cônjuge médicos ou profissionais de outras áreas da saúde. A formação profissional foi longa, durando em média seis anos. Os médicos possuem suas próprias agendas e costumam se reunir só algumas vezes por semana, para deliberar questões pontuais. Conforme os dados se repetiam nas entrevistas, exploraram-se novas questões, até esgotar o campo quanto ao surgimento de informações e significados originais. Os dados mostraram uma forte coesão interna desse grupo em relação à política pública, diferenciando-se mais nas hierarquias internas que eles construíam nos discursos a respeito da especialização.
Cada gestão municipal organiza seu respectivo sistema de saúde. Conforme os médicos de família, nesse contexto específico, se referiam às “especialidades focais” como um grupo homogêneo diferente do seu próprio - se percebiam como “especialistas generalistas”. O interesse em conversar com esses outros médicos cresceu, entrevistamos três médicos especialistas focais, mas só um deles permitiu a gravação da entrevista, logo essas opiniões foram utilizadas como dados, sem citar diretamente suas falas. Diversas entrevistas foram negadas quando se informava o tema da pesquisa (PMM) ou quando se mencionava a possibilidade de gravação, sugerindo que o assunto era visto por eles como uma questão delicada.
Já os cinco médicos estrangeiros entrevistados, entre eles três médicos e uma médica cubanos, eram na maioria mais experientes, tendo se formado há mais tempo em média que os médicos brasileiros, com mais de uma década de experiência profissional. Entre os cubanos, todos haviam realizado outras missões humanitárias antes de chegarem ao Brasil, e acumulavam algumas especialidades além da medicina de família, com exceção de um deles, Miguel. Os médicos estrangeiros não cubanos entrevistados, uma médica de família e uma médica especialista focal, haviam passado pelo processo de revalidação de diploma exigido no país. Quanto à origem social, predominou a procedência das classes populares em Cuba; apenas José tem pais cujas profissões são geralmente associadas à classe média. A formação em medicina de família foi a regra, sendo a primeira especialização para esse grupo, que no país se chama medicina geral integral. Após realizarem o serviço social obrigatório em sequência à formatura, optaram pela especialização. Eram todos casados, e alguns inclusive casaram-se durante sua experiência de trabalho no Brasil.
A identidade profissional dos médicos de família e as disputas por legitimidade
O discurso entre os médicos de família brasileiros é que só a formação especializada garante para o grupo mais qualidade no atendimento, e não a formação generalista e teórica que recebem durante a graduação. Em geral, há entre esses médicos a percepção que só a formação da graduação é insuficiente para executar minimamente bem o trabalho, o que os fazia igualar médicos brasileiros não especialistas com os estrangeiros. Os médicos brasileiros entrevistados foram unânimes em suas posições críticas ao programa, por diversas razões, mas o consideravam um avanço em vários sentidos.
Nos meus aspectos eu continuo criticando, eu acho que ainda é um projeto altamente insuficiente, acho que é um projeto limitado e teve seus defeitos na hora do lançamento. Mas ele foi se modificando, ele foi tendo aperfeiçoamentos, e ele foi tendo implementações de outras políticas que ajudaram a incrementar o projeto e trouxeram a Atenção Primária como pauta para o governo, como agenda. A partir do momento que trouxe a Atenção Primária como centro de discussão, eu acho que ele ganhou em força, em projeto político, mas ainda continuo achando que ele tem uma série de limitações que precisam ser debatidas. (André, médico de família, 25 anos. Entrevista realizada em 20/05/2016)
O aumento das vagas de residência em saúde da família como uma ação de política pública também surge em outras falas; isso expandiu o grupo, e as mudanças introduzidas pelo programa deram mais relevância a ele no debate atual sobre a saúde pública no Brasil.
