“A rua me abraçou, mas eu não vou perder meu filho para ninguém estranho”: Carolina e os sentidos da maternidade no contexto da situação de rua

Gilney Costa Santos Patrícia Constantino Tatiana Wargas de Faria Baptista Sobre os autores

Resumo

A escravidão é um evento crítico na formação da sociedade brasileira e, em particular, no modo como a mulher negra foi (e ainda é) a ela integrada. As mulheres negras foram o esteio da formação social brasileira, de modo que, hoje, partem do lugar de quem carrega quatro séculos de escravização. Nesta etnografia, buscamos reconhecer na voz de Carolina, mulher preta, em situação de rua, na Pequena África do Rio de Janeiro, sentidos sobre ser mulher, a maternidade no contexto da situação de rua e suas relações com as políticas públicas. A história de Carolina ajuda a compreender o espaço em que ser mulher ganha sentidos a partir da capacidade reprodutiva e o que forja de negociações para ter possibilidades de maternar. A rua é vivida por ela como espaço de liberdade, mas também de insegurança e precariedade. “Entregar” o filho para o sistema de adoção legal tem sentidos diferentes daqueles construídos por agentes de Estado. Para Carolina, a “entrega" de um filho significa a ruptura com qualquer possibilidade de “tornar-se mulher” e “mãe”. É urgente uma agenda de Estado antirracista que paute, na lógica da reparação, a dramática realidade de mulheres em situação de rua e seus descendentes.

Palavras-chave:
Racismo; Gênero; Direitos Humanos; Maternidade; População em Situação de Rua

Uma ferida colonial: a democracia racial brasileira

Figura 1
A democracia racial

Às margens do Rio São Francisco, Juazeiro-Bahia, a escultura do artista plástico Lêdo Ivo se impõe, materializando aquilo que os privilegiados ignoram ou não querem perceber: a ferida colonial. Nomeada “Democracia racial”, a escultura nos provoca pela imponência e pela denúncia de violências sofridas pela população negra. Na imagem da mãe-preta-e-ama-de-leite, faz-se a crítica à escravidão e à naturalização do racismo.

Na aparente interação entre brancos e negros, revela-se a contradição: o corpo negro raquítico é privado de aleitamento e cuidados maternos, para o bem-estar dos brancos. Numa referência às políticas da branquitude, de expropriação e colonização, não apenas de territórios, mas de afetos e corpos, a estética da mãe-preta-e-ama-de-leite se alinha àquela performada por seu filho para denunciar o lugar social historicamente reservado ao corpo negro: o da subalternidade. Um lugar sustentado em processos de diferenciação e hierarquização estabelecidos na modernidade (Quijano, 2010QUIJANO, A. Colonialidade do poder e classificação social. In: SANTOS, B. S. S.; MENESES, MP (Org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. p. 84-130.), que qualifica quais corpos e vidas importam (Butler, 2019BUTLER, J. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019.).

A mulher negra escravizada foi o esteio da formação social do país. Presença ativa na economia produtiva, garantiu o funcionamento da casa grande ao desempenhar o papel de mucama, prostituta, ama de leite, escrava de ganho. A mãe-preta-e-ama-de-leite do branco foi possível graças ao valor social atribuído à maternidade em algumas culturas negras e ao uso da violência pelos brancos. Historicamente, elas tiveram (e ainda têm) que renunciar aos seus para cuidar de outros. Não foi dada a ela a possibilidade de escolha sobre quem cuidar (Gonzalez, 2020GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: RIOS, F.; LIMA, M. (Org.). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020, p. 75-93.).

Como resume Almeida (2019ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.), a escravidão é um evento crítico e parte constitutiva daquilo que somos como nação e sujeito. Um momento social e político que deixou marcas profundas na sociedade brasileira, e, em particular, no modo como a mulher negra foi (e tem sido) integrada ao conjunto da sociedade (Nascimento, 2016NASCIMENTO, A. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo: Perspectivas, 2016.).

É fato que o Brasil se constituiu como nação negando sua história de escravidão. A partir do estabelecimento de uma suposta democracia racial, isto é, a crença de que aqui pretos e brancos convivem harmonicamente e desfrutam de iguais oportunidades na sociedade, o brasileiro tende a negar os efeitos do racismo e acreditar que aqui a escravidão não foi tão violenta (Gonzalez, 2020GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: RIOS, F.; LIMA, M. (Org.). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020, p. 75-93.; Nascimento, 2016NASCIMENTO, A. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo: Perspectivas, 2016.). Nesse contexto, é preciso enfatizar que a política de miscigenação foi parte do projeto genocida do colonizador que teve como estratégia o embranquecimento da sociedade brasileira. Uma forma de extermínio das vidas negras, que incidiu sob o corpo da mulher negra na forma de estupros, mortes e separação compulsória de seus descendentes. Na escultura, a violência da escravidão se expressa no rosto dessa mulher, desfigurado e animalizado: sem boca, nariz, olhos, ouvidos, sequer expressões.

Longe de ser uma construção teórica, a democracia racial serve para invisibilizar que neste país as mulheres negras “foram [sistematicamente] impedidas de estabelecer qualquer estável estrutura de família.” (Nascimento, 2016NASCIMENTO, A. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo: Perspectivas, 2016., p. 73). Ontem, para escravidão, que instituiu que se “‘dedicassem’ inteiramente às crianças brancas, amamentando-as com exclusividade” (Gonzalez, 2020GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: RIOS, F.; LIMA, M. (Org.). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020, p. 75-93., p. 203). Hoje, para manutenção econômica que submete as mais pobres e reproduz uma estrutura racista-machista-classista que incide de forma perversa sobre seus corpos, inclusive, em situação de rua (Jorge , 2022JORGE, A. O. et al. Das amas de leite às mães órfãs: reflexões sobre o direito à maternidade no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 27, n. 2, p. 515-524, 2022.).

Para os que acreditam na democracia racial brasileira, o problema da mulher negra e seus descendentes seria resultado das desigualdades sociais, sem nenhuma relação com o passado escravocrata e patriarcal. Este último aparece na escultura retratado pela nudez ostentada pelos corpos brancos, em oposição ao corpo negro, cuja genitália coberta por uma tanga na mesma cor dos corpos das crianças brancas, lembra-nos a um só tempo o corpo que tem poder, o corpo branco é exposto sem crítica e os corpos negros são interditados em sua sexualidade, pois esta é “perigosa” e deve ser objeto de regulação, hipermedicalização e controle. Como argumenta Gonzalez (2020GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: RIOS, F.; LIMA, M. (Org.). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020, p. 75-93., p. 88), o duplo fenômeno racismo e sexismo caracteriza a neurose cultural brasileira, e foi a figura mãe-preta-e-ama-de-leite que subverteu a ordem da dominação e “passou todos os valores que lhe diziam respeito pra criança branca, [...] cuja língua é o pretuguês”.

