Resumo em Português:
RESUMO Considerando que o manicômio enquanto instituição reproduz uma lógica de dominação racista que serviu (e ainda serve) para o encarceramento da população negra brasileira ao longo dos anos, este artigo discute a relação entre racismo e manicomialização. Para tanto, por meio de revisão de literatura, apresentam-se duas dimensões em que essa relação mais agudamente se expressa – o racismo científico brasileiro e a ideologia do branqueamento –, assim como o atrelamento entre raça negra e loucura no Brasil em três diferentes tempos de experiências asilares: século XIX, no Hospital Nacional de Alienados, com as experiências de Dr. Henrique Roxo; nas primeiras décadas do século XX, com Dr. Pacheco e Silva e a Liga Paulista de Higiene Mental no Hospital do Juquery; e no início do século XXI, nos anos 2000, com o Censo Psicossocial dos Moradores em Hospitais Psiquiátricos do Estado de São Paulo. Em diálogo com uma leitura decolonial da proposta da Reforma Psiquiátrica Brasileira, aponta-se a urgente e necessária implementação de práticas antirracistas na Rede de Atenção Psicossocial enquanto tarefa antimanicomial contemporânea, o que se chama de aquilombamento.Resumo em Inglês:
ABSTRACT Considering mental institutions as reproductive of a logic of racist domination and that such logic was (and still is) used to justify the incarceration of the Brazilian black population, this article discusses the relation between racism and institutionalization. To that end, through a review of literature, we present two dimensions in which this relation is acutely expressed: Brazilian scientific racism, the ideology of whitening and the idea that the black race and madness are connected in three periods of mental asylum experiences: in the 19th century, in the National Hospital for the Mentally Ill, with Dr. Henrique Roxo’s experiments; in the first decades of the 20th century, with Dr. Pacheco e Silva and the São Paulo State Mental Health League in the Juquery Hospital; and in the 2000s, with the São Paulo State Psychosocial Census of Mental Hospital Residents. In dialog with a decolonial reading of the Brazilian psychiatric reform, we point to an urgent and necessary implementation of anti-racist practices in the Psychosocial Care Network as a contemporary anti-institutional task, which we call aquilombamento**.Resumo em Português:
RESUMO A partir de um trabalho de aproximação e reelaboração conceitual entre a teoria do reconhecimento e o paradigma da desinstitucionalização, buscou-se destacar os traços que permitam retratar a Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB) como luta pelo reconhecimento e progresso moral da sociedade. Com isso, além de contribuir com material empírico para as teses da teoria do reconhecimento e ampliar a normatividade do conceito de reconhecimento, pretende-se colaborar para o desenvolvimento teórico do processo de desinstitucionalização e para os esforços que visam reanimar as lutas do coletivo antimanicomial para transitar pelos impasses estruturais e conjunturais.Resumo em Inglês:
ABSTRACT Based on a work of approximation and conceptual re-elaboration between the theory of recognition and the paradigm of deinstitutionalization, we sought to highlight the features that make it possible to portray the Brazilian Psychiatric Reform as a struggle for the recognition and moral progress of society. Thus, in addition to contributing with empirical material for the recognition theory theses and expanding the normativity of the concept of recognition, is intended to collaborate for the theoretical development of the deinstitutionalization process and for the efforts aimed at reviving the struggles of the anti-asylum collective to transit through structural and conjunctural impasses.Resumo em Português:
RESUMO Como produto das Reformas Psiquiátrica e Sanitária, surgiram os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), dispositivos para pensar a reinserção de pacientes psiquiátricos na sociedade em 2001. A inserção do nutricionista nesse contexto ganhou espaço consonante a sua crescente atuação no Sistema Único de Saúde. Este artigo objetivou analisar os sentidos da cozinha em três Caps do Rio de Janeiro, a formação e a atuação dos nutricionistas. Optou-se pela modalidade de ensaio analítico, adotando como ponto de partida pressupostos teóricos da clínica ampliada, que entendem cuidado como uma experiência de troca entre sujeitos e responsabilização mútua, e do campo alimentar-nutricional como problema complexo. Nesse sentido, a discussão foi sistematizada em dois momentos: Entre panelas, tensões, saberes e sabores: a cozinha como espaço terapêutico; e Caps: desafios para formação e atuação do nutricionista. A análise toma a cozinha como espaço social e discute a permanência de uma atuação do nutricionista no cuidado em saúde mental moldada pelo modelo biomédico, construindo uma prática descontextualizada. Conclusivamente, o ensaio não buscou respostas ou afirmações verdadeiras, mas fez emergir a percepção de um problema que possibilita refletir sobre a prática dos nutricionistas nos Caps, contribuindo para a consolidação das propostas da Reforma Psiquiátrica brasileira.Resumo em Inglês:
ABSTRACT As a product of the Psychiatric and Health Reforms, the Psychosocial Care Centers (Caps) emerged, as devices to think about the reinsertion of psychiatric patients in society in 2001. The insertion of the nutritionist in this context gained space, in line with their growing performance in the Unified Health System. This article aims to analyze the senses of the kitchen in three Caps in Rio de Janeiro, the training and the performance of nutritionists. We opted for the analytical testing modality, adopting the theoretical assumptions of amplified clinic as a starting point, which understand care as an experience of exchange between subjects and mutual accountability, and of the food-nutritional field as a complex problem. This way, the discussion was systematized in two moments: Among pans, tensions, knowledge and flavors: the kitchen as a therapeutic space; and Caps: challenges for professional qualification and performance of nutritionists. The analysis looks at the kitchen as a social space and discusses the continuity of nutritionists performance in mental health care shaped by the biomedical model, generating a decontextualized practice. In conclusion, the essay did not seek answers or true statements, but it did raise the perception of a problem that makes it possible to reflect on the practice of nutritionists in Caps, contributing to the consolidation of the proposals of the Brazilian Psychiatric Reform.Resumo em Português:
RESUMO O presente ensaio tem caráter qualitativo e exploratório centrado no debate parlamentar do PL nº 3.657/1989, que gerou a Lei nº 10.216/2001. O objetivo foi reconstruir discursos e ampliar o quadro crítico compreensivo acerca dos posicionamentos dos atores do legislativo. O corpus documental histórico (1989-2001) é oriundo dos fundos da Câmara dos Deputados e Diários do Congresso Nacional, coletado nos sítios eletrônicos em dezembro de 2019. Utilizou-se a totalidade dos registros parlamentares da tramitação da Lei nº 10.216 que apresentavam argumentos para discussão da votação e emendas. Entre as fontes secundárias, valeu-se de entrevistas com o autor da lei, Paulo Delgado (2017 e 2018), e de literatura científica indexada, oriunda de revisão integrativa na BVS/Medline (2015-2019). Pelo método histórico hermenêutico dialético, instaurou-se a reflexão compreensiva e crítica dos discursos. Reconstruíram-se posicionamentos favoráveis e desfavoráveis dos deputados federais visando à compreensão dos campos de força históricos e potenciais consonâncias aos movimentos de contrarreforma vivenciados na atualidade. Conclui-se que, mesmo considerando os avanços filosóficos e de organização prática da gestão pública representados pela consolidação legal, conquistados pela saúde mental brasileira no contexto da Reforma Psiquiátrica, as transformações do projeto original deixaram brechas para atuações mais ou menos reacionárias do Estado brasileiro.Resumo em Inglês:
ABSTRACT The present essay has a qualitative and exploratory character centered on the parliamentary debate of PL No. 3,657/1989, which generated Law No. 10,216/2001. The objective was to reconstruct discourses and expand the comprehensive critical picture about the positions of legislative actors. The historical documentary corpus (1989-2001) comes from the funds of the Chamber of Deputies and Diaries of the National Congress, collected on the electronic websites in December 2019. All the parliamentary records of the processing of Law No. 10,216, that involved voting and amendments discussion, were used. Among secondary sources, interviews with the author of the law, Paulo Delgado (2017 and 2018), and indexed scientific literature, derived from an integrative review at the BVS/Medline (2015-2019). Through the dialectical hermeneutic historical method, comprehensive and critical reflection of the discourses was established. Favorable and unfavorable positions of federal congresspeople were reconstructed in order to understand the historical force fields and potential consonances with the counter-reformation movements experienced today. We conclude that, even considering the philosophical advances and the practical organization of public management represented by legal consolidation, achieved by Brazilian mental health in the context of Psychiatric Reformation, the transformations of the original project left gaps for more or less reactionary actions by the Brazilian State.Resumo em Português:
RESUMO Neste ensaio, são abordados os modos de viver e de acolher a experiência de crise no âmbito da saúde mental brasileira, considerando que esse acontecimento se impõe como um dos desafios estratégicos da fase atual da atenção psicossocial. Essa demanda heterogênea evidencia os efeitos coletivos e individuais decorrentes das transformações da vida contemporânea no mundo ocidental, cenário que, no contexto brasileiro, envolve, com frequência, crescentes situações associadas a rupturas e violências. Além disso, o acolhimento à crise e a clínica da urgência ainda se apresentam fortemente marcados pelo discurso psiquiátrico, que mantém legitimidade exclusiva nesse âmbito ao fornecer uma interpretação para a crise como evidência de uma psicopatologia. Em contrapartida, propõe-se uma noção de crise referida a um momento específico da existência, o qual condensa e atualiza uma série de afetos e impasses próprios à heterogeneidade que faz parte da vida. Nesse sentido, recupera-se a dimensão simbólica que intervém nesse acontecimento, privilegiando-a como recurso de subjetivação e tratamento para as modalidades de cuidado que se contrapõem à lógica discursiva psiquiátrica.Resumo em Inglês:
ABSTRACT In this essay, we address the ways of approaching and embracing the experience of crisis within the scope of Brazilian mental health, considering that this event is one of the strategic challenges to the current phase of psychosocial care. This heterogeneous demand stems from the suffering produced by the collective and individual effects due to the changes of contemporary life in the Western world, considering that the Brazilian scenario increasingly involves situations associated with ruptures and violence. Due to such characteristics, the embracement of crisis and urgent clinical assistance are still strongly marked by the psychiatric discourse, which is acknowledged and demanded as having exclusive legitimacy in such scenario, interpreting crisis as an evidence of psychopathology. We, however, propose a notion of crisis that refers to a specific moment in existence and that condenses and updates a series of affections and impasses related to the heterogeneity of factors that are part of life. In this sense, we regain the symbolic dimension that intervenes in that event and privilege it as a resource for accessing the subject and the different modalities of care that oppose the psychiatric discursive logic.