Depois da lei do Mais Médicos, além de trazer os profissionais, foi aglutinado uma série de iniciativas nesse sentido, de tentar atacar esses problemas na formação de recursos humanos, como por exemplo criar uma residência médica obrigatória, criar uma nova especialidade aí, uma residência de medicina geral e de família, uma jabuticaba meio brasileira aí. Isso é de certa forma bom, que tenha tido esse tipo de intenção, por outro lado a gente continua sem mexer na questão principal, que é construir uma gestão de formação de recursos humanos voltados para o interesse público, e não só para o interesse privado, para a gente conseguir fazer uma política de saúde que enfrente o sistema privado, que fortaleça o sistema público. Esses problemas continuam e se agravam. (João, médico de família, 31 anos. Entrevista realizada em 20/05/2016)
A perspectiva compartilhada entre eles era crítica, mas percebiam diversos avanços que a política pública trazia para o grupo. Nesse caso, o discurso assume a forma do profissionalismo de dentro para fora, modelo no qual os próprios médicos compartilham um discurso semelhante e coeso a respeito da política pública. André era mais enfático em suas críticas ao atendimento da população ao longo do tempo, um dos valores atribuídos à saúde da família. Ainda em formação, o contato com o ideário da área está mais presente, e o residente acredita que tanto o tamanho das equipes quanto o período de atuação previsto em contrato são insuficientes para realizar um bom trabalho como médico de família.
Agora tenho uma série de críticas [ao programa], ainda mais aqui, que tem um médico por exemplo, ele é responsável por 7 mil pessoas. E vai ficar só por três anos assim. Então que tipo de vinculação você está fazendo? Que tipo de medicina de família você está fazendo? (André, médico de família, 25 anos. Entrevista realizada em 20/05/2016)
No entanto, para exercer essa função, os médicos não precisam necessariamente ser especialistas em saúde da família, criando hierarquias internas entre especialistas e não especialistas. Mesmo aqueles que apresentavam críticas ao programa e suas limitações, apreciaram a chegada dos médicos estrangeiros, a redistribuição do trabalho e o aumento das equipes nas unidades. A respeito disso, Maria, médica brasileira, tem a mesma percepção sobre a aceitação desses profissionais:
Eu acho que realmente eles foram muito cordiais, mais que cordiais, eu acho que eles abraçaram o programa. Quando eu cheguei na unidade, uma preocupação minha era essa também. Por ser negra, por ser de origem humilde, por ser inclusive de outro estado, eu pensei que pudesse ser uma barreira em meu relacionamento com outros médicos. […] eu nunca senti alguém tentando fazer que eu me sentisse mal ou tentando colocar empecilhos para meus atendimentos. (Maria, médica do programa Mais Médicos, 32 anos. Entrevista realizada em 20/05/2016)
Por outro lado, mesmo as gestões municipais que tinham recursos haviam aderido ao programa e aumentado seus quadros com profissionais do PMM, interrompendo correções salariais ao longo da vigência dos contratos de trabalho do programa, por exemplo.
Muitos lugares os municípios fizeram o que a gente já sabe. Eles pegaram, entraram, se cadastraram no Programa, para poder gastar menos com trabalhador, porque para ele é muito melhor você usar a bolsa do Ministério da Saúde para ter médico aqui do que contratar. Isso é óbvio, entendeu? E aí de novo a gente entra nessa roleta. A gente não vai ter um plano de carreira, o município não vai se planejar para fixar profissional porque vai ter um programa do Ministério da Saúde que vai pagar bolsas para os caras, entendeu? (Ana, médica de família, 31 anos. Entrevista realizada em 18/05/2016)
Pelo salário e pelo trabalho eu fico satisfeito, eu só não tenho uma perspectiva. Porque você vê, não existe uma carreira para médico. Tanto é que estou sem aumento de salário há três anos, com o mesmo salário, mesmo com a inflação que tem. Você não tem um sindicato atuante, a classe médica é muito desorganizada, para aquilo que defende o interesse do profissional em relação ao trabalho né? Para outras coisas o pessoal se organiza, mas na questão de sindicato os médicos não são organizados. (Paulo, médico de família, 30 anos. Entrevista realizada em 17/05/2016)
Já aqueles cuja formação especializada se deu fora da medicina de família, no entanto, tinham perspectivas contrárias à política pública, inclusive médicos estrangeiros que atuavam no país, que passaram por todo processo de revalidação de diploma exigido. Chamados pelo grupo de “especialistas focais”, tinham uma visão mais negativa do programa, não reconhecendo, com os especialistas em saúde da família, seus avanços:
Você vê, a gente faz uma faculdade boa, faz quatro anos de especialização, mais pós-graduação, para você trabalhar junto com um cubano que chegou de avião e está trabalhando do lado fazendo a mesma coisa, acho que até mais às vezes. Como eu sou um cara que sou efetivo, concursado em alguns lugares, eu tô esperando o tempo passar e estou cumprindo minha obrigação né, mas é ruim você fazer tudo isso que você faz e ser igualado por baixo. (Júlio, especialista focal, 60 anos. Entrevista realizada em 28/05/2016)
Parte do descontentamento se dá, inclusive, por se sentirem igualados por baixo, colocando todo o conhecimento especializado que acumularam no mesmo patamar de um médico generalista recém-formado em uma instituição de ensino superior de baixa qualidade e/ou de um médico estrangeiro formado em contexto social diferente. Essa posição, no entanto, não se confirmava empiricamente, já que os profissionais estrangeiros eram médicos experientes e especialistas em saúde de família de carreira, principalmente os cubanos. A identidade dos médicos de família brasileiros especialistas girava mais em torno de generalizações a respeito do grupo concorrente do que com a interação face-a-face entre esses profissionais. Para os especialistas focais, por outro lado, havia o reconhecimento do grupo estrangeiro, principalmente dos especialistas estrangeiros da mesma área, como bons profissionais; mas o processo de validação de diploma que haviam passado para exercer o trabalho no país foi diferente e aplicado de forma específica para os médicos do programa, gerando certo ressentimento entre aqueles que haviam investido mais tempo e recursos em formações específicas necessárias para a revalidação.