Quando hoje pautamos a situação de mulheres negras na sociedade brasileira, há que se reconhecer que não são as mesmas do período colonial, mas são as filhas, netas e bisnetas da escravidão. Nesse cenário, as mulheres em situação de rua merecem uma atenção especial, pelo que suas vidas denunciam de violências e negligências praticadas pelo Estado, mas também de resistência. São mulheres maioritariamente pretas e pobres, que recriam formas de existir num cenário de extrema precariedade e desamparo social.

Este texto é sobre Carolina,11 Todos os nomes utilizados no texto são fictícios e uma homenagem a personalidades negras de nosso país. mulher preta que passou pela experiência de maternidade em situação de rua no circuito da Pequena África do Rio de Janeiro. A partir de seu lugar de fala, convidamos a/o leitora/leitor a olhar modos de subjetivar a vida implicados no viver em situação de rua, na relação com o corpo, nos sentidos atribuídos às violências e à maternidade.

Para reconhecer sentidos nas experiências dessas mulheres sobre o que é ser mulher e mãe no contexto da rua e suas relações com as políticas públicas, acessamos histórias que conjugam cenas de profunda dor e sofrimento, luta e resistência, olhando para a estrutura e sem perder de vista o que Das (2020DAS, V. Vida e palavras: a violência e sua descida ao ordinário. São Paulo: Unifesp, 2020.) chama de “ordinário”, isto é, o cotidiano onde a vida se realiza.

Seguindo o fio da meada…

Berço do samba de roda carioca, a “Pequena África”, região portuária da cidade do Rio de Janeiro, compreende os bairros da Gamboa, Saúde e Santo Cristo. Habitada inicialmente por homens e mulheres negros escravizados e alforriados, a região guarda símbolos de resistência e memórias dos horrores da escravidão (Moura, 1995MOURA, R. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1995.).

Ali, sobrados e prédios abandonados servem de abrigo à população em situação de rua, que constituem noções de privacidade em ambientes coletivos. Tais ocupações mimetizam o que é o Brasil para a grande maioria da população pobre e negra: habitações precárias, pouco ventiladas e úmidas, favorecendo a proliferação de insetos, vetores e até mesmo a circulação de doenças virais, como a tuberculose (Ruffino Neto, 2002). A Pequena África conserva traços de uma cidade colonial e escravocrata, que foi por muito tempo a capital do país, dividindo espaço com edifícios modernos, como o Museu do Amanhã.

A estação de trem Central do Brasil, ícone da região, demarca a fronteira entre a Pequena África e o centro da cidade. Foi às margens de sua estrada de ferro que os subúrbios cariocas foram ocupados. Pela Central, circulam milhares de pessoas e turistas. Além de integrar a cidade, ela serve como moradia para muitas pessoas em situação de rua. Ali, se vende e se compra de tudo: roupas, comida, utilidades para o lar, drogas, sexo etc. É comum encontrar pessoas em situação de rua fazendo bicos montando “shopping chão”, vendendo doces, descarregando caminhões e transportando mercadorias. Na Central, homens, mulheres e adolescentes em situação de rua dormem, se protegem da chuva, usam drogas (lícitas e ilícitas), cozinham e participam do cotidiano da cidade.

Há profissionais de saúde que descrevem este território como “fim de carreira”, um local buscado por pessoas em situação de rua para “ficar pra sempre ou então pra morrer”. Também mulheres em situação de rua se referem como “lugar da alegria, liberdade e da vida”. Esse território mobiliza diferentes narrativas para quem nele trabalha, transita e mora. Como argumenta Costa (2019COSTA, M. J. Flores amarelas: um olhar sobre quem mora na rua. Histórias para inspirar um caminho. Rio de Janeiro: Autor, 2019., p. 17), alguns veem “beleza onde a maioria só vê pobreza”.

Foram as histórias de pessoas desse território que possibilitaram uma compreensão das cenas que ali se apresentavam. Como a história de Anastácia, mulher negra de 59 anos, trabalhadora sexual e usuária de drogas. Sentada em frente à porta de um antigo sobrado, Anastácia finalizava sua maquiagem reclamando de uma lágrima que insistia escorrer de um de seus olhos. Vaidosa e gentil, Anastácia contou que havia sofrido um acidente vascular cerebral, com sequelas em uma de suas pernas, em seus olhos e sobre sua saúde mental. Anastácia se dizia depressiva e sem gosto pela vida, demandando um medicamento que pudesse restituir sua vontade de viver. Sua história de vida e condições de existência, assim como a de outras pessoas em situação de rua, denunciavam um cenário de enorme precariedade social, produzindo indignação e revolta. Como explicar o que as mantém naquela condição? De algum modo, aquelas pessoas e a paisagem da Pequena África sinalizam que o déficit habitacional brasileiro tem classe, raça, gênero e possui um amplo espectro de determinações sociais que vão desde gerações inteiras, que já nascem nas ruas, até aquelas que, por circunstâncias, a vida nas ruas acaba por se tornar uma realidade, ou única alternativa (Santos , 2021SANTOS, G. C. et al. “De quem é esse bebê?”: desafios para o direito à maternidade de mulheres em situação de rua. Cadernos de Saúde Pública, v. 37, n. 5, p. 1-17, 2021.). Como enfatiza Costa (2019COSTA, M. J. Flores amarelas: um olhar sobre quem mora na rua. Histórias para inspirar um caminho. Rio de Janeiro: Autor, 2019., p. 48-49), “ninguém escolhe dormir na rua, mas toma decisões que, diante das poucas opções disponíveis, sobra a rua”.

No Brasil, o direito à moradia é um dos menos assegurados. Cada vez mais, as cidades brasileiras se tornam expressões das desigualdades sociais que refletem a forma como a riqueza e a pobreza são produzidas e distribuídas no país. Assim, “o valor de cada um é ditado pelo lugar onde se encontra.” (Santos, 2009SANTOS, M. Metrópole corporativa fragmentada: o caso de São Paulo. São Paulo: EdUSP, 2009., p. 66).

