Resumo em Português:
RESUMO A centralidade no cuidado individual a casos graves descurou a abordagem populacional comunitária necessária ao enfrentamento da pandemia de Covid-19 no Sistema Único de Saúde (SUS). Neste ensaio, argumenta-se que a Estratégia Saúde da Família (ESF), com suas equipes multiprofissionais e enfoque comunitário e territorial, tem potencial para atuar na abordagem comunitária necessária ao enfrentamento da epidemia. A partir de experiências locais e internacionais, analisa quatro campos de atuação da Atenção Primária à Saúde (APS) no SUS no enfrentamento da Covid-19: vigilância em saúde nos territórios; cuidado individual dos casos confirmados e suspeitos de Covid-19; ação comunitária de apoio aos grupos vulneráveis no território por sua situação de saúde ou social; e continuidade dos cuidados rotineiros da APS. Reconhecem-se limites dessa atuação decorrentes de mudanças recentes na Política Nacional de Atenção Básica que afetam o modelo assistencial da vigilância em saúde. Conclui-se ser necessário ativar os atributos comunitários das equipes multiprofissionais da ESF e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf); associar-se às iniciativas solidárias das organizações comunitárias e articular-se intersetorialmente para apoiar a população em suas diversas vulnerabilidades; e garantir a continuidade das ações de promoção, prevenção e cuidado, criando novos processos de trabalho na vigilância em saúde, no apoio social e sanitário aos grupos vulneráveis e na continuidade da atenção rotineira para quem dela precisa.Resumo em Inglês:
ABSTRAC The focus on individual care for severe cases neglected the community-centered approach required to cope with the Covid-19 pandemic in the Unified Health System (SUS) in Brazil. This essay argues that the Family Health Strategy (ESF), by means of its multi-professional teams and community and territorial orientation, is able to successfully develop the community approach required to deal with the pandemic. Inspired by local and international experiences, this essay analyzes four dimensions regarding SUS’ Primary Health Care (APS) work in the fighting against Covid-19: community-based health surveillance, individual care for confirmed and suspected cases of Covid-19, community mobilization to support vulnerable local groups due to their health or social condition, and continuity of APS care routine. Limitations are acknowledged due to recent changes in the National Policy of Primary Health Care impacting health surveillance care model. The conclusion if for the need to: strengthen the community attributes of APS and Family Health Support Center (Nasf) multi-professional teams; collaborate with community organizations in initiatives of solidarity and articulate in an intersectoral way to back the population in its various weaknesses; guarantee the ongoing promotion, prevention and care actions by creating new working processes for health surveillance, social and health support for vulnerable groups, and for the continuity of the routine care for those in need.Resumo em Português:
RESUMO Como se tornou possível a desconstrução da autoridade sanitária do Sistema Único de Saúde (SUS) em plena radicalização da pandemia do novo coronavírus? No presente ensaio, propõe-se a discussão de que essa situação expressa um problema de fundação da própria democracia brasileira, que consiste na afirmação rigorosa de direitos sem a democratização dos fundamentos do poder. Tendo em vista esse marco analítico, sugere-se a compreensão dos processos de financeirização e mercantilização da saúde em sua convergência com os princípios regressivos da judicialização, da comunicação oligopolizada e, mais recentemente, da militarização. Ante os apontamentos, após o golpe de 2016, a desinstituição dos espaços mínimo de construção e disputa da soberania popular deflagram um tempo em que as forças políticas da Reforma Sanitária estão desafiadas a recriar os caminhos de republicanização do poder.Resumo em Inglês:
ABSTRACT How did it become possible to deconstruct the health authority of the Unified Health System (SUS) in the midst of the radicalization of the new coronavirus pandemic? In this essay, we propose the discussion that this situation expresses a problem of the foundation of Brazilian democracy itself, which consists in the rigorous affirmation of rights without the democratization of the foundations of power. In view of this analytical framework, it is suggested to understand the processes of financialization and commodification of health in their convergence with the regressive principles of judicialization, oligopolized communication, and, more recently, militarization. Considering the notes, after the 2016 coup, the deinstitution of the minimum spaces for construction and the dispute over popular sovereignty sparked a time when the political forces of the Sanitary Reform are challenged to recreate the paths of republicanization of power.Resumo em Português:
RESUMO Este ensaio teve por objetivo discutir a trajetória da coordenação federativa no Sistema Único de Saúde (SUS) e a coordenação dos esforços de resposta à pandemia de Covid-19. Para dar suporte à discussão, aborda referencial teórico sobre a relação entre o federalismo e a implementação de políticas públicas, e sobre o desenvolvimento da coordenação federativa no SUS. Também discute decisões recentes do Ministério da Saúde que resultaram na fragilização dos instrumentos de coordenação do sistema. Pondera que a coordenação federal deficiente na resposta à pandemia não se deve à ausência de mecanismos de coordenação federativa do SUS ou ao constrangimento desses mecanismos impostos pelos demais entes da federação. O que se observa é a deliberada fragilização desses instrumentos pelo governo federal. Conclui que a crise sanitária acelerou o processo de distanciamento do Ministério da Saúde do seu papel de dirigente nacional do SUS e explicitou a decisão do governo federal pela inação, relegando ao órgão papel secundário nos esforços de enfrentamento da pandemia, com graves consequências para o acesso da população aos cuidados de saúde, especialmente os intensivos, e para a efetividade das ações no campo da vigilância em saúde.Resumo em Inglês:
ABSTRACT This essay aimed to discuss the trajectory of federative coordination in the Unified Health System (SUS) and the coordination of response efforts to the Covid-19 pandemic. To support the discussion, it addresses a theoretical framework on the relationship between federalism and the implementation of public policies, and on the development of federative coordination in the SUS. It also discusses recent decisions by the Ministry of Health that resulted in the weakening of the system’s coordination instruments. It considers that the deficient federal coordination in the response to the pandemic is not due to the absence of federative coordination mechanisms of SUS or to the constraint of these mechanisms imposed by the other entities of the federation. What is observed is the deliberate weakening of these instruments by the federal government. It concludes that the health crisis accelerated the process of distancing the Ministry of Health from its role as national director of SUS and made explicit the decision of the federal government for inaction, relegating to the Ministry a secondary role in efforts against the pandemic, with serious consequences for access population to health care, especially intensive care, and for the effectiveness of actions in the field of health surveillance.Resumo em Português:
RESUMO O argumento central do artigo é de que os países do BRICS vinham consolidando e ampliando sua cooperação na área da saúde, na qual há importantes complementaridades, que, ao atuarem coordenadamente, contribuem para instalar novas dinâmicas de poder no campo da saúde internacional que desafiam interesses dos Estados e suas empresas transnacionais que concentram esse mercado, especialmente no cenário de pandemia global. O setor saúde é abordado de forma ampla, mas com foco especial na indústria farmacêutica, setor considerado político-estratégico por ser fundamental para a estabilidade política, desenvolvimento socioeconômico e segurança nacional. O artigo apresenta considerações sobre a estratégia estadunidense de segurança nacional no que se refere à saúde. Em seguida trata das vulnerabilidades e potencialidades de cooperação em saúde dos países do BRICS em termos de mercado e acesso universal à saúde, acesso a tecnologias e combate a doenças negligenciadas, relação do Bloco com a governança global em saúde, e finalmente do contexto pandêmico e da geopolítica da vacina. O texto se apoia em informações e dados de instituições especializadas em saúde, documentos de governos ou dos BRICS, e bibliografia de autores especialistas em saúde global.Resumo em Inglês:
ABSTRACT The main argument of the article is that the BRICS countries have been consolidating and expanding their cooperation in the area of health, in which they show important complementarities, and that, by acting in coordination, they contribute to establish a new power dynamic in the field of international health that challenge interests of the States and their Transnational Companies that concentrate this market, especially in the pandemic global frame. The health sector is widely approached, but with a special focus on the pharmaceutical industry, a sector considered as strategic because it is fundamental for political stability, socioeconomic development and national security. The article presents considerations on the American national security strategy regarding health. It then addresses the vulnerabilities and potential for health cooperation in the BRICS countries in terms of market and universal access to health, access to technologies and combating neglected diseases, the bloc’s relationship with global governance in health, and finally concerning the pandemic scenario and the geopolitics of vaccines. It is based on information and data from specialized health institutions, government or BRICS documents, and in a bibliography of authors specialized in international health.Resumo em Português:
RESUMO Este ensaio discute o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) em perspectiva histórica e futura, considerando os desafios sanitários e econômicos impostos pela pandemia de Covid-19. Como sempre e mais do que nunca, precisa-se discuti-lo. Essa necessidade cresce em premência a partir da recessão econômica que o País viveu em 2015 e 2016, pela estagnação da economia nos anos seguintes e pela recessão que já surge no segundo trimestre de 2020 com previsão de aprofundar-se nos próximos anos. A pandemia acontece em um contexto de redução da participação federal no financiamento, pouco espaço para estados ampliarem suas fontes de financiamento e problemas de coordenação entre os entes federativos. No caso do financiamento das Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) para enfrentamento da pandemia, argumenta-se neste texto que ele passa necessariamente pela ampliação dos recursos alocados ao SUS, com grande dependência da atuação do governo federal. Contudo, nem com a urgência que demanda a pandemia houve rapidez na liberação e execução dos novos recursos aprovados pelo Congresso Nacional. Conclui-se que as perspectivas não apontam para uma priorização do SUS nem para ampliação do seu financiamento no período pós-pandêmico.Resumo em Inglês:
ABSTRACT This essay discusses financial resources for Brazil’s Unified Health System (SUS) in a historical and future perspective, considering the health and economic challenges imposed by the Covid-19 pandemic. As always and more than ever, we need to discuss the SUS financing. This is aggravated in intensity by the context of the chronic economic recession which the country experienced in 2015 and 2016, followed by stagnation in the following years and accentuated in urgency by the recession in the second quarter of 2020 and that is expected to deepen in the coming years. The pandemic happens in a context of diminishing federal participation in the SUS financing, little space for states to expand their sources of financing, and several problems of coordination between federal entities. We argue that facing the pandemic necessarily involves an expansion of resources for financing the SUS and it has a great dependence on the performance of the federal government. However, even with the urgency that the pandemic demanded, the new resources approved by the National Congress for the public health system has been quite slow. We conclude that the prospects do not point to prioritizing the SUS and expanding its funding in the post-pandemic period.Resumo em Português:
RESUMO A pandemia da Covid-19 é uma grave emergência de saúde capaz de gerar sérios problemas sociais. Por esse motivo, o artigo procura conhecer a proteção social disponível à população brasileira para enfrentar esses problemas. Para isso, reconstrói e analisa as condições de vida da população brasileira em conexão com as políticas públicas em dois períodos: na pré-pandemia e na pandemia. Constataram-se alterações regressivas nas condições de vida que indicam a redução da proteção social e o rebaixamento do bem-estar social para a maioria da população. Conclui-se que a proteção social dos brasileiros tem graves debilidades e dificuldades para o enfrentamento da pandemia; e as tendências apuradas sinalizam que se podem esperar enormes sacrifícios e elevadas perdas de vidas humanas nos tempos da pandemia da Covid-19.Resumo em Inglês:
ABSTRACT The Covid-19 pandemic is a serious health emergency capable of creating critical social problems. For this reason, the article seeks to know the social protection available to the Brazilian population to face these problems. To do so, it reconstructs and analyzes the living conditions of the Brazilian population in connection with public policies in two periods: in the pre-pandemic and in the pandemic. There were regressive changes in living conditions that indicate a reduction in social protection and a decrease in social well-being for the majority of the population. It is concluded that the social protection of Brazilians has serious weaknesses and difficulties to face the pandemic; and the trends detected indicate that enormous sacrifices and high losses of human lives can be expected in the time of the Covid-19 pandemic.Resumo em Português:
RESUMO Este ensaio discute a atuação da Organização Mundial da Saúde (OMS) à luz dos debates sobre a ordem mundial capitalista e o multilateralismo, analisando o enfrentamento de pandemias (incluída a Covid-19) na dinâmica de um sistema interestatal heterogêneo, com assimetrias de riqueza e poder, e conduzido por potências hegemônicas. Assume-se como hipótese de trabalho que as mudanças na credibilidade da OMS e as reivindicações de reforma têm antecedentes que remontam à última década do século XX e estão relacionadas com a governança global, geral e de saúde, que se vincula às transformações do multilateralismo e da ordem mundial capitalista ao longo do pós-guerra e do pós-guerra fria. Utiliza-se uma abordagem histórica crítica e o conceito de sistema-mundo; analisam-se dados de revisão de literatura e de documentos oficiais. Conclui-se que a fragilização da organização e o constante escrutínio a que está submetida há décadas, para além das controvérsias que lhe são inerentes, de possíveis falhas ou de ‘falta de capacidade’, resultam de uma dupla dinâmica, interna e externa, e podem ser mais bem compreendidas no contexto de desafios impostos tanto pelas opções políticas institucionais da Organização das Nações Unidas e da OMS quanto pelas transformações da ‘nova ordem mundial liberal’ associada à globalização contemporânea e ao crescimento dos nacionalismos.Resumo em Inglês:
ABSTRACT This essay discusses the work of the World Health Organization (WHO) in the light of debates about the capitalist world order and multilateralism, and examines how pandemics (including Covid-19) are addressed in the dynamics of a heterogeneous inter-State system with wealth and power asymmetries and led by hegemonic powers. The working hypothesis is that the WHO’s changing credibility and the demands for its reform date from the late 20tn century and are related to global (general and health sector) governance, linked also to the transformations of multilateralism and the capitalist world order during the post-war and post-Cold War periods. Data from a literature review and documents were analysed on a critical approach to History and using the ‘world system’ concept. The undermining of the WHO and the scrutiny to which it has been subjected for decades were found to have resulted less from the controversies inherent to the organisation or any failings or ‘lack of capacity’ than from a dual, internal and external, dynamic. This process can be better understood in view of challenges posed both by the United Nations’ and the WHO’s institutional political options and by changes in the ‘new liberal world order’ associated with contemporary globalisation and the spread of nationalisms.Resumo em Português:
RESUMO À medida que a pandemia por SARS-CoV-2 alcança a escala planetária, multiplicam-se as respostas políticas de combate à doença Covid-19. Contudo, não só persiste a falta de evidência sobre os processos de tomada de decisão e os resultados obtidos - incluindo os colaterais - como também a análise de políticas não tem sido capaz de ultrapassar reportes descritivos que pouco acrescentam à compreensão teórica da gestão política dessa doença. Partindo do caso português, este ensaio visa contribuir para corrigir essas lacunas, em concreto: colaborar para a melhoria das respostas políticas e para a consolidação do debate teórico a respeito da tomada de decisão política em contexto de crises sanitárias. A reflexão desenvolve-se em torno da necessidade de clarificar os objetivos de gestão dos contágios (se é erradicar, gerir, ignorar ou se há incapacidade na gestão das cadeias de transmissão), sobre a qualidade da monitorização e limites da comparação internacional (as diferenças de metodologias e a importância dos rastreios) e sobre aspectos de como viver com a Covid-19 e a procura de normalidade (desafios no acesso à vacinação e relações com desigualdades sociais). A reflexão termina com a indicação de como o caso português ilustra as principais teorias de análise dos ciclos das políticas públicas.Resumo em Inglês:
ABSTRACT As the SARS-CoV-2 pandemics reaches the entire planet, the political responses to dealing with the coronavirus disease Covid-19 have flourished. However, not only has the evidence on decision-making and outcomes - including the side effects - lacked, but also policy analysis has not been able to overcome an overly descriptive nature that brings too little to the theoretical understanding of the political management of Covid-19. Building on the Portuguese case, this essay aims to contribute to fill in such blanks, notably by contributing to the improvement of political responses and consolidation of the theoretical debate about political decision-making in the context of health crises. The reflection expands on the need to clarify the goal of the management of contagions (whether the aim is to eradicate, manage, ignore or if there is an inability to manage the transmission chains), on the quality of monitoring and limits of international comparisons (different methodologies and the importance of mass screening), and on aspects of living with Covid-19 and the pursuit for normality (challenges in the access to vaccination and connections with broader social inequalities). The reflection ends by showing how the Portuguese case resonates on some of the key theories of the analysis of public policies cycles.