Essa visão negativa que as demais especialidades têm é esperada pelos médicos de família especialistas, pois segundo eles as especializações focais, voltadas para o atendimento em hospitais nos setores secundários e terciários da saúde, percebiam o programa como uma tentativa de minar o fechamento de mercado construído pelo grupo profissional ao longo dos anos. Suas identificações profissionais precisavam ser reafirmadas e renegociadas para reagir ao descentramento provocado pela importação de profissionais, mostrando que essa interação tem influência mesmo contra sua vontade, quando o médico não trabalha diretamente com os estrangeiros. Para Ana, por outro lado, essas especializações focais, que lidam com um número muito reduzido de doenças, sempre vão ser contra a universalização de médicos que solucionam a maioria dos problemas. Para ela:
[…] tem médico bom no Brasil, tem médico sendo formado para ser médico de família, é claro que precisava dar um gás nisso porque não era interessante para as especialidades médicas até pouco tempo atrás formar um médico de família, até por uma questão de mercado, né? Por que eu vou ter um monte de médico formado que resolve 90% dos problemas? Não vai ter tanto cliente para as especialidades focais, né? (Ana, médica de família, 31 anos. Entrevista realizada em 18/05/2016)
Para Mota e Barros (2016MOTA, R. G.; BARROS, N. F. O Programa Mais Médicos no estado de Mato Grosso, Brasil: uma análise de implementação. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 9, p. 2879-2888, 2016., p. 2883) “a prática dos médicos do PMM ancora-se no cuidado à família e comunidade, na compreensão ampliada do processo saúde-doença, no contexto socioambiental, não restringindo sua prática apenas a medidas curativas. Priorizam, portanto, atividades de promoção e educação em saúde”. Os elementos que constituem o centro da identidade profissional desse grupo, conforme vimos: o contato longitudinal e o saber especializado capaz de lidar com uma gama muito maior de doenças que o especialista focal, perdem parte de sua força discursiva depois do programa, que foi construído sem que tais perspectivas fossem consideradas. Além disso, as identificações com esses elementos são manuseadas pelos profissionais para generalizar os outros grupos a partir das diferenças abordadas por essa pesquisa. Em um ambiente de pouca interação entre os grupos, ou até mesmo de nenhuma interação, as diferenças introduzidas pelo PMM impactaram o profissionalismo médico. Por haver elementos em comum à profissão de médico de família, é possível a elaboração de uma identidade mais ou menos coerente para o grupo, com a qual os sujeitos buscam se identificar e contribuir para sua forma. Esses elementos característicos da Estratégia em Saúde da Família (ESF) são aprendidos durante a formação especializada ou no próprio trabalho, que os profissionais brasileiros acreditavam ser diferente da formação dos médicos estrangeiros. Já para Félix, um dos médicos cubanos entrevistados durante o campo, a formação dos médicos cubanos era semelhante à brasileira, com algumas especificidades:
Não, na verdade é quase igual, é quase igual. Enfim, quase igual. A diferença é o enfoque da prevenção e educação em saúde. É um pouquinho diferente. Ali ele recebe educação e prevenção em saúde. Essa é a diferença. (Félix, médico cubano do programa Mais Médicos, 50 anos. Entrevista realizada em 20/09/2016)
Ao dizer que não há muita diferença, Félix busca legitimar os médicos cubanos, atestando sua qualidade em relação aos médicos brasileiros. Atestar a qualidade da formação médica se tornou o centro do argumento das entidades representativas da medicina contra a vinda de médicos estrangeiros. As associações médicas e conselhos apontaram principalmente a ausência de um exame de requalificação do diploma como uma das falhas do PMM, e defendiam que a consequência direta seria a entrada no país de médicos cuja formação não era validada. Já os médicos de família brasileiros, em geral, acreditavam que os cubanos eram um pouco melhores que os médicos brasileiros de formação hospitalocêntrica. A educação e a prevenção em saúde que aparece como diferença para os cubanos pode ser o elemento explicativo, pelo menos da percepção de entrevistados que atuam na APS.