Neste texto, optamos por uma escrita etnográfica inspirada em Das (2020DAS, V. Vida e palavras: a violência e sua descida ao ordinário. São Paulo: Unifesp, 2020.), buscando trazer as minúcias do vivido e relatado pelas mulheres em situação de rua. Os encontros, pelo território da Pequena África, foram mediados por profissionais de uma equipe de consultório na rua (eCnaR) ao longo de seis meses.22 A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) e da Secretaria Municipal de Saúde/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (SMS/PCRJ), sob parecer número 3.457.046 e 3.550.564, respectivamente. Nesse período, foram realizadas entrevistas semiestruturadas e conversas livres com pessoas em situação de rua e profissionais de saúde, bem como a observação do cotidiano da rua, dos cuidados em saúde pela eCnaR e na maternidade, com registros em diário de campo.33 As falas das mulheres estão sinalizadas por seus nomes fictícios e as cenas do cotidiano estão sinalizadas como diário de campo.

A partir de Evaristo (2016EVARISTO, C. Insubmissas lágrimas de mulheres. Rio de Janeiro: Malê, 2016.), buscamos uma escrita respeitosa de tradução, garantindo ao máximo a integridade de suas vozes, reconhecendo a potência da escuta e do estar com elas, deixando de lado o lugar de pesquisador neutro que apenas observa o que está acontecendo com essas mulheres. Assim, tentamos garantir lugar de fala às mulheres em situação de rua (Ribeiro, 2017RIBEIRO, D. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento, 2017.) como protagonistas na produção de um saber sobre seus corpos, suas experiências e, portanto, seu modo de estar no mundo. Essas mulheres têm o que dizer sobre como organizamos o Estado, e o modus operandi como as políticas incidem sobre seus corpos quando querem ser mães ou quando não necessariamente querem, mas engravidam.

A escolha neste texto foi de narrar a história de uma mulher em situação de rua no circuito da Pequena África. A trama que tece a vida de Carolina possibilita revisitar em parte a história do povo brasileiro, caminhar no sentido da reparação e no reconhecimento de novos caminhos.

Mulheres em situação de rua vão falar, e numa boa!!!44 Este título é uma adaptação da expressão "O lixo vai falar e numa boa", utilizada por Lélia Gonzalez (2020) para enfatizar a importância de a pessoa negra ocupar seu lugar de fala. Desse modo, buscamos reforçar a importância de valorizar a fala, experiência e vida de mulheres em situação de rua.

Carolina é uma mulher negra, 27 anos, pobre e em situação de rua. Filha de pais separados, caçula de quatro irmãos, dois homens e duas mulheres. Os homens faleceram. Bento, o mais velho, cometeu suicídio após separar-se da companheira, e Sebastião foi assassinado, aos 17 anos, na Favela do Barbante, Campo Grande, Rio de Janeiro, território explorado por milícias.

Carolina passou boa parte de sua infância e adolescência morando com seu pai, com quem nutria uma forte relação afetiva. Aos 14 anos, com seu falecimento, passou a morar com a mãe e não demorou muito para que os conflitos aparecessem:

Ela [a mãe] sempre tava acostumada com os meus irmãos… Eu não aceitava as coisas que ela falava e ela não aceitava o meu modo. Aí eu fui pra rua. Conheci outras meninas. Fomos pra Barra da Tijuca, fui estuprada. (Carolina)

No contexto da rua, Carolina sofre um estupro coletivo, praticado por 19 homens. Daí decorre uma internação de três meses e a primeira experiência de maternidade. A hipótese de um aborto, ainda que legal, não foi cogitada por Carolina. Ela justificava para si mesma que o “feto/bebê não tinha culpa” e assim levou a gestação até o fim, mesmo sem saber quem era o pai.

Quando André nasceu, Carolina amamentou por seis meses. Como já havia saído da casa de sua mãe, passou quatro meses com o filho nas ruas de Copacabana, até ser encontrada por sua irmã e mãe, que conseguiram convencê-la a entregar o bebê argumentando que ela poderia perdê-lo, caso o Conselho Tutelar tomasse conhecimento. Carolina traduz assim a sua primeira experiência de gestação no contexto de rua: “o meu filho, mesmo sendo fruto de estupro, eu achei uma gestação tranquila. Ele é o melhor filho que eu tenho. Ele tem 12 anos”.

À medida que a rua conquistava Carolina, os vínculos familiares iam cada vez mais se esgarçando. Parecia haver uma relação linear entre o tempo na rua e o retorno para casa. Diversas vezes, Carolina revelou um pensamento extremamente crítico sobre os sentidos que a rua tinha para ela. Em seu relato, a rua é descrita como algo contraditório, onde os limites da liberdade se chocam com a insegurança e precariedade.

[...] liberdade, ninguém fica mandando. Eu durmo a hora que eu quero, acordo a hora que eu quero. Também tem seu lado ruim, se a mulher tá menstruada [...] precisa das suas necessidades. E nem sempre na rua tem. [...] [se] não tem dinheiro. Não é todos os banheiros da Central que deixa ir [...] (Carolina).

Acreditando-se “acostumada a ficar na rua”, Carolina conhece Gê e começa um relacionamento. Um homem preto, pobre e, assim como ela, em situação de rua. Deste relacionamento uma segunda gestação e novo ciclo de agressões. Aquela “foi a gestação dos infernos, ele me batia muito a minha gravidez toda”. Gê praticava furtos e comercializava pequenas quantidade de drogas quando precisava de dinheiro. Até que um dia:

[...] ele [Gê] falou que ia comprar um negócio para eu comer. Deixou duas sacolas pretas de lixo do meu lado. Os policiais pararam, pegaram a bolsa de roupa e de outras coisas, aí me levaram presa no lugar dele. [Gê] foi um desastre, o dinheiro dele era só pra droga... Aí eu me separei dele. (Carolina)

Se a primeira gestação de Carolina foi fruto de um estupro coletivo, a segunda foi marcada por violências físicas e psicológicas cotidianas, além de cinco anos e meio de prisão. Quando Elza nasceu, foi amamentada apenas nos dias em que Carolina esteve na maternidade. Carolina cumpria pena e, assim como da primeira vez, sua filha foi entregue à avó. A mesma Carolina que dizia que “[...] ser mãe é a melhor coisa que tem [...]”, pois “[...] tá dando vida a mais outra vida”, era a mesma que não ficou com seus descendentes.

No dia em que foi posta em liberdade, Carolina volta às ruas à procura de Gê, pois “apesar de tudo gostava dele” e descobre que ele havia morrido por complicações associadas à tuberculose. Carolina recebe apoio de Dandara, uma travesti em situação de rua, e Abdias, amigo de Gê, que depois se tornou seu companheiro.