Outra diferença na percepção dos médicos cubanos se dava em relação à formação em si que recebiam, demandando mais tempo e dedicação em cada disciplina individual, sem ligação entre os conteúdos de forma que auxilie a construção do conhecimento necessário para o trabalho cotidiano na APS, e o acesso dificultado à informação em Cuba. Para Olívia, médica cubana:
Na formação em Cuba o que dá a diferença pelo que eu vejo é muito volume. Quando estou sendo formada na carreira, do primeiro ano até o sexto ano, quando chego eu tenho uma parte de oftalmologia, dermatologia, toda a especialidade, mas aprofunda muito cada especialidade. Aqui o médico é mais vertical. Tem um conhecimento mais geral, mais de clínica, quando é graduado. E aparentemente estão melhor preparados. […] aqui eu vejo que o médico tem uma formação mais dirigida a função que vai fazer quando fica graduado, e lá temos mais volume de coisas. (Olívia, médica cubana do programa Mais Médicos, 50 anos. Entrevista realizada em 04/10/2016)
Esse conhecimento teórico, para ela mais horizontal, valoriza os médicos cubanos, colocando-os em contraste com os brasileiros, que em sua leitura possuem conhecimento mais prático, clínico. A valorização do conhecimento generalista por parte de Olívia não significa que a formação do médico brasileiro em si seja melhor, já que para ela sua formação é mais rica em conteúdo e isso permite uma qualidade maior do seu trabalho:
O que acontece é que para nós entra um volume de informação tão grande que eu não vou usar, por que eu preciso ter conhecimento de dermatologia? Aprendi tanta dermatologia que eu não preciso encaminhar para um dermatologista. Não preciso. Tudo, conjuntivite, tudo, sei o diagnóstico de cada coisa. (Olívia, médica cubana do programa Mais Médicos, 50 anos. Entrevista realizada em 04/10/2016)
Outro fator que ficou evidente durante as entrevistas se relacionava ao acesso à informação dos estudantes de medicina em Cuba. Essa era uma excelente vantagem do Brasil, considerado mais desenvolvido nesse aspecto. O acesso à internet, em uma profissão que demanda formação constante para acompanhar o quadro epidemiológico da população, é fundamental. Todos os cinco médicos estrangeiros entrevistados, incluindo uma médica boliviana aprovada no exame de revalidação, atribuíam o acesso fácil à informação algo vantajoso para continuar os estudos no Brasil. Das principais dificuldades que José enfrentou durante sua formação em Cuba, a ausência da internet tinha destaque:
Bom, às vezes a dificuldade para estudar. Não sei se você sabe, que Cuba é um país que não está muito desenvolvido, sobretudo com o tema da internet, mas sempre a gente achava soluções, entendeu? (José, médico cubano do programa Mais Médicos, 44 anos. Entrevista realizada em 14/09/2016)
Miguel também valorizava a formação interativa que recebia no PMM. Para ele, tanto no Brasil quanto em Cuba há a possibilidade de seguir a formação continuada que a profissão demanda, mas no Brasil havia facilidades associadas ao acesso à informação:
Porque aqui no Brasil um médico de família, assim como outras partes do mundo, vou citar o Canadá, a Inglaterra, vou citar também o meu país, dá uma possibilidade ao médico para abranger uma série de habilidades e conhecimentos que favorecem um enriquecimento profissional. No caso, por exemplo, tem o curso de saúde da família. Um curso de saúde da família muito bacana, muito interativo, tem uma plataforma on-line, você interage, são casos reais. (Miguel, médico cubano do programa Mais Médicos, 31 anos. Entrevista realizada em 10/10/2016)
Enquanto para os médicos brasileiros da APS entrevistados a baixa qualidade é atribuída principalmente à formação hospitalocêntrica dos colegas, discurso sustentado pelos médicos especialistas em medicina de família, para os cubanos a baixa qualidade da sua formação se dá por um volume maior de conhecimentos não tão importantes para a Atenção Primária. Como todos se formam eventualmente em medicina geral integral como parte da formação básica, não há diferenciação entre especialistas e não especialistas naquele país. Maria tinha uma perspectiva próxima da de Olívia quanto a esse volume de conhecimentos:
Os médicos mais antigos, eles tiveram uma formação mais próxima da minha, porque os que já se formaram há dez anos, há doze anos, há oito anos, eles têm mais ou menos essa questão de que era muito estudo, era muito esforço, que não tinha como pagar por outro para fazer plantão, que tinha que estudar até tarde, ficar noites sem dormir, então essas coisas todas foram muito próximas da minha realidade. (Maria, médica do programa Mais Médicos, 32 anos. Entrevista realizada em 20/05/2016)
Essa diferença apontada por Olívia e Maria não é percebida da mesma forma pelos médicos brasileiros. A percepção de si como ligeiramente mais bem preparado para o trabalho em relação aos demais grupos também é uma negação de legitimidade ao pleito de superioridade dos outros grupos. No caso dos cubanos, permite sua própria legitimação enquanto médicos. Ambos os grupos, de especialistas e estrangeiros, de formas distintas, reconheciam a excelência da formação do outro, mas negavam sua superioridade, seja pelo conhecimento acumulado em uma formação tradicional que permite resolver problemas não tão comuns na APS, pelos conhecimentos acumulados em uma especialidade generalista voltada para o mesmo contexto, ou pela formação contextualizada para seu ambiente de trabalho.
Outro elemento articulado como diferença pelos médicos cubanos na legitimação da qualidade e superioridade do seu trabalho se referia à humanização do atendimento, à construção de uma relação mais próxima entre médico e usuário. Para Maria, essa aproximação é influência de suas origens sociais:
Eu acredito que com a população mais carente, eles percebem uma verdade maior no meu atendimento, e eles conseguem entender que eu os vejo realmente como seres humanos né, que eu trato eles com dignidade e respeito que naturalmente qualquer paciente merece, independente da sua condição econômica. Eu acho que me aproxima mais da população. (Maria, médica do programa Mais Médicos, 32 anos. Entrevista realizada em 20/05/2016)
Em relação ao sentido usado pelos entrevistados para o termo “humanização”, ele se refere a coisas comuns, do cotidiano, e não a conhecimentos abstratos acumulados pela profissão. Um aperto de mão, acompanhar o usuário até outro ambiente, conhecê-los pelo nome, ouvi-los, e assim por diante. Durante a observação direta, por diversas vezes esse acolhimento foi notado, e não era exclusividade dos médicos cubanos. Um exemplo desse atendimento humanizado foi descrito por José, quando perguntei quais características os usuários atribuíam aos médicos cubanos:
Bom, o que eu escutei falar dos pacientes é, por exemplo, essa cadeira aí do lado, é característico dos cubanos. Eu não vi muito colega brasileiro que atende desse jeito, o colega brasileiro atende do outro lado, então é uma característica do médico, para estar mais perto do paciente, para escutar melhor, olhar melhor, entendeu? Às vezes é mais importante escutar um paciente do que dar um remédio, o paciente sai mais satisfeito, porque o médico escutou seu problema, mesmo que não seja uma doença em específico, se não que o paciente só precisa falar. Então você escuta e ele sai melhor. (José, médico cubano do programa Mais Médicos, 44 anos. Entrevista realizada em 14/09/2016)
Já para Olívia, seu acolhimento mais humanizado surgiu como surpresa. Só teve esse elemento atribuído ao seu atendimento no Brasil, quando uma usuária fez a ligação entre o trabalho mais humanizado com sua nacionalidade cubana.