Quando conhecemos Carolina, ela estava em sua terceira gestação, com aproximadamente sete meses, realizando as consultas de pré-natal com a eCnaR. A equipe tentava não impor regras e condutas, mas sempre negociar. Nada em Carolina lembrava a imagem comumente associada às gestantes em situação de rua: raquíticas, magras, fissuradas por drogas. Carolina era alta, gorda, forte e sentada haveria quem dissesse que estava com sobrepeso, e não grávida.

Permanecendo nas ruas os nove meses de gestação e, por vezes, ressaqueada pelo álcool, Carolina apontava que aquela maternidade possuía um sentido diferente das anteriores. O desejo de maternar alimentava a construção de novos projetos de vida para ela e seu companheiro. Suas palavras sugeriam que uma das diferenças era o desejo dela para criar aquele filho:

[...] Nas minhas gestações, mesmo eu estando na rua, eu nunca pensei em querer parar de usar droga, arrumar um trabalho, sair da rua pra poder ficar perto dos meus filhos. Com esse aqui, eu já sinto vontade de não usar droga. Já tô pensando em sair da rua. Tenho vontade de voltar pra casa. (Carolina).

Para Carolina, o "ser mulher" está comumente atrelado à função reprodutiva e ao valor social da maternidade, que, por sua vez, se ancora na crença de um amor materno instintivo, genuíno e inerente ao corpo feminino. Não por um acaso, Carolina admitiu que se tivesse que nascer novamente e pudesse escolher entre ser homem ou ser mulher escolheria sem dúvida “ser mulher”: “Pra ter filho. [...] Eu acho assim, homem pode até amar o filho, mas não ama do jeito que a mãe ama. [...] a mãe carrega nove meses, a mãe sente dor pra botar pra fora. O pai só vê a barriga. Querendo ou não, o amor do pai só nasce depois que o filho nasce” (Carolina).

Carolina descreve o “ser mulher” como equivalente à capacidade de “ser mãe”, ela também recorre a comportamentos que desenham sua ideia de mulher: “ser mulher é [...] ser uma pessoa centrada [...] com atitude, determinação [...] que não tenha medo do desafio que tá [...] pela frente”. Essa forma de compreender o feminino marca sua percepção de que há um distanciamento entre seu corpo, seu modo de vida e o de outras mulheres. Nesse sentido, Carolina não se reconhece na sua concepção de mulher, admitindo a possibilidade de que talvez se encaixe na descrição a partir do exercício da maternidade. Ela diz:

Eu acho que não me [encaixo nessa descrição de mulher]. Agora até posso me encaixar por causa dele [filho]. E o - Abdias - também tá bem mudado. O - Abdias- era usuário de cocaína [...] Quando ele usa, o nariz fica duro e branco. Já tem três dias que ele vem dormir aqui [maternidade], eu olho o nariz dele e não tem nada. Falei: Tá usando droga? Ele: Não. Aí eu: Cadê o dinheiro que você trabalhou? Ele mete a mão e o dinheiro tá guardado no bolso (Carolina).

Abdias é um homem negro de 34 anos que estudou até a quarta série. Trabalhou como bombeiro hidráulico e deixou a profissão após um acidente. Com a dicção comprometida, Abdias confessou que seu maior sonho era registrar o filho que teria com Carolina. Mas Abdias estava sem registro de nascimento. Um dia, na Defensoria Pública, Abdias reconstituiu sua árvore genealógica: sua mãe era mineira e ele carioca, mas ainda criança migraram para o centro de Minas, onde foi criado e feito seu registro de nascimento. Abdias, assim como Carolina, vive um contexto de profunda desproteção social.

Carolina estudou apenas até a segunda série do antigo ensino fundamental. De forma autodidata, aprendeu a ler, escrever e revelou que gostava dos livros de Zibia Gasparetto. Sua caligrafia extremamente precisa e delicada surpreendeu quando assinou o Termo de Consentimento Livre Esclarecido. Carolina nunca trabalhou de carteira assinada, mas participa, como grande parte das mulheres brasileiras, da economia informal fazendo faxina, vendendo doces, água e refrigerante nos sinais de trânsito.

Do ponto de vista biomédico, aquela era uma gestação de risco em função da precariedade, violência, desproteção social, uso de drogas e situação de rua. Ainda assim, Carolina ganhava peso e não tinha sangramento, mas havia por parte da equipe de saúde a preocupação de que ela pudesse estar com a placenta baixa em função do uso de drogas. Todos os recursos para evitar danos ao feto e à Carolina eram empregados pela equipe de saúde. Carolina era poliusuária de drogas e por diversas vezes disse “cheiro [cocaína], bebo cachaça e fumo cigarro”. Na adolescência, “usei maconha, mas agora eu não gosto. Maconha me deixa lerda”. Dizia nunca ter usado crack, sendo o álcool a sua principal droga, usada inclusive durante a gestação e sem nenhuma dificuldade de aquisição, por ser lícita.

Para Carolina, o corpo-gestante é também o corpo-que-protege: “quando o filho tá na barriga a gente acha que ele tá imune de acontecer qualquer coisa”. Havia nesta forma de pensar de Carolina ambiguidades e questionamentos entre o que é sua experiência e as orientações da saúde: “já vi casos de crianças que a mãe é usuária de drogas e a criança nasce ruim; [...] a gente não sabe [como] que pode fazer mal pro neném também, né?! [...] Ele nasceu bem [...]”.

A caminho da Clínica de Saúde da Família para realizar ultrassonografia, Carolina comentou em tom jocoso como se quisesse chamar atenção dos profissionais de saúde: “meu sonho é ter dez filhos”. Nisso, um profissional de saúde pergunta: “mas, porque você quer ter dez filhos?” Carolina sem pestanejar: “porque eu me sinto sozinha” (diário de campo). Levou um tempo até que a mudez fosse substituída por conversas descontraídas.

No cartão da Cegonha Carioca, constavam: cinco consultas de pré-natal (aquela seria a sexta), idade gestacional 36 semanas; não reagente para HIV, toxoplasmose, e reagente para sífilis, que foi tratada. O bebê de Carolina ganhou peso durante toda a gestação e estava com aproximadamente 2,7kg.

Certo dia, ao avistar o médico, Carolina questionou: “quando eu vou ter neném?” O médico respondeu que estava perto. A pergunta de Carolina era acompanhada de expectativa e retrucada se queria que fosse menino ou menina. Ela respondeu: “menino”.

A equipe de saúde tentava negociar com Carolina a realização de uma laqueadura. Sem muita segurança, ela dizia que não faria o procedimento, pois seu companheiro não estava de acordo. A equipe argumentou que ele não precisaria “ficar sabendo. E que pensava em preparar toda a documentação e deixar com ela, caso mudasse de ideia”. Por outro lado, a equipe se preocupava em lhe entregar o documento e torná-la vulnerável no momento do parto, pois os profissionais da maternidade, ao constatarem que era uma pessoa em situação de rua, poderiam laqueá-la sem considerar sua decisão.

A notícia sobre o parto de Carolina vem a partir de um encontro na rua com Abdias. Carolina havia entrado em trabalho de parto na noite do dia 25 de dezembro, foi levada à maternidade pela Polícia Militar por duas vezes e acabou fazendo uma cesárea.

O novo descendente de Carolina nasceu às 20h11min do dia de Natal. Natalício foi uma sugestão do primogênito de Carolina. Na Declaração de Nascido Vivo, constava que ele havia nascido com índice de Apgar 07 no primeiro minuto e 08 no quinto minuto; media 47 centímetros e 34 de perímetro cefálico; nenhuma anomalia congênita; e que Carolina não havia feito nenhuma consulta de pré-natal, o que destoava do cartão Cegonha Carioca, que informava seis consultas. A equipe de saúde da maternidade não sabia que Carolina era uma “mulher em situação de rua”. Coube à eCnaR comunicar ao serviço social da maternidade a situação de Carolina.

A assistente social da maternidade, uma mulher negra, foi muito sensível com a situação da família: pai sem documento de identificação para confeccionar a certidão do filho e sem ter como provar que a mulher que seria apresentada como responsável pela guarda do bebê era de fato sua irmã. A situação de ambos se tornava ainda mais complexa, pois não tinham renda, residência e nem trabalho, dimensões comumente consideradas pelo serviço social das maternidades e juízes.

Apesar de sua sensibilidade com a situação, a assistente social enfatizou: “Carolina poderá ter alta a qualquer momento, mas o bebê não poderá sair daqui e ir para as ruas”. E alertava Abdias: “o bebê só sairá da maternidade se a sua irmã vier aqui e se comprometer com a guarda da criança”. Abdias retrucou afirmando que iria procurar a sua irmã ainda naquele dia (diário de campo).

A assistente social considerou importante ouvir como Carolina havia se organizado para lidar com a situação. Carolina dizia que nunca imaginou “que seria mãe com esse amor todo”. Falou para a equipe que não pensava em sair da maternidade sem seu bebê, que entregá-lo para o sistema de adoção não era uma opção. Carolina reconhecia que a rua não é o local para maternar uma criança. Sua fala se alinhava ao argumento jurídico que advoga na defesa dos direitos do mais vulnerável:

[...] Nós não pode ficar com nosso filho na rua, né?! Conselho tutelar vem, pega. [...] mas eu também não vou perder ele para ninguém estranho. Então prefiro deixar ele com a família do Abdias, porque eles têm mais condição do que a minha. Eu sei que vai cuidar muito bem dele. (Carolina)

A fala de Carolina parecia ecoar a voz de outras mulheres pretas, pobres com experiências semelhantes à dela. Havia no discurso dessas mulheres o reconhecimento da rua como espaço de liberdade, mas também de precariedade, incompatível com as necessidades de uma criança. Conceição, outra moradora da Pequena África, que deixou a casa em que morava com sua mãe mobilizada pela “curiosidade de conhecer o mundo”, certa vez, ao se posicionar sobre a impossibilidade de uma mulher permanecer na rua com um bebê, questionou:

[...] Como você vai dormir no sereno com uma criança recém-nascida? Me diz? Como você vai ter uma responsabilidade de dar todas as vacinas se você tem muito mal onde guardar um documento? Como você vai criar uma criança na rua, se você muito mal sabe se você vai comer hoje ou amanhã? É uma criança, ela não sabe pedir, você ainda sabe pedir. E a criança sabe pedir? Tá entendendo?! (Conceição)

Carolina sabia que o tempo não era seu aliado. A qualquer momento receberia alta e deixaria a maternidade sem seu filho. À eCnaR, Carolina revelou que pensava em fugir da maternidade. Enquanto a observava dando banho no filho, numa combinação de inexperiência com falta de delicadeza, a equipe conversava com ela tentando demovê-la da fuga. Mas, temendo que Carolina pusesse em prática seu plano, ressaltou que não levasse o bebê (Diário de Campo).

A fim de evitar a "fuga", a equipe negociou com Carolina que tentariam estender sua permanência na maternidade por meio do serviço social; tentariam uma “internação social”. A equipe negociou para que a alta não fosse dada no final de semana ou feriado, assim poderia oferecer algum suporte aos pais e ao bebê (Diário de Campo).

Nas palavras de Carolina, um dos motivos pelos quais aquela gestação estava sendo diferente das duas anteriores era o apoio que recebia de sua rede de amigos que encontrou na rua, da família de Abdias e, sobretudo, da eCnaR. Em defesa da eCnaR, Carolina citava como diferencial a forma humana, respeitosa e acolhedora como era tratada. Ela sentia algo que dizia ser raro: "sou tratada como gente, nem todo mundo tá preocupado, [...] com os outros da rua [...]. A maioria do pessoal que passa é só pra discriminar [...]. E é bom a gente saber que tem pessoas que se preocupam com a nossa saúde” (Carolina).

Finalizado o banho de seu bebê, Carolina tenta amamentá-lo. Pega-o no colo. Olha seu rosto. Encosta sua boca na dele. O médico olhava a cena sem nada dizer, pois sabia que era uma demonstração de afeto. Em outro momento, o médico da eCnaR confessou: “pensei em dizer pra ela não beijar na boca do bebê, mas não fiz para não quebrar o pouco do vínculo [mãe-bebê] que estava nascendo” (Diário de Campo).

Na enfermaria, a conversa foi interrompida pela pediatra para realizar o teste do olhinho. Em menos de um minuto, o resultado: “Tudo normal, mamãe”. O prontuário se restringia a uma página que não continha informações básicas sobre os pais ou os procedimentos realizados na maternidade, como, por exemplo, a situação de rua, o uso de drogas, o teste realizado para sífilis, a administração de uma dose de Benzetacil no bebê, já que o VDRL dele estava menor que o da mãe (Diário de Campo).