Eu fiquei impressionada, porque uma pessoa falou, quando voltei para a sala, uma senhora falou: “Você é cubana”! Para a minha atitude para com o velhinho. Eles sentem que é muito humano, eu sou muito mais humana. E também perceberam os estudantes de enfermagem, que ficaram aqui conosco observando o atendimento, do enfermeiro, do médico, e eles ficaram muito assombrados, porque eles falam que é um atendimento muito humanizado. Não sei por que, não dá para mim comparar como é um atendimento não humanizado porque não sei como é que é. (Olívia, médica cubana do programa Mais Médicos, 50 anos. Entrevista realizada em 04/10/2016)
Esse contato sentido como mais humanizado na interação, no entanto, pode estar também relacionado à identificação dos usuários com os médicos. A proximidade que Maria descreve pode ser interpretada pelos dois lados da interação. Enquanto ela atribui sua proximidade com os usuários como resultado de sua postura mais ética e profissional, essas pessoas se veem refletidas em Maria, por pertencerem a grupos sociais semelhantes. Em uma das visitas ao campo, em conversa com uma senhora que acumulava assinaturas para a permanência do médico cubano daquela unidade, foi possível registrar sua percepção da relação com o profissional. Para ela, o atendimento era melhor porque não se sentia inferior ao médico, era tratada com respeito. Para Maria:
O colégio médico brasileiro, ele tem uma vaidade de se sentir muito acima do bem e do mal. Essa questão exatamente como a gente colocou, eu não preciso ter doutora no meu jaleco, primeiro que eu não sou, eu sou médica, e também pela questão que a gente quer ter essa aproximação com a população, então médicos formados em Portugal, formados na Espanha, formados em outros países, eles falaram muito isso quando a gente se encontrou em Guarapari. Que o médico aqui no Brasil é como se fosse o superstar, ele ocupa um cargo intocável. Então para a gente isso é muito estranho, porque nós fizemos uma profissão, como seria engenharia, como seria psicologia, como seria letras, qualquer outra profissão. O fato de a gente tratar com pessoas não faz a gente melhor profissionais, nós temos que ser bons naquilo que fazemos, mas não somos melhores por causa do diploma. E é isso que eu acho que realmente faz bastante diferença. Medicina é uma profissão como qualquer outra. (Maria, médica do programa Mais Médicos, 32 anos. Entrevista realizada em 20/05/2016)
Maria atribui novos sentidos para o profissionalismo quando argumenta que a medicina é uma profissão como outra qualquer. Enquanto a literatura indica que o profissionalismo ocupacional tem um caráter ideológico, seu argumento consistia em igualar a medicina a outras profissões que não detêm os mesmos privilégios construídos ao longo do tempo pelo grupo, desconstruindo a visão idealizada dos médicos. Ao mencionar a vaidade médica, Maria nega maior valor a quem acha que tem, não aceitando essa diferenciação, trazendo novas formas de classificar, de nomear, para contestar os estereótipos que por vezes resultam da diferença, seja racial, de classe, de nacionalidade ou ideológica. Os médicos cubanos relataram ter conhecimento de casos nos quais colegas sofreram discriminação, mas não era uma realidade para as pessoas que entrevistamos. Félix chamava de ciúme profissional essa hostilidade que alguns colegas sofreram. Para ele, ocupar a posição até então reservada para um médico brasileiro resultava em sentimento de estranheza para os médicos brasileiros, que atribuem identidades negativas aos médicos estrangeiros:
Sim, com certeza tem. Mas graças a deus eu consegui, não teve muita hostilidade. Lógico que tem o ciúme profissional. Mas não existe no Brasil, existe em todo o mundo. Entre nós existe, entre os médicos brasileiros existe. Imagina que chega um médico estrangeiro a ocupar um posto de trabalho que você possa ocupar. E que eu vou decidir o que vou fazer com meu paciente, que é um jeito diferente de trabalho, ou uma forma de pensar diferente, entende? Lógico que existe, mas comigo não existiu em nenhum momento. Olha, uma vez ou outra, vou falar. Uma doutora, ginecologista, falou para uma paciente grávida que eu estava errado na caderneta, que o médico cubano não sabia trabalhar. A paciente falou para ela: “oh, doutora quem não sabe trabalhar é você, meu médico está certo. Você está falando que eu tenho 22 semanas de gravidez e eu tenho 25. Quem está errada é você”. A paciente fez o ultrassom e falou para ela: “o médico cubano sabe mais que você e você é ginecologista”. Entendeu? O mesmo paciente foi quem deu a resposta quando existia alguma coisa errada, quando não gostaram de alguma coisa que eu fiz. (Félix, médico cubano do programa Mais Médicos, 50 anos. Entrevista realizada em 20/09/2016)
Essas disputas morais, nas quais um grupo profissional manuseia sentidos dados pelo outro para mudar o significado que os inferioriza, que os desvaloriza, são lutas para produzir outra legitimação. Em contraste com a concepção weberiana de que a expertise, a competência constitui uma autoridade legítima, uma dominação legal aceita e obedecida voluntariamente pelo dominado (Weber, 2000WEBER, Max Economia e sociedade. Brasília, DF: Ed. UnB, 2000. v. 1.), as lutas discursivas apontam para as disputas pela hegemonia, por meio da agência criativa, procurando construir outras legitimidades (Werneck; Oliveira, 2014WERNECK, A.; OLIVEIRA, L. R. C. Pensando bem: estudos de sociologia e antropologia da moral. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014.). Nos processos de interação e disputa, as identidades são negociadas. Não há, em alguma medida razoável, coesão de valores, identidades fixas e estáticas. Os médicos entrevistados estão constantemente negando uma visão dominante dos outros grupos sobre si, negando as identidades e características desvalorizadas que lhes são atribuídas para buscar legitimar outras, manuseadas pela articulação de um discurso de equivalência entre os profissionais, e pela grande necessidade que percebiam do trabalho que desenvolviam.