Na cabeça de Carolina, uma mulher simples que desconhecia a burocracia estatal, estava tudo resolvido: ela não fugiria da maternidade, não iria para as ruas com o filho. E sua cunhada, quando fosse visitá-los, levaria o sobrinho, evitando que ele ficasse pelo sistema de adoção. Contudo, Abdias permanecia sem documentos de identificação, o que dificultava comprovar que a pessoa que se apresentava como irmã dele era de fato quem dizia ser. A esta altura, Carolina percebia que havia algum entrave em seus planos: Assistente social: “vamos conversar”. Carolina: “Hã? As coisas dele já tão arrumadas”. Assistente social: “Mas não vai dar pra levar ele hoje”. Carolina: “Mas eu vou ficar com ele?!” Assistente Social: “Não, se você tomar alta” (Diário de campo).

“Eu me jogo daqui de cima com ele”, desesperada, ameaçou Carolina. Naquele dia, ela não teve alta clínica. Seu bebê não foi encaminhado ao Sistema de Adoção e também não foi levado por sua cunhada.

O medo de perder seu bebê foi tão grande que a pressão arterial de Carolina descompensou. Apesar da prescrição de diazepam, o que a deixou tranquila foi que não recebeu alta: “eles ficaram com medo”. Carolina construiu uma estratégia que lhe permitiria ficar mais alguns dias com seu bebê na maternidade: “a pressão não abaixa porque eu não bebo eles [medicamentos], eu guardo tudo” (diário de campo).

Carolina tinha dificuldades em projetar futuro para seu filho. Apesar disso, ela desejava para ele uma trajetória de vida diferente da dela e da de Abdias: “quero que ele estude bastante. E se forme. Mas, também não sei em que. Em que ele quiser. Menos polícia, pois só morre cedo. Eu queria mesmo é que fosse médico” (Carolina).

Ao final, Carolina recebeu alta. Seu bebê foi encaminhado para um abrigo de passagem, onde Carolina ia diariamente visitá-lo, até o dia em que Abdias conseguiu a segunda via de seu registro de nascimento e provou o laço de consanguinidade com a irmã, possibilitando a guarda provisória.

Carolina que dizia que seu sonho era “ter uma casa, morar eu, Abdias e o meu filho”, deixou as ruas da Pequena África do Rio de Janeiro. Alugou uma casa perto da eCnaR, que continuou sendo referência de cuidado e rede de apoio, mesmo estando domiciliada. E continuava a sonhar: “queria poder trabalhar, puxar os documentos, pagar alguém pra ficar olhando o bebê. Mas não quero serviço que eu saio quando ele tiver dormindo e volto quando ele tiver dormindo”.

Recorrências e re-existências

Menos de um século e meio de história separam as trajetórias das mulheres-mães-pretas-amas-de-leite, do período colonial, e o enredo da vida de Carolina, no pós-abolição. Se, de um lado, a abolição representou uma conquista da luta de homens e mulheres negros, por outro, ela não foi acompanhada de reparação social, tampouco de responsabilização das Instituições (Igreja, Justiça e Estado). Na prática, o homem e a mulher negra dormiram escravizados e acordaram “libertos”, sem direito a casa, terra, educação, herança, assistência e cidadania. Conquistaram a liberdade dentro de um sistema que não sabia (e não quis) reparar séculos de exploração.

O enredo da vida de Carolina é, neste sentido, a expressão contemporânea da mulher preta que está em situação de rua, mas, também, nos rincões e periferias do Brasil, como bem descreveu Carolina Maria de Jesus (2014JESUS, C. M. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2014.) em seu diário de mulher preta, pobre e favelada. A vida (da nossa) Carolina, assim como a da escritora, se passa em um contexto familiar trágico, precário e violento. A dororidade (Piedade, 2017PIEDADE, V. Dororidade. São Paulo: Nós, 2017., p. 17), “dor que só pode ser sentida a depender da cor da pele. Quanto mais preta, mais racismo, mais dor”, une Carolinas tão diversas.

Na trama que tece a vida de Carolina, os homens operam na lógica patriarcal, sendo, frequentemente, as vítimas - irmãos mortos ainda jovens; os algozes que a estupram, agridem, e também, os que a protegem da violência de outros homens, o que talvez explique como mulheres em situação de rua normalizam a violência perpetrada por seus parceiros, pois são eles os mesmos que oferecem algum grau de proteção e segurança. A cena de alteridade, para usar a expressão de Das (2020DAS, V. Vida e palavras: a violência e sua descida ao ordinário. São Paulo: Unifesp, 2020.), é sempre mais complexa do que imaginamos.

Carolina nos expõe o drama de não conseguir mais conviver com os limites de uma casa: o vazio afetivo que surge com a morte de seu pai e os conflitos familiares vividos ao extremo talvez sinalizem que, quando não há laço que una, manterem-se juntos se torna muito difícil e sofrido. E, assim, a rua a acolheu, ainda que de forma brutal e violenta.

Há 13 anos, Carolina vive nas ruas e acompanhar sua história de vida faz ver que nunca é uma coisa só que leva pessoas a estarem em situação de rua, mas um acúmulo de questões que vão desde dimensões individuais - conflitos familiares, questões de saúde mental, uso abusivo de álcool e outras drogas - até o modo como a sociedade se organiza. Carolina aponta os limites do discurso da “escolha pela rua”, ao mesmo tempo que revela como essas “escolhas” são atravessadas por condições estruturais que tornam o viver em situação de rua dramático. É neste sentido que Santos (2020SANTOS, G. C. et al. O consumo de crack por mulheres: uma análise sobre os sentidos construídos por profissionais de consultórios na rua da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 10, p.3795-3808, 2020.) alertam que a existência, ainda hoje, de mulheres em situação de rua denuncia sintomas das contradições sociais de classe, raça e gênero. Sem revisitarmos criticamente nossa história de escravidão, é impossível compreender o destino dessas mulheres e de seus bebês.

Carolina não romantiza o viver em situação de rua. Ela sabe que a rua não é lugar para maternar uma criança. Apesar disso, ela enxerga a rua como lugar múltiplo e contraditório, no qual a precariedade, violência e indiferença divide espaço com a possibilidade de se assumir “senhora de si”, ditando quais normas e valores seguir. Acompanhar os passos de sua vida ajuda a entender esse poderoso espaço não institucionalizado em que a rua nunca tem somente um sentido, ao mesmo tempo que a casa não é necessariamente sinônimo de segurança, afeto e proteção.

Carolina é uma mulher forte, determinada, que busca (re)construir sua vida. Tem os sentidos da maternidade apurados e parece consciente sobre seu lugar de fala: reconhece-se mulher, negra, pobre, em situação de rua e mãe, mesmo não tendo conseguido ficar com dois de seus filhos. Os dois mais velhos foram criados e vivem com sua mãe e irmã, e seu mais novo teve a guarda provisória entregue à irmã de seu companheiro.