Considerações finais
No início desta pesquisa, partiu-se da polaridade entre os discursos do Ministério da Saúde de um lado e das associações médicas e do CFM de outro, com a intenção de conhecer o debate sobre o PMM. Embasado nesse aporte, o trabalho de campo poderia compreender as nuances entre os discursos dos sujeitos entrevistados, como forma de discernir os grupos profissionais e suas disputas em torno do programa. A visão dual anterior se fragmentou e apontou para diversas direções. As posições das organizações profissionais oficiais buscaram produzir a coesão dos médicos nacionais contra os estrangeiros, mas essa equivalência não ecoou. Ao contrário, reforçou a urgência da distinção dos especialistas brasileiros, que rejeitando serem classificados juntos aos médicos de família do Brasil, implodem a legitimação buscada pelos discursos oficiais das entidades profissionais.
Retomando as perguntas de pesquisa - sujeitos com formação médica e socialização profissional distintas produzem discursos concorrentes? Ou observam-se negociações identitárias na forma como esses sujeitos manuseiam o profissionalismo e os discursos em disputa? -, vimos que o grupo de médicos brasileiros entrevistados se divide principalmente em dois, com perspectivas distintas. O primeiro, formado por médicos de família especialistas ou em formação nesta área, sustenta um discurso baseado em dois valores fundamentais: o contato continuado com uma comunidade pela qual são responsáveis, e a integralidade na relação com o usuário, na qual o atendimento leva em consideração fatores que vão além dos problemas de saúde, como a condição socioeconômica da população, por exemplo. Para eles e elas, o PMM colocou a APS no centro da agenda do Ministério da Saúde, e isso possibilitou uma mudança de enfoque na formação de recursos humanos, expandindo o número de residências médicas disponíveis e alterando a grade curricular da medicina no país, dirigindo-a para um modelo mais centrado na APS. Utilizavam sua expertise como dispositivo moral que lhes qualificavam diante do desapreço ao conhecimento dos médicos não especialistas brasileiros, atribuindo este lugar subalterno à formação dos médicos cubanos. Vê-se como tais experts usam criativamente o reconhecimento do saber cubano para refazer as hierarquias entre médicos especialistas em medicina de família e médicos de família brasileiros não especialistas.
O segundo grupo, formado pelos médicos que atuam na medicina de família sem serem especialistas, via o programa de forma positiva por alguns dos mesmos motivos citados pelo grupo anterior, mas se considerava em desvantagem desde sua implementação. Com a oferta de médicos na etapa inicial de provimento emergencial de profissionais, as prefeituras rapidamente aderiram ao programa. Como resultado disso, esses profissionais relataram não haver reajustes salariais durante o período do PMM nem a possibilidade de buscar melhores condições de trabalho em administrações diferentes. O modelo dos múltiplos vínculos também não era possível no novo cenário. Assim, viam a chegada dos médicos cubanos como possibilidade de aprender formas diferentes de se relacionar com os usuários, que atribuíam principalmente à formação cubana um contato visto como mais humanizado. Passaram a perceber mais similaridades entre si do que diferenças.
Os médicos cubanos, todos formados e especialistas em medicina de família, por outro lado, não reconhecem essa classificação. Não veem diferenças entre eles e os médicos brasileiros em geral. Suas tentativas de negar a rotulação sobre a formação cubana não resultam da semelhança, mas da negação de legitimidade a várias visões dos médicos brasileiros sobre qualidade do serviço que prestavam. A maior parte possuía experiência na APS, ao contrário dos médicos brasileiros em geral, que ainda estavam iniciando suas carreiras. Para alguns médicos cubanos, formados em contexto social distinto, sua autonomia no Brasil era reduzida devido à maneira como é organizada a medicina de família no país. Alguns aderiram às mudanças de protocolo entre os países e aceitaram a agenda da gestão da UBS, e outros continuaram a realizar o trabalho como estavam habituados em Cuba, valorizando a autonomia do médico e reduzindo o papel da agenda no cotidiano.