Muitas pessoas veem essas mulheres como irresponsáveis, tendo um filho atrás do outro, sem ter nenhuma condição. Mas o que as faz terem múltiplas gestações? Ao olhar para as experiências de Carolina, podemos indicar talvez um misto de desejo, recorrentemente interditado, falta de acesso a informações, recursos e assistência para prevenir potenciais gestações indesejadas, além de violências sofridas.

É certo que não tendo como arcar com os custos da maternidade, essas mulheres recorrem ao Estado, que, por meio dos sistemas de saúde, de assistência social e do judiciário, regulam essas gestações e o destino dessas crianças (Lima, 2018LIMA, M. S. A quem pertence essa gravidez? Reflexões sobre a maternidade/maternagem de mulheres que fazem uso de drogas e as agentes do Estado. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais/Instituto de Ciências Sociais/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.). É desta forma que esses corpos invisíveis para o Estado se tornam alvo de políticas de controle reprodutivo em que a saúde da mulher, ao ser capturada pela racionalidade da higiene médica, passou a ser “mulher de boa saúde para gerar filhos sadios” (Simões-Barbosa, 2008, s.d), ou ainda como diz Sarmento (2020SARMENTO, C.S. “Por que não podemos ser mães?”: tecnologias de governo, maternidade e mulheres com trajetória de rua. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Antropologia Social/Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020., p. 22), “o direito de algumas mulheres vem associado com a regulamentação de suas vidas.”

Ao analisar as tecnologias de governo que incidem sobre corpos de mulheres gestantes em contextos de rua Sarmento (2020SARMENTO, C.S. “Por que não podemos ser mães?”: tecnologias de governo, maternidade e mulheres com trajetória de rua. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Antropologia Social/Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.), mostra que não basta que elas tenham “boa saúde” ou que sejam “boas mães”. É preciso, do ponto de vista da pedagogia moral, que essas mulheres alcancem determinadas condições materiais - de classe - e comportamentais. Ainda assim, a autora mobiliza a história de Luiza e Adriana para mostrar como o ideal de maternagem para essas mulheres está a todo o momento sendo reajustado.

A opção do Estado pelo mais vulnerável, neste caso a criança, apaga o contexto de precariedade em que vivem mulheres, como Carolina, e cria outras camadas de violência e violação de direitos que incide sobre elas e seus bebês. Além disso, desonera o Estado da responsabilidade de construir políticas econômicas, de habitação, trabalho/renda, educação, saúde e assistência que reparem o passado escravocrata que marca a vida de mulheres em situação de rua. Nesse contexto, o Estado assume papéis que são contraditórios, de um lado advoga na defesa do mais vulnerável, envidando esforços de proteção desta gestação, instituindo políticas e sistemas de garantias de direitos na saúde, assistência e mesmo no Judiciário, mas falha em criar estruturas que garantam a convivência dessas mulheres junto a seus descendentes.

A bem da “verdade”, é bom que se diga que a ideia de “vulnerabilidade” assume centralidade na produção das práticas de cuidado, discursos, garantias de direitos e proteção. Ainda assim, o reconhecimento das vulnerabilidades que atravessam o cotidiano de vida dessas mulheres e de suas gestações, por parte de agentes de estado, não garante que violências estruturais e institucionais não sejam reproduzidas. Como argumenta Alves (2020ALVES, AO. “Quem tem direito a querer ter/ser mãe?” Dinâmica entre gestão, instâncias estatais e ação política em Belo Horizonte (MG). Dissertação (Mestrado) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.), a vulnerabilidade é acionada em determinados contextos como atributo de “incapacidade” e “irresponsabilidade”, e em outros como subproduto de desigualdades sociais. Tais concepções - em disputa - “marcam e separam ‘quem pode ser (ou ter) mãe’ de ‘quem não pode’” (Alves, 2020, p. 86).

Assim, ao advogar em defesa do mais vulnerável, é como se o próprio contexto de vida dessas mulheres não fosse também vulnerável e digno de ser objeto de cuidado. Ao não garantir condições de convivência mãe-bebê, o Estado reitera os repetidos danos da nossa história de escravidão que torna os corpos dessas mulheres e de seus descendentes potencialmente os alvos mais violáveis.

Esta forma de operar não só atualiza o mito da democracia racial no aparelho de Estado, como cria nos serviços de saúde, de assistência e nos jurídicos falsos dilemas reprodutivos em que operadores dos direitos, profissionais de saúde e do serviço social precisam arbitrar sobre quais direitos e de quem serão garantidos, se os da mulher/mãe - preta, pobre, em situação de rua e/ou usuária de psicoativo - ou os do bebê. As respostas passam pela individualização dos casos, frente à impossibilidade de qualquer uma das áreas resolver sozinha a complexidade das situações. Mas o que aconteceria se, ao engravidar, ou descobrir-se grávida, essas mulheres tivessem acesso a políticas que sustentassem o desejo de maternar, ou de parir e decidir entregar para adoção ou mesmo de interromper a gravidez com segurança?

Como lembra Gomes (2022GOMES, J. D. G. Pobreza e maternidade: contrastando a abordagem consensual e “processual” em autos de destituição do poder familiar. Revista Direito Público, v. 19, n. 104, p. 188-208, 2022., p.205), às vezes, “famílias consideradas incapazes, para os cuidados com suas crianças são apenas famílias pobres buscando sobreviver”. A autora argumenta que a responsabilização individual, combinada com a falta de garantias de acesso às políticas de proteção e cuidado, produzem decisões que ferem o direito à convivência familiar. Este é um dos aspectos discutidos também por Ribeiro (2023RIBEIRO, F. B. Minha mãe é usuária: crianças e adolescentes como atores do parentesco e da parentalidade em acolhimento institucional. Áltera, João Pessoa, n. 15, p. 1-23, 2023.), ao mostrar o uso que é feito - politicamente no sentido da criminalização da pobreza - da categoria “mãe usuária” para justificar medidas de acolhimento institucional, e por vezes, destituição do poder familiar, sem que haja, necessariamente, evidências de negligência ou de maus-tratos.