Por fim, o profissionalismo, de certa forma híbrido pela relação dos profissionais com as administrações da unidade e do município, possui um forte ideário ocupacional, emanando de dentro para fora do grupo. A identidade profissional mantém a centralidade em diversas situações nas quais a interação é clivada por diferenças em outras identidades sociais, pelo menos nas interações face-a-face no ambiente de trabalho. Essas diferenças, por sua vez, influenciam os discursos de profissionalismo invocados pelos sujeitos e sua visão de mundo sobre seu trabalho e o PMM. Em vários casos, a identidade profissional do médico assume a centralidade quando surgem conflitos, e por meio da agência criativa naturalizam essas disputas como “normais”, que “sempre foi assim”, defendendo sua visão particular como universal. Em outros casos, nos quais a diferença é vivenciada na experiência, a identidade profissional é recortada pela reflexividade e pela crítica dos sujeitos, criativamente negociando os sentidos dessa identificação. Já os processos de negociação dos discursos identitários, como eles aparecem e são difundidos, nos permitiu compreender que as disputas entre os sujeitos na criação e negação das fronteiras de diferença entre eles se baseia mais em generalizações sobre o outro, que está sempre fora, mas que constitui o sujeito do discurso.
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- 1Pesquisa financiada com recursos do programa de bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), PPGS-UFSCar
- 2Sobre o profissionalismo médico no Brasil, ver Almeida (2013ALMEIDA, F. O. Profissionalismo médico paulista e reforma da saúde adhemarista. São Carlos: EdUFSCar, 2013.).
- 3Essa concepção de profissão como uma ocupação privilegiada na estrutura ocupacional, que possui reserva de mercado e jurisdição sobre uma área do saber específica, além do monopólio do exercício de uma expertise para a solução de um grupo determinado de problemas, é mais próxima às abordagens funcionalistas e atributivistas no debate da sociologia das profissões. Para autores como Parsons (1967PARSONS, T. Las professiones y la estrutura social. In: PARSONS, T. Ensayos de teoria sociológica. Buenos Aires: Paidós, 1967.), por exemplo, as profissões tinham uma função especial na reprodução da sociedade capitalista, e os privilégios que estas haviam alcançado se deviam a uma lista de atributos adquiridos no decorrer do tempo, os quais outras ocupações ainda não haviam consolidado. Nessa forma de pensar profissões, os conflitos intraprofissionais parecem ter menor peso.
- 4Esse termo é utilizado por Evetts (2012EVETTS, J. Introduction: trust and professionalism: challenges and occupational changes. Current Sociology, v. 54, n. 4, 1 July 2006.). Se refere a colocar uma identidade no outro, construir no outro uma identidade, atribuir uma identidade a alguém.
- 5Segundo Mead (1934MEAD, G. H. Mind, self and society. Chicago: The University of Chicago Press, 1934.), o sujeito que compartilha significados constitui-se pela conversação entre o “eu” e o “me”, ou seja, a relação do self observador, agente criativo e o self social, que faz a importação do processo social dos outros significativos (comunidade da qual é parte a família, os colegas etc.) e do outro generalizado (a sociedade composta de seres racionais).
- 6Organização Social é uma empresa privada cujo Estado outorgou benefícios para que cumpra sua função de gerenciar, sem fins lucrativos, uma instituição pública. São comuns na área da saúde, quando a gestão de hospitais e unidades de saúde passa a ser privada. Alguns municípios passam a gestão de sua rede de saúde para empresas privadas.
- 7Não serão registradas nem avaliadas pelo sistema CEP/Conep pesquisas que objetivam o aprofundamento teórico de situações que emergem espontânea e contingencialmente na prática profissional, desde que não revelem dados que possam identificar o sujeito (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Brasília, DF, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2Argb5l >. Acesso em: 1 jun. 2020.
https://bit.ly/2Argb5l... ).
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
21 Ago 2020 - Data do Fascículo
2020
Histórico
- Recebido
20 Set 2019 - Aceito
28 Mar 2020