No caso de Carolina, o acesso a políticas como o Consultório na Rua parece ter sido crucial para poder pensar a maternidade como possibilidade de construir novos projetos de vida (Costa ., 2015COSTA, S. L., et al. Gestantes em situação de rua no Município de Santos-SP: reflexões e desafios para as políticas públicas. Saúde e Sociedade, v. 24, n. 2, p. 1089-1102, 2015.; Santos , 2021SANTOS, G. C. et al. “De quem é esse bebê?”: desafios para o direito à maternidade de mulheres em situação de rua. Cadernos de Saúde Pública, v. 37, n. 5, p. 1-17, 2021.). Carolina, ao acomodar algumas normas - planejando fugir da maternidade, jogar-se do prédio, fingir tomar o medicamento para controle hipertensivo - e resistir a outras - a possibilidade de ter alta do ambiente hospitalar -, de algum modo cria possibilidades de poder maternar, e de não perder seu filho, mesmo tendo sido abraçada pelas ruas, como contraditoriamente é apontado em sua fala que dá título a este artigo.

Essas mulheres estão o tempo todo negociando as possibilidades de se tornarem mães. Na experiência de Carolina, entregar seu filho para algum parente ou família de sua confiança significa continuar sendo mãe, já que ela sabe onde e com quem seu filho está, podendo ter acesso e laços afetivos com ele. Por outro lado, o sentido associado à perda apareceu com a possibilidade de ele ser encaminhado, pela maternidade, para o Sistema de Adoção.

Como sinaliza Fonseca (1995FONSECA, C. Caminhos da adoção. São Paulo: Cortez, 1995., p. 132), “‘uma criança tem para elas um significado diferente do que tem para os legisladores; e, em todo caso, quase nunca é pensado por elas em termos de ‘abandono’”, Carolina mostra que entregar o filho, quando o desejo de maternar se defronta com questões materiais da existência humana, é sempre muito difícil, dramático e sofrido. Mostra que a decisão de entregar o filho não é necessariamente sinônimo de não o querer ou ainda de não ter por ele afeto. Mas, às vezes, pela esperança de que a família extensa ou de criação terá melhor condições de criá-lo.

Carolina sonha e projeta para seu filho um futuro diferente do seu. No contexto de um profundo desamparo e desproteção social, a capacidade de sonhar e projetar futuros talvez sejam movimentos não apenas de resistência, mas de reivindicação de sua humanidade sistematicamente negada. Acompanhar a história de Carolina é se dispor a reconhecer que “a vida exige apoio e condições possibilitadoras para poder ser uma vida vivível” (Butler, 2019BUTLER, J. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019., p. 40).

Quando começamos a escrever este texto, as redes sociais foram tomadas por denúncias de destituição de maternidades por agentes do Estado (Bottamedi, 2021BOTTAMEDI, F. Bebê retirada da mãe em Florianópolis é internada com problemas respiratórios. ND+ [Online], 2021. Disponível em: <https://ndmais.com.br/saude/bebe-retirada-da-mae-em-florianopolis-e-internada-com-problemas-respiratorios/>. Acesso em: 21 ago. 2021.
https://ndmais.com.br/saude/bebe-retirad...
). Infelizmente, a mulher-mãe-preta-e-ama-de-leite, hoje babá, doméstica ou em situação de rua, continua perdendo seus filhos de diferentes formas e com muita violência.55 Dedicamos este texto a Ana Paula de Oliveira, a quem prestamos também nossa solidariedade. Idealizadora do coletivo Mães de Manguinhos, Ana Paula teve seu filho, Johnatha de Oliveira Lima, covarde e brutalmente assassinado por um policial militar. Há dez anos fez de seu luto bandeira política para brigar por justiça. Em 2024, a Justiça Brasileira condenou o PM por homicídio culposo.

Devemos dizer que este é um estudo parcial. Escolhemos contar o cotidiano de vida de uma só mulher, mas que coloca na arena do debate público questões sobre a construção de políticas, as relações de gênero, classe e raça na formação do povo brasileiro.66 Santos, C. G.: concepção do estudo, redação do manuscrito, interpretação dos dados e aprovação final da versão submetida. Constantino, P.: interpretação dos dados, revisão crítica do manuscrito e aprovação final da versão submetida. Baptista. F. W. T.: interpretação dos dados, revisão crítica do manuscrito e aprovação final da versão submetida.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Programa Inova Fiocruz - Pós-doutorado Júnior, pelo financiamento da bolsa para realização do estudo, e ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz, pelo apoio para publicação do artigo. Agradecem, ainda, pelo cuidadoso trabalho de revisão ortográfica e gramatical feito por Afonso Henrique Novaes Menezes (UNIVASF). E os comentários críticos e preciosos de Taniele Rui (Unicamp), Danielle Moraes (IFF/Fiocruz), Regina Helena Simões Barbosa (IESC/UFRJ), Sônia Maria Dantas Berger (UFF), aos integrantes do grupo de estudos, pesquisa e afeto “Caminhos Decoloniais na Saúde”, às/aos trabalhadores/trabalhadoras das Equipes de Consultórios na Rua da Cidade do Rio de Janeiro. A Carolina e sua família, personagens centrais desta história.

Referências

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  • 1
    Todos os nomes utilizados no texto são fictícios e uma homenagem a personalidades negras de nosso país.
  • 2
    A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) e da Secretaria Municipal de Saúde/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (SMS/PCRJ), sob parecer número 3.457.046 e 3.550.564, respectivamente.
  • 3
    As falas das mulheres estão sinalizadas por seus nomes fictícios e as cenas do cotidiano estão sinalizadas como diário de campo.
  • 4
    Este título é uma adaptação da expressão "O lixo vai falar e numa boa", utilizada por Lélia Gonzalez (2020) para enfatizar a importância de a pessoa negra ocupar seu lugar de fala. Desse modo, buscamos reforçar a importância de valorizar a fala, experiência e vida de mulheres em situação de rua.
  • 5
    Dedicamos este texto a Ana Paula de Oliveira, a quem prestamos também nossa solidariedade. Idealizadora do coletivo Mães de Manguinhos, Ana Paula teve seu filho, Johnatha de Oliveira Lima, covarde e brutalmente assassinado por um policial militar. Há dez anos fez de seu luto bandeira política para brigar por justiça. Em 2024, a Justiça Brasileira condenou o PM por homicídio culposo.
  • 6
    Santos, C. G.: concepção do estudo, redação do manuscrito, interpretação dos dados e aprovação final da versão submetida. Constantino, P.: interpretação dos dados, revisão crítica do manuscrito e aprovação final da versão submetida. Baptista. F. W. T.: interpretação dos dados, revisão crítica do manuscrito e aprovação final da versão submetida.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Out 2023
  • Revisado
    15 Dez 2023
  • Aceito
    23 Dez 2023
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